domingo, 31 de janeiro de 2010

AMIGOS ACABAM?

'Amigo que é amigo quando quer estar presente /faz-se quase transparente sem deixar-se perceber /Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, /se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer /Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha /e oferece lugar pra dormir e comer /Amigo que é amigo não puxa tapete /oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem /quando não tem, finge que tem, /faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão'. (Zélia Duncan)


Tempos livres. Tempos de pensamentos soltos, mas misturados. É madrugada. E me pergunto: amigos acabam? Sim, acabam. E é de uma hora para outra. É uma presença que se perde por muitas razões inúteis. Estou dirigindo e em cada luz surge um amigo. Tempos de infância, de escola, de trabalho, de beijos. Muitos passaram pela minha pele e sentidos com enorme importância e hoje são vagas lembranças que me fazem suspirar de prazer e sorrir sozinha num carro a 100km/h. Nada eram sensações mentirosas porque eu prezo minha integridade, mas nem sei por onde andam. As luzes da cidade se acabam, surgem montanhas e prado, e o carro está em espiral: estou na serra. Amigos mais práticos dirão ‘se amor acaba, por que não os amigos?’ Porque aprendi que amigo ‘é pra sempre’! Minhas lembranças são de pura pulsação e alegria, mas o toque é impossível. Por quê? Onde foi todo mundo? No alto da colina, paro o carro, vou tomar um café. Preciso de café. Não quero minha memória fraca, quero-a em hiperatividade porque estou em convulsão. Não falo de amigos mortos, isto independe de mim. Falo de pessoas que ocupam meus braços, pernas, umbigo, nariz, boca, cérebro, tudo em mim. Falo de pessoas dentro do meu movimento, das minhas emoções, dos meus discursos, da minha crítica e/ou das minhas (in)compreensões. ‘Alguéns’ me chamaram na insônia, num hotel passando mal, num bar, numa casa; para um grupo, um choro, uma grande algazarra, um cinema, um aeroporto, um Natal, uma discussão, uma bronca; para escrever, ler, opinar, trabalhar, mediar, viver, beijar, experimentar, ver, só escutar, um vinho; para conversar na madrugada, me ensinar, me ajudar dentre outras coisas ao quadrado. Onde estão estes ‘alguéns’ das minhas experiências, dos meus sustos, das minhas incertezas, das minhas risadas? Eu não sei... Será que existem outras dimensões? Será que cada alguém sou toda eu e eu não percebo? Outro café, agora com leite. Amigos estão desmanchados no ar, mas eu não gosto. Nem quero saber dessa história de aprender a desgarrar. Não rola! Estou com fome! Dirigir dá fome! Talvez fome de companhia... Acabar é resultado, mas resultado de quê? Das perdas? Uma fala, um gesto, um olhar, um silencio, um ruído na voz, um diálogo desajeitado, algo que alguém disse, tudo é passível de criar ranhuras no afeto, mas acabar? E o diálogo, a conversa, a franqueza? Nada? Amigo evapora-se no ar sem fechamento? Não compreendo... Não vou seguir com o carro, de repente as lembranças me ocuparam de tristeza. Lembranças assim são alegrias póstumas, como afirma Lya Luft. Oh mulher de verdade! Oh escritora das nossas auroras! Encontro um quarto e vou me deitar. Os carros fazem barulhos e não me ajudam: existem buzinas que espetacularizam vários amigos. Tomo um banho e já me vejo quase chorando. Não consigo me despregar da veracidade da vida: seguimos caminhos sempre sozinhos. É verdade que todos estão dentro de mim, mas como disse bem uma amiga angustiada num dia 31 de dezembro: ‘estão dentro de mim felizes, mas não estão comigo agora’. Não sou nada mais do que o resultado do meu contato pleno com os amigos, mas estou só num hotel de estrada porque a memória pesou. E a memória não vai dormir. Os sonhos são mais insatisfeitos. Mato o superego e mergulho no inconsciente. O que aconteceu? Cenas se misturam, me assustam, me surpreendem. É uma epifania de sentidos! Nada me conforta. Corpo revolto na cama. Outra amiga surge nesta confusão gritando: ‘desapegue! desapegue!’ Como assim? Tantos desejos, tantas apostas, tantas parcerias, tantas afinidades, tantas verdades, tantos anseios, tantas trocas importantes junto e agora ‘desapegue!’ Isto não é uma prática bonita. É descaso, é deselegância, é falta de elã! Acordo. Sol na cara. Preciso continuar. Pago a hospedagem e vou ao encontro do carro. Ao sentar, escuto um barulho metálico. Entre os bancos, caído, um CD chamado ‘Amigo é casa’. Suspiro forte e sigo em frente pensando: ‘o que me resta é respeitar’.

Profa. Ms. Claudia Nunes

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...