quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Brasil: o retorno


Em todo ano o segundo semestre tem dois “clímaxes”: Agosto e Dezembro. Agosto nunca acaba. Além de ser um mês muito longo (é a sensação...), carrega uma simbologia negativa que o senso comum acredita piamente: “Agosto? Mês de desgosto!”. Porém, quando este mês passa, basicamente estamos no Natal. Os deuses aceleram o tempo e os meses seguintes quase que se sobrepõem.
Setembro, outubro e novembro tornam-se meses das arrumações, finalizações, limpezas, reencontros, resultados, fechamentos, tudo em geral. As lixeiras e os lixões ficam abarrotados de todos os nossos instantes de posse e gozo. Setembro, outubro e novembro tornam-se meses em que se fermentam os desejos que serão explicitados em simpatias, mandingas, pensamentos positivos, oferendas etc., no mês de Dezembro, em diversos mares, terreiros, “quartinhos”, igrejas, reuniões etc.
Surge, então Dezembro, o Rei da Festa! Esse é o mês (para a maioria) das novidades, dos “pontos finais”, das avaliações pessoais e profissionais, de reavaliar resultados parciais ou nulos, dos perdões, das saudades, das festas e dos presentes. Dezembro é o mês em que presentear visibiliza TODAS as pessoas. Os pensamentos pensam pessoas! Mas também é o mês em que novos planos são focalizados. Novas metas são criadas. Novos planejamentos são elaborados. Não sei bem o que acontece, mas o ar desse mês tem uma aura tão otimista e franca que os objetivos nunca apontam para o fracasso. O que se quer (deseja) é sucesso!

Ave Janeiro! Grande parte da população está se refazendo: são os recessos, os descansos, as férias, as licenças, as viagens, as diversões etc. A sensação é de que todos estão em “viagem de cruzeiro” mas com a proposta de empreender uma faxina real e incisiva na vida familiar, sentimental e profissional. Esta diminuição da rotina diária é necessária para que se faça um feedback interior das situações duras pelas quais passamos e para repensar atitudes, momentos felizes, absurdos, de perda, de encontros, de conflitos, de discussões etc.

Nossa população é de fé, é da crença, e é positiva. Logo mudar e transformar são os verbos da virada. Mas mudar o que? Mudar sua posição na realidade, mudar seus papéis sociais, mudar a justiça e a política, mudar de atitude, enfim mudar o que for preciso para ser feliz! Como não desistem de si mesmos, desacreditam na vivência dum continuum ou duma proposta simples de “recorte e colagem” de seus sonhos, desejos, certezas. Nossa população age pelo autoconvencimento de que, realmente, “dias melhores virão”.

Fora da dinâmica do dia a dia, e diante dum relaxamento, a população, frente a este projeto de mudanças possíveis, ao implementá-lo, heroicamente, acredita conseguir passar por obstáculos de todo tipo. Seu planejamento que, primeiro requereu convencimento do que poderia fazer nos próximos meses, tornou também possível fazer um levantamento dos riscos e arquitetar estratégias de eliminação das situações imprevistas. O foco é atingir sempre o resultado previsto, nunca improvisar. Sendo assim, para o autoconvencimento, há necessidade de um autoquestionamento, o melhor exercício para modificar crenças erradas e maus hábitos. Sócrates disse um dia “quando encontrei as respostas, mudaram-se as perguntas”. Janeiro, então, é o mês em que as perguntas (as insatisfações) são pensadas e questionadas com calma e relaxamento. Então, no tempo, acreditamos, aprendemos a dominar, e mesmo a abortar, a compulsão ao retorno a qualquer zona de conforto anterior. Resultado? Sonhamos! Desejamos! Fantasiamos!

Em vista disso, Dezembro e Janeiro são os meses da crença no sucesso. Há uma sensação de que, como uma urna eleitoral, tiramos a zerésima do ano anterior, esvaziamos a máquina dos votos e a (nos) reprogramamos para o próximo ano. Todos os planos visam a valorização da auto-estima e acrescentam a ela o elemento prazer. Todas as estratégias são de guerrilha. O que se quer são novos métodos para ultrapassar o ano seguinte. Não pensamos em insucessos, fracassos, desistências. E se acontecerem, o que caberá a nós? Reajustes! Ou seja, cabe a reescrita de novos contratos com o futuro, verdadeiros pit-stops cujas ações incidirão sobre o progresso de cada passo estipulado no planejamento anual, na medida em que se alterem algumas tarefas listadas em cada estratégia.

Mas aí chega Fevereiro! “Alalaoooo... Mais que caloooorrr!” Carnaval! Festa da Carne! Um verdadeiro “triângulo das Bermudas” de nosso equilíbrio interno, de nossas mazelas sociais, de nossas insatisfações político-econômicas. Nessa dimensão surreal, somos, de novo, heróis de nossos melhores sonhos e re-olhamos a experiência de viver a pós-modernidade com satisfação porque estamos num momento em que “tudo pode” ou em que “tudo podemos”. Estamos completamente indiscriminados, soltos, quase divinos. Vestimos nossas fantasias e as vivemos sem nenhum pudor. Políticas públicas inócuas, violência generalizada, mensalões, preconceitos, injustiças, tudo isto está posto numa gaveta de armário no quarto de empregada ou juntos aos entulhos de um porão sem chave.

Se o momento é de alegria, para que pensar nisto? É preciso extravasar. É preciso não pensar. Ao redor da expressão “é preciso ser feliz”, ficamos surdos e cegos aos noticiários, aos aumentos, aos esquemas de trabalho extra (mutirões bem pagos dos políticos), às sanções do Congresso, aos decretos-lei da Presidência etc. Abrimos precedentes para que, em nome da efetivação dos cargos de vereadores, deputados e senadores, seja redimensionada nossa vida financeira, cidadã, profissional e até familiar. Envoltos nos blocos festivos de cada estado ou esquina desse país, abrimos mão do diálogo analítico com nossas bases político-econômicas-sociais na busca de solução para os mais diferentes problemas. Saímos de casa na sexta-feira e só voltamos na quarta-feira depois da apuração, esgotados de vida, mas mortos de realidade e de decisões.

O sol nasce na quarta-feira de cinzas e nossa população literalmente está em cinzas. O Fogo, presente de Prometeu, foi apagado e, depois da euforia, só nos resta a melancolia e o rescaldo dos excessos. Segundo Cecília Meireles em seu texto “Depois do Carnaval”:
“(...) eis que nos encontramos com os [nossos] melancólicos despojos: pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira; oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas; torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes. Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade.”

Em Janeiro, mais do que objetivar o sucesso dos próximos meses, somos/estamos assolados com dívidas que, dizem, nos mantém na condição de cidadãos: IPVA, mensalidades, lista de colégios, IPTU, Imposto de Renda etc. O Brasil, em relação aos nossos “homens de política”, está inerte e indiferente aos problemas políticos, econômicos e sociais, sem solução, acumulados desde o ano anterior. Mas o povo e SÓ ELE precisa cumprir suas obrigações; é cobrado incisivamente por sua responsabilidade; e precisa entender que, aqui, no Brasil, imposto pago é marca de cidadania e senha para obter direitos.

Em Fevereiro, feriado nacional! Seus quatro dias de folia, empreendem uma cegueira generalizada: somos um povo bem-aventurado e feliz por tudo e por nada. E nada funciona fora desse contexto, acreditam... Mas aí, para todo e qualquer evento há um antes, um durante e um depois. E “depois do Carnaval”, o Brasil se revela, se visibiliza, se impõe e não admite reparações. O movimento em busca da realização da expressão “um país do futuro” se acelera apesar de qualquer coisa. O Brasil volta ao trabalho, ainda que com as principais decisões sobre a vida cotidiana de sua população já decididas e sem opção de alteração ou de diálogo. O povo, assustado, e como um bom rebanho, só tem a possibilidade de seguir em frente e, no processo, tentar entender e administrar o que lhe aconteceu. Muitas de suas promessas e planos de fim de ano precisam ser ignorados. Por que? Porque o futuro lhe é independente. Querer, desejar, sonhar, planejar, não mais lhe basta para ser feliz, diferente e um “alguém”.

Em Março, Abril, Maio, Junho e Julho, meses em que o Brasil, realmente, trabalha, nosso povo segue vivendo momentos de pura superação, sem descanso, e de total contradição: ainda que todos os planos tenham sido construídos sob bases sólidas (o desejo é sólido), desde Janeiro, por causa das tantas dívidas, dependências e obrigações, a energia da certeza de “um mundo melhor” se perde, se impossibilita, torna-se estranha, porque os valores humanos estão em xeque. Estamos nus e frágeis diante das inconstâncias de um país banhado na síndrome da desvalorização social. Embora todos os planos sejam muito bem intencionados e construídos (sonhamos o tempo todo), a realidade se mostra desprezível e despreza todo e qualquer valor, principalmente, no que concerne às palavras RESPEITO, SOLIDARIEDADE e JUSTIÇA.

Enquanto os garis limpam os rescaldos dos quatro dias de folia, readquirimos gradativamente noção de quem são nossos “reis e imperadores” políticos e a extensão de suas ações “na calada da noite” carnavalesca. Toda a galhardia dos desfiles de nossa brasilidade se desvanece diante de uma REALIDADE basicamente perversa.

Segundo um amigo “o sol é para todos, mas a sombra é para poucos”.
Que pena...

Profa. Claudia Nunes
Mestranda em Educação – UNIRIO
Tutora de Pedagogia a distância/IAVM-UCAM

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