segunda-feira, 25 de maio de 2015

MICROCONTO 61, 62, 63, 64, 65

61 Uma concha. Ela era uma concha. Sentada numa cadeira de balanço, Alícia estava fechada, parada, sentindo... Seus olhos piscavam vez por outra porque o passado chegava aos borbotões e exigia pequenos movimentos de vida. O corpo doía, mas ela não queria se mover. Casa fechada. Silencio absoluto. E ela precisando de qualquer transmutação, qualquer uma. Os dias anteriores tinha sido avassaladores: medo, vergonha, decepção, discussão, correria, perda, indiferença, muitas arritmias para alguém que tinha apenas a proposta de aprender a beleza de ser feliz. Balançava para lá e para cá, pesada e inútil. Assim se sentia: inútil, sozinha, solta demais. Em concha, sentia o peso dos dias, das emoções, das incertezas e dos desejos. Pesada, muito pesada, e mesmo assim, para lá e para cá. Alicia procurava em suas lembranças uma alavanca, algo que a fizesse saltar de novo para o mundo e SER simples como todos os seus dias! Na sala, o relógio badalou doze vezes. Hora de sangue novo! Meia noite é a hora das atrações, das mudanças, da noite em dia, da madrugada decisiva. Vai e vem, e a concha não se desmancha. Ela precisava disso, sabia que precisava disso, construiu esse momento porque precisava dele, mas nunca foi egoísta ou sem data de validade. Na era de aquário, a pessoa-concha tornava-se pérola, valorosa e importante. Será? Valia a pena sair do esconderijo? Em concha, prisão mental e emocional; segurança pessoal e emocional. Valia a pena? Vai e vem; vai e vem; sem voz, vai e vem. De repente, vai e vem de vez: tudo se quebra, Alicia cai de costas, o mundo muda de lugar e os amigos chegam para festejar o seu aniversário aos gritos: PARABÉNS!! Claudia Nunes

62 Juno tinha um hobby: amantes. Casou duas vezes, mas a beleza da vida estava nos amantes. Ela sabia o que era paixão: saia e... amantes! Excelente profissional justificava-se decorando sua personalidade de muitos disfarces e... amantes! Aos 40 anos, saia à noite para experimentar amantes e amores aos quatro ventos. Jovens, senhores, rapazes, meninos, nada era melhor do que amá-los e lógico abandoná-los. Em casa, só ela e seu gato Heitor. Os olhos de Heitor acompanhavam as mudanças e os figurinos. Deitado em cima da TV, observava Juno ir e vir dos amantes e dos armários. Em muitos dias, ela brincava, ria, era criativa e inovadora. Em alguns dias, ela era silenciosa, tensa, depressiva e fria. Um dia, Heitor ficou alerta: silêncio demais. Inteligente sabia que os seres humanos, às vezes, se afogam em silêncios estranhos e podem desaparecer muitas horas. Desceu da TV e visitou cada cômodo. Que humanos estranhos? Por que essa ausência? A casa exalava a álcool. Ao passar pelo banheiro, percebeu movimentos e barulho de água. Como a porta estava entreaberta, entrou: em cima da pia, perucas, seios e bundas; de pijama, Juca lavava o rosto para dormir; na banheira, vários patinhos de borracha com nome: JUNO. Claudia Nunes

63 E de novo ela estava fria. E de novo a vida lhe disse ‘não’. Da janela, vendo os passantes, ela não sabia mais o que fazer da vida: mais uma vez o desejo se fora batendo a porta com força. E de novo, ela estava na janela em expectativa de reencontrar novos olhos que a façam, por instinto, levantar as sobrancelhas e sorrir bobamente. Mas de novo, a questão era: fora feita para viver junto? Sua memória vagava por lembranças quentes e distantes; felizes e distante; intensas, mas distante. O ‘distante’ era parte da vida e sua energia interferia em sua ‘sorte’ amorosa. ‘Oi’, passou um; ‘como vai?’, passou outro; ‘está tudo bem?’, passou outro ainda. Da janela, ela queria, porém não sentia. Da janela, ela desejava, mas não vibrava. Passando os olhos pelas luzes, passantes e movimentos, nada lhe ajudava a atrair qualquer energia. Ela não entendia mais nada. Ela não sonhava mais nada. Sentia-se limitada em tudo. De repente, ao olhar as mãos, ela soube: a maravilha do desencontro é reconhecer-se em vida para outros encontros talvez de risco. Com o celular em mãos, aceita o convite da carrocinha de cachorro-quente e se mistura às outras emoções desconhecidas, num mundo de luzes amareladas e separadas. Claudia Nunes

64 Num mundo cheio de discórdias, as palpitações inesperadas do coração são a única maneira de Vivian se certificar que está viva. As palpitações a assustaram e a tranquilizaram, ao mesmo tempo: não morrera ainda. Mas depois de ontem, por que não morrer logo? “Não quero mais você!”, esta frase ecoava em seu corpo e coração. “Tenho outra pessoa!”, esta fala esfriou seu sangue completamente. “Acabou!”, esta sentença inutilizou sua espontaneidade e a envolveu numa enorme inutilidade. E as palpitações... Com o som da porta batendo forte, ela travou os sentidos, impediu o choro e esqueceu como se mexer. Era uma decisão: ela não queria se mexer. Ela só sabia que o tempo passava, passara, passará, de novo, em solidão daquela casa cheia de trabalho, filhos, gatos e livros. E a palpitação segue... A prisão emocional atraía energias tóxicas; a palpitação atraía vibrações negativas; a perda repelia os pensamentos calmantes. Ela palpitava por vontade: era uma dor antiga e conhecida. “Injustiça! Injustiça!” Não havia outra coisa a se sentir: injustiça! Paralisada, criou raízes negativas; se concentrou e aumentou sua imaginação num ponto: “Vingança! Vingança!” Uma foto lhe chamou a atenção: família, filhos, gatos, trabalho, livros... O quarto foi se rematerializando, as cores se revitalizando, os sonhos lutando para sobreviver... Ela treme demais, se debate, se descontrola, desfalece e cai... Mundo, corpo, certeza, desejos, tudo espatifado em milhares de pedaços... A alma humana, quando possuída pelas emoções ruins e intensas, implode totalmente para se renovar e sobreviver, para o bem ou para o mal. Vivian acorda dolorida: dor completa dentro e fora de si. Vivian chora e grita compulsivamente: “Por que eu? O que há comigo? Por que eu?” Da janela, ouve pequenas batidas: sem se mover, levanta os olhos, vê um sol forte e dois pombos fazendo amor. É seu primeiro sorriso sincero da manha. “Será que ainda tenho meu caderninho de telefone mágico da faculdade? Pedro, Lucio, Romão e Julio: não quero nem que Deus me guarde”. Palpitações... Claudia Nunes


65 Embora a luz do quarto ofuscasse sua visão, Lucia nem piscava. Era sua lucidez causando um comportamento abobado e insano. Sim! Ela estava insana. Sua decisão era irrevogável. Ela precisava ser feliz. Então por que tanta dor? Sua vocação era certa: paz em quaisquer sentidos. Sua independência lhe dava autonomia. Seu jeito de ser influenciava pessoas. Sua vida era tranquila. Então por que aquela dor tamanha? Amigos estavam dispostos a ajudar. E a dor continuava... Amante, amada, amorosa, amigável, amiga, ela era tudo. Mas a dor não sanava. Na luz, ela não via nada e o jeito era se ver... se ver por dentro... e tentar compreender. Sem perceber, ela foi fechando os olhos e a loucura tomou conta de tudo. Portas internas se abriram e ela viu: pés algemados... seus pés algemados... Estigmas aceitos, prazeres ignorados, maturidade em ascensão lenta, confiança fragmentada, tudo fortalecia e apertava as algemas. Muita dor... As algemas dos receios e das dúvidas a adoeciam e a aprisionavam. Lentamente ela desfalecia... lentamente ela morria...Um barulho ensurdecedor lhe tira a atenção. Ela não sabia de onde vinha ou o que fazer; ela só sabia que não podia ficar ali; tinha que sair, correr, gritar. Era preciso quebrar algemas, medos, zonas de conforto, hábitos rapidamente, senão seus olhos não se abririam mais. De olhos fechados, o mundo estaria perdido. E o barulho aumentava demais... BUM! O botijão explode na cozinha. Ela se assusta e corre: sua autolimpeza já tinha seu ponto zero! O mundo é dos loucos ‘desalgemados’! Força e fé! Claudia Nunes

MICROCONTOS 56, 57, 58, 59, 60

56 Diante da janela, os cheiros invadiram o quarto e alcançaram aquele corpo inerte. A brisa tremulava as cortinas e os cabelos daquele corpo inerte. Em movimento, o ar tentava agitar aquele corpo inerte. Inerte era a verdade da alma presa naquele corpo. Havia uma barreira vital e o ar não circulava por dentro daquele corpo inerte. Inerte estava o sangue nas veias daquele corpo. Corpo que desistira. Corpo que se estancara. Corpo que vegetava plantado naquela cama branca e fria. Sem dó, o ar envolveu-se com a chuva e umedeceu aquele corpo inerte. No tempo, sem emoção, a estátua perdeu seus véus e se desmanchou em poeira, naquela cama inerte e infantil. Claudia Nunes

57 Na praia, Helena, altiva, observa: homens, garotos, rapazes, meninos. Como são fúteis e atraentes. Na vida dela, houve de tudo um pouco: homens, garotos, rapazes e meninos. Ela soube aproveitar a vida. Infeliz com a vida? Nunca! Ela estava no auge. Pernas bonitas, corpo delicado, rosto definitivo: ela ainda arrancava sorrisos e olhares. Na praia, tinha vida, fazia vínculos, pegava telefones. Por cima dos óculos, percebia a sedução e não se negava. Homens, garotos, rapazes, meninos a circulavam e a entendiam. Que emoção! A tarde caiu e um susto: ‘tia, acorda, vamos embora, tenho compromisso com a galera à noite!’ Calmamente, pega sua bengala, memórias, emoções e... vai. Claudia Nunes

58 Acordou assustado: perdera a identidade. Naquela cama, quem era? Naquela casa, o que fazer? Não queria levantar, estava com muito medo. Ouvia pessoas no corredor, mas onde estava? Tudo colorido, tudo silencioso, tudo um nada absurdo. Coragem: não saberia nada se ficasse ali, deitado. Coragem! Difícil, muito difícil. Corpo morto. Corpo ignorando sua vontade. Só os olhos iam e viam tentando entender o que acontecera. Pessoas sorriam, conversavam e se moviam, lá fora. Buzinas de carro, luzes intensas, cheiros perfumados, lá fora. Calma, fique calmo. Pense, pense, relaxe. Sofá, escrivaninha, rádio, despertador, lustre enorme, teto descascando, porta entreaberta, sombra... Sombra? Quem está ai? Tem alguém aqui. Tem alguém ai! Não! Muitas sombras, muitos alguéns. O corpo sente, vibra, palpita, sacode, sacode e sacode. Marcos! Marcos! Acorda! Fala comigo! Anos depois, numa mesa de bar, amigos se juntam para lembrar dois anos sem Marcos. Sabemos que ele era intransigente, invejoso, crítico... Sabemos que causou muitos problemas às pessoas... Sabemos das fofocas, falcatruas e intrigas entre todos... Lei do eterno retorno? É, pois é, que bom, tintin! Claudia Nunes

59 Rubra desembestou pela estrada sem rumo à procura de oxigênio. A crise a pegou de jeito e ela não aguentou. Carro, lanche, dinheiro, tudo o que precisava pra ser feliz hoje. Seu celular não parava de tocar. As pessoas não entendiam sua atitude e ela, nas ruas, nos becos, nas vilas, incrivelmente liberta de tudo. “Meus livros estão guardados” ela pensava. “Não quero ouvir ninguém. Para que? Escutar é um verbo desconhecido. Faz isso... faz aquilo... as pessoas não escutam... as pessoas dão solução e seguem em frente... as pessoas nem aparecem para não serem perturbadas... então para que ouvi-las? Não quero mais! Dinheiro, lanche, carro e música: apenas o que precisava”. Nem sabia onde estava, apenas ia. Arco a deixara. Flavio e Silvia estavam crescidos. Amigos? Ah sei lá... Cada um dando conta do seu e evitando olhares de esguelha. Era preciso respeitar. Sem querer a cidade sumiu. Onde estava? Sei lá! “Estou contagiada!” O túnel abafado surgiu do nada e ela sem pestanejar alcançou o paraíso perdido. “Cadê Arco? Como estão Flavio e Silvia? Estou sozinha de tudo? Ahhhhhh! Tirem essa camisa de força de mim!!!!!!!” Claudia Nunes


60 Com 18 anos e um milhão de dólares. Com 18 anos e em chamas emocionais. A vida era bela, quente, farta e... solitária. No banheiro da rodoviária, o pânico o alcançou: não sou ninguém. Milhares de pessoas lá fora; muitas pessoas me aguardando; e ninguém por dentro. Estou perdido nos holofotes de um milhão de dólares e sem foco. Perto da privada, tudo parado até a vida e ele sem saber como se reencontrar. Cheiros e barulhos estranhos o levaram a uma reflexão: ele não era nada! Que medo! Que loucura! Pagaria tudo para tocar no amor, na amizade, no carinho; mas nada disso tem toque; tudo isso se constrói e se sente. Ele não era nada e estava num lugar de nada. Bolsas, malas, sacolas cheia dos desejos de milhares. Bolsas, malas, sacolas vazias dos sonhos de um. O que fazer? Ele precisava se recompor e ser alguma coisa novamente. Novamente? Que dúvida! Será que já foi alguém algum dia? Hoje sabe que não. “Toc, toc, toc, L. sai daí. Já estamos indo embora. Toc, toc, toc.” Olhou para baixo, levantou as calças vagarosamente, arrumou a roupa e o carnaval recomeçou: “oh abre alas que eu quero passar...”. Claudia Nunes

MICROCONTOS 51, 52, 53, 54, 55

51 Numa noite de luar, uma decisão de vida: morrer. Essa é uma realidade e Virginia sabia. Nas estrelas nenhuma resposta. Muitas distâncias, alguns desapegos e poucos passados. Nenhum medo e incerteza. Virginia não tinha mais ideais. Fechada na lua, aberta para o nada. Como reagir? Como não decidir? A lua trazia a penumbra da certeza: morrer. Clarice dizia: a oportunidade faz o ladrão. Quem roubaria sua decisão? Na varanda em frente, um TV gritava: BRASIL! BRASIL! Distraída, se preocupou: era hora da mamada de seu filho Lúcio. Foi...

52 Simonsen adora a vida. Cantava pelas vielas da cidade e conseguia um bom dinheiro com isso. Sem eira e nem beira, vivia das relações amorosas. Possessivo e ciumento disfarçava-se de amoroso e afetivo. De repente, outra voz lhe arrebata na noite: Sonia. Sonia da vida. Sonia da galera. Sonia da voz. Ninguém ficava com Sonia, mas Sonia era de todo mundo. Simonsen se perdeu; foi capturado pela admiração; e se entregou. Sonia era seu amuleto, seu sol, sua força, seu refúgio. Sonia explorava a voz e a vez. Não eram ‘do lar’, eram ‘da rua’; e na rua, os caminhos são rastros dos riscos. Em terapia, Sonia se doa a Sergio ‘da lua’ e Simonsen não perdoa a si mesmo. Quando o bonde passa, carrega Sonia, Sergio, Simonsen e quem possa desejar se perder na vida sem a certeza do ‘que fim levou’. Claudia Nunes

53 Embora reconheça sua força, Amanda sabe que vibrações negativas lhe acompanhavam. Adepta das múltiplas formas de religião, ela sabia que seu corpo fora atingido por energias estranhas. A casa estava vibrante, a vida estava colorida, o coração estava palpitante, mas os tropeços e os insucessos se sucediam. Ela percebia. Ela sabia. Ela sentia. Havia uma carga pesada rodando sua vida, sua casa, sua família. Os amores, as conquistas e as satisfações mais simples pareciam bloqueados, amarrados mesmo. O que fazer? No fim da rua, tinha um terreiro de umbanda. Em frente, um templo evangélico. Em casa, a crença batista. Na descendência, a formação católica. Agora sentada, no quintal de casa, sentiu-se abalada, trêmula, endurecida. Ao lado da casinha de cachorro, escondida atrás de uma frondosa árvore, um totem compõe a paisagem e dissolve a relação cármica entre homem e natureza. Amanda, a eterna... Claudia Nunes

54 Um instante é um tempo temporário. Um instante é presente e passado num tempo ínfimo. Num instante, interesses, desejos e sentimentos são embutidos, sem lamentações, no corpo. Alguns não gostam de um instante, mas o instante é o que há entre o bem e o mal; entre a alegria e a tristeza. Ele é fundamental, animal e surreal. Embora sejamos ‘outros’ animais, num instante podemos perder, sofrer, evaporar e desaparecer facilmente com razões ou não. Desta forma, para que haja transformação, é preciso um instante de distração, de desequilíbrio, de loucura ou de medo, e assim recontamos a vida. Estamos carregados de instantes e mesmo assim leves e preparados para crescer e evoluir, instante por instante. Depois da aula de filosofia, Lucio só pensava em instantes. Andava em crise porque, de acordo com suas leituras, a essência só dura na passagem de um instante. Então como mantê-lo? No ponto do ônibus, muitos olhares e vozes cujos instantes jamais serão relembrados tornavam seus pensamentos mais doloridos e pesados, mas, naquela hora, representavam um único instante coletivo: voltar para casa. Com crack ou sem ele, voltar para casa é o fundo de toda a verdade humana. Lúcio se olha, eleva-se e reencontra sua mãe: ‘filho, acorda, estamos juntos novamente, tenha calma...’ Claudia Nunes


55 Limpeza. Limpeza. Limpeza. Única palavra que Maicon pensava naquela manha chuvosa. Casa, vida, emoções muito confusas. Ele precisava crescer, respirar e viver outras coisas. Desde o dia anterior, quando soube do acidente, limpeza era o seu maior incômodo. Ele acumulara muitas coisas e pessoas em 30 anos, e não queria mais aquilo. Ele não queria mais ele. Depois de 30 anos e do acidente, não dava para ser a mesma pessoa. Carga demais. Energia de menos. Vassoura em mãos, ele começou: quebrou tudo, varreu tudo, comprou tintas e coloriu a vida: era lindo o arco-íris. Claudia Nunes

TEMPO, CÉREBRO e TECNOLOGIAS

Uma cena: “Mãe entra por dentro da escola a procura de seu filho. Ninguém sabe dele, ninguém o viu. Ela está preocupada. Ele nunca fez isso. Enquanto a acalmam, alguns professores tentam conversar com colegas da turma dele para encontrar pistas. Ninguém o viu naquele dia. Mãe chora muito. Professores tensos. De repente um aluno lembra: o celular do garoto tem GPS. Depois de muitas tentativas, atravessam a rua. Lívio estava com dedos megadoloridos e muito suado. Depois que saíra de casa, o ar condicionado da lanhouse tinha estourado e o jogo estava quase no fim”.

Vício. Estamos na era do vício digital. Sujeitos em formação encontraram no ambiente virtual um mundo cheio de possibilidades de SER e ESTAR. De novo os jogos são o up desse momento. São cérebros em formação em busca do prazer cotidiano mesmo com a estatização do corpo e o frenesi do córtex virtual.
Na internet, há provocações intensas dos sentidos e às múltiplas conexões neuronais. E dependendo do tempo, ritmo e repetição, as determinações genéticas podem ser influenciadas ou engatilhadas. E ai as dimensões sociais e psicológicas, principalmente, sofrem determinadas disfunções. É preciso ter cuidado. Convivemos com tecnologias desde tempos imemoriais, mas atualmente estas tecnologias inseriram a característica da velocidade em todas as dimensões humanas.
Comportamentos, posturas, atitudes inauguram outras configurações na relação do sujeito com todos ou com ele mesmo. A primazia do prazer em SER e ESTAR em ambiente virtual reafirma, por exemplo, nossa capacidade de nos tornarmos viciados / de cair na rotina / de estabelecer zonas de conforto. Com isso torna-se frágil o argumento de que as novas tecnologias (computador, internet e suas ferramentas ou aplicativos) tornaram a geração aprendente, na escola desde a década de 80, insípida, superficial, sem foco ou atenção.
Devemos lembrar que tudo depende. Há sim uma fugacidade nas formas com que os cérebros conseguem assimilação as informações porque esta nossa grande tecnologia natural tem tido mais elementos para descartar do que para ‘trabalhar’ internamente.
O que aconteceu com nosso personagem Lívio? Ele é reflexo do montante de imersões, em ambientes virtuais, em busca do lúdico, do divertimento, e este muito relacionado ao seu interesse, preferência e desejo. Somos seres predispostos ao encontro e permanência com o prazer sempre. Logo, ao lado de uma escola, uma lan house cheia de novidades relacionadas aos artefatos tecnológicos do século XX e XXI é o gatilho certo para este cérebro ávido de aprendizagens significativas, simplesmente ser atraído.
Prazer é resultado de melhor funcionamento de nosso sistema de recompensa. Somos humanos em busca de doses dopaminérgicas de autoestima, amor, solidariedade e, principalmente realização de nossos interesses e desejos.
Lívio gosta da escola, mas o outro mundo ou outros mundos são mais animados, criativos, alegres e gestam curiosidade e atenção constante em seus sentidos, principalmente o córtex visual. O processo de ‘mudar o caminho’, se desvirtuar de ‘algumas responsabilidades’ é lógico, afinal o que ele está fazendo de mal?
O choque de gerações sempre aconteceu. A mãe jamais entenderá a mudança de comportamento e de caminho. Ela já carrega em si experiências em que reconhece, NO FUTURO, consequências ruins à continuidade desses atos. Normal perfeito. Mas e o Lívio? Em que patamar fica o desejo do Lívio? Crianças não podem e nem devem ser desrespeitadas em suas emoções, movimentos e formas de aprender. Nem desrespeitadas, nem ignoradas. Suas ações são reações às informações que recebem em todos os ambientes em que interagem, então elas se testam, testam, correm riscos, experimentam com poucos medos.
A mãe precisará de tempo para entender, mas a escola precisa revê-se rapidamente: não importa como o professor ensina, importa como seu aluno aprende. E este princípio se relaciona com atendimento das expectativas dos alunos ao entrarem na escola. É necessário tentar entender esta plasticidade cerebral, seus interesses e formas de aprender. Por que Lívio saiu do seu caminho e entrou na lanhouse? Esta é a pergunta-base.
Particularmente ele foi em busca do seu prazer. Em se sabendo esta resposta, outra pergunta se instaura: se ele está na lanhouse, o que ele acessa mais? Jogos, vídeos, sites de relacionamento ou de bate-papo? Esta observação (e possível anamnese) pode favorecer o professor, por exemplo, a criar e desenvolver práticas de ensino mais focalizadas, pontuais e significativas.
Leitores, tudo é bom e tudo depende, sabe por que? Porque em tudo é preciso limites. Cérebros em formação tem sua circuitaria neuronal tensionada se carregada com excesso de informações ou de realizações, ou, ao contrário, se ganharem liberdade demais para SER e AGIR. Conexões neuronais de qualidade se constroem respeitando e dando limites à chegada das novidades, à realização dos desejos e à performance relacional no dia a dia. O cérebro segue aprendendo porque aprender ocorre no cérebro mesmo.
Quanto tempo Lívio passa na Internet ou em determinado site? Isso é importante esclarecer. Se ele tem muita liberdade ‘internética’ em casa, a decisão de ir à lan house é natural. Já se ele tem proibições ‘internéticas’ radicais em casa, de novo, a lan house é quase shangrilá e, de novo, um lugar de ida e permanência natural. E ai assim, há a perda de certas habilidades.
Sem tempo offline, o cérebro não reestrutura tudo o que assimila. Sem tempo offline real e duradouro, a questão social entra em desequilíbrio e instaura-se o ‘sem sentido’. Lívio jogava. Lívio extravazava suas emoções. Lívia desanuviava a mente. Lívio perdeu a hora. A composição do seu mundo real, na visão do outro (mãe e professores) estava deficiente. Mas ele era livre.
No mundo virtual, ele era o mundo; ele era o controlador de tudo, menos do tempo. Em metáfora, podemos dizer que, ali, o que somos (genética) era transformado por quem somos quase sem controle: experiência relacionada com o desejo e a necessidade de.
Nós todos nos esquecemos do tempo quanto o tempo é de prazer. E pior, ficamos egoístas: o tempo de prazer é um tempo de posse. Laços ou relacionamentos virtuais ganham importância em detrimento dos laços e relacionamentos em ambiente real. Há mudança cerebral. Então antes de condenar às tecnologias ao limbo dos maus agouros da nossa contemporaneidade, devemos pensar no tempo: tempo de acesso, imersão, interação em ambientes virtuais.


Profa. Claudia Nunes

PANE EMOCIONAL

Oi tudo bem? Mais um texto e mais uma preocupação: o mundo está carregado de emoções tóxicas e estas estão transformando os comportamentos de maneira rápida e violenta. As gerações mais jovens estão confusas, iludidas, perdidas e ansiosas demais. E mesmo assim, o mundo exige deles: responsabilidade social, coerência emocional, habilidades diversas e um enorme poder de resiliência. Neste processo, a maturidade emocional se perde, se desgoverna e o jeito é se colocarem (os mais jovens) em risco atabalhoadamente, sem sequer terem a oportunidade de APRENDER a refletir. Tenso!

Mas antes de compreender este ponto das emoções, é preciso saber o que seja emoção, ou seja, é preciso saber do que estamos falando quando mencionamos a palavra emoção nas múltiplas relações construídas pelas gerações mais jovens. Então, para o contexto deste artigo, utilizarei a conceituação de Prof. Robert Lent (2008), a saber: “Do ponto de vista biológico, a emoção pode ser definida como um conjunto de reações químicas e neurais subjacentes à organização de certas respostas comportamentais básicas e necessárias à sobrevivência dos animais.” (p.254).

Nossas gerações mais jovens estão respondendo às suas experiências e necessidades, além das exigências alheias, acreditando estarem aumentando suas chances de sobrevivência no cotidiano.  Impressionante é que, cada vez mais, são as faixas etárias que inauguram os novos comportamentos, e não a maturidade emocional adquirida junto às experiências ou à memória delas. Nossas gerações mais jovens, além de ansiosas, estão muito solitárias em seus desenvolvimentos cognitivo, emocional e físico; e por isso, talvez, sejam tão reativos, impulsivos, agitados, tensos, quando se deparam / lidam com determinados problemas como, por exemplo, limites e regras em geral.

Para sobreviver, é preciso (se) dar uma resposta todos os dias. É parte da integralização no social, o sentir e o dominar as emoções para a permanência no ‘aprender a conviver’ com poucos obstáculos. Só que os excessos são imperdoáveis e negativos. Emoções positivas demais causam indiferença, soberba e alienação; emoções negativas diárias sugam as energias, roubam o futuro e cegam a visão ‘criativa’. E nossas gerações mais jovens crescendo... e nossas gerações mais jovens livres demais...

Hoje quero ‘conversar’ sobre as emoções negativas (ou tóxicas).

De antemão, alguns conselhos de Stamateas (2010, p.07-08), “se foi roubado, que sinta raiva, mas não que saia quebrando tudo; se foi traído, que sinta decepção, mas não que nunca mais confie em ninguém; se foi humilhado, que sinta vergonha, mas não que deixe de correr riscos; se alguém mentiu, que sinta desconfiança, mas não que sinta ressentimento; se foi intimidado, que sinta medo, mas não que fique parado; se não foi amado, que sinta rejeição, mas não que procure ser rejeitado; se perdeu ou se frustrou com alguma coisa, que sinta tristeza, mas não que permaneça chateado.” Ou seja, para emoções tóxicas, equilíbrio emocional, crença em si mesmo e intensa escuta sensível.

As emoções negativas podem favorecer revisões de comportamento e a instalação de um crescente esforço para se superar em outra oportunidade. Ou seja, sistemas neurais mais elaborados permitem respostas bastante variadas, facilitando a adaptação do ambiente (LENT, 2008, p.254). Mas, de outra forma, também podem evaporar a qualidade dessas respostas porque, no caso dos nossos jovens, há forte contexto repressivo dos seus sonhos, desejos e fantasias. Ou seja, eles não se conhecem, eles apenas refletem o alheio.

De acordo com o que venho observando, em minhas salas de aula do ensino médio noturno, as gerações mais jovens (de 15 a 23 anos) são grandes corpos-esconderijos de emoções cujo ponto final são as confusões em que se metem, as apatias em relação a quase tudo, a descrença em sua própria potencialidade, a superficialidade dos projetos pessoais e, principalmente, a imensa reprodutibilidade do status quo de onde emergem e crescem. E como corpos-esconderijos, são seres ansiosos sem tempo para emoções positivas.

Em minha escola, estamos no período de provas, organização de notas e conselhos de classe. É o período de maior agitação entre as turmas. Mesmo com grande ‘infrequencia’, é o período em que mais alunos aparecem pelos corredores à procura do ‘seu’ resultado. Eles sofrem. A ansiedade é quase palpável. Não nos interessa neste artigo se eles realizaram ou não todas as atividades ao ponto de ‘se’ reconhecerem em suas notas baixas ou não. Importante aqui é entender outra inquietude: a inquietude ‘inatural’, aquela que reflete uma crescente ‘aculturação’ de nossos jovens e das suas emoções, hoje, muito fora do foco: a própria aprendizagem. É uma pena...

Mente e corpo estão fora do prumo. É o período das dores de cabeça, mal-estar, suores fora de hora etc. Mas também, em muitos grupos, é apenas mais um momento sem ‘gosto’ ou sem ‘cor’: emoções tóxicas também são paralisantes. E eles me preocupam. Cada vez mais a ansiedade se transforma em preguiça mental / emocional. Assumem, talvez como defesa inconsciente, a descrença em/de si mesmo e, por outro lado, procuram, avidamente, ferramentas, exemplos e heróis de toda sorte. Como no jogo ‘pacman’, eles estão ávidos e famintos, só não sabem do que ou por quê. Sem perceberem, comprometem o próprio futuro e favorecem o crescimento de diferentes transtornos que incluem pânico, obsessão-compulsiva e diferentes tipos de fobias etc.; e/ou transtornos mentais, ou seja, alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global. Pane emocional total!

Diante de emoções negativas contínuas, o organismo reage em cascata. Lembremos que as emoções não são apenas elementos imateriais, elas têm correspondência bioquímica. Ao irrigarmos o corpo com determinados elementos negativos (cortisol), há o adoecimento físico e mental; mudança de comportamento; e desordem emocional. Desta feita, a escolha será sempre pela sobrevivência, de novo, mesmo não sendo os mais fortes. O cérebro primitivo ‘falará’ mais alto e forte! E ai, surgem as indisciplinas, as agressividades, as falas inconsequentes, as ‘malandragens’ (tentativas constantes de burlar as regras ou acordos) e, em outro viés, a falta de atenção, de concentração e de foco.

Inconscientemente, me parece que estes jovens estão em processo de desligamento emocional tal a força da pane eletroquímica (emocional) envolvida em seu crescimento. As descargas atencionais giram em torno de outros interesses, como ganhar dinheiro rápido, sexo constante, participação em baladas (noitadas), mundo tecnológico atualizado e mais interativo, visual ‘descolado’ dentre outros. O que fazer?

Bom se há ‘pane emocional’, a perspectiva é a manutenção preventiva, daí é preciso aconselhar mudança de comportamento para professores e pais:

I – Para professores:
- revisitação das formas de ensinar;
- compreensão de como esse aluno aprender;
- entendimento das mudanças emocionais;
- introdução de desafios contextualizados;
- incentivo à proatividade e à criatividade;
- inserção do contexto de interesse dos alunos nas atividades;
- presença real de uma escuta sensível (diálogo);
- cumprimento dos acordos pedagógicos.

II- Para pais:
            - Percepção real de que os filhos cresceram;
            - Valorização das descobertas e experiências, principalmente, as emocionais;
            - Aceitação das diferenças de pensamentos com paciência e respeito;
            - Presença, proximidade e diálogo constante;
            - Adequação e pertinências em relação às cobranças e/ou aos limites;
            - Afeto, carinho, humor: escuta mais sensível;
            - Liberdade e confiança de acordo com a faixa etária e maturidade;
            - Maior entendimento em determinadas crises / momentos;
            - Hierarquização das relações de forma clara.

Essa geração mais jovem precisa de espaço, compreensão e descanso, tempo de descanso, para reorganização (neuroplasticidade) das informações e construção da memória de longo prazo. Talvez ai o cotidiano se desvele e haja reações diferenciadas aos acontecimentos da escola e da vida, além da compreensão de que aprender gera mais liberdade do que a própria liberdade.

Referencias:
LENT, Robert. Processamento Emocional do Cérebro (p.254-269). In. Neurociência: da mente e do comportamento
STAMATEAS, Bernard. Emoções Tóxicas: como se livrar dos sentimentos que fazem mal a você. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2010.

Profa Claudia Nunes



AUTOPAPOS: um sistema de recompensa

Realmente o mundo mudou. Mudou em tudo. E uma das mudanças que venho observando é o aumento das pessoas que revelam: eu falo sozinho/a. Sem nenhum senão, esta revelação tem feito parte dos papos entre amigos e vem tornando os diálogos mais profundos e esclarecedores. Realmente saber que o outro fala sozinho tem entrado noutro patamar: não é loucura, é forma de extravasamento; não é doença, é maneira de criar o pensamento estratégico; não é esquizofrenia, é jeito de desenvolver equilíbrio emocional. Segredo: eu falo sozinha...
No mundo acelerado do século XXI, ‘falar sozinho’ significa ‘autopapo’, ou seja, uma conversa solitária e solidária consigo mesmo, na perspectiva do entendimento de uma situação e/ou do encontro com o chamado ‘equilíbrio emocional’. Em tempo de ansiedade generalizada, este talvez seja um recurso interessante para o reencontro com a nossa sensibilidade, paciência e compreensão de si e do outro. Autopapo pode se projetar, por exemplo, no respeito real às diversidades de pensamento, atitude e emoções alheias; e ai talvez, só talvez, nós tenhamos um mundo melhor.
De acordo com o que venho observando e lendo, autopapos tem múltiplas linhas de ação nos sujeitos. Outro exemplo de análise pode ser: eles aceleram e qualificam o processo cognitivo e emocional necessário à convivência de todos com todos. O cérebro ganha qualidade em seu sistema de recompensa, logo, é possível pensar que os autopapos fortalecem a capacidade humana de se motivar, emocionar, agir e explorar a realidade, porque são fontes de dopamina no corpo. Como a recompensa faz parte da programação cerebral, autopapos investem em estruturas orgânicas e mentais. Resultado: menos reatividades inúteis que complicam a continuidade das relações; mais presença de espírito e espírito esportivo diante de situações / emoções ruins. Há uma ‘varredura’ real das emoções toxicas, por exemplo.
O ‘falar sozinho’ (autopapo) é um momento da imaginação e da aprendizagem; é pensar oralmente; é uma tentativa de entender o outro; é uma necessidade de permanecer junto ao outro; é uma possibilidade de apartamento dos barulhos e murmúrios do cotidiano para se compreender e assim saber se comportar com determinadas tranquilidades; e, por fim, é uma ferramenta de mudança de comportamento simples.
Com poucas dúvidas, acredito que ‘falar sozinho’ é um tipo de comportamento cada vez mais comum e, particularmente, não vejo nada de irracional nisso. Há benefícios ao cérebro como a melhora da qualidade da plasticidade cerebral (e sua neurogênese); da formação da bainha de mielina (necessária à condução organizada das informações no cérebro); e dos processos cognitivos importantes às formas de aprender e de conviver em sociedade. Quando ‘falamos sozinhos’ trazemos à memória variadas informações e as articulamos com as futuras situações ou pessoas com as quais temos que lidar todos os dias. É uma forma de preparação de postura, de olhar, de escuta, de temperamentos e, principalmente, de diferenças, sem que percamos a espontaneidade ou sem que magoemos alguém. Autopapo como instrumento de diminuição da impulsividade, da agressividade ou da reatividade humanas? Autopapo como forma de se equilibrar ações cerebelares? Interessante...
Bom, com o autopapo é possível também pensarmos que, em seu processo, as habilidades emocionais contidas na memória criam sinapses mais fortalecidas e experimenta-se maior compreensão de si e de mundo. Há crescente capacidade de memorização, concentração e atenção. A linguagem não verbal e física, diante de determinadas situações, tem mais harmonia e ganham mais maturidade. As lembranças acontecem com mais clareza e facilidade. Importante reconhecermos, porém, que não deixamos de ser quem somos (conjunto de vivências e experiências = memória), mas é possível, em muitos momentos do autopapo, compreender quem é o outro e criar pontos maiores de respeito e escuta. E assim o reflexo da personalidade acontece com um pouco mais de condescendência e perseverança. Autopapo como instrumento de diminuição da violência atual? Novamente, um pensamento interessante...
O ‘falar sozinho’ é ter cuidado consigo mesmo para ter cuidado com o outro. O autopapo é uma forma de exercitar o cérebro: memória e funções executivas. Há reprodução de gestos e atos em solidão pensando justamente no outro e em suas reações, afinal o autopapo se dá pensando no outro. Louco? Não! Reforma do pensamento e liberação total do que se é e pensa sem a presença do outro, mas em função também do outro. Sem o outro fisicamente, no caso do autopapo, habilidades sociais são desnecessárias e, em muitos casos, é isto que acalma e acerta nossos desentendimentos emocionais para novos (nossos) enfrentamentos.
O autopapo pode incentivar “o cérebro a manter o foco para realizar as tarefas e resolver os problemas; melhorar a capacidade de pensar, resolver as coisas de forma mais rápida e também de relembrar com maior facilidade”; pode reativar informações, principalmente, visuais e sensórias; pode facilitar o processo de aprendizagem; e pode estimular a percepção e as formas de se expor entre pessoas. É uma alternativa para que as pessoas que se sentem, por exemplo, esquecidas se mostrem e ganhem mais força emocional quando suas presenças são necessárias. Se longos e duradouros, os autopapos se prestam a trazer mais harmonia à vivência das situações. Ou não? Oh discussão boa...
O autopapo acontece dentro do carro em viagem relativamente longa ou não; quando se pratica exercício físico fora ou dentro da academia; quando, depois de um dia cansativo de trabalho, deitamos e não conseguimos dormir; quando nos damos ao luxo de um banho demorado; quando decidimos arrumar a casa ou nossos armários; quando lemos algo que nos desafia a paradas constantes para pensar; quando relaxamos em lugares aprazíveis por tempo indeterminado; etc. Enfim, o autopapo é uma troca de ideias com seu eu, às vezes, reprimido. É também forma de sublimação, um dos mecanismos de defesa mais positivos de que se tem noticia.
Mas atenção aos exageros: diante do excesso e da percepção de que, por exemplo, seus amigos estão lhe evitando ou já comentando sobre esta sua mania, um passatempo ou um hobby é imprescindível. Nunca estamos sós. Temos bipessoalidade, pelo menos. Então o autopapo sou eu e o outro eu cujo espelhamento está no outro fora-eu. Trabalhamos com imagens internas modificadas pela assimilação e interação das imagens / informações externas. Precisamos desses autopapos. Precisamos desses autodiálogos para ter e procurar sentidos em nossa participação na vida. Mas também precisamos da figura real do outro, importando novas cognições e emoções em nosso sistema nervoso, e assim causando, em princípio, a chamada ‘maturidade emocional’.
Como o cérebro pensa com palavras, sentimentos causam confusões, daí a necessidade de autopapos em que, sem a interferência da fala e do olhar do outro, organizamos essas confusões (discussões internas) com calma e do nosso jeito. Um bom autopapo, por fim, demonstra saúde mental, ou, como diriam os orientais, é uma experiência de iluminação e esta nos energiza para entender e respeitar o outro e suas diferenças.

Ah, de novo, o autopapo não magoa ninguém.

Profª Claudia Nunes

REFERÊNCIA



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