domingo, 27 de junho de 2010

ALICE no país dos distraídos

Vi ‘Alice no país das Maravilhas’ de Tim Burton e não gostei. Questão de imaginário, preconceito e de ser uma imigrante digital: o 3D me incomodou muito. Adjetivos como insólito, absurdo ou surrealista estão exacerbados em cada cena. Bom enfim, é a ‘nova onda do Imperador’ EUA.

Já adolescente, Alice esquece-se de si mesma? Esqueceu-se das aventuras? Assimilou tanto assim o mundo real que sua memória realocou a experiência no mundo dos pesadelos? Bom, é assim que começa o filme. Alice está na aventura da independência, das amizades, dos enfrentamentos, das superações e da autonomia: uma agonia só.

São tantas as referências à literatura, à matemática, à psicologia, à lingüística etc. que todo o texto torna-se ‘de difícil interpretação’. Mas mesmo assim, eu vi meus alunos ali; eu vi o esforço de aprender que têm; eu vi como é difícil ser respeitado quando jovem; eu vi o tanto de criatividade interior que se renega em nome de um paradigma educacional antigo.

Tim Burton parece improvisar. No filme há duas Alices, a ‘do país das maravilhas’ e a ‘do outro lado do espelho’. Real e imaginário / razão e emoção fundidos e ditando as regras dos comportamentos e das relações. Alice precisa ‘reaprender-se’, precisa reviver parte da sua experiência anterior, precisa aprender autonomia, postura, liberdade e, principalmente argumentação. Enquanto se entende naquele lugar cujas indicações e impressões sugerem familiaridade, Alice se fortalece como ser humano e como sujeito social importante.

Eu vejo meus alunos como verdadeiras “Alices’. Só que eles não conseguem sair do campo do imaginário. Seu imaginário é heróico, sempre promissor e pleno de conquistas. Mas ainda não se reconheceram, ainda não se enfrentaram ‘na real’, ainda não romperam o conforto do casulo do prazer. Nesta perspectiva investem no encontro das novidades diárias e aprender demora.. demora muito... Acreditam que têm ‘corpo fechado’ para sempre para qualquer problema ou discurso.

Há uma ânsia e expectativa no sentido de aprender e praticar tudo rápido. É outro tempo. É outra duração de tempo. É outra dimensão de tempo. É outra vivêncio do tempo. Nada de aprender pelas horas. Ações como ler e refletir são 'chatas'. É ler e agir, fazer logo. A idéia é aprender (se informar) agora e prática logo. É experimentar as informações no instante em que elas são conhecidas. E se não der certo, parte-se para outra informação, sucessivamente. Operações mentais como refletir e interpretar é ‘coisa de gente antiga’.

Como estamos em tempos de revisitações do imaginário infanto-juvenil (veja-se Homem de Ferro, Homem Aranha, Hulk, Batman, Robin Hood, Fantasma, Thor, Transformers, Super-homem e dos heróis metamorfoseados X-Men), surge timidamente uma releitura do Pequeno Príncipe e estrondosamente o filme Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, meus alunos viram tudo e estão mais inquietos. Em muitos casos, eles transferiram suas identidades para os personagens ficcionais. Eles querem uma identidade secreta. Eles querem ser outros. Eles querem ser alguém. Mas 'ser alguém' de forma rápida.

Mas, de repente, eles têm que tomar banho, ir para escola, fazer atividades, fazer compras com a mãe, limpar o banheiro, ajudar o irmão, ‘fazer sala’ para tia, levar o lixo fora de casa, ganhar dinheiro etc. Com o imaginário recheado de possibilidades massificadas na mente, não entendem o valor de aprender valores e conceitos, não entendem mesmo as boas maneiras, a obediência e o momento de fazer silêncio, por exemplo. No confronto ou conflito, reagem desgovernadamente. Ou seja, procuram resolver qualquer questão de qualquer jeito e rápido. Aqui diferente de Alice, eles não tem a oportunidade de rever/refazer seus passos por si mesmo e chegar a um final feliz. Segue na vida ‘aos trancos e barrancos’ com mais decepções do que sucesso.

Como seria esperado, Tim Burton é o fragmentador de imaginários. Desde ‘Edward Mãos de Tesoura’ e ‘Os Fantasmas se divertem’, este diretor revisita contos e livros da literatura mundial inutilizando expectativas ou memórias. Não há um tom negativo nisso, apenas ele pincela exageradamente histórias seculares e, em muitos casos, a surpresa é admirável e estonteante, ainda que frustrante.

Assim é Alice... Imagens densas, cores quentes e exóticas. As primeiras cenas apresentam-se opacos, sem vibração e insosso. De novo, me vi diante das histórias de muitos de meus alunos: famílias que perderam o status; famílias em que um dos pais é um sonhador e joga tudo ou se droga muito; famílias cuja doença ou violência matou um dos responsáveis; família que investe em laços matrimoniais por interesse; famílias cuja violência é a tônica; famílias estranhas aos alunos etc.

De alguma maneira, a família, ponto nevrálgico do processo educativo, está remexida, desequilibrada, sem parte da base. E sabemos, em toda família, há jovens e crianças nos quais não pensamos quando tragédias, separações, discussões ou mesmo papos de adulto acontecem em frente a elas. Mas eles estão ali, atentos, absorvendo e aprendendo o sentido do ‘não’ sem mediação ou intermedição.

Eu poderia falar que eles aprendem o fingimento porque o percebem em casa. Mas o que se dá é uma indiferença emocional. Eles crescem entre aqueles que ignoram: ignoram a cultura, o respeito, a escuta, o diálogo. Não vai aqui denúncia ou crítica, apenas um esclarecimento sobre as convivências de milhares de jovens muito relacionadas à sobrevivência financeira e não emocional. Entre um e outro, hoje, o dinheiro fala mais alto sim. E meus alunos chegam à escola ou chegam a mim repletos de (pré) conceitos (inclusive cognitivos) duros de dirimir ou extirpar.

Meu trabalho? Ensinar Literatura!

Profa Ms Claudia Nunes

sábado, 26 de junho de 2010

INFELICIDADE DOS OUTROS?

Realmente o ‘amor está no ar’! Este tema está muito presente nas mídias e em minha cabeça. E é assunto que dá ‘panos para mangas’. Hoje, depois do jogo do Brasil, o papo entre meus amigos era o amor depois do casamento. E pelo jeito, há certa melancolia e saudade nas falas. Pelo que entendi: a convivência diária trouxe mudanças e/ou surpresas não muito boas. A questão da conquista, misturada às responsabilidades, trouxe certo conformismo na relação a dois.

Meus amigos acreditam que isto seja normal, mas percebo que o ressentimento se instalou. E pelo que sei, a próxima etapa é uma carga imensa no funcionamento do imaginário ‘fora relação’. Em meio as conversas, surge uma idéia: se há coisas que não foram percebidas antes, o jeito é consertar. E consertar significa mudar o outro ou tentar recuperar o momento anterior cheio de seduções. A idéia é resgatar os pequenos aceleramentos do coração tão comuns enquanto o casal se amalgamava. Será que é certo?

Antes de se ganhar certos papéis sociais (marido/esposa, namorado/a ou mesmo amantes), o projeto e o planejamento sobre a relação investiam no prazer. Estar junto realizava-se no prazer: prazer do cinema, dos jantares, das boates, dos encontros, dos passeios etc. Se não está próximo, o casal acresce seu cotidiano com e-mails, cartões e telefonemas amorosos só para não perder a ligação do prazer ou para acrescentar mais amor ao futuro encontro. Em todos os momentos, a atenção ao outro era primordial e, praticamente, única fonte de aproximação e de sucesso. É conquistar ou conquistar.

Dentro desta visão, mesmo na impossibilidade do contato físico que dispensa a fala, são os comentários simpáticos sobre aparência, postura e atitudes, as melhores ferramentas de atração e/ou de capturar o coração de uma pessoa. A questão da massagem da auto-estima alheia é um ‘ataque’ fantástico e certeiro. E sendo realizada sem interrupção alcança e atrae os sentidos/instintos do outro. Esses comentários então são os encantamentos necessários à manutenção da relação como amorosa.

Em torno de tudo isso, o que está de fora? A vida ‘responsável’ de cada um. Ou melhor, pode-se pedir conselhos e/ou sugestões, mas cada um mantém a dinâmica da vida profissional e familiar, por exemplo, fora do amor. A intimidade não é total. Ainda assim, quando certas, essas decisões causam mais felicidades ao casal e apimentam a paixão; quando erradas, há prazer no consolo ou ‘no contar’ com o outro para desabafos e/ou superação do fato. De qualquer jeito, ainda que a paixão se assegure, um deles está fora da situação em si.

Aí entra em cena, a confiança, a dependência e a firma certeza que nasceram um para o outro. Cuidado! Essa identificação tem dois lados que precisam ter muito atenção: um lado positivo, caso os dois invistam no crescimento mútuo e mantiverem suas individualidades de maneira saudável; e um lado negativo, caso um dos dois acredite que a vida não pode ser vivida sem o outro. De novo, cuidado! Da ilha da fantasia incrustada no pensamento ‘alma gêmea’ às escovas de dentes juntas num mesmo banheiro ‘para sempre’, há um abismo de diferenças que precisam ser enfrentadas em todos os dias, juntos! Mesmo como casal, as individualidades não se perderam!

Pelo que percebi, entre os meus amigos, o desejo é de retorno e congelamento do tempo anterior, cheio de novidades também amorosas. Aí o problema não é a relação, é a falta de maturidade para superar mudanças ou a instalação natural da rotina. Aí o problema é não saber o que fazer com a presença de manias e vícios do outro e de si mesmo frente ao outro, elementos disfarçados de muitas maneiras no processo de conquista. Sendo assim, em muitos casos, a primeira solução é fingir que nada acontece e crer que o tempo ‘cura tudo’. Erro! Erro sério! Fingimentos reprimem a voz e os desejos. Dos pequenos fingimentos às grandes tragédias amorosas, o caminho pode ser bem curto. Vejam os últimos noticiários! Pela terceira vez, cuidado!

Não posso opinar sobre a vida dos outros. Mas posso provocar o pensamento sobre certas posturas. Então lembre-se: viver junto não se assemelha a um contágio virótico sem remédio ou cura. Perceba alguns sinais básicos que anunciam o mal estar amoroso: você critica muito o outro? Você o/a observa como um ser frio ou sem a emoção de antes? Você passa o tempo tentando educá-lo/la? Você já prefere atividades separadas? Você já começa a evitar contato com amigos em comum? Você já se vê tomando todas as decisões? Estas e outras sensações não são convidadas à relação, mas, quando instaladas, refletem um momento crítico na vida do casal e o jeito é conversar.

O ‘príncipe não virou sapo’! A ‘princesa não virou sapa’! O que se perdeu ou não se aprendeu, foi a tolerância! Toleramos a falta de pontualidade ou de sensibilidade dos amigos. Toleramos manias, vícios e desvios de comportamentos dos amigos. Por quê? Porque do conhecimento destas faltas ou desvios há uma troca rica cuja idéia é a manutenção do respeito mútuo. Por outro lado, quando na relação amorosa, rapidamente uma mania vira defeito gravíssimo; um vício torna-se um estilo insuportável; e um desvio de comportamento revela-se ponte para uma separação certa. Ai está justamente a fonte do desencantamento. Como assim? Um dos dois tem medo de contaminação ou é egoísmo mesmo?

Atenção, em meio a um relacionamento ‘para sempre’, depois que um casal decide morar junto, deve ter em mente que não há mais filtros de personalidade. O casal estará inteiro de frente ao outro e com total intimidade. Não se pode mais mostrar apenas o que se tem de melhor ou experimentar o que o outro tem de melhor. A lente do amor passa a ler em 360º. Homem e mulher vivem como pessoas e compartilham suas humanidades claramente. Ambos podem escovar os dentes com barulhos estranhos. Ambos têm roupas velhas para andar em casa. Ambos podem se esquecer de datas especiais. Ambos podem se demorar para pentear os cabelos de manha. Ambos podem roncar. Um dos dois pode ter coleções estranhas. Ela realmente não sabe cozinhar ou tratar da casa. Ele realmente bebe um drinque todo domingo de manha com amigos ou não. Ou seja, na intimidade o que emerge são as imperfeições antes escondidas. Qual o seu nível de maturidade/inteligência para conviver ou não com isso?

Antigamente esse processo de percepção levava anos, porque levava-se em consideração interesses financeiros em comum, filhos, status, vergonha, sociedade etc.; hoje em meses o casamento torna-se uma arena onde as desilusões são expostas a toda hora e cuja opção de solução prática é a separação simples. Ou, se não se quer ainda o fim do casamento, decide-se: ‘o jeito de ele/ela se alimentar é inaceitável, aquela tendência anti-social que ele/ela tinha se acentuou. Precisamos sair, viajar, emagrecer. Eu quero ele/ela sem barriga. Eu quero ele/ela bonito, eu quero ele/ela bem-comportado/a, espirituoso/a, falante’. Certo? Errado! Não se decide a vida do outro sem o outro. Esta decisão exige diálogo, conversa, talvez pequenas e delicadas tentativas e muito respeito às individualidades.

Portanto, pare de medir o amor do/da parceiro/a! Um casal é formado de duas pessoas diferentes e com vontades diferentes, que, num determinado momento, por amor e admiração, resolveram passar parte da vida em comum acordo. Ninguém muda por causa do outro. As pessoas só se modificam se estiverem incomodadas com o seu jeito próprio de ser. Qualquer coisa diferente disso, você terá uma pessoa reprimida. E repressão em ebulição pode gerar uma explosão descontrolada no futuro e enormes arrependimentos. Não pendure suas insatisfações no outro. Em toda relação há buracos e/ou carências quase impossíveis de eliminar. Seja tolerante e aprenda a compreender e criar momentos de diálogo.

De tudo que se possa esperar de uma relação, nada é pior do que escutar: ‘Por sua causa eu não...”.

Você quer levar a culpa pela infelicidade do outro?

Referência:
FUCUTA, Brenda & ARATANGY, Lídia. Por que nós insistimos em consertá-los? Revista CLAUDIA, junho de 1996, págs 232-235.

Profa Ms Claudia Nunes

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Morre JOSÉ SARAMAGO: nasce a CEGUEIRA BRANCA

Em momentos específicos, penso na morte. Hoje penso na morte. Morreu José Saramago! No caso de nossa família, quando alguém morre, outros bebês nascem. Não é substituição, apenas numericamente não há diminuição. Num conjunto de 20 pessoas, um morto. Total: 23 pessoas. Como assim? Não há faltas numéricas, já estamos multiplicados, já estamos dobrados ou triplicados, já vivenciamos a descendência. Ou seja, numericamente nos mantemos em mais lugares, já estamos em mais lugares. Porém emocionalmente precisamos nos repensar. Mas morreu José Saramago! Emocionalmente, nem o tempo SARA isso. Há uma cultura imaginativa com o qual não mais lidaremos. Há uma narrativa ficcional que não mais nos alertará sobre o mundo e suas perversidades. Há uma MAGIA visionária que não mais nos manterá longe de um forte glaucoma. Depois de Dom Sebastião, Luis de Camões e Fernando Pessoa, Portugal perde outro braço importante de vida. Depois de dominar os mares em parceria com a Espanha, Portugal precisa, de novo, rever o grau dos seus óculos territoriais e ficcionais. Estaria desaparecendo? Portugal e o mundo ficam menos sábios, lúcidos e sem vínculos. Os escritores respondem por boa parte de nossa visão de tudo. Suas narrativas criam revisitações imaginárias sobre a realidade que impede a cegueira das vaidades ou das tradições por um longo tempo. Suas palavras traduzem nossos contrapontos, contragostos ou virulência em relação ao outro como uma pancada no queixo. Nenhuma homenagem será suficiente a este escritor que passou a vida nos homenageando com sua criticidade ferrenha e sua verdade obstinada. Nossos olhos ficaram ainda mais embaçados. No meio da ‘diferença entre estar aqui e já não mais estar’, estamos nós, os pedintes, os necessitados, do susto de outra perspectiva sobre nós mesmos e o mundo em que vivemos. Perdemos a imaginação lógica, a imaginação que raciona inesperadamente sobre os comuns e suas tentativas de sabedoria. Para que lugar Saramago foi? Para o campo das idéias surpreendentes, ainda que rascantes. Saramago está do outro lado da moeda em paz e livre de um mundo cego e cheio de empáfia. Morreu José Saramago, depois de uma luta literária ferrenha, depois de deixar marcas para sempre, depois da vida simplesmente. Morreu José Saramago, mas não desapareceu: abriu uma cômoda confortável no céu, se esticou e está debochando dos cínicos religiosos que aqui ficaram. Estamos à mercê dos ‘maus costumes’, das ‘alegorias’ interesseiras, das promessas de céu eterno. Estamos à mercê da falta de criatividade, criticidade e argumentação. A literatura perdeu mais um ponto de diálogo com o estranhamento, com a controvérsia inteligente, com a indignação objetiva quanto aos desmandos políticos, sociais e religiosos. Ele, como narrador único (nunca se disfarçou em outros), determinou um fluxo contínuo (e voraz) de acompanhamento e de pensamento sobre as nossas maiores injustiças. Morreu Saramago, nosso zelador (diz Chico Buarque), nosso curioso, nosso formador, nosso literato da língua, nosso humanista, nosso homem mais questionador e mais polêmico quanto aos ‘caminhos da sociedade capitalista e o papel da existência humana condenada à morte’. Dezoito de junho de 2010 apresenta-se, em nós, mais uma deficiência: a cegueira. Socorro, a infecção branca começou!!!!!!!!!!!

Profa Ms Claudia Nunes

terça-feira, 22 de junho de 2010

MINUTO de JANELA

Dia dos namorados. Dia especial. Ao abrira janela de casa, Lucia nem imaginava como seria o seu dia. Roupas por arrumar. Crianças acordando. Marido no banho. Diante de um sol escaldante, o dia era o mesmo. No parapeito, um cheiro de café desviou sua atenção para os andares abaixo. ‘Nossa! Café fresco’ pensou. Quanto tempo não acordava com uma mesa de café posta. Quanto tempo não acordava sem obrigações. Quanto tempo seu corpo vibrava por novas emoções. ‘De que adianta pensar nisso? O tempo não volta e não sou infeliz’. Passando a mão no cabelo, arrumando sua roupa, respirava a única novidade do dia: o ar. Distraída em suas dúvidas, não ouviu os gritos do marido e filhos no interior da casa. São gritos da dependência, da insegurança, das obrigações e, no fim do túnel, do amor. Com determinados papéis sociais, não há como escapar das escolhas. Seu vestido repuxa, repuxa e repuxa... Impaciente, dá um tapa no ar e acerta a mão do filho menor que pede atenção e um beijo. Que susto! Nunca batera no pequeno! Arrependida, segura-o nos braços e canta: essa é o seu dia. A canção alcança portas, janelas e basculantes... Na rua, uma criança suja grita: ‘moça, assim vou chorar, a senhora tem pão?’ Seu coração dói. No tempo em que vasculhará sua memória, esquecera que todos só precisam de muito colo.

Profa Ms Claudia Nunes

domingo, 20 de junho de 2010

TEMPO e AMOR

Engraçado: o tempo passa. Isto hoje é coisa divertida de se pensar: o tempo passa mesmo. Porém não às emoções. O tempo não passa às emoções finas, sinceras e intensas de certos tempos humanos. Incrível como uma troca de olhar 30 anos depois recoloca duas pessoas num mesmo ponto da juventude: o ponto do amor. Numa esquina do centro da cidade, festas em família, curso de inglês, discussões, cinema com amigos, amizade, idades diferentes, um mundo em conspiração a favor. As lembranças de fulgurante e corajosa juventude estão em cena e desarrumam as experiências presentes. A voz é inútil. Eles se olham, sorriem e se abraçam: ‘quanto tempo!’ E o abraço não termina.

Esse diálogo de sensações joga os dois amigos dentro de uma dimensão: ‘quando se perderam? Quando se disseram adeus?’ Nunca! Apenas houve um contratempo e um contragosto: a família dela se mudou. A ligação foi estancada sem piedade ou explicação. Cada um, independente de sua vontade, foi viver os dias e crescer no mundo sem o outro. Amor em potência colocado no fim da fila. Amor que procura o sol sem endereço certo. Amor que caminha pelas ruas da cidade em expectativa: é preciso encontrar o perfume. Inútil. Foi preciso guardar a emoção e ter fé.

O tempo passa, mas é o amor que justifica os passos. Num cinema, o perfume! Onde está? Numa fila de cinema, os corações se olham: é o encontro desejado 10 anos atrás. Num desequilíbrio temporal, o amor escapa e, novamente um grande e intenso abraço. O tempo pára. ‘Consegui’ – pensam. Ao redor de cada um, outros: os filhos. Ao redor de cada um, um susto: as escolhas. O amor encontrou atalhos, outras volúpias, outras sutilidades cujas pontas deram frutos importantíssimos. Mas sem perceber, se sentam, se tocam e se reinventam. Ainda estão jovens e cheios de intensidades, acreditam no amor eterno, realizam o amor físico dentro do mundo do ‘apesar de’ e vivem a ilusão mágica do ‘só nós dois’.

Mesmo ao ‘pé do ouvido’, sentem algumas faltas e falhas, mas é suprema a necessidade da experiência real da paixão. A emenda é uma confusão só: ambos não têm como convergir e emergir em vida. Regras são regras. Em pouco tempo, a ética descolore o fulgor da cama (sexo?) e quebra a magia da paixão. Neste momento viver o ‘frio no estômago’ ou a sensação de ‘borboletas na barriga’ era improvável: as escolhas foram outras. Se os corpos se reconheceram plenamente, os corações não podem se entrelaçar. Num impulso, a tesoura do mundo recorta os amantes e o arrebatamento retorna à cômoda do prazer.

Não tem jeito: o amor exige completude, entrega, compromisso e admiração. O amor é um conjunto de pequenos enamoramentos que não aceita ‘dar um tempo’ ou juras vagas. Os amantes aceitam o deslocamento, mas nunca qualquer desligamento. Não há necessidade disso. Em cena: ética e caráter. O amor não é uma mancha ou uma sujeira a ser apontada indignamente. ‘O amor vem de nós e demora’. O ideal então é recusá-lo: é uma recusa fingida, mas uma recusa, muitas recusas.

Outro longo tempo longe do olhar ou do toque. Outros 10 anos, mantendo a voz, mas sem os feitiços do abraço. As experiências afetivas se processam. As crostas emocionais ganham lugar de destaque. E, como num ato teatral, muitos personagens mascarados chegam aos corações por pouco ou por muito tempo. O espaço do amor está disfarçado; está recheado de apostas e crenças; ganha penumbras. Não há acomodamentos, há a aprendizagem da resistência porque, fora do armário, os corações apresentam ferimentos, por vezes profundos demais.

O tempo apresenta-se com uma carga de maturidade e uma idéia de que o amor não é uma combinação de luz, e sim uma grande referência de sombras. No meio disso, a busca não está descartada: que tal amar a boa companhia? Que tal amar novos casamentos? Que tal amar pequenas (e saudáveis) relações esporádicas? Que tal amar trabalho e filhos? Que tal amar uma religião ou o início de uma reposição hormonal? Tudo é experiência de amar e dá brilho aos cabelos, forças às unhas, beleza à pele, tranquilidade ao coração. É certo? É certo... Então novos enfoques são aceitos: atravessar os dias aceitando a passagem do tempo e desviar os desejos ao encontro de uma touquinha de lã, uma meia quente e a paz de uma poltrona de leitura no fim de tudo. É certo? É certo...

Mas e o arrepio sem lugar? E a pulsação que corta o corpo no toque? Em dúvidas, os dois amantes são incomodados quando juntos. É um amor-esperança que Pandora segurou com ardor porque era a parte melhor da vida. Ambos precisavam do ‘hoje’. Em contato eterno, ambos não abriram mão do ar um do outro porque sempre estiveram impregnados dele. ‘Como abrir mão de parte do que se é?’

Por um movimento de ‘cheque-mate’ dos deuses, a vida lhes deu um presente: um ao outro num amor desimpedido depois de 30 anos. E nada mudou: a respiração entra em aceleração e o arrebatamento imprime timidez em alguns toques. São adolescentes! São adolescentes experientes e amam com o imaginário. Com a promessa de algo grandioso: eles aguardam um telefonema, um e-mail, uma mensagem, um encontro com a ansiedade antes. Seus primeiros momentos são tensos e desconfiados, mas vividos e surpreendentes.

Em suas vidas profissionais, os pensamentos alcançam o rosto e aumentam o sorriso sem razão. ‘Como será? Como será?’ – se perguntam. O próximo dia, semana ou mês se desacelera porque o amor tem um foco, um prazer, uma nova desenvoltura no cotidiano. ‘Quando estarei junto de novo?’ – sentem. O certo é experimentar, experimentar e experimentar a conversa, a troca de carinho e o ‘fazer amor’ sem fantasmas. Corpos amorosos com revestimento aurático especial da juventude na maturidade. Corpos em nova chance de viver a vibração da ternura e da sedução em detalhes e com calma! Que bom!

Enfim os dois amantes não precisam se esgueirar ‘pelo tempo que der’, as ruas complementam o prazer: ‘Você vai comigo comprar pão?’; e ganham intensidade pelos sonhos, pelo clima e pelo tempo ‘agora’. Um não vai morrer sem o outro. A vida não perde sentido sem a companhia. A febre da paixão vai dar lugar ao calor do amor. Mas agora, os pequenos carinhos e o céu são seus limites.

Profa Ms Claudia Nunes

sexta-feira, 18 de junho de 2010

ESPELHO D'ÁGUA

Hoje decidi caminhar na lagoa. Nunca fiz isso, muito menos sozinha. Mas hoje decidi: quero esta experiência. Parei o carro, comprei uma água com gás e saí andando... saí pensando. Problemas todos têm, mas que lugar lindo! Respirar aqui é fácil e prazeroso. Caminho a esmo e ao contrário dos carros. Quero ver tudo de frente. Gente correndo, pedalando, comendo, bebendo, rindo, conversando, fazendo ginástica. Gente de todos os tipos e com todas as cores possíveis nas roupas. Muito interessante! Um mundo em movimento. Ao redor da mansidão do espelho d’água, há um movimento intenso em busca de felicidade, saúde e relaxamento. Eu me sinto meio mal e começo a caminhar dentro de um padrão rítmico só para parecer também em movimento saudável. Inclusão também é isso, não é? Bem, uma caminhada sempre ajuda a criar, a pensar e, principalmente a me distrair. Estou em outro mundo, por dentro e por fora. Ritmo, saúde, respiração e brisa, eis a fórmula do meu desejo de deslocamento e nem percebo as marcas dos meus passos. De repente, algo me desperta duramente: perto da água, uma pessoa parada. Estranho... Tanta vida pulsando ao redor e em muitas direções, mas há um ser parado: uma mulher. Não consigo continuar. A mulher olha hipnótica ao espelho d’água. Há lágrimas em suas faces e isto me preocupa. Gente que chora é gente emocionada; gente emocionada está em desequilíbrio; e em desequilíbrio pode fazer qualquer coisa. Será um prenúncio de um suicídio? – penso eu. Fico apreensiva e me aproximo pé ante pé. Sinto que me fiz presente. O som do choro diminui. E ambas nos olhamos. Não há o que falar, há o que respeitar. Em silêncio olhamos o brilho e o movimento d’água. Qual é o segredo? Sem sentir, penso em espelhos. Que relação é essa? Por que espelhos? Eles criam dobraduras de nós mesmos. Eles nos invertem e transvertem sem licença ou aviso prévio. Por curiosidade, estamos dobrados. De alguma forma, os espelhos estão em todos os lugares. Mas no princípio era o lago. Deparar-me com meu próprio reflexo dependeu da presença do lago, de algo fluido, sempre novo e ‘impalpável’. Essa representação paralisa e me deixa à beira do precipício. Estou na outra margem do meu rio sem pudores. Não é fácil porque ele realiza sonhos sem atravessadores. Em imersão, não são mais os outros que me vêem e / ou me especulam, sou apenas eu ao quadrado. Em sinergia com o espelho ‘mim sou mim’ claramente. De novo, não é fácil. Ninguém está preparado para isso. Não há equipamentos para que eu lide comigo mesma. É verdade demais! Sem restrições, eu me agacho e sento na grama. A mulher me acompanha. Não nos dizemos nada. Ambas estamos ao nível dos nossos imaginários e sem nenhuma presilha. No espelho d’água, o ideal é saber imaginar. E esta é uma briga feia porque vivenciamos ações antagônicas demais: libertar e prender. Verdade e ilusão têm um mesmo tempo de acontecimento. Daí a dúvida: frente e verso ou frente em frente? Não há como saber. Um campo novo para exploração é sempre sedutor e amedrontador, mas quando o prazer está em jogo opta-se sempre pelos arrepios da mente e da pele de qualquer jeito e por qualquer motivo. Surge uma nova atitude: meu autorretrato. Mas este tem uma falha: estamos satisfeitas porque, diante do espelho, não há Outro. Esquecemo-nos que, no trânsito das mais sutis lembranças em nosso corpo e memória, há a realização de uma participação feroz do Outro, logo o mundo realmente somos nós! A mulher pára de chorar e me olha. A situação se inverteu. Em sua face, uma preocupação: o que acontece? Será que ela precisa de defesa ou de ajuda? – ela pensa. Estou tão encantada com meus olhos e novos focos que não percebo a mudança dos ventos. Quantos segredos, desejos, necessidades e medos. Neste momento, minha compulsão é por mim mesma. No espelho, um baú de pirata se abre e, de outros tempos, muitos ‘mins’ me atacam. Estou abduzida por um ‘mim’ sob pilotis, mergulho nisso sem bóia e me espalho. Sem perceber, a mulher segura minha mão: não vá – ela diz. Eu me debato diante daquela mão quente que cisma em me prender. De novo, eu escuto: não vá! Estou de frente para um querer sem fim porque há luzes atraentes em todo o lugar. Que lindo! Meus ouvidos doem com os pedidos cada vez mais altos da mulher: não vá! Mas não há ângulo para retornar ao mundo dos homens. Sem perceber tenho pontas em todas as direções e quero todas. Se vou retornar ao mundo real, que eu faça com tudo o que for meu: amor, carinho, alegria, consideração, respeito, conhecimento, objetivos. É tudo meu e o mundo precisa (me) reconhecer! Muitas tentativas, grandes fracassos. Minha alma começa a sentir falta de alguma coisa: a magia. E magia, leia-se expectativa, tensão, espera, emoção, superação, conquista. Como Narciso, estou consumida por mim mesma, pela liberdade de ser, pela falta de freio. Sem agitação sinto o corpo dormindo e me assusto: será uma nova prisão? Só voar não me complementa. Como sair? Como sair? – me pergunto. Repentinamente um abraço forte me sacode. Estou amparada pela mulher. Há um choro secular borbulhando em mim. Outra vez, eu e a Razão estamos felizes para sempre.
Profa Ms Claudia Nunes

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...