sábado, 3 de maio de 2008

Por que Escrever? 2*


“A escrita nada mais é do que um sonho portador de conselhos”.
Jorge Luis Borges

Escrever é sonhar acordado marcando a vida numa folha de papel. Estratégia de conquista ou forma de auto-organização mental, a escrita é a uma tecnologia que investe no esvaziamento dos incômodos, angústias e/ou sentidos de tramas e/ou bloqueios antigos. Em duas situações, escrever é referência para que profissionais “da mente” compreendam os “problemas” dos indivíduos: revelação de dramas mentais ou escape das drogas. Diante do silêncio de si, por medo, o corpo motor estabelece outra forma de comunicação com qualquer acontecimento “pregado” no interior da consciência, pela escrita, quando indicada por profissionais. Uma comunicação em que vão desaparecendo: timidez, gagueira, medo, repressão, silencio etc.

O artigo de Massimo apresenta um caso de uma mulher (Marta) que perdera o marido e, apesar de o acidente ter sido superado, custava-lhe manter relações com os amigos, conhecer novas pessoas, mal comia e dormia e um véu de tristeza lhe atormentava. Ao procurar um terapeuta, durante um mês não conseguia verbalizar seu problema, ainda que tentasse muito. De repente, o terapeuta disse: “É suficiente por enquanto. Na próxima semana, traga um caderno e uma caneta”. Tudo transbordou. A escrita das sensações, das situações e dos sentimentos trouxe, gradativamente, um alívio interior à paciente, além de uma compreensão maior do que estava acontecendo com ela. Gradativamente ela não freqüentava mais o consultório.

Em muitos casos, o registro das experiências no papel torna-se uma técnica terapêutica eficaz. Mesmo em pessoas “sãs”, a proposta de escrever traz uma compreensão melhor das questões que inquietam. É um momento de esvaziamento de informações sensoriais que, no conjunto, criam entraves às relações pessoais e problemas à saúde mental. As palavras encadeadas criam narrativas emocionais porque exigem da memória o exercício de lembrar, ou seja, por evocação, a pessoa revive a situação com uma riqueza de detalhes que, às vezes, nem se dera conta, mas que, provavelmente, criaram elementos estranhos à mente e cujos reflexos estão no corpo e nas formas de inter-relação pessoal e social. As somatizações ocasionadas por defesa do corpo e da mente são reveladas e (re)sentidas através das marcas verbais construídas diariamente no papel (ou blog). O indivíduo tem a oportunidade de si “melhorar” pela escrita e pela leitura de si em meio à linguagem verbal.

Segundo Massimo, o primeiro estudo sobre a técnica da escrita foi realizado no início da década de 90, por James Pennebaker, psicólogo do Texas, e alguns alunos. Por associação livre, grandes partes das dissertações versavam sobre temas traumáticos (estupros, drogas, suicídios na família). Daí em diante, os alunos pouco freqüentaram o centro médico, pois os problemas somáticos foram reduzidos em quantidade e intensidade. O interesse por essa técnica aumentou muito. Anos depois, Joshua Smyth (de Dakota) usou a técnica com 70 pessoas com asma ou artrite reumática durante quatro meses e, neste período, o médico percebeu nítida melhora nos sintomas: redução da dor e aumento da mobilidade (artrite), e incremento da capacidade pulmonar (asma). Além de pouco freqüência ao laboratório.

Num primeiro momento o que se depreende é que, durante a escrita, o sistema imunológico é atingido, a percepção da pessoa sobre o fato e sobre si mesma se amplia e há uma diluição das somatizações. Quieta, em silêncio “dos outros”, e no próprio tempo, a pessoa se socializa e sensibiliza com suas próprias experiências e, no processo de escrita, lembra e analisa seus medos, traumas, bloqueios, sem restrições e, cada vez mais, com verdade e clareza. Da emoção ao raciocínio sobre os eventos e sobre seus reflexos á sua saúde mental, a pessoa compreende aspectos sobre si mesma relacionados às emoções e pensamentos e faz escolhas de como gerenciar suas expectativas e fantasias.

Em todo o processo, a intenção é algo similar àquilo que Freud imputava ao papel do diário. A escrita, chamada por ele de voz do ausente, facilita a elaboração de perdas e a aceitação, por exemplo, do luto e da separação – que abre caminho para reparações psíquicas. É um fenômeno complexo porque, ao longo da vida, o acontecimento de fatos traumáticos é comum e até natural, logo, em nossa memória, imprimem-se elementos estranhos que impedem o desenvolvimento máximo das potencialidades. Estes, se se avolumarem, criam personalidades densas envolvidas em depressões, síndromes do pânico, bipolares etc. Por isso, vamos escrever?

Escrever é muito perturbador? É sim! Ao precisar uma evocação, precisa o aparecimento de outras tantas lembranças quase sempre “desagradáveis”. Por isso é pedido/preciso uma regularidade de escrita, mesmo com estrutura ficcional, monográfica ou informal, porque: escrever ajuda a reelaborar e superar diferentes vivências e a diluir somatizações (manias, posturas radicais, negações etc.) antigas ou não. É também complemento á atitude de ensinar a mente a pensar de forma mais complexa e articulada. É um exercício cujas revelações ajudam nas relações com os outros e consigo mesmo. É uma atividade que impulsiona habilidades sociais, maior facilidade para se expressar afetivamente e, em alguns casos, pode ajudar a redefinir as metas profissionais.

Há outras formas de expressão, como a música e a pintura, cuja linguagem não-verbal (imagética) também oportuniza a expressão de experiências psíquicas mais negativas, mas cuja análise exige um olhar formatado em aspectos mis subjetivos e ambíguos. São extremamente importantes! Mas a escrita, no papel e, na atualidade, nos blogs, justamente pela linguagem verbal e de sentidos encadeados, expõe desejos, emoções, necessidades e metas que ajudam a viver a vida de uma maneira mais objetiva e permite a reelaboração dos fatos e sua reflexão de maneira individual e constante.

Portanto, por que escrever?
Porque faz bem à pele, á mente e ao corpo!


* Resenha sobre o artigo de MASSIMO, Barbieri entitulado “Escrita para Curar”, publicado na Revista Mente e Cérebro “Inteligência em expansão”. Ano XV, nº 184, ps. 75 a 77.


Profa. Claudia Nunes
Tutora do curso a distância em Pedagogia / IAVM
Mestranda em Educação / UNIRIO

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...