segunda-feira, 30 de agosto de 2010

HIATOS ESTRATÉGICOS

Sentada em sua sala recém-construída, Simone pensa: ‘depois de 08 anos de casamento, estou sozinha’. O casamento não acabara. Rodrigo estava no chuveiro se aprontando para uma noite de festa: seu chefe o convidara para um happy hour. Depois de tantos anos de trabalho duro, Rodrigo fora convidado para um evento de diretores da empresa e por isso cantava bravamente no banheiro. Eles adoravam festas, badalações e encontros com amigos e família, mas um evento da empresa era diferente, havia um tanto de tensão e expectativa, afinal, como casal-casado, fariam sua primeira aparição ‘profissional’.

Diante de suas pernas bem torneadas e das fotografias espalhadas pelas paredes, Simone sabia que sua relação estava em crise. Era preciso parar e dar um tempo. Suas trajetórias juntos tinham mais sucesso que problemas. Em frente às adversidades iniciais, estavam num tempo de mais frescor, liberdade e carinho. Ainda assim, no redemoinho complexo e crescente das superações, algo se quebrara e ficara sem remendos. Então, ‘como sair de cena? Ou melhor, como modificar sua cena?’ – ela se perguntava.

Enquanto o relógio ‘tiquetaqueava’, seu olhar enevoou-se por sentir um futuro incerto dentro de uma relação certa. O tempo passa... passava... passou... Em cada toque, ela se pergunta: ‘será que eu quero o fim?’, ‘será que desejo ficar longe de Rodrigo?’, ‘o que está acontecendo comigo?’. Simone lembra as palavras de uma amiga, anos atrás, num show de rock: ‘ah, crise eu resolvo com hiatos estratégicos! Se eu sinto que a ‘barra tá pesando’, construo hiatos estratégicos e sigo em frente’. Na época todos riram, mas tímida, Simone não perguntou o que eram esses hiatos. ‘Mas será que estava precisando deles?’ Ela não sabia.

De onde estava, percebeu que seu aparador estava com poeira, sua cortina estava com a barra levemente puída e a janela se mantinha fechada. ‘Hiatos estratégicos... interessante’, pensava ela. ‘Será que saberia inventar algo a Rodrigo? Ou se afastar de Rodrigo? Ou desaparecer da vida de Rodrigo?’ – estava desconfiada de si mesmo. Lembrou-se que, no mural da universidade, havia um cartaz anunciando um congresso em Foz do Iguaçu dali a 04 dias. Algo em seu corpo vibrou: hiatos estratégicos...

Com a naturalidade de sempre, descruzou as pernas e ampliou o sorriso. Se há uma crise no ar, sua alternativa era renovar a atração para espairecer ou para reestruturar sua vida. Ela estava no centro da própria sala, no centro da própria memória, muito cansada de só pensar e resolvida: ela não vai à festa. Num impulso grita: ‘Rodrigo, eu não vou mais, estou cansada e estranha, eu não vou!’. Sem pestanejar, Simone se dirige ao quarto e começa a trocar de roupa: ‘não pode ser castigada por assumir uma verdade’, reconhecia.

Depois de tanto tempo, trocar de roupa é se desmanchar, se descascar das mesmas coisas sem vergonha. Quando nada flui bem, o jeito é se transformar: da maquiagem mais forte à plástica mais incisiva, a idéia é marcar encontro com outra pessoa e experimentar outros espelhos. Era hora de se mexer. Existia um mundo lá fora totalmente desconhecido por ela e que agitava seu imaginário.

Pouco a pouco, em frente ao espelho, Simone se despe. Que sensação boa se despir. A cada peça retirada a sensação de embates descartados, vaidades abandonadas, crescimento da intuição e planos revisitados. Com o casamento, a maior exigência (e sua maior dificuldade) era contornar as tensões e aceitar a presença do cotidiano, com amor e sedução!

Rodrigo era um cara positivo, esportista, falante, brincalhão e que levava muito a sério tanto a relação quanto a profissão. Nas poucas vezes em que discutiram a cama revelou-se bom campo de ‘acertos’. Mas Rodrigo tinha um defeito: era prepotente. Ela pensara que esta atitude se restringiria ao ambiente de trabalho porque, desde muito cedo, Rodrigo assumira muitas responsabilidades. Ledo engano! Rodrigo trazia trabalho para casa e, em alguns momentos, agia tal e qual um soberano com suas concubinas. Ela odiava isso! Diante de seu corpo no espelho, Simone vê ruborescer seu rosto: ela odiava isso! Ela vinha de família de professores de filosofia e arte, logo seu olhar sobre as pessoas era mais ponderado, aberto e dialogal. ‘Qual é o sentido de Rodrigo hoje?’ – teve vontade de gritar.

Três anos antes, o princípio do fim: em suas conversas mais densas, pareciam dois estranhos que mal se observavam. Era o marco zero dos desentendimentos. Nesta hora, a voz do pai ecoava em seus ouvidos: ‘querida, a prepotência é a burrice tentando se fazer passar por uma coisa válida’; e Simone abandonava o palco das discussões para tomar um longo banho. Como defesa, assumiu essa atitude: longos banhos para se liberar dos envolvimentos. Mas mesmo assim, uma pergunta ficava sem resposta: quem era aquele homem que dividia sua vida, além do grande amor da juventude?

Um barulho a despertou de sua nova vida: nada, impressão, besteira. Despertar para o que se é não ocorre com remendos ou colagens internas, ao contrário, potencializa fragmentos de emoções esquecidas e revigora uma grande vontade de respirar o perfume das lembranças juvenis.

Agora, nua, Simone se olhava atentamente: seus arrepios são saudáveis e razoáveis. Não há necessidade de cordialidades e silêncios. Sem roupas o jeito é assumir hiatos estratégicos e se testar na novidade de outros sentimentos. Simone quer uma ‘pegada’ original e sem abordagens antigas. Ela quer se permitir luzes diferentes, mesmo as mais ofuscantes. Ela está inédita e plena.

Repentinamente um cabide cai: é seu vestido de casamento. No chão, suas decisões, seus desconcertos, suas dúvidas e seus desejos. A vida lhe atravessa como uma sucessão de ‘saias justas’ em que foram precisas adaptações. No chão, sua liberdade e suas maiores cobranças. ‘O que faço?’ – ela chora. Num movimento, volta-se ao espelho e grita: ‘Ai!!!’

Rodrigo está às suas costas, todo molhado, e pergunta:

‘O que você vai fazer agora?”

Profa Ms Claudia Nunes

domingo, 29 de agosto de 2010

MUITO ALÉM DOS VÉUS

Ao acordar Alberta lembra que precisa arrumar tudo rápido para viajar. Depois de muitos sonhos e promessas, enfim iria viajar, iria sair pelo mundo para descansar e se experimentar em outros sóis. Deitada ela sente a alegria e a tensão deste momento. Deitada ela sabe que mais um véu irá ao chão: desnudando. Será que ela terá medo? Será que vai ficar indecisa? China é um país completamente fora do seu cotidiano. Ela trabalha com tecnologia de informação, fala inglês e grego, e estuda arquitetura egípcia. Por que escolher a China? Porque ela não sabia nada de lá. Até comprara um guia de expressões chinesas para viajantes, mas não abrira. A experiência de experimentar não poderia ser maculada. Seu corpo tremia e sua cabeça estava enevoada de imaginações. De repente, lembrara: iria sozinha. Depois da faculdade, pouca coisa fizera sozinha: alguém pra indicar, pra aconselhar, pra obrigar, pra mandar. Sempre um alguém na ante-sala da sua autonomia. E agora, China! Não foi fácil: mãe nervosa, sobrinhos tristes, namorada ‘bicudo’. Mas ela enfrentou e vai! Ai meu Deus! Olha ao redor: malas prontas, passaporte na cabeceira da mesinha, roupa de viagem na poltrona e contas pagas. Que felicidade! Que alegria! Nunca sentira essas coisas. Nunca teve licença para ‘estar-no-mundo-a-passeio’ e com pouca bagagem. Em cada dia, responsabilidades, obrigações, família e amor... tudo trabalho e muito cansaço. Nunca mais a sensação de liberdade de ser outra. Nem o espelho ajudava. Mas agora tudo mudou. A vida pode ter gosto bom! Alberta se espreguiça e promete a si mesma que suas próximas imagens serão verdadeiras, coloridas e sem ‘senões’. Todos os véus perdem os sentidos, as preferências, as texturas. As horas não mais a incomodavam ou distraiam: ela vai cruzar varaus e muralhas, transportando todas as suas emoções, com um convite: seu passaporte. Sem querer mais pensar, toma um banho gelado, se apronta com atenção, desliga as luzes da casa, fecha todas as janelas e pega as chaves. Alguém ainda duvidaria de sua importância? Não importa mais. Seu vestido é novo, sua mala é nova, até seu chaveiro é novo. Na próxima meia hora, cada passo dará elasticidade a sua maturidade para sempre. Ao descer as escadas, sob os olhares de outros moradores, e sem constrangimentos, Alberta corre desvairada pelo pátio da clínica de recuperação onde fora internada com delírios desgovernados.

Profa Ms Claudia Nunes

DESJEJUM DE EMOÇÕES

Mesa do café posta. Depois de muitos anos, a variedade de alimentos em frente a Lício era muito interessante. Ele não tinha se dado conta, mas sua vida dera uma guinada forte: o dinheiro entrava. A monotonia dos dias correndo atrás de dinheiro, descanso e felicidade mudara; agora a monotonia era tudo. Ele não precisava mais nada. Ele não tinha ‘que’ nada. A regra era escolher, optar e construir o dia como desejasse. Valera à pena? Hoje não era dia de respostas complicadas. Não tinha tempo para isso. O café fumegava a sua frente, tipos de frios se ofereciam aos seus sentidos e estômago, e, pelo menos três tipos de sucos surgiam para ele num grito primitivo de sobrevivência. Que difícil escolha! Que desperdício poder escolher tanto! Havia música no ar. Música vinda dos outros apartamentos. Música que ocupava sua varanda e o deixava ‘ligado’, ligado na vida, na vida do outro. Pensar na morte da bezerra era o princípio da loucura, mas era o melhor a se fazer correndo poucos riscos. Nada de caminhar para o trabalho, ir à academia, tomar banho ou ver televisão como máquina de produzir suor. Era preciso comer e respirar. Diante do desjejum, Lício precisava se esforçar para entender que o movimento dos pulmões não era banal. O café da manhã continuava gritando e não afetaria só o estômago. A energia era preciosa e ocupava todo o corpo. Lício estava emocionado, tão emocionado, que sua pele arrepiava, arrepiava e arrepiava aleatoriamente. Será isto alegria? Saudade? Autoconfiança? Satisfação? Sem jeito, começa a comer, mastigar e sentir. Não há nada sem a menor relevância. Ele pensa em meias, em limpeza, num filme, no beijo, na nova TV e a plenitude vai chegando. Como levantar e sair deste enlevo? Como perder este tempo e essas emoções tão suculentas? Além de mastigar, fecha os olhos e seu corpo (parece) ganhar espaço e dimensão. É um abraço à realidade. Ele arruma a mesa, olha de soslaio ao redor e vibra com a brisa que brinca com seus cabelos até o próximo orgasmo da imaginação.

Profa. Ms Claudia Nunes

domingo, 15 de agosto de 2010

ILUSÕES COMUNS

Num descampado, a luz do céu ilumina cada recanto da mata. As nuvens se embaralham e encantam os passarinhos. Estou andando na grama e assustada com as emoções conturbadas que me atravessam. Há uma desorganização tão grande no meu olhar que as cores da Natureza se esvaem. A loucura das relações me tirou do prumo e, sem poder de escolha, saí a esmo pelas liberdades de um dia desconhecido. Não consigo chorar... Não consigo falar... Apenas um passo de cada vez e as cenas passadas me perturbam e me matam. Não gosto de perturbação... Não gosto dos descontroles... Gosto dos meus pensamentos, limites, sentidos e suspiros. Gosto do que é meu, pronto! Porém, um dia, distraída, fiz uma dupla: alimentei corpo, sangue, dias e mente. O mundo estava dobrado e ampliado: agora, era ‘nosso’. Cada registro era uma surpresa, uma prova, e eu acreditei em extensões: meus braços podiam alcançar tudo e a mim sem pudores. Às vezes chamam isso de maturidade. É fácil suspirar a liberdade da cama. É difícil compreender os limites da casa. Eu fui nós, mas, sem reparar ou cuidar dos nós, dei linha na experiência por fraqueza e franqueza: era preciso viver. Hoje meus pés são tristes e meus olhos os acompanham: é o fim. Sem um fato, o processo é incoerente, suado e cheio de desvios de terra batida, sem árvores e nenhum som. Quero ocupar de novo meu lugar de eu, mas me perdi completamente. O labirinto é fechado e eu só posso crer numa salvação sem direção. Eu serei salva? Eu espero... De qualquer jeito, eu sempre espero... É uma passividade ativa: por dentro, no orgânico e no imaginário, há movimentos. A cabeça vai e volta, procurando... O olhar sobe e desce, indecente... Eu daria tudo por um espelho: é a calma de antes. Porém tudo está aos pedaços e doendo na pele. De repente, um susto: uma poça d’água me guarda em segurança... Sem ponto de contato ou pensamento, mergulho...

O PONTO

HOMENAGEM AO CINEMA

SINAIS DO AMOR

Domingo de muito frio. Frio traz certa melancolia e preguiça ao corpo. Mesmo as pessoas mais felizes preferem a quietude do lar e a quentura do cobertor. É um dia para o silêncio de si ou para o amor mais lento, mais simples, mais sensível com o Outro. E o dia segue arrepiando a pele vez por outra de qualquer jeito...

Num domingo de muito frio, é o coração que ‘fala’ mais alto. Amor em todos os poros sobre os outros e nossos tantos assuntos da semana; ou sobre ‘UM’ outro seja real ou imaginário. Todo o conjunto do que se chama ‘romantismo’ se materializa. Num dia maravilhoso de frio, nosso coração está amoroso e é puro desejo.

Ainda assim, um dia de frio deve ser o início de atenções à atividade que começa a vibrar nas veias e através do sangue. O ritmo está mais lento, é certo, mas é possível sentir momentos sem cor ou espaços vazios nesta corrida de vida. O que fazer? Vozes ao lado dirão: ‘supere!’, não adianta. Vozes do passado afirmarão: ‘experimente!’, é tarde. Vozes dos sonhos lembrarão: ‘acredite!’, é estranho. Vozes do medo suspirarão: ‘cuidado!’, é assustador. O que fazer? Hoje, num dia de frio, é simples dizer: sinta o coração!

O coração pesa cerca de 283 gramas, é um músculo cheio de sangue e se tornou o símbolo universal do amor. Os gregos acreditavam que o coração era a sede do espírito; os chineses o associaram ao centro de felicidade e os egípcios acreditavam que as emoções e o intelecto surgiram a partir do coração. Ninguém sabe ao certo a origem exata da associação do coração ao amor, no entanto, é essa a idéia mais quente que temos; é essa a idéia com qual nos agarramos com fervor.

Fora uma caneca de chocolate quente, à tarde, num dia de frio, acreditamos que o amor é coração. Desde a Grécia antiga, na cidade de Cirene, conhecida por uma planta chamada ‘Silphium’, com casca de semente em forma de coração, que é assim que pensamos: o coração é amor.

Mesmo assim, o coração é complexo porque agüenta muitas emoções e tem mistérios incríveis, então, num dia de frio, é bom tentar preencher os vazios e aceitar o que está no ar: o amor. Ninguém vive sem amar. Não falo só de beijos na boca em momentos de êxtase no corpo e na alma, falo de amar com carinho, por solidariedade, por amizade, para sorrir, com saudade, pela lembrança, num grande abraço, com licença, por um ‘bom dia’, no toque, no torpedo, no scrap, no telefone, os estudos, o trabalho, o vizinho, seus livros, sua solidão, seu cobertor, a si mesmo, sua vida.

Ninguém vive sem amar mesmo porque amar é resultado de nossas escolhas. E este resultado tem o tempo da vida para acontecer. Nós temos problemas com o tempo porque esquecemos que ele (o tempo) não é nosso, tem humores e acontece quando deve ser. Hoje, agora, amanha, à tarde, são adjuntos de tempo e como adjuntos complementam os fatos e não pode ser supostos ou previstos na ação do sujeito. Logo, o que melhor fazemos, então, depois de ‘ontem’, é permanecer sonhando e desejando... E o coração mantém sua bombástica relação com a vida.

Homem ou mulher, não importa, o coração é ardente das emoções e, por isso precisa ser bem interpretado, por exemplo:

a) orgasmos três vezes por semana diminuem a probabilidade de morte por doença cardíaca coronária, logo o mundo é nosso;

b) decepção amorosa sugere um kit renovação coronária: choro, amigos, novos amigos, novo guarda-roupa, corte no cabelo e novos olhares, a vida não espera;

c) métodos de conquista atualizados modificam o ritmo do coração: são mais hormônios, algumas distrações no dia a dia e um grande sorriso eterno, cada passo é no escuro mesmo;

d) cuidado com ‘coração’ grande demais, além de indicar problemas cardíacos, pode atrair gente espaçosa e sem limites: mesmo no amor, vez por outra, apresente (e seja) você mesmo (a), é uma questão de respeito;

e) rugas na testa ou nas laterais da boca é sinal de coração sério e duro: relaxe e sorria do nada: num ataque de riso, o revestimento das paredes dos vasos sanguíneos é desobstruído pelo fluxo de sangue por até 45min, não se blinde, gargalhe;

f) amor com um cálice de vinho por dia é antioxidante e cria momentos de puro suor, demonstre atitude;

g) movimento do corpo para todos os lados, sozinho (a) ou acompanhado (a), ao longo do dia, pode fazer o coração bombear 2.000 litros de sangue, afoguear suas fantasias e tornar suas noites impressionantes, abra espaço às surpresas.

Enfim, aceitemos Djavan: ‘um dia frio, um bom lugar pra ler um livro, um pensamento lá em você...’, seja ‘você’ quem for ou o que for...

Referência:

Ms Profa Claudia Nunes

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...