segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

NÃO REAJA AO MAL

Aquele que responde uma agressão com outra agressão se coloca no mesmo nível do seu agressor.
Aquele que sente raiva daquele que cultiva raiva por nós se deprecia tal como o raivoso.
Aquele que devolve a ofensa ao seu ofensor torna-se tão degradado quanto a baixeza da ofensa que repudiamos no outro.
Aquele que reage com irritação a situações estressantes está semeando cada vez mais irritação em sua vida.
Aquele que luta contra quem luta conosco acaba se pondo na linha de combate e pode sempre sofrer ataques.
Aquele que se deixa envolver pela energia negativa de que nos maldiz e nos maltrata, está alimentando mutuamente o mal que quer evitar.
Quando levantamos a voz para aquele que grita conosco, quedamos na corrente da cólera que nos prejudica e desvitaliza.
Aquele que reage ao mal com o mal coloca-se no mesmo nível do mal que condena para si.
Seja superior às investidas da escuridão; coloque-se acima das energias pesadas; eleve-se sem reagir.
Quando você reage ao mal, ele te atinge; mas quando você se coloca acima dele, ele jamais pode te alcançar.
Não responda ao agressor com agressão; ao ofensor com ofensa; ao mal com o mal.
É como entrar numa poça de lama para jogar a mesma lama que jogaram em nós, quem se suja é você.
Uma pessoa só pode te atingir se você responder na mesma moeda.
Curve-se do mal, esquive-se da lama das emoções negativas que querem te passar.
Porém, não evite o mal por medo, covardia ou submissão,
Mas para não decair no mesmo abismo que o outro se encontra.
Quando alguém te convida para a escuridão, você só entra na porta das sombras se quiser.
Deixe a agressão, a ofensa, a raiva, a provocação, a hostilidade, o menosprezo com aquele que os possui em si.
Não se deixe contaminar ou envolver pelas energias negativas.
Coloque-se acima, invulnerável ao mal que jogam em você.
A correnteza do mal só te puxa se você mergulhar no rio.
(Hugo Lapa)


SÍNDROME DO NINHO VAZIO, uma opção (188)

188 Num ônibus ele ouviu a verdade: ‘síndrome do ninho vazio’. David desviou o olhar da janela e se deu conta de onde estava: um ônibus lotado e sem destino. Sim, sem destino. Seus filhos se foram. Cinco filhos e todos se foram. De casa ao trabalho e do trabalho a casa, eu era um autômato dos dias e das noites. As cenas passavam rapidamente em sua mente: nascimentos, primeiras bicicletas, noites sem dormir, estudos, horários, parques, amigos, pipocas, gastos, desejos, discussões, manias e, enfim, conquistas. Seus cincos filhos eram pessoas de bem e em sociedade. Até ali foi duro manter o rebanho junto e controlado; mas valeu à pena. Sua mulher morrera quando os gêmeos nasceram e ele teve que ser ‘pãe’ junto com a sogra e sua mãe. Quase 20 anos depois, ele tinha 54 anos e estava sem humor, sem prazer, sem grandes sorrisos e com uma enorme sensação de inutilidade. Onde estava aquela fome de viver da juventude? Cinco filhos depois e ele ali, no ônibus, realizado, ativo, com planos, mas em silêncio e difícil. E aquela mulher surge com uma resposta: ‘síndrome do ninho vazio’. Será? O que isso significaria? Depois que saiu do ônibus, resolveu sentar num bar perto de casa para pensar melhor. Em cima da mesa, um copo de vinho e suas chaves de casa. Chaves de casa... Casa... Solidão... Quietude... Depois de tantos anos, ele estava sozinho num apartamento de três quartos e com um vigor enorme. Em sua cabeça só uma vinheta incomodava: ‘síndrome do ninho vazio’. O que fazer? Seus filhos estavam na vida e bem posicionados. O que fazer? Ele se sentia preguiçoso, lento, insatisfeito e sem graça. O que fazer? Cadê a tal força de vontade? Muitas mulheres passaram em sua vida, só que a futilidade era a primazia. Ele era corajoso e tinha força de vontade, só que os dias, de repente, se tornaram monocórdios e sem grandes mudanças de tela. Trabalho, palestras, textos, análises e casa: eis sua perspectiva de sempre. E as crianças? Ops! Elas não existem mais; elas ganharam autonomias, liberdades; elas criaram outras famílias ou conquistaram outras moradias. Mas ele estava ali: inviabilizado de suas funções normais de vida e consigo mesmo para dar conta. ‘Síndrome do ninho vazio’, que coisa! Do outro lado da rua, alguém acena repetidas vezes, mas sem seus óculos, ele não enxerga. Mais uma vez passará por mal-educado: ele não enxerga de longe. Isso! Além da síndrome do ninho vazio, ele não enxerga de longe: ele tem que aceitar e encarar seu presente do jeito que é e tentar se ajudar. Ele tem que agir de outra forma: se tudo mudou e ele não percebeu, agora a mudança é uma questão de escolha pessoal e definitiva. ‘David, caramba, quanto tempo! Como vai vc? O que anda fazendo?’ – diz Dario, depois de atravessar a rua e sentar à mesa. Assustado, David só olha Dario... olha com vergonha... olha com certo medo... ele não anda fazendo nada... nada mesmo... Ele andava perdido, sem se cuidar, comer ou dormir direito; ele andava quieto, sem amigos e mudo; ele andava alienado, negativo, sem foco, inútil; ele andava sem prazer e fútil. Para que tanta responsabilidade profissional senão aproveitava a própria vida com paz e sossego? ‘Ola Dario, como vai? Eu andava meio chato, mas estou me recuperando. A vida precisa ser vivida de qualquer jeito, não é?’ Ele se sentiu recompensado e positivo. Não havia mágica, viver a vida não é uma questão de mágica, era preciso sonhar e fazer: apenas tomara uma decisão. ‘Por favor, quero uma cerveja e traz uma para o meu amigo aqui!’ – David gritou para o garçon. Síndrome do ninho vazio e depressão, parceiras de uma vida cheia de altos e baixos, exigem administração frequentes e David entendeu enfim. Em apenas um gesto, a roda da fortuna reverteu seu movimento e, ao invés do copo meio vazio, ele sabia que estava diante de um copo meio cheio... cheio de autoestima, elogios, força, apoio e emoções. O sentido da vida não é precisamente o de ter tudo o que queremos, mas sim, principalmente, qualificar nossos sonhos e desejos, e saber compartilhar tudo o que temos e sabemos com os outros. A vida é muito curta, logo metas para os próximos dias: rompa as regras, perdoe rápido, beije devagar, ame de verdade, ria muito e nunca se arrependa de alguma coisa que a fez feliz. E assim, David viveu feliz para sempre... Claudia Nunes

domingo, 27 de dezembro de 2015

NIX, o valor da noite (186)

186 NIX, o valor da noite Depois do princípio, só restava a noite. NIX foi embora e ninguém poderia ajudá-lo. Ele não queria dormir. Ele tinha muitos afazeres, mas hoje ele não queria dormir: tenso. Sua mãe ligara preocupada com seu comportamento no jantar de família: ele ficara na sala lendo e escutando musica por horas. NIX o deixara sem função e ele não queria dormir. Havia uma vitalidade na noite que ele queria viver e sentir. Só que a família impedia e não havia como sumir; como não dar explicações; como ser ‘de repente’ outro alguém. NIX fora embora sem deixar rastros, apenas marcas duras no coração, no apartamento e nas memórias. Em sua maturidade, ele não queria dormir mais. Havia um sentido em dormir: perda de tempo, de vida, de chão, de luz. NIX representava tudo isso. Anos vivendo um grande amor dia e noite; e agora só restavam os dias. Como são tristes os dias sem NIX, sua noite mais iluminada. Inteligente, livre, solteiro, ele sentia que, nas noites, ele era alguém muito especial e ajustado. Seu trabalho exigia atenção e interpretações constantes: era economista e literato. Ele era o dono dos números e da imaginação. Mas, ao mesmo tempo, era um desajustado: o dia lhe dava incômodos, febres, inutilidades. Ele estava sem graça e queria NIX de volta. Seu ‘mundo melhor’ era escuro, intenso, controlado, mapa de um tesouro perdido: outros mundos mais razoáveis. Ele se sentia assim: de outros mundos mais razoáveis. E, na noite, sabia vive-los sem cortes ou edições da tal personalidade e como expressão dos ‘n’ convívios tão ignorantes. Noite! NIX! Noite... Ele não queria que seu hipotálamo fosse tão exigido; ele queria o controle; e apenas um tempo para ajeitá-lo. O dia tinha falta de segredos; incluía enfrentamentos; buscava esclarecimentos; oferecia escolhas demais; não admitia blefes sociais estratégicos; mas a noite... 

Ah, a noite! Ah, NIX! Esta tinha um glamour como cobertores que surgem quando estamos com frio e com preguiça de levantar. Depois de um dia de trabalho, ele abria a porta de casa e NIX ocupava tudo: geniosa, quente, sorridente, brigona, elegante, cheia de complexidades, ela gingava pelos cômodos e lhe energizava de cheiros e sons. A noite era a sensação de calor, de força, de solidão, de tentativas sem erros criticáveis, de surpresa, de muitas promessas; é tempo para viver o pensar e agir sobre esse pensar sem vozes, ruídos ou toques inesperados ou inconsistentes cuja alteração o tirava do prumo e da própria consciência. Ele vivia o sol; mas a noite era para ser sentida sem apagamentos. Em casa, ele ligou o rádio, acendeu um incenso, fez um café e sentou em frente ao seu notebook. A vida precisava começar. Ele sabia que como humano e com um hipotálamo perfeito só tinha duas opções: saber como se manter alerta (dia) e quando é hora de descansar (noite) sem NIX. Mas, além de descansar, a noite tinha a graça dos prazeres disfarçados no dia: é a chamada ‘asas à liberdade’. Ele tinha outro sono; tinha um acordo com Morpheus; optou por outros padrões de vida e de noite; tudo porque NIX escolhera o anonimato dos dias mais distantes sem sua companhia. A noite, então, se abria às propostas de mudanças e aos riscos da maturidade. Estamos propensos às adaptações e vulnerabilidades quando sozinhos? Não! NIX é nossa maior popularidade porque, com ela, sonhamos e criamos objetivos. NIX propunha mil recursos e os desejos pareciam muitos naturais e viáveis. O mundo sem NIX estava parado no dia sem noites. Ele não sabia como resistir à depressão. Ele se cansava, vivia mais devagar e perdia a espontaneidade. O coração pulsava em outra ordem e a sonolência da morte em vida o abraçava calmamente. Onde estaria NIX? Em seu notebook, uma mensagem: como vc está? Ufa! Que alegria! NIX voltou. Ela voltou. Sua deusa voltou e tinha um sorriso maravilhoso. Assim era a noite e sua NIX. Depois do caos, ela emergiu do vazio, sem melancolia ou palidez; era forte e incansável; era mágica, cheia de mistérios e segredos. NIX era sua vitalidade e seu encantamento. NIX, a indomável e sua esperança. Sem mais, refeito da sensação de perda do seu WI-FI, ele tomou um banho e começou a trabalhar: a noite era mesmo uma criança... Claudia Nunes 


BANHO, uma vantagem psiquica (185)


Em tempos de calor senegalês, Aurora tomava vários banhos curtos ao dia. Seu ar-condicionado estava com problemas e ela estava sem grana para consertá-lo. Daí nos dias e noites de calor, a opção eram os banhos refrescantes que lhe davam, pelo menos, duas horas de sono profundo. Ela se sentia cansada. Como um bebê recém-nascido, ela acordava várias vezes, à noite, para tomar banho ou como dizia seu pai: ‘para jogar uma água no cadáver’. Em um desses momentos, ela olhou para o chuveiro e pensou no banho. Pensou? Como assim? Banhos são para se tomar, não para se pensar. Mas ela sentiu e pensou: quando a água tocava e escorria pelo seu corpo, havia uma mudança, não apenas de temperatura, havia uma transformação de humor. É prazer, é satisfação, é harmonia, é vitalidade. E como tudo, no banho e na vida, essa mudança tem um tempo e este precisa ser bem usado com equilíbrio e para o relaxamento mental. Às 4h da manha, sem culpa nenhuma, ela incluiu a cabeça nessas águas e o corpo arrepiou. Ela pensava em livramentos, alegrias, família, soluções, amores, sonhos etc. De repente ela pensava em cores: o calor a tornara vermelha; o banho lhe deixava azul, verde, amarela, branca de paz. Enquanto a água escorria, sua aura vibrava, se movimentava e se modificava: ela estava em sua própria luz plena de energias. Será era isso que significavam as férias; os feriados prolongados; um mergulho num piscina enorme; uma risada de um amigo sábado à noite; um por do sol no Rio de janeiro; um tempo de meditação ou reclusão; um amor incondicional; um objeto novo; um café com leitura ou com bobagens? No banho, tudo isso, é verdade e faz o corpo tremer. Para haver livramentos e paz, o banho é o início de uma varredura interna que estabelece outro padrão corporal, emocional e físico. Ela não queria mais sair do banho. Ela almejava a purificação total. Que soberba! Não há paz, harmonia e equilíbrio totais ou por tempo indeterminado: banho também é pensamento e este pode ser atravessado por diferentes nocividades: parte de quem somos e parte de quem decidimos ser. Então por que o banho é bom e importante? Porque muda as rotinas cerebrais e nos prepara para compreendermos quem poderemos ser em cada tempo de prazer que tivermos. É um luxo humano, muito humano: é pensar sobre o pensar o sentido de um banho para pensar a vida. E o tempo passa... E o banho continua... Mas só a água não resolve: a água apenas estimula, abre caminhos, inicia o contato primordial. É preciso esforço para que tudo termine bem. Aurora resolveu lavar a cabeça e usar o sabonete: todos nós precisamos de recursos para o sucesso, a alegria, a conquista, o aprimoramento de nossos desejos. Desejo e imaginação. Desejo, imaginação e estímulo. Desejo, imaginação, estímulo e esforço. Para se refrescar é preciso suar, suar muito... Aurora estava formando hábitos. Aurora criava mundos, tempos e ideias em sua mente e em seu corpo para uma reconexão com sua realidade: era um banho com a sensação de proteção. Mas tudo, na vida, tem um fim. Não há começos ou recomeços sem um fim. Era hora dos fechamentos. Era hora de decidir terminar e começar outra trajetória por outros caminhos. Aurora resistia e se perguntava: por que / para que se sujar novamente? A vida, com assepsias tão densas, é muito melhor e eficiente. A água continuava lhe dando prazer e volume de possibilidades. Mas isso não era normal, ela sabia: para se reconhecer a beleza, era preciso ter vivido a feiura; sem isso não havia como crescer e ser feliz. Sem ninguém ao seu lado ali ou depois, Aurora retomou sua vida, seu corpo, suas emoções e seu banho; e fechou o chuveiro. Não havia mais águas, não havia mais refúgios, não havia mais desligamentos. Ela abriu os olhos e encarou seu banheiro: vida cotidiana e um calor senegalês, outra vez. Só que ela estava diferente: ela estava fria; ela ainda estava em perspectiva e com outra dimensão curativa (?). De olhos abertos, ela encarou a toalha. Agora a vida era irrecusável, então o jeito foi respirar profundamente, pegar a toalha, secar e colar as energias e, de novo, enfrentar o mundo com roupa, reza e coragem... FELIZ 2016! Claudia Nunes


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

TELAS para pensar 3



Beijos Claudia Nunes

MULETAS MENTAIS (184)


184 Muletas mentais Hoje estou pensando em relação de dependências. Uma amiga fez uma cirurgia nos joelhos e teve problemas em se relacionar com as muletas. Observando aquela dança desengonçada de pernas e muletas, pensei: como temos pessoas que se escondem atrás de ‘muletas’! Não assumem seus passados / vidas e buscam o conforto na vida de outras pessoas, ambientes ou teorias. São singularidades em crise procurando terreno fértil fora de si mesmo para se reconhecerem. Eles se escondem, criam blefes e vivem de acordo com esse imaginário. É um espelhamento pernicioso! Que triste! São frágeis, inseguras, às vezes difíceis e sempre dominadoras. Agem criando linhas retas, pontos exatos e ações padronizadas que não podem ser transgredidos porque ‘sempre foi assim’. O viés, a esguelha, o sinuoso, o salto, o desvio são impensados porque podem colocar em xeque sua verdade. Em todos os casos, há dependência emocional. Muletas são a metáfora de uma dependência emocional velada / disfarçada. Essa semana toda estou pensando em ‘muletas’. E as muletas quase têm ‘vida própria’ de tão autônomas: difícil ser bípede, pior ainda ser ‘trípede’ em sociedade. Daí eu pensei e perguntei: quantas pessoas realmente usam muletas? E me surpreendi com a resposta: muitas! Lendo aqui e ali, na Internet e em alguns artigos, eu percebi que muletas podem ser crônicas e moldar uma personalidade, hábitos e relações. Muito estranho... Como crônicas, as muletas precisam ser observadas com cuidado pelo Outro da relação (de qq relação), afinal sua persistência ou seu acontecimento pode causa mal-estar, desconforto e incomodo também ao Outro da relação. ‘Muletas mentais’ e relações não se sustentam. Não se pode depender de algo ou alguém para sempre. A perspectiva de mudança é real e precisa ser vivida, mesmo com certo sofrimento. É possível ser carente para sempre? Talvez... realmente minha resposta é talvez... Uma ‘muleta mental’ é a necessidade de se criar uma aura de intimidade eterna e envolvendo essa relação / sensação numa grande redoma. Laços afetivos, empatias, moral, bondade, razão, ética, decência são preocupações e atitudes saudáveis quando, de acordo com a situação e o momento, estão equilibradas e sendo vivenciadas coerentemente. Ninguém é bom ou mal sempre. As ‘muletas mentais’ tem fundamento no ‘para sempre’. É a questão do ‘sou assim e pronto’. Que triste! Quaisquer mudanças ou convergência de novas relações estimulam sentimentos como desconforto, raiva, indiferença e até mágoa. Sentimentos complicados, mas concretos a quem se imbui das ‘muletas mentais’. Quero entender isso, só entender. Quero caminhar por trilhas de luz e sombra: só luz cega; só sombra cria o medo. É o intransitável e o intragável na mesma moeda: puro blefe pessoal. Diante das ‘muletas mentais’, há saltos interesseiros: é importante aliar-se à relação de momento e sugá-la até um novo movimento de satisfação. A convergência necessária ao aprendizado e à maturidade é difícil: o ser com ‘muletas mentais’ não se ama; se disfarça; e constrói outra vida interna, a partir da vida do outro ou do desejo de ser outro alguém. Penso às vezes em perturbação ligada à insatisfação e muita repressão no próprio passado. As pessoas só dão o que tem e nada mais. Mas o que pode acontecer de pior? Constrangimento social, perda do respeito alheio e certo julgamento negativo sobre os outros. Nós crescemos e devemos repensar lógicas e pensamentos para viver melhor. É preciso desprender-se de si e optar pela dinâmica relacional: e esta se fundamenta nos processos e na lógica alheia para sentir, pensar e (SE) superar. É o processo de resgate da autoconfiança. E, nessa hora, será que os amigos ajudam? Talvez... Um ser com ‘muletas mentais’ precisa de ajuda urgente e constante. Não se pode apenas dialogar, é preciso agir, mas sempre com cuidado, atenção e sorriso. Um amigo tem paciência, afinal ‘muletas mentais’ são panoramas emocionais sendo montados por muito tempo e, às vezes, ratificado pelas atitudes dos próprios amigos como: ‘não o incomode’, ‘ ele é assim mesmo’, ‘não gosto, mas, fazer o que?’, ‘não quero perturbações...’, ‘Ele é uma pessoa boa’, enfim ‘muletas mentais’ sendo aprofundadas pelas distrações dos outros ou pela permanente falta de foco e de autoestima de todos. Muletas mentais causam enganos e criam momentos de mentira... mentira sentimental... Gente, cuidado com pessoas ‘coitadinhas’, que falam no diminutivo, que declamam o amor perfeito, que esquecem seus ‘telhados de vidro’, que julgam sem dó e nem piedade, e que, principalmente, tentam ser o centro do universo de outra pessoa por amizade, religião ou profissão: suas muletas mentais sugam nossa força e coragem para ser o que somos sem medo de ser feliz. Atenção e cuidado... Claudia Nunes

ENCRUZILHADA (183)


183 Encruzilhada Espaço que apresenta muitos caminhos. Caminhos demais... Quais são os rumos da vida? O que fazer agora? Qual o sentido de ser o que é? Valeu à pena? Depois de anos, o olhar de Julia estava embotado de dúvidas. Ela enxergava o de sempre, mas o de sempre não servia mais. Sentou numa esquina e pediu um café. Nem a leitura caberia nesse momento: nada mudaria seu momento. O cheiro do café a fazia apenas fechar os olhos, o que estremecia seu corpo. Sem olhos, o que fazer? Como fazer? O cheiro lhe apartava do corpo, mas não lhe tirava a verdade: ela estava se estranhando e colocando em xeque o próximo passo, o próximo ano, os próximos movimentos de vida na vida. O cheiro de café... Que interessante o cheiro de café. Em uma encruzilhada de emoções, o cheiro de café acalorava seus sentidos e seus pensamentos. Mesmo assim, a encruzilhada incomodava. Ela se sentia escapando e suas mãos não alcançavam nada firme. Firmeza seria algo muito confortável. Ela tinha formação, tinha certeza, tinha postura, mas algo faltava... Cheiro de café e 50 anos. Sim, Julia tinha 50 anos e estava à beira de mudanças que não conhecia. Não estava devastada, chateada, triste ou deprimida, apenas queria entender os próprios sentimentos estranhos que lhe assolavam: que caminho tomar? O amadurecimento causa isso: crise, critica, dúvida. Racionalmente tudo estava bem, porém além do cheiro do café havia uma brisa diferente e isto que a distraia da própria rotina de ser e estar. Enquanto engolia o café, pensava: ‘para onde ir? Como começar? O que escolher?’ Seu baú de guardados mental estava revolto; a memória não tinha mais portas fechadas; os sentimentos estavam lhe sobrevoando a mente e o corpo; e o cheiro de café a mantinha em bases conhecidas e isso era importante. Na rua, os carros passavam e buzinavam; as pessoas caminhavam e conversavam; as luzes e as cores estavam por toda parte; mas ela só tinha a certeza do cheiro do café e da sua insegurança: quem era ela afinal? Aos 50 anos, profissional, ativa, motivada, de repente estava pequena e sem decisões. Sua encruzilhada era enorme, silenciosa e solitária. Julia e a encruzilhada. Julia, encruzilhada e o cheiro de café. Tem gente que, aos saltos, promove mudanças inigualáveis porque não tem tempo para pensar. Ela tinha. Julia tinha tempo para pensar. Sentada à beira de um bar, tomava seu café e observava a fumaça. Para onde ela iria? Julia não sabia. Sabia apenas do movimento. Sim, diante da encruzilhada, o movimento precisava acontecer: pensar, rearrumar, reorganizar, agir e mudar. Na encruzilhada, ela tinha tempo para pensar nesse movimento, sem prisões, em silencio e com interesse em se transformar e sem deixar nada debaixo do tapete. Julia queria detalhes, queria desesperadamente imprimir novas marcas à sua vida, queria mais vitalidade em seu SER. No cheiro do café a procura do brilho dos olhos diante das cores de um novo despertar. E ela permanecia sentada. A volúpia do mundo a cercava; mas ela estava atraída por um cheiro de café tão promissor. E a noite caiu. Segunda xícara de café, ela precisava de decisões: 1 mudar sua rotina interna; 2 experimentar novos sentimentos; 3 permitir-se outras atitudes / pessoas; 4 viver em outros ambientes; 5 criar estratégias de desapego; 6 encarar os dias de forma positiva; 7 ter mais sabedoria diante dos obstáculos; 8 eliminar julgamentos / preconceitos; 9 viver o presente do jeito que vier; 10 conhecer e reconhecer o momento SIM e o momento NÃO consigo e com os outros. Julia anotou tudo num guardanapo. Era o seu mapa; sua forma de sair da encruzilhada; e seu jeito de manter o movimento em busca de si mesma. Estes seriam os pontos básicos de sua travessia e sua forma de encarar o livre arbítrio. Julia e sua encruzilhada escutaram sua mente e se libertaram de seus medos. Julia e a encruzilhada negam a realidade idealizada e foram ali realizar e viver. Julia e a encruzilhada: por favor, traz uma xícara de chá? Estou com fome...                    Claudia Nunes

SEM QUERER (Experiencia de sensibilidade 178, 179)

178 Em casa virada pra janelas as estrelas lhe fazem pensar: é minha natureza. Alguns rumores tentam lhe distrair, mas as estrelas brilham demais e não a deixam sentir diferente: ela precisa dos benefícios de uma noite insone. Sim, benefícios. E as estrelas sabem disso. São suas companheiras em tempos difíceis e decisivos. Elas lhe dão saúde e distância, pontos da vida em comum que foram perdidos pela necessidade de conviver e reagir. Ela tem essa natureza. Saúde e distancia. E as estrelas a entendem. As estrelas e o vinho. Ah, o vinho. Amante das noites conflituosas, o vinho lhe deixava em paz. Paz de ser, de sentir e de viver. Sem estrelas e vinhos, ela destoava, tinha crises, não refletia, não se desafiava. Seu interesse maior era sempre viver a experiência de experimentar o que quer que fosse, como agora. O amanha teria seus cheiros e ela suas capas emocionais. Ao acordar, teria que escolher roupa e perfil mental. Ao acordar, suas escolhas teriam motivos e conflitos. E ela precisava muito das estrelas e do vinho. Da janela do quarto, ela buscava o caminho do prazer e da satisfação. Algo semelhante à fonte de juventude; à reorganização alimentar e mental; a menos radicais livres; a mais amor e emoção; aos momentos de relaxamento juvenil; à reconexão com o chão e o céu simples; à diversão e às loucuras das amizades barulhentas. Da janela do seu quarto, ela juntava luz e paz para viver um grande amor. E ia dormindo o sono dos justos... Claudia Nunes


179 ‘Sem querer’...  ‘Sem querer’ é uma expressão interessante; nós assumimos a ideia de que, em alguns momentos, perdemos a consciência e reagimos a uma emoção com toda a nossa memória, as vezes, mais primitiva ‘sem querer’.
‘Sem querer’ nos assusta porque temos a certeza de que fizemos algo errado e magoamos, então o tempo das desculpas é único, mesmo ‘sem querer’.
‘Sem querer’ disfarçamos atitudes porque temos interesses ou desejos, nem sempre positivos, até ‘sem querer’.
‘Sem querer’ incomodamos, iludimos, escondemos, amparamos, esclarecemos, mentimos, apesar de ‘sem querer’.
‘Sem querer’ vivemos nossas vidas tentando entender a magia de respirar, de amar, de sentir, de olhar, de aprender sem solidariedade e carinho, mas ‘sem querer’.
É ‘sem querer’ que podemos tecer a emoção das almas gêmeas, amigos ou amantes.
Numa esquina, Ely se viu no meio de um tiroteio e não sabia mais para onde ir.
Assim era sua vida: perdido por caminhos sem luz e assustado com as próprias obrigações.
Mas ali era um tiroteio; ali era ‘sem querer’.
Ali muitas almas fugiam sem obstáculos e pessoas desabavam sem perspectiva: ‘sem querer’.
Num tiroteio, ‘sem querer’, o mundo muda como num toque em um castelo de cartas; como uma repentina ventania que demarca algo sem sentido ‘sem querer’.
Ely não sabia mais nada: o si e o outro não tinham corpo.
Ele sabia que o chão era seu destino ‘sem querer’.
A vida não tinha mais uma plataforma e nem multiformas, além de um chão duro e molhado.
O barulho era ensurdecedor e o chão do cimento impossível de ignorar.
Rosto, corpo, vida, tudo no chão ‘sem querer’.
Quando o silêncio chegou, Ely só soube ver seu reflexo na água ‘sem querer’.
Nada é impossível quando o ‘sem querer’ surge; logo sua opção era juntar seus fragmentos de vida, de amores, de desejos; e ir ao encontro de outro destino mais adolescente.
‘Sem querer’, seu tempo de validade pesou...
‘Sem querer’ se arrumou, se limpou e andou...
‘Sem querer’...
‘Sem que’...
‘Sem’...  Claudia Nunes


TEMPO: MOEDA DE TROCA (MICROCONTOS 174, 176)

176 O tempo é uma moeda cujo verso e reverso sempre provocam uma aposta. No tempo somos o que somos sem nos dar conta do que realmente somos. Nós apenas somos e vamos indo em busca de muito sol. E assim recontamos a vida. Há uma memória de passado, um sonho de futuro, e apenas o presente para que nossas mentes criem o tempo. Todo o tempo é o tempo que nos provoca. Estou muito interessada no tempo. Anos percebendo que o tempo é uma moeda cujo verso e reverso sempre provocam uma aposta e uma atitude. Estou pensando no tempo e nas formas de viver esse tempo com mais tempo para o que for significante para mim. Há um livro chamado ‘o poder do agora’ e esse adjunto de tempo sempre chama minha atenção. Agora. Quanto tempo o tempo tem? Só o agora. É no agora que se concentram nossas potencialidades e o refluxo de possibilidades de SER amigo, amante, mulher, vizinha, profissional, tia etc. Nos bares, a perspectiva é de muito tempo. As vidas têm muito tempo para sorrir, planejar, amar e sonhar. Não se pensa em interrupções, se pensa apenas nos planos para os dias seguintes e nas vitórias. Na concorrência das horas, o agora nos permite escapulir da certeza de morte e criar muitos vãos (ambiente / territórios) para nos percebermos possíveis no futuro, tempo construído na mente e sempre conquistado e conquistador. No agora, a experiência da dor é real; mas a vivência do prazer uma virtude. Num bar, numa noite de sexta, os sorrisos dão o tom do agora e das promessas de amanha. Os excessos aumentam o foco: agora sabemos que o amanha existe mesmo, afinal já o decidimos. Naquele bar, estou só observando: quanta ilusão... quanta beleza na ilusão... que felicidade as ilusões... Há uma preciosismo na perspectiva do tempo: ele é sempre agora. Entre amigos, dentro do quarto, num shopping, com bebidas, a força de vontade cria a ilusão de conquista simplesmente porque pensamos e decidimos como será o amanha. Tudo parece fácil e superável só porque se quer. Depois do agora, o mundo não tem doenças, violências, perdas ou tristezas: todos estão no embalo do sucesso. Apesar do agora somos invencíveis. E o agora vai passando... Ano a ano, o agora vai passando... É um agora com suores e lágrimas, mas também de crescimento e construção, e ainda assim, mantemos a dimensão da ilusão: o futuro. Depois de dois copos de vinho, eu começo a entender o sentido da felicidade contida no futuro: ele é o tempo dos heróis... é o tempo dos heróis de qualidade... é o tempo da força do herói mágico das ficções infantis... Oh gente de ilusões boas!                       Claudia Nunes

174 De repente, Liza se sentiu mal. Dentro do banheiro, ela ficou zonza e pensou que desmaiaria. Tudo tão de repente que ela nem teve tempo de sentar. No banheiro deitou e respirou. Sozinha não havia muito o que fazer. Ali, no chão, ela só tinha tempo para respirar e pensar. Estava morta? Não! Como falaria sua mãe: estava entupida. Tempo muito tenso. Tempo complexo. Tempo de muitas decisões. Tempo sem sono. Ela estava entupida. Ela era energia represada. Nela não havia fluidez. No chão, ela queria uma passagem, um passaporte, um passado. Presa no chão, nem a respiração lhe aliviava. Canos podem ser entupidos e pessoas também. Menos controle, menos rigidez, menos poder: ela queria goteiras de qualquer tipo. Como? Seu corpo precisava de alívios reais em que as infiltrações sejam pontos de liberdade. Aos poucos, ela sente harmonia e o sono. Sono de amor e felicidade. Horas depois, no quarto de dormir, ela busca em seus álbuns suas afetividades e, sem controle, chora ao telefone falando com sua amiga de escola. O mundo lhe dá uma nova chance. Claudia Nunes

SOU O TEMPO DO 'SOU', DO 'SOUL', DO SOL (175)


175       Sou o tempo do ‘sou’, do ‘soul’, do sol
Embora tenhamos o tempo como tempo de vida, esquecemos que o tempo também é tempo de morte. Nunca o tempo será amigo se não nos dermos tempo de autoconhecimento e sorrisos. Sim, sorrisos são fundamentais no tempo que o tempo tem para nós. Sem tempo, dissipamos, inutilizamos e engessamos o tempo que o tempo tem para tudo.
O assunto tempo torna-se pedra no sapato: e, no tempo, matamos leões e cordeiros além do tempo. Sem a lua ou o sol para energizarem as emoções e os passos, o tempo traz a luta das cobras: tempo da inutilidade, afinal, venenosas ou não, todas as cobras morrerão entrelaçadas, sangrentas e coletivas apesar do tempo que o tempo tem.
Eu sugiro o seguinte: sorriam e amem.
No tempo que o tempo tem, aprendam a diluir as dores e as delícias das relações sem tempo para ser triste. Ser triste é realmente perda do tempo que o tempo tem para nós: não vale a pena! Pense em tempo, com tempo, no tempo e dê um tempo.
Hoje a idade está avançada e contraditória: é fonte de frescor e de frescuras com enorme tempo de se reviver ou se matar. Nós nos envolvemos com desejos e crescemos indesejáveis perdendo tempo com amores sem tempo ou amizade limitadas por um tempo, antecipadamente, adjetivado: interesseiro.
Eu queria a paz do silencio das pequenas solidões, mas não sei viver sem os barulhos das grandes multidões; então não entendo privacidades ou imunidades dentro do meu tempo. Esses esconderijos ignoram o tempo da experiência e da aprendizagem dentro de uma bolha de tradições e frivolidades de outro tempo.
Entendo valores como respeito, apreço e endereços afetivos para salvaguardar também o meu tempo. E as cartas dos baralhos se desmancham lindamente: são os jogos de paciência do tempo. Elas não caem, elas se desmancham mesmo e ignoram territórios, certezas e constelações de tempos sem tempo para ter tempo para a vida do tempo.
Sentada à beira do rio, minhas pernas estão sem sentidos, sem paz e sem tempo. Repasso a vida diante da verdejante loucura das ignorâncias e das invasões de todos com todos com tão pouco tempo. É difícil pensar no tempo sem tempo para pensar no tempo.
Penso em generosidades, em educação, em delicadezas, em elegâncias e me assusto pensando em pessoas que perdem seu tempo com o tempo alheio. Oh raça ruim! Oh raça complexa! Oh gente bacana!
O rio passa sob meus pés e suas águas me arrepiam: no tempo, preciso enxergar além dos medos que o tempo me trouxe. É difícil. É uma questão de generosidade comigo mesma, ainda que misturada com uma personalidade que só eu e o tempo sabemos entender. Não vou escapar de mim, mas a invisibilidade do caminho das emoções é minha maior inteireza no tempo que me resta. Sou o que sou porque o tempo me permitiu assim.
Lavando os pés, pegando a roupa, caminhando por todo tipo de estrada, a vida torna-se plena sem que eu perceba porque o tempo não é material; ele me leva como passageira em ventos que nem tem tempo para me sentir, apenas tocar.
Ao olhar a beira do rio e as beiras do caminho, sei que o tempo é uma ilha enevoada em que a minha participação monta um quebra-cabeças de quem sou no tempo que tenho para ser quem sou.
Eis o meu segredo: sou o tempo do ‘sou’, do ‘soul’, do sol.
É luxúria isso? Que bom!
Sou o que sou no tempo que tenho para ser o que sou sem ninguém ter o direito de dizer quem sou no tempo que tenho para ser quem sou.
Luz, sombra e meu ego são o que sou no tempo que tenho para ser quem sou.
Fui... Claudia Nunes


COM MATURIDADE... (173)


173 Com maturidade... Embora a vida nos faça encenar dramas intensos e, às vezes, de humor negro, acredito na magia do amor. Isso não é óbvio e nem clichê: é uma verdade que vem colorindo essa mesma vida sacana e que nos estimula a continuar acreditando. Não há melhor remédio do que a paz do amor maduro, sincero, realista e arrebatador. Em nossas experiências, esses encontros nos concedem o direito de renovar sonhos e fortalecer nossa autoestima: somos maiores do que supomos. Sem querer, dois olhos se procuraram, se sentiram e se tocaram. Não houve a arritmia cardíaca tão comum em nossa literatura ‘cor-de-rosa’; houve um suspense, certo sorriso distraído; uma surpresa; e muita maturidade. Sim, maturidade para que o tempo e os pequenos sins pudessem criar uma aurora boreal de múltiplos sentidos e desejos via celular. O tempo correu frouxo. O tempo foi de combinações sonoras distantes e muitas estrofes poéticas: o casal não era casal, era só som, calor e sorrisos. E ai se fundamenta a delicia do amor-perfeito: som, calor e sorrisos delicados, poéticos, reveladores. Não adianta brincar de viver; é preciso saber viver. Lógico que sabemos que a ‘perfeição’ é parte do imaginário romântico de outros séculos; mas, ‘perfeito enquanto dure’ é felicidade pura de todos os ‘sonhos de uma noite verão’. O tempo então urge em apostas, trocas, intimidade, realidade e conhecimento: o casal agora é um casal de amor-perfeito, a linda flor do Lácio. Como na Grécia antiga, este amor combate dor de cabeça emocional e enjoos de realidade negativa. A flor que desabrochou numa tarde de sábado agora precisa de cotidiano, atenção e cuidado: é acalmar a ira, tratar cansaços, sanar doenças do coração. E o tempo passando... A questão do divino é perceptível: amor-perfeito ‘assim é se lhe parece’ nos dias e noites de tórridas artes de amar com ‘força e vontade’. Não há ‘mar de rosas’, estamos falando de um casal: duas pessoas singulares que se encontraram para multiplicar o sol, o mar, o trabalho, as tensões, os pensamentos, as incertezas, as juras, as energias, enfim, as famílias. Não se assustem: é multiplicar sim. Em um casal, tudo está dobrado, triplicado, quadruplicado; só que, na delícia do amor-perfeito, a leveza do respeito, da escuta, do ‘junto’, do abraço, da sobrancelha arqueada tem mais compreensão e alegria do que qualquer outra coisa numa ‘metade de laranja’. Da janela do meu quarto, eu vi um amor-perfeito e pensei: é possível encontros de amores-perfeitos na vida real? Sim! Hoje sei que sim e por isso estou aqui escrevendo. Como diz a lenda: um pouco da poção de amor-perfeito nos olhos de uma pessoa adormecida, faz com que ela se apaixone, ao acordar, pela primeira pessoa que passar diante dela: e assim foi... Os olhos fizeram uma volta de quase 180º para encarar uma promessa... Embora a distância seja uma das melhores instancias dos amantes ainda em período de experiência; a distância dos amores-perfeitos é ilusão; e dura pouco. Amores-perfeitos são um presente a ser vivido na intensidade dos corpos e das vontades todos os dias: simples assim. Não há garantias. Não pode haver garantias. Amores-perfeitos têm estações e estas fazem muitas ‘ondas no mar’ da cumplicidade e do compromisso que, muitas vezes, não se supera com a maestria de sempre. Amores-perfeitos se amalgamam em todos os momentos que tem a liberdade de ampliar suas histórias e abraçar outras em grandes mergulhos de fé, gratidão e paz. É um amor que não acaba por motivo torpe ou infantil. É um amor de milhares de tons trançados e versáteis. É um amor selvagem em todos os sentidos: e viva a loucura! Por isso, é importante a maturidade. Amores-perfeitos exigem vigor, flexibilidade, vontade, força, autoconhecimento e amor. E nisso não há apenas a figura do tempo passando e dos costumes se alterando: há a vida brincando de alegria querendo que entendam que o bom da vida é vive-la do jeito que for com a intensidade de um namoro de amores-sempre-mais-que-perfeitos, reais e inteiros. Amiga geminiana Sylvia Galhardo e amigo canceriano Dudu Oltramari, hoje tive vontade de lhes escrever isso: vocês estão iluminados! Que os anjos e as estrelas lhes digam amém em toda a sua história de vida juntos. Claudia Nunes

O JOGO DO NÃO SEM NÃO (Experiencia de sensibilidade 172)

172 O jogo do não sem não

Sem pensar, um perdão...
Não havia algo maior: que gratidão.
Na passagem do tempo, senão...
Nas dores, gestos repetidos, ilusão...
Quem disse que ser feliz era fácil, não sabe nada não...

Aos sintomas, é preciso prestar atenção...
Nunca o tempo será amigo ou dócil de antemão
Somos crianças cegas e sem paz de verão
Centelhas e disfarces a mais: uma versão
Quem disse que ter amor era finito, não sabe nada não...

Então, preste atenção:
Quando a emoção nega sua passagem, aceite o vão.
Quando o jeito perder a força, resta o não.
Quando o futuro perder o som, a vida é um portão.
Somos fragmentos de um corpo cinza com pinta e tensão.
Quem falou que sonhar tinha dor, não sabe nada não...

Não! Quando as feridas teimarem em arder, patrão!
Não! Quando os demônios lhe abraçarem, conversão!
Não! Quando o orgulho lhe tomar, sugestão...
Não! Quando o real perde imunidade, ilusão...
Não! Quando o prazer doer, tesão!
Não! Quando perder a leveza do ser, união!
Somos volumes cheios de emoção.
Quem disse que viver é picante, ainda não sabe nada não...

Na passagem do tempo, então:
Invasão
Verão
E aceitação.
Quem disse que errar tem gosto de limão
Não sabe o que é superação.

Claudia Nunes


MICROCONTOS 166, 167, 168, 169, 170, 171

166 Enquanto as crianças brincavam no quintal, Summer beijava seu dinheiro. Sim, ela conseguira economizar para seu maior desejo. No quintal, as crianças gritavam e sorriam, e Summer recontava suas economias. Que sensação boa! Seu desejo seria realizado. Ela não esquecia suas obrigações e nem as crianças; mas riscava seus dias com seu desejo. Nenhuma dor fora capaz de fazê-la desistir: ‘crianças, fiquem quietas!!’ Ela enfim conseguira. Fora uma artista e aquele dinheiro era mágico. Dinheiro e trampolim, ela pensava nisso. Vira um trampolin no clube e percebera: trampolim é a razão do dindin e da fome. E ela conseguira. Tocaram a campanhia, ela entregou os embrulhos. Cheiro de queimado. Do portão, seu desejo ganhou o vento e o brilho das chamas. As crianças brincavam de fogueira. Nunca mais falou... Claudia Nunes


167 Promessas. Sem querer só ficou uma promessa. De dentro daquela prisão, apenas as promessas. Amor, paixão, amizade, liberdade, fidelidade, confiança, filhos, família, posses, tudo se tornara só promessas com graves defeitos. Olhando o céu, Lívio sabia o que lhe esperava. Suas escolhas viraram pó. Fora enganado e não tinha mais promessas. Agora observava manias, loucuras, abusos, gritos, podridão, crimes. Nada o preparou para esta dimensão, mas era sua sina. Lembrava-se da mãe: uma promessa de paz. Lembrava-se do pai: uma promessa de trabalho. Ele fora uma grande promessa. No quadrado da vida, um ser humano sorri nos piores momentos e desconfia de olhos abertos. Como chegara até ali? Junto ao seu desejo de voar, queria gritar e sumir sem piedade. Ele queria viver de verdade e ser gente. De onde estava pedras sobre pedras lhe ofereciam um tempo de resignações, dificuldades e perdas. Ele não sabia o que fazer, só sabia o que lhe esperava. Ele não precisava mais disfarçar, tinha sua vida. O vento varria suas lembranças e por dentro só um silencio incômodo de uma alma sem terreno fértil para o refazer. Toca o sinal da prisão. Ele chora compulsivamente. De novo, a busca de um tesouro perdido: a vida. Ele nunca se esquecerá e os anjos de novo lhe dizem amém. O portão se abre e ele vai embora. Sozinho, em silencio, em dor, leve e cheio de promessas. Claudia Nunes


168 No tribunal, Lucas se perdeu. Não tinha caminhos e morreria sem vestígios. Sua mente estava no passado e nas inconsequências. Sua morte fora anunciada: nascera para desterrar o mal e desencorajar ninhos. Por quê? Não odiava ninguém, não se importava com ninguém, não amara ninguém. Ninguém... Ele era um Zé Ninguém às portas da morte e não tinha saídas. Ao lado, as faces de sempre: tristes, irritados, sem graça. Não havia luta, ímpeto, justiça; só desapego, melancolia e suspense. Ele era o Zé Ninguém e o jogo não podia parar: sem voz ou sentimentos, entregou sua casa à roleta e dera um tiro na cabeça. Claudia Nunes


169 Qual é o sentido da coragem? Nunca conseguira nada. Fora corajoso e agora se perdera. Sem luta não há conquista, mas onde está sua conquista? No fim da rua, Cris não sabia o que fazer. A vida fora uma noite sem estrelas e sem brilho por 20 anos e, agora, aquele vazio sinistro. Sua família ignorava seus sonhos, ele se esquecera de si mesmo, mas fora resgatado. Então para que coragem? Mais do que admiração, ele queria paz e hábitos. Um dia lera que coragem é coisa de heróis, mas existe herói medroso? Ele morria de medo. Medo da vida. Homem com medo da vida. Os carros iam e viam, e o vento na esquina gritava: Corra! Viva! Ele fora corajoso, de novo, mas agora tremia de medo. A vida nos explode o coração com suas artimanhas e nos torna cegos para decidir. Somos inocentes ao sabor dos dias seguintes sempre inimagináveis. Somos inocentes obrigados a entrar e sair de situações que nos assolam a rotina. Somos passageiros de um tempo que não admite fracassos ou retrocessos. Somos objetos em movimento aos trancos e barrancos. E ele tinha medo. Muito medo. O que faria agora? Na esquina da rua, do seu lado esquerdo, a loja de anéis de casamento. O jeito é respirar e ir... foi... Claudia Nunes


170 Quando o fator tempo é crucial, crucial é o fator vida. Depois da aula de filosofia, Melissa não tinha mais essência. Descobrira repentinamente que amar é da vida e não das pessoas. Ela morreu e reencontrou seu sol de alma limpa. Luz e paz... Claudia Nunes


171 Um suspiro, um barco, uma melodia, típicos elementos de um romance intenso e valente. Só que Sam estava sozinho. Depois que sua casa fora alagada pela última chuva, apenas um retrato de família unia suas lembranças com o mundo real. Na ponta do cais, ele olhava e pensava: isso deve ser desapego. Seria justo? Seu corpo, suas roupas sujas do corpo; suas lágrimas, suas lágrimas correndo no rosto; sua vida, sua vida escorrendo naquele sangue esparramado no coração; seu olhar, seu olhar observando a última onda; terminou; móveis, utensílios e corpos chegando ao mar. Claudia Nunes



MUDANÇA DE PLANOS (165)


165 Mudança de planos Outro dia estava olhando um cérebro. Vocês já perceberam quantos vales existem ali? Vales, precipícios e cavernas. Nós temos um órgão cheio de vãos imersos no líquido cefalorraquidiano (liquor). Uma solução salina muito pura, pobre em proteínas e células, e que age como amortecedor para o córtex cerebral e medula espinhal. Atuam no suprimento de nutrientes e remoção de resíduos metabólicos do tecido nervoso. Tem como função primordial a proteção mecânica do SNC; além disso, suaviza os efeitos do seu peso, prevenindo traumas. Mas será que pensar gera traumas? Fazer com que neurônios atravessem todo o encéfalo e se concentrem em determinados pontos para iluminar a mente, é difícil? Não sei... Cada vez mais tenho pensado em autonomias e vãos. Os vãos nos diferenciam. Em cada estímulo somos iluminados pela possibilidade, pelo insight e pela racionalidade. Mas é preciso disponibilidade; é preciso querer; e onde está esse querer? Hoje pouco importa. Vãos, cavernas e precipícios estão em nossas rotas e constroem nossas almas. E assim mal sabemos o que fazer na vida, mas fazemos. Particularmente observo as práticas pedagógicas, por exemplo, como esses vãos. Parecem momentos mágicos em que educadores têm a intenção de transformar mentes. Práticas de subida aos céus da liberdade de pensar sobre as próprias formas de pensar; e, por consequência AGIR. Práticas que revolvem o liquor, apesar dos fenômenos sociais que degradam, engessam e desmotivam os novatos. Gente, prática de ensino não é mágica, mas coagula, ilude. A questão é outra: não se pensa sobre as práticas realmente. E quando se pensa, não se pratica, não se criam experiências, não se alimentam potencialidades. Não podemos pensar apenas. Os vãos precisam ser preenchidos com mudanças de rota, proteínas e ferramentas. Os novatos precisam ser elucidados, precisam de luz, às suas incertezas e receios, mesmo dentro da escola. Repensar práticas e recursos. Agregar outros conceitos de outras disciplinas para renovação das posturas acadêmicas e pedagógicas. Os novatos querem ser surpreendidos e reocupar seus vãos com novidades reais, usáveis e práticas. Sem estímulos, impossível mantê-los atentos, vibrantes, correspondendo, escolhendo, falando. Pensar é uma emoção elaborada, ou seja, precisa de parceria, compromisso, acertos, movimentos, diálogo. Vamos sair do senso comum! Vamos deixar de lado velhas práticas e experimentar adaptações e inovações preservando o diálogo entre todos. É possível usar ferramentas emocionais (escuta, silencio, respeito, sorriso, abraço) e cognitivas (conteúdos, projetos, pesquisa, seminários). Devemos aceitar que somos globais, estamos em rede e nos articulando numa teia narrativa e comunicativa viciante (no bom sentido). Não pode haver mais distancias de nenhum tipo. Vamos sair dos vãos, subir nossos precipícios e ganhar o tempo e a luz. A informação está à disposição em grande profusão e é preciso saber ouvir, tocar, cheirar, falar, sorver; é preciso reprogramar os sentidos com outras agendas e outras rotas. Todos longe das correntes da mesmice e da rotina. Longe das aparências e das inconstâncias. Reapreender algumas atitudes, mesmo diante das injustiças sociais. Fora das cavernas! Fora dos limites indignos. Fora da escuridão das ditaduras de ensino! Somos mais do que passageiros na vida. Somos companheiros de viagem cujo desenvolvimento cognitivo precisa ser desvendado todos os dias e de forma proteica. Claudia Nunes

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

TELAS para pensar 2



Beijos Profª CLAUDIA NUNES

GAMIFICAÇÃO e intervenção psicopedagógica

Muito se fala na questão do ‘aprender’. Ação de se construir memórias interligadas para realização de atividades repentinas, diárias e/ou temporárias com tranquilidade. Todavida aprender tem outras nuances: é o resultado do prazer de se identificar e se integrar no mundo extragenético com equilíbrio intragenético; é saber ser feliz apesar dos estranhamentos da vida; e é exercício de relação envolvendo todas as eficiências. Então se entende que, para suportar as etapas naturais relacionadas aos processos de mudanças orgânicas, psicológicas e sociais no convívio de múltiplas situações, emoções ou pessoas, é necessário que o aprendente ‘ganhe’ alternativas, ‘tenha’ ferramentas e ‘use’ determinadas estratégias singulares e coletivas em seu cotidiano.
Neste contexto está livremente apresentada, outra vez, a concepção da ‘gamificação’[1] dos processos mentais e físicos necessários ao aprender a ser, conviver e conhecer para, por fim, AGIR (fazer/praticar) em quaisquer situações orgânica, mental e social humana. Os aprendentes precisam ir à vida articulados e flexíveis em seus movimentos de corpo e mentais, de forma a poder se sustentar nas relações em geral. E sendo assim, as palavras ‘superação’ e ‘resiliência’ serão uma constante.
            A referência à gamificação da vida, por outro lado, demonstra a possibilidade de se envolver essa ‘superações e ‘resiliência’ em processos de avaliação psicopedagógica cuja função é oferecer oportunidades de os aprendentes reconhecerem suas eficiências e ineficiências, e, por conseguinte, estimular a adoção autônoma de outros comportamentos emocionais no dia a dia e entre outros aprendentes e/ou pessoas.
A introdução da experiência gamificada é uma possibilidade de se tornar agradáveis tarefas importantes à integração aprendente no social; é uma proposta de mudança no design interventivo e aplicação de recursos psicopedagógicos ‘jogáveis’, além de estimular a identificação de determinados padrões cognitivos e emocionais ‘diferentes’ ou alterados. Enfim, é uma sugestão de análise ao fomento da aprendizagem significativa e integral do aprendente, a partir de problemas, dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem, o que pode também favorecer as intervenções psicopedagógicas.
Sob o olhar psicopedagógico, o ‘espírito da gamificação’ se apresenta com a mesma proposta do tal ‘espírito esportivo’ popular. Ela age em diferentes vertentes inseparáveis, como cooperação, colaboração, integração e compartilhamento, porque é uma metodologia por meio do qual se aplicam mecanismos de jogos à resolução de problemas ou impasses psicossociais em outros contextos.
Não há o ‘espírito’ simples do ato de se criar jogos ‘divertidos’ ou passatempos, e nem se tem o ‘espírito de competição’. No processo de ‘gamificação, há o uso da mecânica dos jogos, no intuito de estimular e incrementar a participação do aprendentes à sala de aula, por exemplo; além de gerar maiores engajamentos e comprometimentos às potencialidades e eficiências de cada um.
Sendo assim, acredita-se que o psicopedagogo é o profissional que trabalha com readaptações cognitivas e reequilíbrios emocionais visando tranquilidades singulares e vivências coletivas mais eficientes dos aprendentes junto às diferentes maneiras de se operar atividades gamificadas.
            A         gamificação, então, torna-se uma oportunidade de associação diferenciada que proporciona controle autônomo das necessidades aprendentes e de alcance dos próprios objetivos de vida. Neste seguimento há uma preocupação em conviver com o outro respeitando todas as eficiências; e há incentivos à criação ou adaptação das experiências do aprendente relacionada à aprendizagem ou ao seu próprio processo de aprender.
De acordo com Vianna (2013), a intenção é despertar emoções positivas, explorar aptidões pessoais ou atrelar recompensas virtuais ou físicas ao cumprimento de tarefas. (p.17). Aprender então se estabelece como uma atitude emocional diante das informações ou das imersões ambientes. Logo, é importante:
ð  Entender perfis, de antemão, inerentes às motivações e às sensibilizações;
ð  Dar complexidade gradativa aos mecanismos experimentados;
ð  Reconhecer que humanos têm comportamentos diversos, logo não há formas para análise;
ð  Conhecer o contexto em que se insere o aprendente, seus anseios e limitações extrínsecos e intrínsecos, e suas automotivações.

Estes são alguns dos campos (objetivos) a que se tem que levar em consideração quando da aplicação de processos gamificados de intervenção psicopedagógicas. Além disso, para um psicopedagogo, os recursos escolhidos devem ter regras claras; metas; ações de feedbacks; e recompensas. McGonigal (2013) desenvolve características para estes itens que podem favorecer o ambiente e o olhar psicopedagógico, a saber:


Quadro resumido a partir de McGONIGAL, Jane. A realidade do jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. 2013, p.29-31

Na visão psicopedagógica, o aprender com significados, desafios e entusiasmos serão muito importantes para a exposição das emoções e para a exploração psicopedagógica das mesmas. Por conseguinte, o psicopedagogo vai se inaugurar nas liberdades e inconsciências das desatenções do cérebro emocional. Não haverá perdas, não poderá haver descasos. Diante da gamificação em que haja a intenção de dirimir dificuldades de maneira interventiva psicopedagógica, tudo ganhará amplidão, complexidade e se inaugurará alívios emocionais sinceros: o aprendente falará por diferentes caminhos e com diferentes manejos emocionais, as vezes, com pouca consciência do fato. É preciso saber observar, escutar e agir.
Segundo Campos (2012), o ser humano continua aprendendo melhor quanto mais significativa for a situação de aprendizagem. Logo, continua a mesma autora, (...) a participação do psicopedagogo traz inúmeras possibilidades de enriquecimento e amplificação (...) tendo em vista que um dos fundamentos da prática psicopedagógica consiste na articulação entre objetividade e a subjetividades, as intervenções de cunho psicopedagógica enfatizam o lugar do simbólico e da atividade lúdica da aprendizagem. (CAMPOS, 2012, p.13-14), base das ações gamificadas.
Psicopedagogos são cérebros ocupados em compreender como motivar e engajar sujeitos com alguma alteração, disfunção ou dificuldade sob a ótica da aprendizagem. E não há receita pronta, de novo, repete-se aqui, pois afinal, os aprendentes “geralmente não costumam se comportar como ratos de laboratório, que se submetem sem questionamentos à realização de trabalhos em troca de nacos de queijo”. (VIANNA, 2013, p.18)

Profª Ma Claudia Nunes

Referências:
CAMPOS, Maria Celia Rabello Malta (org.). O jogo na sala de aula e o desenvolvimento de competências do aluno e do professor. (p.19-66). In. CAMPOS, Maria Célia Rabello Malta (org.). Atuação em Psicopedagogia Institucional: brincar, criar e aprender em diferentes idades. Rio de janeiro: WAK editora, 2012.
McGONIGAL, Jane. A realidade do jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. Rio de Janeiro: BestSeller, 2012.
VIANNA Ysmar; VIANNA, Maurício; MEDINA, Bruno; TANAKA, Samara. Gamification, Inc.: como reinventar empresas a partir de jogos. Rio de janeiro: MJV Press, 2013. http://www.mjv.com.br. Acessado em 20/12/2013.



[1] Segundo Vianna (2013, p.13), a gamificação (do original em inglês gamification) corresponde ao uso de mecanismos de jogos orientados ao objetivo de resolver problemas práticos ou de despertar engajamento entre um público específico. (...) É cunhado pela primeira vez em 2002 por Nick Pelling, programador de computadores e pesquisador britânico, mas só ganhou popularidade oito anos depois, mais precisamente, a partir de uma apresentação de TED realizada por Jane McGonigal, famosa game designer norte-americana e autora do livro, “A realidade em jogo: Por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo”, considerado uma espécie de bíblia da gamificação.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

TELAS para pensar...



bjos CLAUDIA NUNES (dez 2015)

CONSELHOS À EDUCAÇÃO

Com aprendentes do século XXI é óbvio que, dentre tantos recursos, as novas tecnologias devem ser incluídas dentre os recursos interventivos da aprendizagem. Elas pertencem ao contemporâneo, ao cotidiano e à realidade, principalmente daqueles nascidos a partir da década de 80. Elas integram os recursos pedagógicos porque renovam (por afinidade) a sensação de pertencimento dos próprios aprendentes no processo de realização das atividades de ensino. Mas não se deve esquecer que o cérebro é tecnologia primeva humana. É o órgão do movimento, da aprendizagem e do conhecimento. É mutável diante da relação com o mundo externo. Logo ensinar (enviar um estímulo) aos aprendentes é propor confrontos com informações pré-conhecidas instaladas na memória a fim de torná-las relevantes no âmbito da relação de ensino e observar como estes se estabelecem como ferramenta de integração social. É preciso capacitar os aprendentes a (re)construir os significados atribuídos a essa realidade e a essa relação (ANTUNES, 2007).



Na possibilidade de uma prática de ensino mais focada num conhecimento prévio, até os aprendentes podem se aproveitar do processo, ou seja, como parceiros do ensino e agentes da própria aprendizagem, podem conhecer o funcionamento do próprio cérebro e mudar sua visão sobre aprendizagem ou sobre porque estão na escola. É também uma forma de se criar autonomia e autogerenciamento da informação em conhecimento.
Para muitos deles ainda, o espaço da escola é igual a um parque de diversões: serve para mil socializações menos estudar. E por quê? Porque encontram um cotidiano escolar sempre igual: chegar, sentar, copiar, fazer exercícios de fixação e ir embora. Que sentido tem isso? Quase nenhum. E pior, na maioria dos casos, em três ou quatro horas, é chegar, sentar, copiar e fazer exercícios de fixação de duas ou três áreas do saber diferentes e ir embora. Nada disso se relaciona com a aprendizagem em si mesma. Nada se estabelece na memória de longa duração, gerenciada pelo hipocampo e pela amígdala, de forma a mudar comportamento. Não há desafios!
Porém, na medida em que são apresentados aos porquês das suas posturas, atitudes e comportamentos através de determinadas funcionalidades do cérebro ou realizam reflexões sobre os próprios comportamentos e/ou pensamentos (certezas), os aprendentes podem deixar de acreditar que apresentam certas dificuldades (estigma que carregam, muitas vezes, por causa da fala constante dos ‘mais velhos’ sobre eles) e se esforcem por aprender individualmente ou em grupo. Neste momento sim, diante da reflexão e do trabalho em grupo, pode-se articular o cérebro de recompensa. Neste momento sim, pode-se introduzir valores como moral, ética, solidariedade, equilíbrio, respeito e educação para consigo mesmo e o outro.
Os aprendentes não mais se satisfazem em acessar ou agir em processo ‘pré-fabricados’ do começo ao fim. Não são passivos e assíncronos; têm interesses próprios e chegam às escolas já seduzidos por um mundo midiático em diferentes ambientes. A sedução está na possibilidade de reinventar a arquitetura virtual no ambiente educacional, de acordo com um coletivo. A sedução está no nível de sinergia e de interatividade permitidas e incentivadas no período escolar de aprendizado.
Em sala de aula, no envolvimento afetivo, muitas representações se estabelecem e se esclarecem pelos vínculos e vivência no grupo escolar. Ao mesmo tempo ambos contem em si mesmo apropriações emocionais, materiais, psicológicas e culturais diferentes cujo ‘tempero’ (trocas simbólicas e/ou reais) gera novos desafios emocionais e novas aprendizagens conteúdisticas. Há uma sensação de pertencimento.
Do vínculo o que se constrói é o apego. Do apego, um modus operandi em que, mesmo os aprendizados, as relações adaptativas e assimilativas dos sujeitos junto às informações se dão dentro de dinâmicas e estratégias reconhecidas porque já experimentadas (vividas). É quase uma ritualização de lembranças e esquecimentos (memória) em parceria com os elementos constitutivos do patrimônio mnemônico sociocultural. E estes, quando tratados de maneira focada e agradável dão novos significados aos objetivos iniciais de quaisquer práticas de ensino. Ainda assim, na cena pedagógica, ‘sotaques’ geracionais diversos.
Mesmo hoje, na convivência de duas gerações em sala de aula, há uma memória que remete a um passado, muito presente e necessária, e em processo de adaptação; e há uma memória que se processa na relação com o presente, como forma de assimilação. A convergência é pulsante e dá equilíbrio ao desenvolvimento das relações e inter-relações. E a perspectiva é dar significância às proximidades e a cada contato, mesmo reconhecendo as diversidades e respeitando as subjetividades.
Há um mapa mental[1] que só se modifica (por acréscimo) lentamente, ou melhor, com muita reflexão, análise e atenção, porque atinge “... numerosas funções cognitivas humanas: memória (banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos)” (LEVY, 2003, p. 157).
Neste sentido, já não se pode comparar os cérebros com um computador. Neste mundo de convergência intensa e de adaptações não menos radicais, ele (computador) se torna uma mera ‘máquina de escrever sofisticada’ e a Internet, um espaço de acesso mais rápido e fácil de encontro com a informação: se comparado com a capacidade e nas relações complexas ocorridas na memória humana.
Entende-se, aqui, por memória, como a capacidade de reter múltiplas informações e (re)transmiti-las às novas gerações através de diferentes suportes empíricos e hipertextuais, como voz, música, imagem, texto etc. Ela é um identificador do patrimônio cultural de cada um ou do coletivo e é também um fator extremamente importante do sentimento de pertença de uma pessoa em um grupo como maneira de reconstruir-se.
Ainda assim, com o tempo, a memória torna-se livre e fortemente seletiva. Seu trabalho de organização das informações, documentos de uma época, torna-se mais exigente e menos propensa a especulações e probabilidades de uma cultura em ascensão. Esta exigência (quase resistência) é que vai distinguir formas de apropriação das duas gerações que se conectam no século XXI.
Contemporaneamente, a facilidade e rapidez dos meios de comunicação muito relacionados às influências das tecnologias informáticas estabeleceram um aumento das informações cujo acesso pode ser feito em diferentes suportes. Este volume de informações aumentou o nível de ansiedade humana quanto ao consumo de informação. Os professores são afetados por este movimento acelerado e se sentem dissociados, no sentido de perceberem que, apesar das suas expectativas, não têm tempo para apreensão real de todas as informações ou mesmo de todas as exigências do novo tempo.
Esta visão ansiosa (ou dissociada) diminui o cuidado seletivo em relação às suas estratégias de ensino, ainda que esteja preso ao movimento de reorganização cognitiva da geração nascida imersa no ciberespaço. Não se deve entender que haja uma forma acrítica de assimilar as informações, de recusar os avanços tecnológicos, ou de desconhecimento técnico, mas deve-se acreditar numa condição mnemônica natural daqueles que nasceram tendo as tecnologias da informática como parte da cultura, e uma condição adaptativa (reflexiva) daqueles que antecederam estas mesmas tecnologias.
Professores têm uma memória sociocultural que os identifica com um determinado tempo, senão pelas ferramentas de que se cerca para empreender aprendizagem, pelo conjunto teórico ao qual tem contato em sua formação profissional. Ambas tornam-se suas marcas intrínsecas. Segundo Stuart Hall (2000), as ferramentas tecnológicas da informática “não são ‘coisas’ com as quais os professores nascem, mas são ‘coisas’ formadas e transformadas no interior / processo de representação e de ensino”.
Toda a questão do diálogo entre Educação e Neurociência, do diálogo entre professor, planejamento e aprendentes, é uma questão de esforço diário para a conquista da qualidade do ensino e de pessoas melhores e mais bem integradas em sociedade. E tudo se dá no cérebro.
O cérebro é estruturado para ser capaz de processar as informações e assim ser educado. Ele é fiel escudeiro como afirma Relvas (2012). E diante de determinadas dificuldades, se apresenta com ativação compensatória em regiões cerebrais normalmente sem ligação com a própria dificuldade. É um sistema integrado de informações e emoções, cuja excitação provoca alterações em múltiplas regiões.
Psicologia, neurociência e pedagogia juntas visam transformar a prática de ensino pelo conhecimento científico. Questões como o que é importante saber, quem está preparado para ensinar, quem deve ser ensinado e de que maneira inquietam educadores desde sempre ganham força em discussões pedagógicas, palestras e publicações em geral.
Antes de quaisquer rotulações ‘neuro’, o momento da educação é de aproveitamento dos novos conhecimentos sobre o cérebro na prática da sala de aula com mais emoção e liberdade. E, como principio, é preciso rever as teorias da aprendizagem (principalmente Piaget, Vygotsky e Wallon) e alguns temas caros ao campo educacional como prática de ensino, projetos pedagógicos, planejamento e avaliação.

Profª Claudia Nunes




[1] Segundo Ontoria (2004, p.25), “O mapa mental é um recurso que canaliza a criatividade porque utiliza as habilidades a ela relacionadas, sobre tudo a imaginação, a associação de idéias e a flexibilidade [...], é reflexo gráfico e externo do pensamento irradiante e criativo a partir de uma imagem central. [...] representa uma realidade multidimensional”.

Nada nunca é igual

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