segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

MICROCONTOS 166, 167, 168, 169, 170, 171

166 Enquanto as crianças brincavam no quintal, Summer beijava seu dinheiro. Sim, ela conseguira economizar para seu maior desejo. No quintal, as crianças gritavam e sorriam, e Summer recontava suas economias. Que sensação boa! Seu desejo seria realizado. Ela não esquecia suas obrigações e nem as crianças; mas riscava seus dias com seu desejo. Nenhuma dor fora capaz de fazê-la desistir: ‘crianças, fiquem quietas!!’ Ela enfim conseguira. Fora uma artista e aquele dinheiro era mágico. Dinheiro e trampolim, ela pensava nisso. Vira um trampolin no clube e percebera: trampolim é a razão do dindin e da fome. E ela conseguira. Tocaram a campanhia, ela entregou os embrulhos. Cheiro de queimado. Do portão, seu desejo ganhou o vento e o brilho das chamas. As crianças brincavam de fogueira. Nunca mais falou... Claudia Nunes


167 Promessas. Sem querer só ficou uma promessa. De dentro daquela prisão, apenas as promessas. Amor, paixão, amizade, liberdade, fidelidade, confiança, filhos, família, posses, tudo se tornara só promessas com graves defeitos. Olhando o céu, Lívio sabia o que lhe esperava. Suas escolhas viraram pó. Fora enganado e não tinha mais promessas. Agora observava manias, loucuras, abusos, gritos, podridão, crimes. Nada o preparou para esta dimensão, mas era sua sina. Lembrava-se da mãe: uma promessa de paz. Lembrava-se do pai: uma promessa de trabalho. Ele fora uma grande promessa. No quadrado da vida, um ser humano sorri nos piores momentos e desconfia de olhos abertos. Como chegara até ali? Junto ao seu desejo de voar, queria gritar e sumir sem piedade. Ele queria viver de verdade e ser gente. De onde estava pedras sobre pedras lhe ofereciam um tempo de resignações, dificuldades e perdas. Ele não sabia o que fazer, só sabia o que lhe esperava. Ele não precisava mais disfarçar, tinha sua vida. O vento varria suas lembranças e por dentro só um silencio incômodo de uma alma sem terreno fértil para o refazer. Toca o sinal da prisão. Ele chora compulsivamente. De novo, a busca de um tesouro perdido: a vida. Ele nunca se esquecerá e os anjos de novo lhe dizem amém. O portão se abre e ele vai embora. Sozinho, em silencio, em dor, leve e cheio de promessas. Claudia Nunes


168 No tribunal, Lucas se perdeu. Não tinha caminhos e morreria sem vestígios. Sua mente estava no passado e nas inconsequências. Sua morte fora anunciada: nascera para desterrar o mal e desencorajar ninhos. Por quê? Não odiava ninguém, não se importava com ninguém, não amara ninguém. Ninguém... Ele era um Zé Ninguém às portas da morte e não tinha saídas. Ao lado, as faces de sempre: tristes, irritados, sem graça. Não havia luta, ímpeto, justiça; só desapego, melancolia e suspense. Ele era o Zé Ninguém e o jogo não podia parar: sem voz ou sentimentos, entregou sua casa à roleta e dera um tiro na cabeça. Claudia Nunes


169 Qual é o sentido da coragem? Nunca conseguira nada. Fora corajoso e agora se perdera. Sem luta não há conquista, mas onde está sua conquista? No fim da rua, Cris não sabia o que fazer. A vida fora uma noite sem estrelas e sem brilho por 20 anos e, agora, aquele vazio sinistro. Sua família ignorava seus sonhos, ele se esquecera de si mesmo, mas fora resgatado. Então para que coragem? Mais do que admiração, ele queria paz e hábitos. Um dia lera que coragem é coisa de heróis, mas existe herói medroso? Ele morria de medo. Medo da vida. Homem com medo da vida. Os carros iam e viam, e o vento na esquina gritava: Corra! Viva! Ele fora corajoso, de novo, mas agora tremia de medo. A vida nos explode o coração com suas artimanhas e nos torna cegos para decidir. Somos inocentes ao sabor dos dias seguintes sempre inimagináveis. Somos inocentes obrigados a entrar e sair de situações que nos assolam a rotina. Somos passageiros de um tempo que não admite fracassos ou retrocessos. Somos objetos em movimento aos trancos e barrancos. E ele tinha medo. Muito medo. O que faria agora? Na esquina da rua, do seu lado esquerdo, a loja de anéis de casamento. O jeito é respirar e ir... foi... Claudia Nunes


170 Quando o fator tempo é crucial, crucial é o fator vida. Depois da aula de filosofia, Melissa não tinha mais essência. Descobrira repentinamente que amar é da vida e não das pessoas. Ela morreu e reencontrou seu sol de alma limpa. Luz e paz... Claudia Nunes


171 Um suspiro, um barco, uma melodia, típicos elementos de um romance intenso e valente. Só que Sam estava sozinho. Depois que sua casa fora alagada pela última chuva, apenas um retrato de família unia suas lembranças com o mundo real. Na ponta do cais, ele olhava e pensava: isso deve ser desapego. Seria justo? Seu corpo, suas roupas sujas do corpo; suas lágrimas, suas lágrimas correndo no rosto; sua vida, sua vida escorrendo naquele sangue esparramado no coração; seu olhar, seu olhar observando a última onda; terminou; móveis, utensílios e corpos chegando ao mar. Claudia Nunes



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