quarta-feira, 11 de abril de 2012

NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: Entrevista com Profa Dra MARTA RELVAS

Nos atuais tempos, muitos intelectuais e suas biografias já concebem o mundo como espaço de globalização acelerada. Uma globalização que se processa na convergência de muitas culturas e economias. E uma globalização invocada pela ascensão da Informática e as novas tecnologias. A realidade, assim, ganhou em complexidade e interatividade também entre diversos campos do saber científico. Neste sentido, a Educação e a escola estão em alerta quanto às suas funções tanto na sociedade em geral como nas comunidades. As políticas educacionais certificam-se de que há necessidade de renovação/atualização em torno da formação docente, currículo escolar e processos de aprendizagem.
A idéia principal é entender o processo de mudança educacional como elemento importante para ampliar a qualidade de ensino; e as ações das políticas públicas visam proporcionar espaços de aprendizagem significativa e continuada aos docentes e discentes de maneira a oportunizar um repensar didáticas e práticas de ensino com novos recursos tecnológicos.
O Estado do Rio de Janeiro, ao implantar o programa ‘Conexão Professor’, iniciou processo de informatização das escolas e de professores (entrega de laptops) no intuito de dar mais qualidade ao ensino e aprofundar a idéia de que a aprendizagem deve focalizar-se no aluno, hoje, um nativo digital (Prensky) e com dinâmicas cognitivas em transformação rápida.
Porém o que se percebe em diferentes pesquisas é uma crescente dificuldade na assimilação dos conteúdos e uma lenta transformação do paradigma escolar. Se as dificuldades permanecem, o que os professores (que podem ser lidos como imigrantes digitais, segundo Prensky) podem começar a fazer? Seria o entendimento das teorias neurocientíficas, a melhor opção?
Segundo a Profa Dra. Marta Relvas, a união entre a neurociência e a educação seria uma atitude afirmativa importante às práticas de ensino na medida em que os profissionais de ensino precisam experimentar o entendimento do cérebro em sua plasticidade, desenvolvimento e constituição como ponto de partida ao esclarecimento das novas formas de cognição e comportamento em sala de aula.
Neste panorama e a partir do cenário biológico, a Profa Dra. Marta Relvas cria com excelência, uma bibliografia direcionada à Neurociência como parceira da Educação através de diferentes temas fortemente linkados ao ‘fazer pedagógico’. Sua idéia é abrir espaços de encontro com o conhecimento, junto aos professores, favorecidos pelas teorias neurocientíficas, e com isso favorecer as relações estabelecidas em sala de aula entre professores, alunos e conteúdos.
No fim de um dia de trabalho na pós-graduação em Tecnologia Educacional e em Neurociências Pedagógicas, do Instituto AVM, a Profa. Dra Marta Relvas concedeu-me entrevista que esclarece vários dos possíveis pontos de contato entre Neurociência e Educação e estes pontos podem ajudar os docentes em sua caminhada em busca de respostas, principalmente, quanto às formas de incentivo e manutenção da aprendizagem discente em tempos de ‘muita informática’.

Tema desta entrevista: Neurociência e Educação: uma parceria possível?

Profa. Ms. Claudia Nunes - Quais os impactos da Neurociência na educação, hoje? E que transformações podem acontecer na escola com a parceria dos princípios neurocientíficos nos planejamentos?
Profa Dra Marta Relvas - Bem acredito num termo muito em voga hoje: colaboração. Por conseguinte, acredito em uma colaboração como reflexo de outra palavra importante: interdisciplinaridade. É a comunhão entre saúde e educação/escola no intuito de esclarecer, com outras nuances teóricas, o acontecimento de algumas situações de ensino e ações/reações discentes. Estava mais do que na hora disso acontecer. Muitas das ciências não estão mais encasteladas em seus conjuntos teóricos ou campos de análise, há uma convergência de conceitos e teorias que conseguem explicar ou, pelo menos, minimizar certos conflitos e problemas em diferentes âmbitos. Neste caso, a neurociência (o conhecimento neurocientífico) não poderia ficar restrita à área médica. Quando se procura, por exemplo, uma educação ou ensino de qualidade, o aspecto da saúde escolar com o qual nós, professores, nos deparamos, todos os dias, não poderia continuar tão excluída. Dentro desta perspectiva, é importante reconhecer que o professor em sua formação necessita estudar como ocorre o processo da aprendizagem num contexto mais neuroanatomofisiológico. Mas temos que ter cuidado com isso: os estudos e pesquisas neurocientíficos na educação escolar não podem ser encarados como receituários pedagógicos, eles são “pistas” importantes de que existem diferentes maneiras se ensinar e aprender conteúdos. É preciso aceitar de vez que, em nossas turmas, cada sujeito é único no que tange à sua integralidade, a saber: cultura, biologia, psicologia e social; logo também é único em seu processo de aprender. Se assim for entendido, permear o olhar educativo envolvendo também características do funcionamento do sistema nervoso central será de suma importância.

Profa. Ms Claudia - Pensar na parceira entre Neurociência e Educação na prática pedagógico ou em atividades didáticas é pensar em formação do professores. Qual é sua opinião sobre isso? É possível mudanças nos currículos das licenciaturas?
Profa Dra Marta Relvas - Bom, sabemos que mudanças são difíceis e levam tempo, mas diante, por exemplo, do intenso processo de globalização mundial e da acelerada ascensão das novas tecnologias no cotidiano, penso que mudanças precisam acontecer urgentemente e com muita responsabilidade. Não se pode mais tratar deste assunto com banalidade, em alguns momentos ou em pequenos grupos, frente às inúmeras pesquisas desenvolvidas na área acadêmica. Em minha opinião, após muitas leituras e anos de vivência docente nos diferentes ensinos (fundamental, médio, superior, e pós), hoje não é possível separar os estudos do corpo, mente, razão, emoção, aprendizagem, da sala de aula, da prática de ensino, da didática, da Educação. O sujeito que aprende é único em sua totalidade e isto quer dizer o seguinte: ele é único em suas maneiras de assimilar informação e transformá-la em conhecimento. E dentro deste diálogo, emoções de todos os tipos estão envolvidas, a saber: emoções trazidas de casa, emoções dos meios de comunicação, emoções das relações pessoais e interpessoais de ambos os atores educacionais. Mas, antes de tudo, é preciso ter um entendimento maior sobre o assunto para ‘saber agir na urgência’, como disse Edgar Morin. Estudos sobre a contribuição da neurocientificidade, no processo de aprendizagem ou no entendimento do diálogo professor-aluno, na contemporaneidade, dão mais consistência (base) às ações docentes em aula, no desenvolvimento de projetos, na formação de grupos de pesquisa, ou na intenção de capturar a atenção dos seus alunos quanto aos conteúdos apresentados. Mesmo assim, o que ainda percebo muito é uma grande resistência por parte de muitos educadores, ainda que deslumbrados sobre o assunto. Eles parecem não confiar nas temáticas das pesquisas e têm dificuldade de entender a neurociência como uma ferramenta de contribuição para o entendimento pleno do desenvolvimento da aprendizagem. É um diálogo difícil, não impossível, acredito. Se lembrarem que muitos teóricos da educação também tiveram uma relação íntima com outras diferentes ciências, inclusive as médicas, lembrarão também que esta relação procurava entender ‘aprendizagem’, processos de aprendizagem. A singularidade desta relação hoje, junto às neurociências, é que podemos entender aprendizagem TAMBÉM entendendo como ela acontece no principal ator e processador de informações e conhecimento: o cérebro. O que se pede? Que este novo professor conheça as teorias pedagógicas e as perpasse pelo conhecimento neurocientífico com mais prazer e criatividade.

Profa Ms Claudia Nunes - Quais seriam suas indicações para um professor que desperte para as teorias científicas em busca de respostas para as crescentes dificuldades de aprendizagem?
Profa. Dra Marta Relvas - Eu só conheço uma indicação para este ‘despertar’: estudar muito. E isto demanda buscar novas perspectivas e muitas informações sobre o assunto, além de ter a ‘consciência’ de que é preciso ter muita coragem para mudar os próprios paradigmas até então aceitos como ‘de sucesso’, primordiais e ‘corretos’. É correr risco mesmo! É experimentar algo novo sem tantas reservas. Há dados empíricos importantes que precisam ser conhecidos e reconhecidos (e utilizados) pelos professores em seus estudos e práticas, e, para tal, é preciso voltar ‘aos bancos escolares’, ou seja, encarar ‘formações continuadas’ neste e noutros assuntos relacionados, ter muita dedicação e se manter horas sentados na cadeira debruçados sobre ‘livros grossos’, como costumo dizer aos meus acadêmicos. Mesmo em outros temas, observo que muitos professores se tornaram ‘práticos do ensino’, abdicando de serem ‘estudiosos da aprendizagem’, por diferentes razões, em muitos casos até justificáveis, mas que prejudicam seu ‘olhar’ sobre sua aula e seus alunos. Aí sempre reafirmo aos meus acadêmicos: não haverá mudança de paradigma se o professor não for pesquisador/leitor do seu tempo e incluir o conhecimento neurocientífico em seu cabedal teórico cujo processo demandará esforço e criação de objetivos reais.

Profa Ms Claudia Nunes - A maioria das escolas hoje está em processo de informatização. Hoje a Internet é um dos grandes meios de comunicação e de informação. Diante disso é possível afirmar que a cognição está alterada? Como a neurociência responderia a isso?
Profa Dra Marta Relvas - Bom, muito se fala da Internet, geração Y e as mudanças cognitivas. Eu acredito que esta mudança não seja mais uma possibilidade, e sim uma constatação. Os cérebros estão realizando plasticidades diferentes, estão se moldando de maneira diferente. Mais do que construir ferramentas para melhor atender a si e ao cotidiano, o homem constrói ferramentas para melhorar sua qualidade de vida e, desta maneira, se manter vivo, jovem e eterno. A Informática e o movimento de imersão no mundo virtual sugerem a utilização de uma nova linguagem e esta reorganiza o funcionamento cerebral. Nada diferente do que fizeram e fazem a linguagem oral e a escrita nas sociedades. Desde a criação do ábaco, do papel, do lápis (...), dos computadores, o humano necessita se ‘corticalizar’ a fim de se tornar inserido e aceito na sociedade. Logo, o uso exacerbado (ou não) da Internet ou de recursos tecnológicos facilitadores da ação humana geram alteração sim do córtex e mudanças nas formas de aprender, pensar, sentir e agir. Há o desenvolvimento do potencial da inteligência humana de qualquer maneira. Pode-se dizer que estamos caminhando para uma ecologia cognitiva, onde a informação, principal ferramenta para atender as necessidades humanas neste contexto planificado do planeta, se tornou nossa moeda de entrada (e de troca) na sociedade.

Profa Ms Claudia Nunes - Quais foram as mudanças de comportamento e sociais que a senhora imagina ao englobar neurociência e educação nas práticas pedagógicas?
Profa Dra Marta Relvas - Eu acredito e espero que ocorra maior conhecimento de como a aprendizagem ocorre no cérebro e em todo corpo. E principalmente, como esta aprendizagem é exposta ou pode ser estimulada. Algo que possa facilitar e ampliar a compreensão dos processos percorridos pela informação no meio externo e interno humano. Algo que implique numa revisão séria sobre as formas de resolver conflitos e situações pedagógicas na escola ou sala de aula com mais coerência, afetividade e paciência. É preciso reconhecer que a EMOÇÃO é a centelha da vida, ou melhor, é o estímulo desencadeador e fixador da informação na memória. Em outras palavras: é através da emoção que o cérebro seleciona o que é importante ou não, transformando em uma aprendizagem significativa o tempo todo. Um professor ‘emocionado’ demanda do aluno novas emoções e isto gera dúvidas, experimentações e aprendizagens. É o cérebro em plasticidade para aprender, criar competências.

Profa Ms Claudia Nunes - Como as neurociências ou alguns de seus temas aparecem ou apareceriam no currículo da formação de professores, por exemplo?
Profa Dra Marta Relvas - Num primeiro momento e num impulso, eu diria que a modificação deveria ser logo, vertical e de alcance geral em termos de ensino. Professor deveria ter acesso ao elenco de assuntos neurocientíficos desde o início de sua formação. Mas pensando com mais vagar, talvez se possa iniciar o processo no ensino superior, quando o professor recebe as informações necessárias ao seu futuro profissional. Neste momento, disciplinas de conteúdo neurocientífico, voltado para o trabalho docente, abririam novas perspectivas para o professor quando diante de situações surpreendentes, tensas ou trágicas no ambiente de trabalho. O professor teria mais ‘cartas na manga’ para gerenciar indisciplinas, desinteresses, hiperatividades, agressividades, dificuldades de aprendizagem dentre outros. Se isto acontecesse no ensino superior, os outros ensinos seriam automaticamente atingidos por este novo olhar, postura, atitude. Conhecendo o funcionamento neurocientifico da aprendizagem pode se entender, por exemplo, os processos de assimilação, acomodação e equilibração: zonas de desenvolvimento que acontecem nas células neurais com intensidade e constantemente; e como os estímulos atuais, na neurofisiologia celular, aumentam ou diminuem o potencial elétrico e químico da célula neurônio quando o aluno se esforça em aprender, a partir de desafios significativos e contextualizados.

Profa Ms Claudia Nunes - Para garantir uma rotina de aprendizagem em turmas de quase 30 alunos, ou 30 cérebros, como a senhora diria, o que o professor deveria saber? Como o professor deveria agir?
Profa Dra Marta Relvas - Bom, de pronto afirmo: nosso sistema educacional é cruel e desumano com o professor. Eu costumo dizer que aprendizagem não combina com currículo escolar, pois aprender demanda um ritmo neural de sinapses e transmissões de dados que são transformados em informações e emoções, que por sua vez são transformados em aprendizagem significativa muito individual; e isto não combina com as delimitações de tempo de cada disciplina como acontece hoje em dia. Como esperar que um cérebro assimile informação e a transforme em conhecimento em um tempo ou dois de 40 ou 50min? E pior, este cérebro precisa ‘aprender’ diferentes conteúdos numa manha: entre às 8h e 12h, o aluno deve ‘aprender’ partes do conteúdo de artes, química e física, por exemplo. É uma loucura! O conhecimento deve ser aplicado em mudanças de atitudes comportamentais e isto demanda tempo de estudo, múltiplos acessos e diferentes formas exercitar. Mas este professor deverá acompanhar os processos dos 30 cérebros que estão em sua frente com muita atenção? Sim, deve, mas é difícil... é difícil diante de nossas ‘políticas públicas’ que, cada vez mais, assumem o frenesi dos fast foods em seus programas educacionais em muitos casos de pouca participação e reflexão dos próprios professores. Então, como disse anteriormente, sugiro que o professor estude muito para compreender essa dimensão biopsicoafetiva, social e cultural que chega à sua sala de aula e que demanda novas posturas sobre o ‘fazer pedagógico’.

Profa Ms Claudia Nunes - Quais seriam as melhores propostas de dinâmicas de ensino a serem escolhidas por um professor(a) que já reconheça a neurociência como fonte de suas pesquisas e/ou atualizações de conteúdo, por exemplo?
Profa Dra Marta Relvas - Cada professor já tem inúmeros recursos tecnológicos que o auxiliam em seus planos de aula, planejamento de cursos e projetos escolares. Estes recursos foram adquiridos em sua formação e em seu cotidiano profissional. Diante da oportunidade de conhecer a neurociência, cabe a ele verificar quais dinâmicas podem ser adaptadas a este novo conhecimento de forma que a aprendizagem aconteça a contendo e com mais significado. A idéia então é possibilitar estratégias metodológicas de exploração dos sentidos biológicos do corpo que possam proporcionar à mente novas configurações: habilidades e aprendizagens. Ações pertinentes ao sentir, pensar e agir. Estas ações permeadas, decodificadas, armazenadas e interpretadas por um único ator intercessor - o cérebro - podem (e vão) dar novas dinâmicas à sala de aula e, com isso seduzir a atenção e o interesse discente. Ao invés de ‘entregar’ tarefas quase prontas ou que exijam pouca reflexão do aluno, que tal criar desafios? Estimular a autonomia de ação? Provocar debates em sala? Incentivar trabalho em equipe?  Que tal provocar a chamada ‘oxigenação do cérebro’? Este é um momento em que as sinapses e os neurônicos se aceleram criando novos sulcos de aprendizagem na memória dos alunos e, de acordo com a criatividade em questão, aumentam o número de ferramentas capazes de integrá-los (os alunos) no mercado de trabalho e/ou na sociedade em geral. Que tal experimentar?

Profa. Ms Claudia Nunes - Quais seriam os cursos ou formas de atualização dos professores no sentido de ganharem habilidades perceptivas sobre as dificuldades de aprendizagem de seus alunos em meio ao discurso da neurociência?
Profa Dra Marta Relvas - Penso que esta discussão não se esgota apenas na realização de cursos, mas num conjunto de estruturas agindo em ‘comum acordo’, como: escolas, cursos, meios de comunicação, experiência individual. Quanto mais informado, melhor (e maior) criticidade os professores poderão exercer suas funções em sala de aula. De um lado, a sala de aula se torna mais dinâmica; e de outro, o professor se torna mais tolerante ao reconhecer que os humanos (seus alunos) são seres inacabados, já que nossas células estão sempre se renovando e que, por isso, têm tempos cognitivos diferentes. Mesmo que saibamos que neurônios não se regeneram, existe uma capacidade plástica e adaptativa de células especiais chamadas ‘neuróglias’ que realizam funções neurológicas antes desconhecidas, de acordo com a intensidade das influências. Logo existe a possibilidade de entender que existem diferentes maneiras de aprender, por conseguinte diferentes maneiras de ensinar. Palavras como dinamismo, colaboração, mediação, interatividade, afetividade e autonomia podem ajudar neste processo.

Profa Ms Claudia Nunes - Como a senhora bem sabe, a grande maioria de professores precisa trabalhar em vários lugares para obter retorno financeiro digno. Sendo assim, professores perguntam como aliar os conceitos da neurociência com o processo educativo, se mal têm tempo de ‘ficar com a família’, por exemplo? Como a senhora vê esta colocação? E o que poderia responder?
Profa Dra Marta Relvas - Difícil... Resposta difícil... Fala-se em comprometimento, mas o que fazer diante de uma estrutura educacional que demanda esta atitude docente do qual fala? Eu não sei... Existem fatores complicadores sem dúvida e que só a boa vontade dos professores não basta... Décadas de desvalorização provocaram no cérebro deste profissional certa melancolia, por exemplo, quanto ao seu lugar na sociedade atual... Professores atuando há muitos anos acabam adquirindo alguns transtornos e isto significa perda da qualidade de vida emocional. Cresce o número de diagnósticos de depressão e síndromes entre estes profissionais. Penso que uma discussão mais ampla sobre as políticas públicas deve (e precisa) acontecer, mas ainda temos muito a fazer e caminhar... De pronto, o melhor que temos (nós professores) a fazer é entender (e estudar) o momento, a ciência e os alunos, e revitalizar, aos poucos, nossas práticas.

Profa Ms Claudia Nunes - Qual é o maior desafio da neurociência hoje junto aos professores?
Profa Dra Marta Relvas - Bom, depois de tudo o que foi dito aqui, responder esta questão é mais simples: penso que o maior desafio da neurociência entre os professores é fazê-lo pensar cientificamente sua sala e sua prática, e alinhavar as teorias da educação com a neurocientificidade da aprendizagem humana. Em cada contexto, será possível experimentar este pensamento.

Profa Ms Claudia Nunes - A senhora acredita que a Neurociência pode ganhar bastante espaço em ambiente educacional alicerçada na ascensão das novas tecnologias no cotidiano?
Profa Dra Marta Relvas - Sim. As novas tecnologias ajudaram na ascensão do reconhecimento da neurociência como possibilidade de entender o ‘fazer pedagógico’ dentre outros assuntos. Por exemplo, com as neuroimagens pode-se comprovar uma fisiologia existente no processo de aprender, muito relacionada à compreensão do funcionamento de nossa biologia molecular, celular, anatômica e fisiológica e que este processo de aprender “brota” no comportamento humano. Assim, ações e reações externas (confrontos e conflitos) podem ser entendidos.

Profa Ms Claudia Nunes - Em seu último livro ‘Neurociência e Educação’, a senhora apresenta um grande estudo sobre as possíveis diferenças entre o cérebro feminino e o masculino. Esta é a base na qual o professor deve se basear para iniciar uma investigação sobre as dificuldades de aprendizagem que surgirem em sua sala de aula?
Profa Dra Marta Relvas - É possível... Não posso ‘advogar em causa própria’, mas sim, é possível... Conhecer os diferentes potenciais de funcionamento dos cérebros torna-se fundamental, pois homens e mulheres têm cargas neuroquímicas diferentes desencadeadas no sistema de recompensa e estes modulam ritmos neurais diferenciados, com isso, comportamentos diferenciados diante da informação, do conteúdo, do início de uma relação ou de um diálogo.

Profa Ms Claudia Nunes - Desde o seu primeiro livro ‘Fundamentos Biológicos da Educação’ até hoje, houve mudanças fortes no diálogo entre Neurociência e Educação. Cada vez mais se percebe sua proximidade. Como a senhora observa este panorama?
Profa Dra Marta Relvas - Acreditando que estamos no caminho certo para melhorar este diálogo.

Profa Ms Claudia Nunes - Em um futuro próximo, quais podem ser as contribuições da Neurociência para melhorar a qualidade do ensino, por exemplo, em EAD?
Profa Dra Marta Relvas - A questão da EAD tem uma característica diferente: alunos e professores pouco ou nunca se olham. Sei que a webcam pode ser um objeto que solucione este argumento, mas lembro que é uma mediação realizada por uma máquina, ou para os mais detalhistas, uma tela. Mesmo assim, a aprendizagem ocorre. É uma aprendizagem que depende da presença e do uso de diferentes objetos reais (computadores, mouses, caixas de som, webcams, pendrives etc.) e ferramentas online (ambientes virtuais de aprendizagem – AVAs -, sites de bate-papo – MSN ou Skipe, redes de relacionamento – Orkut, Facebook ou Twitter -, Blogs, Listas de discussão etc). Novamente o cérebro é exigido para modificar suas maneiras de aprender, agora com mais intensidade, afinal aprendemos na modalidade presencial, e agora também podemos aprender na modalidade a distância. Em torno disso, são precisos novos estudos e novos entendimentos. Eu, hoje, afirmo o seguinte: é preciso conhecer e entender que o humano necessita interagir para aprender, interagir para se sentir humanamente útil no processo e interagir para ‘adrenalizar’ suas redes neurais de forma a criar memórias de longa duração. E serão os desafios com os quais se deparará que darão intensidade às redes e consistência às aprendizagens.

Profa Ms Claudia Nunes - A senhora não acha que a linguagem neurocientífica pode desmotivar (atrapalhar?) os professores quanto ao seu estudo e confundir seu olhar (do professor) sobre o aluno?
Profa Dra Marta Relvas - Não. Os professores não precisam decorar nomenclaturas, os professores precisam entender o processo. Há livros como os da Suzana Herculano, Claudio Saltini, Victor Fonseca, além de Morin, Vygotsky e Piaget que podem ajudá-los nesta relação. Ou seja, desde que a linguagem seja adequada ao segmento dos educadores, não haverá desmotivação, ao contrário, a vontade de aprender será aguçada porque os professores sempre têm situações / alunos para entender. A linguagem deve ser adaptada...

Profa Ms Claudia Nunes - De uma maneira geral, quais são os principais conceitos e ações da neurociência com os quais os professores devem ter mais atenção, de pronto?
Profa Dra Marta Relvas - Penso que devam ter atenção aos fatores biológicos que interferem na aprendizagem. Talvez ler um pouco sobre transtornos (ou dificuldades) de aprendizagem em torno da leitura, escrita, raciocínio lógico, por exemplo. Neste aspecto, levar em consideração (por observação), problemas de conduta pessoal ou no grupo, percepção e interação social, transtornos emocionais mais graves ou por influências extrínsecas (como, diferenças culturais). Será que os transtornos de aprendizagem não foram provocados por distúrbios na interligação de informações em regiões do cérebro no período de gestação? Ou será falta de oportunidade de aprender? O que ocorre com os cérebros daqueles que trocam de escolas constantemente por diferentes motivos? E se houver comprometimentos visuais ou auditivos não corrigidos? Várias perguntas podem promover o encontro do professor com os estudos neurocientíficos. A complexa rede de conexões neurais é emoldurada por fatores psicológicos, sociais e ambientais e estes promovem alterações comportamentais no diálogo com a realidade e outros indivíduos. Fora as questões de aprendizagem, um bom estudo gira em torno da capacidade da neuroplasticidade neural das camadas corticais do cérebro; sobre as transmissões de impulsos eletroquímicos da célula realizadas pelas sinapses; sobre o processamento, associação e distribuição destas transmissões sinápticas em áreas específicas do cérebro; e sobre o sistema límbico em cujas emoções estão centradas e que tem muita importância no ato de aprender. O professor deve saber o seguinte: uma aula bem humorada provoca os neurotransmissores e estes criam uma sensação de bem estar do ‘aprendente’; já uma aula ‘hostil’ desencadeia neurotransmissores e hormônios que inibem o encantamento do aprender.

Profa Ms Claudia Nunes - É possível entender o Bulling e a síndrome de Bounout através dos princípios da Neurociência? Como isso poderia ser explicado e exemplificado aos professores?
Profa Dra Marta Relvas - Sim, pois as questões dos julgamentos e valores tem uma reação diretamente proporcional com a área do cérebro denominada ‘pré frontal’ e com o sistema límbico das emoções e do prazer, com isso desajustes nos ritmos neurais dessas áreas podem provocar alterações comportamentais visíveis no humano.

Profa Ms Claudia Nunes - Quando e por que a senhora começou a pensar na possibilidade de acrescentar mais qualidade à Educação através da neurociência?
Profa Dra Marta Relvas - Sou da área da educação há 32 anos como professora do ensino fundamental e médio nas áreas de ciências e biologia. Neste caminhar fui estudar anatomia e fisiologia humana. Durante as minhas aulas de biologia e ciências percebia muitas das vezes que alguns alunos apresentavam dificuldades em acompanhar os conteúdos trabalhados em sala. Até que, no laboratório de anatomia, precisamente desenvolvendo pesquisas em neuroanatomia, comecei a “ligar” a minha pesquisa com a dificuldade nos processos de aprender de meus alunos. A partir daí não parei mais de estudar neurobioanatomofisiologia da aprendizagem humana. São mais ou menos uns 20 anos de estudos na área. Como falei antes, para entender o que acontecia com os meus alunos, foi preciso muita dedicação e estudos. E tenho certeza que estes estão apenas no começo, mas que, sem dúvida alguma, já é um grande passo para contribuir ao entendimento científico no processo de aprender na sala de aula.

Profa Ms Claudia Nunes - Sabe-se que, em Neurociência, os métodos de investigação são muitos, por exemplo: eletroencefalograma, lesões nas estruturas neurais, neuroimageamento. Em sua opinião, quais seriam os métodos de investigação pedagógicos a serem revisados diante da parceria com as neurociências?
Profa Dra Marta Relvas - A pedagogia está repleta de métodos de investigação possíveis de entender o que acontece em sala de aula. O que se solicita hoje em dia é que nestas investigações se entenda (e inclua) que a neurobioanatomofisiologia da aprendizagem humana deve ser levada em consideração. Na relação com os professores nos cursos de pós-graduação, graduação e em palestras pelo Brasil, fico sempre preocupada com os fatos relatados nas escolas. Também tenho lido e visto, nos meios de comunicação, muitas situações de violência nas escolas e com os professores. Isto me assusta um pouco. Há um despropósito nas situações que assusta. Logo acredito que haja a necessidade de um reconhecimento sobre o que está acontecendo com o cérebro desta geração. Mas atenção: o professor, bem como os envolvidos na educação, não diagnostica nada, apenas deve apontar os sinais / dar pistas às investigações multi- e interdisciplinares. Este é o caminho com o qual a Neurociência vem contribuindo para melhorar o “olhar” do professor em sala de aula.

Profa Ms Claudia Nunes - Em cada um dos seus livros existem um ou mais conceitos amparados pela neurociência com a intenção de estimular/motivar os professores a dar mais atenção a certas e diferentes performances dos alunos em sala de aula ou no espaço escolar. No primeiro, inteligência e afetividade; no segundo, educação inclusiva; e no último, potencialidades cognitivas em cada gênero humano. Foi intencional? Por quê? Por conseguinte, já há um ou mais conceitos sendo gestados para um quarto livro?
Profa Dra Marta Relvas - É intencional, pois à medida que se desvenda o funcionamento do sistema nervoso humano em seu pleno desenvolvimento desde embrião até adulto, pode-se compreender que o humano é um mix biológico (átomos, moléculas, células) que funciona numa explosão de emoções (também neuroquímica), também modulada pelo meio social em que se vive e convive. Para isso, esta explosão sempre dependerá da experiência adquirida para que se possa dar mais valorização ou não para uma determinada informação. É importante o papel (e a presença) dos pais, professores e equipe pedagógica no movimento de ‘aprender a aprender’ a como modular, através da escuta, todas as dimensões do humano. Razão e emoção funcionam como um palco do mesmo cérebro que, mesmo diante de vários problemas (traumas, perdas, bloqueios, medos etc.), raciocina, pensa, reflete, sente, se comove, se emociona. Por isso os estudos das Neurociências vêm favorecer o universo da educação, contribuindo no entendimento da aprendizagem cognitiva, de forma a melhorar a qualidade das práticas metodológicas de ensino. É uma nova ferramenta teórica que pode ser utilizada como recurso para aulas mais interessantes. A emoção é a centelha das novas habilidades a serem descobertas e/ou adquiridas. Cada um de nós é diferente em cada reação apresentada no cotidiano. Por isso é fundamental que o professor (educador, tutor, mediador, interagente) aprenda a diferenciar e ao mesmo tempo relacionar o que é ‘Ter Emoção’ e o que é ‘Sentir Emoção’ no espaço da aprendizagem. Interessante, ‘TER e SENTIR a emoção de aprender’ pode ser meu quarto livro... (risos).

Profa Ms Claudia Nunes - Para encerrar essa entrevista, o que a senhora diria aos professores que buscam formas de integrar educação e as mídias digitais, através do ferramental neurocientífico?
Profa Dra Marta Relvas - Que este professor perceba que precisa se despertar urgentemente para esta aprendizagem com dedicação e esforço. Se assim for, o próximo passo será despertar o desejo do sujeito ‘aprendente’. E para isso, não vejo outro caminho que não seja o afeto. Comecem por ai: leiam e pratiquem o afeto em sua vida e em sala de aula.

*Marta Pires Relvas - Doutora em psicanálise. Mestre em Teologia. Professora Universitária e do Ensino Fundamental/Médio. Bióloga, Psicopedagoga, Neuroanatomofisiologista. Professora de Biologia Celular, Neurobiologia, Fisiologia Humana, Bioética e Ética Aplicada, Didática do Ensino Superior. Pesquisadora em Biologia do Desenvolvimento Cognitivo.

Livros publicados:

- Fundamentos Biológicos da Educação: Despertando Inteligências e Afetividade no Processo de Aprendizagem - Editora WAK, 4º edição.
- Neurociência e Transtornos de Aprendizagem: As Múltiplas Eficiências para uma Educação Inclusiva - Editora WAK, 3º edição.
- Neurociência e Educação: Potencialidades dos Gêneros Humanos na Sala de Aula - Editora WAK. 2º edição.

Colaboradora nos livros: Como Aplicar a Psicomotricidade - Editora WAK. Neuropsiquiatria: Infância e Adolescência - Editora WAK. Temas Interdiscplinares na Educação - Editora WAK e Neuropsicologia e Aprendizagem - Editora TecMedd

Mídia Digital:
Neurociência na Aprendizagem Escolar – DVD –Editora WAK

Profa. Ms. Claudia Nunes – Mestre em Educação. Especialista em Docencia do Ensino Superior e em Tecnologias Educacionais. Professora de Língua Portuguesa / Literatura / Produção textual. Tutora de cursos de graduação, pos-graduação e extensão presencial e a distancia.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

E O TEMPO PASSA...




FATOR DISTRAÇÃO

Ontem, após ministrar aula de produção textual, solicitei aos alunos que realizassem a seguinte tarefa: a partir de um vídeo de música, tirassem temas relacionados e compusessem uma pequena estrofe com as temáticas selecionadas. Era um trabalho em dupla. Eu também queria vê-los criando argumentos para convencer seu parceiro a usar determinados temas e não outros. Enquanto todos estavam concentrados, percebi uma aluna parada, quieta e olhando para mim. Assim que olhei, ela baixou os olhos. Estranhei. O tempo passou. A menina olhava para todos os lados, ai parou na janela e lá ficou até o final da aula. O que acontecia? – eu me perguntava. Todos entregaram seus trabalhos, menos ela. Ao ser perguntada, respondeu: ‘ah professora, estou muito distraída, não me concentrei’ – e saiu. Fiquei em silêncio...
Em casa pensei: fora a ansiedade, a distração é um recurso interessante para quem não se vê ou não se quer ver dentro da realidade; é um mecanismo de defesa comum àqueles que estão insatisfeitos, incomodados ou aceitaram a ideia de que não são importantes ou capazes. Não consegui dormir...
Meus alunos são distraídos de tudo! Será que suas massas cinzentas, recheadas de neurônios, foram afetadas por esse mundo cheio de necessidades e tão veloz? Então, como ultrapassar essa barreira tão forte e chegar ao um mínimo de atenção, concentração e reflexão em sala e na vida? Pego alguns livros de didática, outros de prática de ensino, um de modelos pedagógicos e leio diferentes pontos. Além da concentração, a informação assimilada precisa de células de gliais (precisa de proteção) para apresentar resultados cognitivos e isso, pelo jeito, só com desafios muito contemporâneos.
Na mesa de estudos do meu quarto, penso em aulas anteriores e de repente minha memória traz a lembrança alunos em distração de todo jeito, do mais ativo ao mais quieto: alunos agitados, entrando e saindo, papeando, apenas de corpo presente, sem material e muitos reclamando. Como não entendi isso? Como deixei passar? Realmente o cérebro é emocional e altamente seletivo: eu vi o que EU queria ver. Porém agora não há mais inocência, hoje tive nova maturação em torno da docência e agora eu sei: devo fazer alguma coisa! Minha disposição não adianta de nada, preciso criar predisposições.
Primeira ideia é de que cada encéfalo tem um movimento plástico diferente, logo as capacidades de manter a atenção estão lá em potência, mas também são diferentes. Essas capacidades dependem diretamente do funcionamento adequado e integrado de diversas áreas cerebrais, afinal é o cérebro, o órgão mais bombardeado de informações provenientes tanto dos órgãos dos sentidos (origens mais conhecidas), quanto de sistemas internos de regulação orgânica (como sistema de controle da postura corporal ou funcionamento metabólico).
Meus alunos, em sua maioria, moram em comunidades de média ou alta periculosidade. De alguma maneira estão envolvidos com as questões de violência de suas comunidades e sua crescente perda de valores e autoestima. Não acessam com facilidade as diferentes manifestações artísticas (cultura) e entendem a escola como espaço de obrigações chatas ou uma total perda de tempo. Quase todos têm problemas familiares sérios e médios desvios de conduta. Têm pouca qualidade alimentar ideal. E, como estão no Ensino Médio, público, noturno, sentem-se desvalorizados, desprestigiados e esquecidos por todos. Em muitos casos, muito cedo, sob a influência dos esquecidos anteriores (pessoas mais velhas e próximas), já optaram por caminhos de vida completamente ilegais. Muitos de meus alunos estão comprometidos com o poder da ilegalidade das relações e das conquistas.
Como recebemos mais informação do que o cérebro é capaz de lidar, temos que manter vários processamentos. No meio disso, surgem outras necessidades: filtrar ou bloquear parte dessas informações com os objetivos de sobreviver, escolher e tomar decisões. E prestar atenção é fundamental. E se dar um tempo de escuta e reflexão é muito importante. E inibir a distração é se dar uma sobrevida em sociedade. Mas como ajudá-los a fazer isso? Como mostrar aos meus alunos que eles são possíveis, a partir do momento que renegarem, por um tempo, suas distrações, certezas ou confortos mentais e emocionais diante da vida? A madrugada chega e nada me ajuda...
Não pensemos em transtorno e déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Não estou me referindo a distúrbios orgânicos. Estou falando de um tempo em que os mais jovens não estão sustentando suas concentrações por período prolongado porque encarnaram as certezas alheias e a velocidade do presente tecnológico. Estou falando de retroalimentar o tempo da diversão até um tempo de reflexão que favoreçam suas integrações em sociedade porque as novas tecnologias precisam estar em sala mas configuradas como pedagógicas. Estou falando em ensinar a selecionar, sustentar, manter e alternar níveis de atenção e concentração que diminuam seus prejuízos financeiros, profissionais, familiares e relacionais, porque é crescente ‘nossa’ perda juvenil para as facilidades das ilegalidades e da violência.
Meus alunos têm todas as competências biológicas para empreender este movimento plástico de aprender com qualidade. Quase manhã e nada... Estou à deriva e muito desconfortável... Muitas questões, muitas descobertas, mas nada de prática, nada de solução ou soluções para o agora da minha sala de aula.
Sem querer, meu sistema nervoso me tira dessa letargia: estou com fome e o estômago grita. Eu levo um susto. Não comi nada desde 17h e já são 3h50min da manha. Sem pensar, vou à cozinha, vejo o que tem e me alimento. Que bom! Enquanto me alimento, surge a resposta: estímulo! É isso! Tal como fez meu sistema nervoso através do meu estômago, a distração só se minimizará com estímulos, muitos estímulos. Estímulo como forma de desconectá-los de certas memórias e reconectá-los a outras mais significativas, úteis, curiosas, através de diferentes desafios. Estímulo através do desafio.
Jovens adoram se superar, adoram expor suas superações (conquistas). E as áreas do saber (disciplinas) precisam se remodelar em torno dessa ideia, mas dentro de algumas características importantes: flexibilidade, coletividade, desinibição, autonomia, menos controle. Todo e qualquer comprometimento pode ser ultrapassado (senão minimizado) por desafios flexíveis cujos objetivos sejam autolevantamento e autoavaliação das informações (certezas) anteriores.
Se distração é uma das características dos chamados ‘hiperativos’, também participa dos comportamentos mais sensoriais dos chamados ‘alunos normais’. Em ambos o córtex pré-frontal manda sinais inibitórios fracos às outras áreas do cérebro, de forma a sossegar as tantas informações advindas do meio exterior no qual interagem. Logo, ambos mantêm estímulos em demasia bombardeando seus cérebros e, ai, desafios, projetos didáticos diferenciados, novas intervenções sensoriais de forma a criar autonomias cognitivas se justificam em sala.
Volto para sala de aula, num dia quente demais. Cabeça cheia de planos e alunos cheios de gás. Quero esse gás para mim! Tenho duas estratégias na mente, mas preciso sentir a turma. Não posso mais deixar a distração abrir caminho para outros comportamentos senão o da aprendizagem continuada. As impulsividades são permitidas, mas nada que sequestre a ideia de aprender continuadamente. Depois de um tempo, peço que façam um círculo, vemos um documentário sobre ‘Sábado à noite no baile’ (episódio do seriado Cidade dos Homens), sinto algo no ar, ninguém fala. Alguns riem, outros comentam, mas nada fora do contexto. Onde está a distração? Onde está a indiferença? Depois disso, discutimos temas sobre Modernismo, identificamos vários desses temas nos jornais e pedi que fizessem uma entrevista com alguém dentro dos temas discutidos. O que eles não sabem é que, aproveitando as entrevistas, vou introduzir alguns temas da gramática.
Interessante observar que os pensamentos processados diante do vídeo foram surpreendentes. É o desafio. É a contextualização. É relacionar o saber dos alunos com aqueles oferecidos pela escola. É mexer com todos os neurotransmissores de forma a proteger e expor sugestões, ideias, pensamentos com liberdade. De novo, ainda se estabelece a impulsividade, mas os canais estabelecidos para seu acontecimento contêm mais reflexão e argumentos muito pertinentes.
No fim da aula, aquela aluna ‘distraída’ me diz: ‘poxa professora, por que a aula não é sempre assim?’

SINCRONIAS


Hoje acordei querendo sincronias: confortos aprazíveis para cadenciar o dia sem mudanças inseguras. Sem querer percebi: isto é impossível. Almejar sincronia na vivência do coletivo é impossível. Antes mesmo de levantar, o cotidiano: tomo ciência da presença de outras pessoas: barulhos, bagunças, cheiros, outras cobertas. Queria levantar e me preparar para o futuro ou ao menos para os meus trabalhos da hora sem outros, mas com a cara amarrotada já tomava uma decisão: arrumar os restos de pessoas para procurar a sincronia desejada. Sim, sincronia não é algo natural, não vive ou morre de véspera, apenas lambuza os sonhos de mais soluções, resultados e conformidades. Sem mais, o telefone toca: é o alerta do mundo distraindo meu cérebro das liberdades ou novidades ainda em potência. Não vou atender ao telefone: estou estacionando no meu corpo tentando, ao menos, improvisar outros alimentos aos meus valores. Sincronia é o sinal de que há uma recomposição acontecendo vagarosamente. Sem correr preciso entender tudo isso; preciso recuperar meu dote principal: a inteligência; e aceitar as novas águas abertas para outro movimento. O sol me incomoda, a luz me envergonha, a casa me ignora. Com o que me paramentar? Que ferramentas usar? Para ir em frente, terei que retornar as minhas origens répteis? Sem sincronia sou um personagem kafkiano jogado numa cama sem saber bem o que lhe aconteceu. Qual seria a melhor travessia? Há uma febre em mim cuja sincronia deseja só alimentar. Bobamente penso 'ninguém passa por isso por acaso ou impunemente'. Essa emoção tão forte não é por acaso: busco significação, imobilização e, lógico, animação. Nada mais natural. Quero praticar diferenças, surpresas, disfunções e desequilíbrios para (re)acordar o conhecimento e a noção de humano. Sair da condição de rascunho e ser, ao menos, um projeto de provocação do outro e de mim sem edições interesseiras. Em sincronia, assumirei a transversalidade das energias e, assim como Guimarães Rosa, assumirei meu lugar na terceira margem do rio pouco caudaloso, espero. Anos em cavernas verdejantes sob o canto das sereias de Ulisses, mas agora querendo o reduto das montagens tensas e incomodas de Gerald Thomas. E tudo com sincronias, tudo ultrapassando meu neuroeixo e se espalhando por outras dimensões dos meus mundos. Agora é o despertador que toca. Agora é preciso reanimar meu córtex e aceitar minha condição de bípede. Agora é a obrigação de conviver com alto desempenho e performance novelística. Mas e a sincronia? Uma vez dada a largada não tem volta... estou sem correntes... me aguardem... bjos

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...