domingo, 26 de dezembro de 2010

OLIVER SACKS e seu novo livro (24/11/10)

Sacks mostra como mente "cria" mundo

Novo livro do escritor aborda reconstruções da percepção quando área visual do cérebro tem descompasso.
Cegos que ainda são capazes de "ver" e os mistérios da visão em 3D dominam nova obra do neurologista inglês
                                              Moacyr Lopes Junior-19.5.05/Folhapress

Oliver Sacks em palestra em SP

REINALDO JOSÉ LOPES

EDITOR DE CIÊNCIA Autor de romances policiais, o canadense Howard Engel chegou a imaginar que estava sendo vítima de uma estranha conspiração ao tentar ler o jornal numa manhã de julho de 2001.

"Quando eu focalizava as letras, ora pareciam cirílico [alfabeto do russo e de outras línguas eslavas], ora coreano", contou Engel em carta ao neurologista e escritor britânico Oliver Sacks. Não era um plano maligno da KGB: Engel tivera um derrame numa pequena área do lado esquerdo do cérebro.

Anedotas como essa se juntam como as peças de um quebra-cabeças em "O Olhar da Mente", livro de Sacks que acaba de chegar ao Brasil. A mensagem mais ampla é clara: não há nada de automático na maneira como achamos que vemos o mundo.

Histórias como as de Engel mostram que o conjunto olho-cérebro está menos para câmera digital e mais para simulador de realidade virtual, usando pistas às vezes enviesadas para construir um modelo do mundo na cabeça de cada pessoa.

Na entrevista abaixo, Sacks fala da relação entre ciência e literatura e diz que a interface entre cérebro e máquinas tem potencial para revolucionar o modo como os sentidos funcionam.

Folha - Como é que o sr. normalmente escolhe o fio condutor de um livro? O sr. começa com o tema na cabeça e depois busca relatos de pacientes que se encaixem na ideia, ou é o contrário?

Oliver Sacks - Depende muito de quem me contata, do que acontece no meu cotidiano. Acidentes desempenham um papel muito grande para um médico. As coisas não são nem de longe tão sistemáticas quanto o cotidiano de um cientista.

Por que ainda é raro ver livros sobre ciência serem reconhecidos como literatura?

Fico tentado a dizer que algumas pessoas naturalmente vão gostar mais desse tipo de obra do que outras. Não penso em mim mesmo como um homem de letras. O que tento é dizer as coisas com a maior clareza e maior naturalidade possíveis.

Acho que é importante ler em voz alta. Quando escrevo, tento ouvir cada frase na minha cabeça, e acho que esse ouvido para o que se está escrevendo é crucial.

Os casos extremos que o sr. descreve ajudariam a mostrar que até as pessoas que chamamos de normais apenas usam seu cérebro para construir uma espécie de modelo do mundo, que nunca é a mesma coisa que o "mundo real" em si?

Em primeiro lugar, não penso em meus casos como extremos. Acho que eles apenas são os mais exemplares, digamos.

Quando falamos de coisas como o ato da leitura, ou a capacidade de reconhecer rostos, a tendência é considerar essas habilidades como algo natural. E as pessoas não têm a menor ideia de como essas coisas funcionam.

Isto é, a menos que você as analise. E ver pessoas cujas faculdades de reconhecimento foram esfaceladas faz, por exemplo, com que seja possível perceber que certa capacidade está associada a certa parte do cérebro.

Dessa maneira, você aprende que é possível saber o que a leitura ou o reconhecimento de rostos são em todas as demais pessoas. Ou seja: estudar um cérebro anormal lança muita luz sobre os cérebros normais.

Na última década, as pesquisas cujo objetivo é criar interfaces entre o cérebro humano e as máquinas avançaram muito. Qual o potencial dessas tecnologias para mudar a maneira como as pessoas percebem o mundo?

Conectar o cérebro a máquinas que possam se movimentar é muito empolgante para pessoas que ficaram paralisadas, pessoas que estão "trancadas" dentro do próprio cérebro por causa de alguma lesão e não possuem nenhum modo de se comunicar com o mundo exterior.

Na parte final do meu livro, abordo a chamada substituição sensorial, na qual uma câmera de vídeo é conectada a eletrodos implantados na língua do paciente.

Essa pessoa, então, é capaz de interpretar esses estímulos sensoriais na língua como uma percepção visual, mesmo que ela não enxergue. Isso não exige a implantação de eletrodos no cérebro. Mas nós vemos e ouvimos com nosso cérebro, e em breve vai ser possível -é algo que já foi conseguido em modelos animais- enxergar com essas interfaces.

E isso vai revolucionar a medicina.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O eterno luto de HARRY POTTER

Hoje eu vi ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte – parte I’. Há uma característica importante neste filme: sensibilidade. Mais do que as conturbadas relações entre o bem e o mal, e entre os adolescentes do filme sob qualquer aspecto, o que eu observei e senti em meio às cenas foi a relevância dada à sensibilidade de cores, entre pessoas e histórias. Todavia a vontade de escrever este texto ascendeu em outro foco: a morte. Já repararam como a ‘carta’ da morte é presente nesta saga?

Se analisarmos com frieza a série Harry Potter, podemos afirmar que Harry é ‘aquele-que-sempre-perde: perde alguém. Sua vida se desenvolve por perdas pessoais sérias. Desde a mais tenra idade, sua luta se articula a fim de entender a perda, a morte e sua possível sobrevida. E desde sua mais tenra idade, dizem, é a amizade que o estimula a ser um sujeito equilibrado, perspicaz, criativo e proativo em relação às pessoas ‘do bem’ e seus dois amigos. Porém a sensação de perda, mundo ou sonhos caindo são ainda seus melhores parceiros nesta viagem ficcional. Há dois mundos em guerra dentro e fora do conjunto de emoções de Harry. Mundos que pendem para o seu lado mais sombrio, introspectivo e depressivo. Mundos que lutam para sucumbi-lo em nome do mais forte, mais adulto, mais experiente e mais trágico dos heróis: Voldemort. Estamos todos despreparados para o seu surgimento, mas ainda assim estamos encantados por sua grande sedução.

Harry é o ‘personagem-perda’. Em cada filme, o espectador sabe que Harry vai perder algo ou alguém. Em cada filme, o espectador aguarda quais ações Harry precisará realizar para SUPERAR suas perdas ou mesmo seu processo depressivo. Interessante é que a possibilidade de/da perda não habita os filmes 1, 2, 3. Harry os atravessa transformando em realidade o que o mundo dos bruxos já imaginava: é o ‘menino-que-sobreviveu’ ao Lord das Trevas. Ele se torna ídolo, poderoso e importante. Afetivamente tem seu ego inflado e isso provoca alguns desvirtuamentos de conduta, como desprezo às regras, certa inconseqüência por si mesmo e predisposição por correr ricos inomináveis.

Mas nos filmes 4, 5, 6 e 7, ele encara seu lado ‘humano demasiado humano’: ele perde, sofre, se agonia e duvida. Seu amigo, seu padrinho e seu mentor são ceifados de forma trágica (apesar de coerente para historia), aumentando cada vez mais seu vazio existencial. Como ele agüenta? Ele não agüenta. A cada filme sentimos que, não só o Harry, mas o filme em geral reflete os sentimentos que ganham lugar dentro do próprio Harry. É uma forma de extravasar emoções represadas. Os espectadores vêem nas cores, na musica e, lógico, nos personagens, uma crescente angustia, uma forte tensão, quase uma sensação de luto eterno cujo foco é uma série de emoções vividas sem possibilidade de expressão e a incerteza de continuarem vivos no momento seguinte. Tal fato alimenta a vontade de Harry e seus amigos de se aventurar em situações perigosas o tempo todo: todos os três necessitam do mesmo tipo de atenção e reconhecimento.

Nos filmes 4, 5, 6 e 7, Harry supera o que nem teve tempo de sentir. Ele é um sujeito atordoado que precisa seguir a vida, ou melhor, seguir a sina imposta a ele anos atrás. E cada vez mais ele vai entrando num processo de irrealidade e sem sentido, só amenizada pela presença incondicional (amizade) de Hermione e Rony, suas extensões e conversões.

Dizem que se uma pessoa é emocionalmente atingida pela perda, quando confrontada com o corpo da pessoa falecida, poderá começar a ultrapassar o nonsense da morte e readquirir equilíbrio emocional. Será? Pode ser, afinal, por exemplo, quando a pessoa assisti a morte gera em trauma sério ao seu psicologismo, mas ver o corpo ou assistir ao funeral tornam-se maneiras importantes de se tomar pé da realidade e mentalmente dizer adeus à pessoa querida. Diante de mortes tão próximas, Harry aceita sua verdade: ele é mesmo ‘o escolhido’ e tem uma missão a cumprir.

Fora a morte, parceira de seus julgamentos e pensamentos, Harry renasce como vingador. É a vingança que energiza sua imaginação, inteligência e criatividade, afinal fora os pais, as outras mortes acontecem diante de seus olhos e dentro de um problema que ele já conhece: existência de Voldemort. O que fica é uma grande INQUIETAÇÃO, uma estrutura de RELAXAMENTO travada e problemas na CONCENTRAÇÃO.

Em muitos momentos, Harry se entrega a profunda INTROSPECÇÃO porque acredita ser esta uma maneira de proteger aos amigos. E privilegia elementos ao coração, aos olhos e às idéias: a CULPA e a RAIVA. Ai a complexidade das emoções é muito maior levando Harry a duvidar até mesmo dos amigos. Ele se coloca num dilema, segundo Dumbledore, entre’ o que é certo e o que é fácil’.

Harry é simboliza o sujeito depressivo, bipolar, hiperativo, cheio de necessidades. Seu comportamento é irregular em cada um dos filmes porque está constantemente em crise aflitiva, ainda que observemos que Harry continua com suas atividades normais de estudante. Como assim? Que cabeça’ é essa? Só o amor e a amizade ajudam a continuar? Lembremos que a saga é uma grande ficção sobre um herói juvenil que vive por superações, logo sob qualquer circunstancia o final é feliz mesmo! Ou seja, em cada um dos livros, em algum momento, por quaisquer motivações, Harry ‘abre mão’ do seu luto, mas por causa dele, inicia um novo tempo de vida onde a busca solução ao seu destino. Que bom!

Não percam ‘Harry Potter e As Relíquias da Morte’, tal e qual o ‘Rei Leão’, há um círculo (ciclo) de vida em processo de finalização porque os três amigos se predispõem a estar juntos, realmente se conhecendo e reconhecendo, voltados para um fim comum, explicitando sentimentos até então represados pelas regras sociais e dentro de uma única certeza: nenhuma superação se realiza na solidão dos pensamentos ou das ações, ela precisa ser oportunizada pelo amor e pela amizade, em colaboração e por conexão atemporal.

Claudia Nunes

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Um certo ABRAÇO

Em que medida nós nos abrimos às mudanças? Na medida em que nós nos surpreendemos com nossas próprias ações ou na medida em que os acontecimentos nos atingem sem direito a defesa. Sem pensar nos oferecemos ao mundo dos sentidos e das reações com medo, mas com grande prazer. Pensar é algo para depois. Além e aquém do momento presente nada mais existe porque é um evento sempre marcante. O tempo se altera e predomina a estranha sensação de ‘ser para sempre’. O mundo das possibilidades de sentir se expande e nos sentimos emocionantes. Assim Gina estava. Depois de tantos anos cuidando dos outros, sustentando os outros, trabalhando para os outros, vivendo incógnita de si mesmo, ela foi pega numa armadilha: a sedução. Um forte abraço fez seu corpo tremer tanto que se sentiu mal. Por que mal? Porque ela perdera a permissão de sentir simplesmente e sem controle as emoções de todos os dias. Ela tinha um corpo domado, ainda que a mente nem tanto. Então por que a desconcentração? Por que pensamentos impróprios em momentos impróprios com tão grande satisfação? Por que sonhos quentes e animados enquanto estudava intensamente seu valor profissional? Fôra um abraço! Apenas um abraço! Em torno de si diferentes projeções sem propósitos, mas maravilhosas. Primeiras defesas: não aprendi isso... não aprendi assim... preciso me restituir. Ao voltar à sua mesa de escritório, uma questão: que lugar era aquele? No corredor, na volta ao trabalho, seu ‘eu’ se perdeu. Diante de uma mesa cheia de quinquilharias, um ser em desejo e sufocado pela vontade de gargalhar. Relatórios, relatórios e relatórios precisavam de acertos e revisões, mas sua figura estava encantada. ‘Que dia lindo! Eu quero novos abraços!’ – comenta a si mesma. A noite se aprofunda lá fora de repente. A luz se intensifica por dentro sem entraves. Difícil aceitar que nada será como antes. Difícil aceitar que nada existia antes. Gina se reconhece como espectro, um avatar de si mesma. Anos se liquefazendo em certezas e agora esse abraço tão inoportuno de um arcanjo sem luxos. No ônibus, de volta para casa, um choro compulsivo. ‘Como dar conta da vida agora? É muita coisa dentro dela’ – orava. ‘Deus, não me faça aprender a descartar!’ A sombra que vislumbrava na janela do ônibus lhe sorri: estava enamorada. Só teria consistência para viver a vida depois de novos abraços cuja comunicação lhe fornecesse mais generosidade e alegria. Ela não estava imunologicamente protegida quanto a magia do abraço intenso. Gina estava ‘tomada’ por uma nova onda química que transformava gradativamente informações de vida inteira em pequenos dados que a ‘(re)jogariam’ na realidade. Em casa, entra em frenesi e procura: preocupações, responsabilidades, deveres, medos, certezas... A vegetação caseira estava vazia. E Gina, já sem pele, se entrega ao novo sulco de prazer com a vida.


Profa Claudia Nunes

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Mundo de sentidos camaleônicos

ENFIM VOLTEI! TEMPOS DE MUITO TRABALHO, MAS VOLTEI!!! RSRS

Quando nos distraímos de nossas rotinas, encantamos nossos pensamentos com o que há de melhor dos outros. Nós nos tornamos lúcidos de outras emoções e aceitamos a clareza da vida vivendo mais intensamente. Essa distração surge na troca de olhar, num abraço apertado, numa conversa varando a madrugada ou num susto vivido. Ai está a oportunidade: somos o que somos + um ou uns. Saímos de uma prisão cômoda para desequilibrar os pés. O que acontece então? Escolhemos. Mas o que se faz com o que se fez sempre? O que se faz com pensamentos tão conhecidos? O que se faz com comportamentos sempre alinhados? Nada. Simplesmente nada. Diante do encantamento, o mundo correto se perde por cavernas desconhecidas cuja bussola são nossos próprios sentidos, logo e, em princípio, não há permissão de controlar recônditas luxúrias. O sonho e o imaginário pulsam o coração porque se tornam possíveis de hora pra outra. Errado agora é desviar-se do caminho, é negar o ponto de contato ou é fingir que nada acontece. Nessa hora um número infinito de rostos amplia a vontade e a potencia da realidade: ‘é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte’. Somos mais do que somos. E somos enamorados, fascinados, encantados por tudo o que fizer bem ao corpo. Se o mundo mudou, vive-lo é a lógica: sem escapatória! É uma aposta no escuro das esquinas do coração cuja maior função é nos fazer criar coragem e encarar o espelho. Esta sou eu? É, e agora? Como dar conta dos arrepios de mil emoções ao toque, ao beijo, ao sorriso de outro eu? Sentir... A solução é sentir na ponta da unha do pé ou no fio do cabelo que ser o que se é não basta mais. Precisamos resgatar outras identidades mais livres, afoitas e sinceras. Muitos estão em suas segundas ou terceiras chances de amar como uma ‘maldição’ porque nada contém o desejo de experimentar o rosto de alguém sem coletes à prova dos sentimentos. Neste caso, ao acordar, a manha é outra. O caminho ao trabalho é outro. Tudo está multicolorido e querendo carinho mais intenso. E por mais que se desconfie ou amedronte, adoramos tudo e todos. Vez por outra, pinçamos defesas absurdas para julgar nossas felicidades. Por que? Medo! É muito medo! Em certo tempo da vida, relembramos nossas perdas, repressões e até ilusões, então, nos perguntamos: para que tanta alegria? Ou tanta felicidade? Como assim tantos sorrisos? Nesta hora, somos menos do que somos porque nem acreditamos no que somos. É o momento de nosso próprio apagamento. Passamos um corretivo na vibração conquistadora com as desculpas mais esfarrapadas e investimos na recolocação pessoal de todos os envolvidos. Difícil, muito difícil amar, seduzir, emocionar as peles e conquistar a si e ao Outro sendo intolerante com o tempo, a formação as experiências de todo sempre, amém. O que ser agora então? Quando promover a liberdade? Quando descansar dos limites? Não sei... Mas os mergulhos são independentes de nossa vontade e nos exigem repentinamente. Eles nos afundam, nos despem, nos expõem, embora não interrompam o contato amoroso depois do seu acontecimento. Respirar torna-se tenso e denso, ainda que a vida seja leve e fácil. Nessa hora, não adianta apurar os ouvidos, é preciso fechar os olhos e guiar o corpo a uma franqueza absoluta em mil faces.

Profa. Claudia Nunes

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

HIATOS ESTRATÉGICOS

Sentada em sua sala recém-construída, Simone pensa: ‘depois de 08 anos de casamento, estou sozinha’. O casamento não acabara. Rodrigo estava no chuveiro se aprontando para uma noite de festa: seu chefe o convidara para um happy hour. Depois de tantos anos de trabalho duro, Rodrigo fora convidado para um evento de diretores da empresa e por isso cantava bravamente no banheiro. Eles adoravam festas, badalações e encontros com amigos e família, mas um evento da empresa era diferente, havia um tanto de tensão e expectativa, afinal, como casal-casado, fariam sua primeira aparição ‘profissional’.

Diante de suas pernas bem torneadas e das fotografias espalhadas pelas paredes, Simone sabia que sua relação estava em crise. Era preciso parar e dar um tempo. Suas trajetórias juntos tinham mais sucesso que problemas. Em frente às adversidades iniciais, estavam num tempo de mais frescor, liberdade e carinho. Ainda assim, no redemoinho complexo e crescente das superações, algo se quebrara e ficara sem remendos. Então, ‘como sair de cena? Ou melhor, como modificar sua cena?’ – ela se perguntava.

Enquanto o relógio ‘tiquetaqueava’, seu olhar enevoou-se por sentir um futuro incerto dentro de uma relação certa. O tempo passa... passava... passou... Em cada toque, ela se pergunta: ‘será que eu quero o fim?’, ‘será que desejo ficar longe de Rodrigo?’, ‘o que está acontecendo comigo?’. Simone lembra as palavras de uma amiga, anos atrás, num show de rock: ‘ah, crise eu resolvo com hiatos estratégicos! Se eu sinto que a ‘barra tá pesando’, construo hiatos estratégicos e sigo em frente’. Na época todos riram, mas tímida, Simone não perguntou o que eram esses hiatos. ‘Mas será que estava precisando deles?’ Ela não sabia.

De onde estava, percebeu que seu aparador estava com poeira, sua cortina estava com a barra levemente puída e a janela se mantinha fechada. ‘Hiatos estratégicos... interessante’, pensava ela. ‘Será que saberia inventar algo a Rodrigo? Ou se afastar de Rodrigo? Ou desaparecer da vida de Rodrigo?’ – estava desconfiada de si mesmo. Lembrou-se que, no mural da universidade, havia um cartaz anunciando um congresso em Foz do Iguaçu dali a 04 dias. Algo em seu corpo vibrou: hiatos estratégicos...

Com a naturalidade de sempre, descruzou as pernas e ampliou o sorriso. Se há uma crise no ar, sua alternativa era renovar a atração para espairecer ou para reestruturar sua vida. Ela estava no centro da própria sala, no centro da própria memória, muito cansada de só pensar e resolvida: ela não vai à festa. Num impulso grita: ‘Rodrigo, eu não vou mais, estou cansada e estranha, eu não vou!’. Sem pestanejar, Simone se dirige ao quarto e começa a trocar de roupa: ‘não pode ser castigada por assumir uma verdade’, reconhecia.

Depois de tanto tempo, trocar de roupa é se desmanchar, se descascar das mesmas coisas sem vergonha. Quando nada flui bem, o jeito é se transformar: da maquiagem mais forte à plástica mais incisiva, a idéia é marcar encontro com outra pessoa e experimentar outros espelhos. Era hora de se mexer. Existia um mundo lá fora totalmente desconhecido por ela e que agitava seu imaginário.

Pouco a pouco, em frente ao espelho, Simone se despe. Que sensação boa se despir. A cada peça retirada a sensação de embates descartados, vaidades abandonadas, crescimento da intuição e planos revisitados. Com o casamento, a maior exigência (e sua maior dificuldade) era contornar as tensões e aceitar a presença do cotidiano, com amor e sedução!

Rodrigo era um cara positivo, esportista, falante, brincalhão e que levava muito a sério tanto a relação quanto a profissão. Nas poucas vezes em que discutiram a cama revelou-se bom campo de ‘acertos’. Mas Rodrigo tinha um defeito: era prepotente. Ela pensara que esta atitude se restringiria ao ambiente de trabalho porque, desde muito cedo, Rodrigo assumira muitas responsabilidades. Ledo engano! Rodrigo trazia trabalho para casa e, em alguns momentos, agia tal e qual um soberano com suas concubinas. Ela odiava isso! Diante de seu corpo no espelho, Simone vê ruborescer seu rosto: ela odiava isso! Ela vinha de família de professores de filosofia e arte, logo seu olhar sobre as pessoas era mais ponderado, aberto e dialogal. ‘Qual é o sentido de Rodrigo hoje?’ – teve vontade de gritar.

Três anos antes, o princípio do fim: em suas conversas mais densas, pareciam dois estranhos que mal se observavam. Era o marco zero dos desentendimentos. Nesta hora, a voz do pai ecoava em seus ouvidos: ‘querida, a prepotência é a burrice tentando se fazer passar por uma coisa válida’; e Simone abandonava o palco das discussões para tomar um longo banho. Como defesa, assumiu essa atitude: longos banhos para se liberar dos envolvimentos. Mas mesmo assim, uma pergunta ficava sem resposta: quem era aquele homem que dividia sua vida, além do grande amor da juventude?

Um barulho a despertou de sua nova vida: nada, impressão, besteira. Despertar para o que se é não ocorre com remendos ou colagens internas, ao contrário, potencializa fragmentos de emoções esquecidas e revigora uma grande vontade de respirar o perfume das lembranças juvenis.

Agora, nua, Simone se olhava atentamente: seus arrepios são saudáveis e razoáveis. Não há necessidade de cordialidades e silêncios. Sem roupas o jeito é assumir hiatos estratégicos e se testar na novidade de outros sentimentos. Simone quer uma ‘pegada’ original e sem abordagens antigas. Ela quer se permitir luzes diferentes, mesmo as mais ofuscantes. Ela está inédita e plena.

Repentinamente um cabide cai: é seu vestido de casamento. No chão, suas decisões, seus desconcertos, suas dúvidas e seus desejos. A vida lhe atravessa como uma sucessão de ‘saias justas’ em que foram precisas adaptações. No chão, sua liberdade e suas maiores cobranças. ‘O que faço?’ – ela chora. Num movimento, volta-se ao espelho e grita: ‘Ai!!!’

Rodrigo está às suas costas, todo molhado, e pergunta:

‘O que você vai fazer agora?”

Profa Ms Claudia Nunes

domingo, 29 de agosto de 2010

MUITO ALÉM DOS VÉUS

Ao acordar Alberta lembra que precisa arrumar tudo rápido para viajar. Depois de muitos sonhos e promessas, enfim iria viajar, iria sair pelo mundo para descansar e se experimentar em outros sóis. Deitada ela sente a alegria e a tensão deste momento. Deitada ela sabe que mais um véu irá ao chão: desnudando. Será que ela terá medo? Será que vai ficar indecisa? China é um país completamente fora do seu cotidiano. Ela trabalha com tecnologia de informação, fala inglês e grego, e estuda arquitetura egípcia. Por que escolher a China? Porque ela não sabia nada de lá. Até comprara um guia de expressões chinesas para viajantes, mas não abrira. A experiência de experimentar não poderia ser maculada. Seu corpo tremia e sua cabeça estava enevoada de imaginações. De repente, lembrara: iria sozinha. Depois da faculdade, pouca coisa fizera sozinha: alguém pra indicar, pra aconselhar, pra obrigar, pra mandar. Sempre um alguém na ante-sala da sua autonomia. E agora, China! Não foi fácil: mãe nervosa, sobrinhos tristes, namorada ‘bicudo’. Mas ela enfrentou e vai! Ai meu Deus! Olha ao redor: malas prontas, passaporte na cabeceira da mesinha, roupa de viagem na poltrona e contas pagas. Que felicidade! Que alegria! Nunca sentira essas coisas. Nunca teve licença para ‘estar-no-mundo-a-passeio’ e com pouca bagagem. Em cada dia, responsabilidades, obrigações, família e amor... tudo trabalho e muito cansaço. Nunca mais a sensação de liberdade de ser outra. Nem o espelho ajudava. Mas agora tudo mudou. A vida pode ter gosto bom! Alberta se espreguiça e promete a si mesma que suas próximas imagens serão verdadeiras, coloridas e sem ‘senões’. Todos os véus perdem os sentidos, as preferências, as texturas. As horas não mais a incomodavam ou distraiam: ela vai cruzar varaus e muralhas, transportando todas as suas emoções, com um convite: seu passaporte. Sem querer mais pensar, toma um banho gelado, se apronta com atenção, desliga as luzes da casa, fecha todas as janelas e pega as chaves. Alguém ainda duvidaria de sua importância? Não importa mais. Seu vestido é novo, sua mala é nova, até seu chaveiro é novo. Na próxima meia hora, cada passo dará elasticidade a sua maturidade para sempre. Ao descer as escadas, sob os olhares de outros moradores, e sem constrangimentos, Alberta corre desvairada pelo pátio da clínica de recuperação onde fora internada com delírios desgovernados.

Profa Ms Claudia Nunes

DESJEJUM DE EMOÇÕES

Mesa do café posta. Depois de muitos anos, a variedade de alimentos em frente a Lício era muito interessante. Ele não tinha se dado conta, mas sua vida dera uma guinada forte: o dinheiro entrava. A monotonia dos dias correndo atrás de dinheiro, descanso e felicidade mudara; agora a monotonia era tudo. Ele não precisava mais nada. Ele não tinha ‘que’ nada. A regra era escolher, optar e construir o dia como desejasse. Valera à pena? Hoje não era dia de respostas complicadas. Não tinha tempo para isso. O café fumegava a sua frente, tipos de frios se ofereciam aos seus sentidos e estômago, e, pelo menos três tipos de sucos surgiam para ele num grito primitivo de sobrevivência. Que difícil escolha! Que desperdício poder escolher tanto! Havia música no ar. Música vinda dos outros apartamentos. Música que ocupava sua varanda e o deixava ‘ligado’, ligado na vida, na vida do outro. Pensar na morte da bezerra era o princípio da loucura, mas era o melhor a se fazer correndo poucos riscos. Nada de caminhar para o trabalho, ir à academia, tomar banho ou ver televisão como máquina de produzir suor. Era preciso comer e respirar. Diante do desjejum, Lício precisava se esforçar para entender que o movimento dos pulmões não era banal. O café da manhã continuava gritando e não afetaria só o estômago. A energia era preciosa e ocupava todo o corpo. Lício estava emocionado, tão emocionado, que sua pele arrepiava, arrepiava e arrepiava aleatoriamente. Será isto alegria? Saudade? Autoconfiança? Satisfação? Sem jeito, começa a comer, mastigar e sentir. Não há nada sem a menor relevância. Ele pensa em meias, em limpeza, num filme, no beijo, na nova TV e a plenitude vai chegando. Como levantar e sair deste enlevo? Como perder este tempo e essas emoções tão suculentas? Além de mastigar, fecha os olhos e seu corpo (parece) ganhar espaço e dimensão. É um abraço à realidade. Ele arruma a mesa, olha de soslaio ao redor e vibra com a brisa que brinca com seus cabelos até o próximo orgasmo da imaginação.

Profa. Ms Claudia Nunes

domingo, 15 de agosto de 2010

ILUSÕES COMUNS

Num descampado, a luz do céu ilumina cada recanto da mata. As nuvens se embaralham e encantam os passarinhos. Estou andando na grama e assustada com as emoções conturbadas que me atravessam. Há uma desorganização tão grande no meu olhar que as cores da Natureza se esvaem. A loucura das relações me tirou do prumo e, sem poder de escolha, saí a esmo pelas liberdades de um dia desconhecido. Não consigo chorar... Não consigo falar... Apenas um passo de cada vez e as cenas passadas me perturbam e me matam. Não gosto de perturbação... Não gosto dos descontroles... Gosto dos meus pensamentos, limites, sentidos e suspiros. Gosto do que é meu, pronto! Porém, um dia, distraída, fiz uma dupla: alimentei corpo, sangue, dias e mente. O mundo estava dobrado e ampliado: agora, era ‘nosso’. Cada registro era uma surpresa, uma prova, e eu acreditei em extensões: meus braços podiam alcançar tudo e a mim sem pudores. Às vezes chamam isso de maturidade. É fácil suspirar a liberdade da cama. É difícil compreender os limites da casa. Eu fui nós, mas, sem reparar ou cuidar dos nós, dei linha na experiência por fraqueza e franqueza: era preciso viver. Hoje meus pés são tristes e meus olhos os acompanham: é o fim. Sem um fato, o processo é incoerente, suado e cheio de desvios de terra batida, sem árvores e nenhum som. Quero ocupar de novo meu lugar de eu, mas me perdi completamente. O labirinto é fechado e eu só posso crer numa salvação sem direção. Eu serei salva? Eu espero... De qualquer jeito, eu sempre espero... É uma passividade ativa: por dentro, no orgânico e no imaginário, há movimentos. A cabeça vai e volta, procurando... O olhar sobe e desce, indecente... Eu daria tudo por um espelho: é a calma de antes. Porém tudo está aos pedaços e doendo na pele. De repente, um susto: uma poça d’água me guarda em segurança... Sem ponto de contato ou pensamento, mergulho...

O PONTO

HOMENAGEM AO CINEMA

SINAIS DO AMOR

Domingo de muito frio. Frio traz certa melancolia e preguiça ao corpo. Mesmo as pessoas mais felizes preferem a quietude do lar e a quentura do cobertor. É um dia para o silêncio de si ou para o amor mais lento, mais simples, mais sensível com o Outro. E o dia segue arrepiando a pele vez por outra de qualquer jeito...

Num domingo de muito frio, é o coração que ‘fala’ mais alto. Amor em todos os poros sobre os outros e nossos tantos assuntos da semana; ou sobre ‘UM’ outro seja real ou imaginário. Todo o conjunto do que se chama ‘romantismo’ se materializa. Num dia maravilhoso de frio, nosso coração está amoroso e é puro desejo.

Ainda assim, um dia de frio deve ser o início de atenções à atividade que começa a vibrar nas veias e através do sangue. O ritmo está mais lento, é certo, mas é possível sentir momentos sem cor ou espaços vazios nesta corrida de vida. O que fazer? Vozes ao lado dirão: ‘supere!’, não adianta. Vozes do passado afirmarão: ‘experimente!’, é tarde. Vozes dos sonhos lembrarão: ‘acredite!’, é estranho. Vozes do medo suspirarão: ‘cuidado!’, é assustador. O que fazer? Hoje, num dia de frio, é simples dizer: sinta o coração!

O coração pesa cerca de 283 gramas, é um músculo cheio de sangue e se tornou o símbolo universal do amor. Os gregos acreditavam que o coração era a sede do espírito; os chineses o associaram ao centro de felicidade e os egípcios acreditavam que as emoções e o intelecto surgiram a partir do coração. Ninguém sabe ao certo a origem exata da associação do coração ao amor, no entanto, é essa a idéia mais quente que temos; é essa a idéia com qual nos agarramos com fervor.

Fora uma caneca de chocolate quente, à tarde, num dia de frio, acreditamos que o amor é coração. Desde a Grécia antiga, na cidade de Cirene, conhecida por uma planta chamada ‘Silphium’, com casca de semente em forma de coração, que é assim que pensamos: o coração é amor.

Mesmo assim, o coração é complexo porque agüenta muitas emoções e tem mistérios incríveis, então, num dia de frio, é bom tentar preencher os vazios e aceitar o que está no ar: o amor. Ninguém vive sem amar. Não falo só de beijos na boca em momentos de êxtase no corpo e na alma, falo de amar com carinho, por solidariedade, por amizade, para sorrir, com saudade, pela lembrança, num grande abraço, com licença, por um ‘bom dia’, no toque, no torpedo, no scrap, no telefone, os estudos, o trabalho, o vizinho, seus livros, sua solidão, seu cobertor, a si mesmo, sua vida.

Ninguém vive sem amar mesmo porque amar é resultado de nossas escolhas. E este resultado tem o tempo da vida para acontecer. Nós temos problemas com o tempo porque esquecemos que ele (o tempo) não é nosso, tem humores e acontece quando deve ser. Hoje, agora, amanha, à tarde, são adjuntos de tempo e como adjuntos complementam os fatos e não pode ser supostos ou previstos na ação do sujeito. Logo, o que melhor fazemos, então, depois de ‘ontem’, é permanecer sonhando e desejando... E o coração mantém sua bombástica relação com a vida.

Homem ou mulher, não importa, o coração é ardente das emoções e, por isso precisa ser bem interpretado, por exemplo:

a) orgasmos três vezes por semana diminuem a probabilidade de morte por doença cardíaca coronária, logo o mundo é nosso;

b) decepção amorosa sugere um kit renovação coronária: choro, amigos, novos amigos, novo guarda-roupa, corte no cabelo e novos olhares, a vida não espera;

c) métodos de conquista atualizados modificam o ritmo do coração: são mais hormônios, algumas distrações no dia a dia e um grande sorriso eterno, cada passo é no escuro mesmo;

d) cuidado com ‘coração’ grande demais, além de indicar problemas cardíacos, pode atrair gente espaçosa e sem limites: mesmo no amor, vez por outra, apresente (e seja) você mesmo (a), é uma questão de respeito;

e) rugas na testa ou nas laterais da boca é sinal de coração sério e duro: relaxe e sorria do nada: num ataque de riso, o revestimento das paredes dos vasos sanguíneos é desobstruído pelo fluxo de sangue por até 45min, não se blinde, gargalhe;

f) amor com um cálice de vinho por dia é antioxidante e cria momentos de puro suor, demonstre atitude;

g) movimento do corpo para todos os lados, sozinho (a) ou acompanhado (a), ao longo do dia, pode fazer o coração bombear 2.000 litros de sangue, afoguear suas fantasias e tornar suas noites impressionantes, abra espaço às surpresas.

Enfim, aceitemos Djavan: ‘um dia frio, um bom lugar pra ler um livro, um pensamento lá em você...’, seja ‘você’ quem for ou o que for...

Referência:

Ms Profa Claudia Nunes

domingo, 27 de junho de 2010

ALICE no país dos distraídos

Vi ‘Alice no país das Maravilhas’ de Tim Burton e não gostei. Questão de imaginário, preconceito e de ser uma imigrante digital: o 3D me incomodou muito. Adjetivos como insólito, absurdo ou surrealista estão exacerbados em cada cena. Bom enfim, é a ‘nova onda do Imperador’ EUA.

Já adolescente, Alice esquece-se de si mesma? Esqueceu-se das aventuras? Assimilou tanto assim o mundo real que sua memória realocou a experiência no mundo dos pesadelos? Bom, é assim que começa o filme. Alice está na aventura da independência, das amizades, dos enfrentamentos, das superações e da autonomia: uma agonia só.

São tantas as referências à literatura, à matemática, à psicologia, à lingüística etc. que todo o texto torna-se ‘de difícil interpretação’. Mas mesmo assim, eu vi meus alunos ali; eu vi o esforço de aprender que têm; eu vi como é difícil ser respeitado quando jovem; eu vi o tanto de criatividade interior que se renega em nome de um paradigma educacional antigo.

Tim Burton parece improvisar. No filme há duas Alices, a ‘do país das maravilhas’ e a ‘do outro lado do espelho’. Real e imaginário / razão e emoção fundidos e ditando as regras dos comportamentos e das relações. Alice precisa ‘reaprender-se’, precisa reviver parte da sua experiência anterior, precisa aprender autonomia, postura, liberdade e, principalmente argumentação. Enquanto se entende naquele lugar cujas indicações e impressões sugerem familiaridade, Alice se fortalece como ser humano e como sujeito social importante.

Eu vejo meus alunos como verdadeiras “Alices’. Só que eles não conseguem sair do campo do imaginário. Seu imaginário é heróico, sempre promissor e pleno de conquistas. Mas ainda não se reconheceram, ainda não se enfrentaram ‘na real’, ainda não romperam o conforto do casulo do prazer. Nesta perspectiva investem no encontro das novidades diárias e aprender demora.. demora muito... Acreditam que têm ‘corpo fechado’ para sempre para qualquer problema ou discurso.

Há uma ânsia e expectativa no sentido de aprender e praticar tudo rápido. É outro tempo. É outra duração de tempo. É outra dimensão de tempo. É outra vivêncio do tempo. Nada de aprender pelas horas. Ações como ler e refletir são 'chatas'. É ler e agir, fazer logo. A idéia é aprender (se informar) agora e prática logo. É experimentar as informações no instante em que elas são conhecidas. E se não der certo, parte-se para outra informação, sucessivamente. Operações mentais como refletir e interpretar é ‘coisa de gente antiga’.

Como estamos em tempos de revisitações do imaginário infanto-juvenil (veja-se Homem de Ferro, Homem Aranha, Hulk, Batman, Robin Hood, Fantasma, Thor, Transformers, Super-homem e dos heróis metamorfoseados X-Men), surge timidamente uma releitura do Pequeno Príncipe e estrondosamente o filme Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, meus alunos viram tudo e estão mais inquietos. Em muitos casos, eles transferiram suas identidades para os personagens ficcionais. Eles querem uma identidade secreta. Eles querem ser outros. Eles querem ser alguém. Mas 'ser alguém' de forma rápida.

Mas, de repente, eles têm que tomar banho, ir para escola, fazer atividades, fazer compras com a mãe, limpar o banheiro, ajudar o irmão, ‘fazer sala’ para tia, levar o lixo fora de casa, ganhar dinheiro etc. Com o imaginário recheado de possibilidades massificadas na mente, não entendem o valor de aprender valores e conceitos, não entendem mesmo as boas maneiras, a obediência e o momento de fazer silêncio, por exemplo. No confronto ou conflito, reagem desgovernadamente. Ou seja, procuram resolver qualquer questão de qualquer jeito e rápido. Aqui diferente de Alice, eles não tem a oportunidade de rever/refazer seus passos por si mesmo e chegar a um final feliz. Segue na vida ‘aos trancos e barrancos’ com mais decepções do que sucesso.

Como seria esperado, Tim Burton é o fragmentador de imaginários. Desde ‘Edward Mãos de Tesoura’ e ‘Os Fantasmas se divertem’, este diretor revisita contos e livros da literatura mundial inutilizando expectativas ou memórias. Não há um tom negativo nisso, apenas ele pincela exageradamente histórias seculares e, em muitos casos, a surpresa é admirável e estonteante, ainda que frustrante.

Assim é Alice... Imagens densas, cores quentes e exóticas. As primeiras cenas apresentam-se opacos, sem vibração e insosso. De novo, me vi diante das histórias de muitos de meus alunos: famílias que perderam o status; famílias em que um dos pais é um sonhador e joga tudo ou se droga muito; famílias cuja doença ou violência matou um dos responsáveis; família que investe em laços matrimoniais por interesse; famílias cuja violência é a tônica; famílias estranhas aos alunos etc.

De alguma maneira, a família, ponto nevrálgico do processo educativo, está remexida, desequilibrada, sem parte da base. E sabemos, em toda família, há jovens e crianças nos quais não pensamos quando tragédias, separações, discussões ou mesmo papos de adulto acontecem em frente a elas. Mas eles estão ali, atentos, absorvendo e aprendendo o sentido do ‘não’ sem mediação ou intermedição.

Eu poderia falar que eles aprendem o fingimento porque o percebem em casa. Mas o que se dá é uma indiferença emocional. Eles crescem entre aqueles que ignoram: ignoram a cultura, o respeito, a escuta, o diálogo. Não vai aqui denúncia ou crítica, apenas um esclarecimento sobre as convivências de milhares de jovens muito relacionadas à sobrevivência financeira e não emocional. Entre um e outro, hoje, o dinheiro fala mais alto sim. E meus alunos chegam à escola ou chegam a mim repletos de (pré) conceitos (inclusive cognitivos) duros de dirimir ou extirpar.

Meu trabalho? Ensinar Literatura!

Profa Ms Claudia Nunes

sábado, 26 de junho de 2010

INFELICIDADE DOS OUTROS?

Realmente o ‘amor está no ar’! Este tema está muito presente nas mídias e em minha cabeça. E é assunto que dá ‘panos para mangas’. Hoje, depois do jogo do Brasil, o papo entre meus amigos era o amor depois do casamento. E pelo jeito, há certa melancolia e saudade nas falas. Pelo que entendi: a convivência diária trouxe mudanças e/ou surpresas não muito boas. A questão da conquista, misturada às responsabilidades, trouxe certo conformismo na relação a dois.

Meus amigos acreditam que isto seja normal, mas percebo que o ressentimento se instalou. E pelo que sei, a próxima etapa é uma carga imensa no funcionamento do imaginário ‘fora relação’. Em meio as conversas, surge uma idéia: se há coisas que não foram percebidas antes, o jeito é consertar. E consertar significa mudar o outro ou tentar recuperar o momento anterior cheio de seduções. A idéia é resgatar os pequenos aceleramentos do coração tão comuns enquanto o casal se amalgamava. Será que é certo?

Antes de se ganhar certos papéis sociais (marido/esposa, namorado/a ou mesmo amantes), o projeto e o planejamento sobre a relação investiam no prazer. Estar junto realizava-se no prazer: prazer do cinema, dos jantares, das boates, dos encontros, dos passeios etc. Se não está próximo, o casal acresce seu cotidiano com e-mails, cartões e telefonemas amorosos só para não perder a ligação do prazer ou para acrescentar mais amor ao futuro encontro. Em todos os momentos, a atenção ao outro era primordial e, praticamente, única fonte de aproximação e de sucesso. É conquistar ou conquistar.

Dentro desta visão, mesmo na impossibilidade do contato físico que dispensa a fala, são os comentários simpáticos sobre aparência, postura e atitudes, as melhores ferramentas de atração e/ou de capturar o coração de uma pessoa. A questão da massagem da auto-estima alheia é um ‘ataque’ fantástico e certeiro. E sendo realizada sem interrupção alcança e atrae os sentidos/instintos do outro. Esses comentários então são os encantamentos necessários à manutenção da relação como amorosa.

Em torno de tudo isso, o que está de fora? A vida ‘responsável’ de cada um. Ou melhor, pode-se pedir conselhos e/ou sugestões, mas cada um mantém a dinâmica da vida profissional e familiar, por exemplo, fora do amor. A intimidade não é total. Ainda assim, quando certas, essas decisões causam mais felicidades ao casal e apimentam a paixão; quando erradas, há prazer no consolo ou ‘no contar’ com o outro para desabafos e/ou superação do fato. De qualquer jeito, ainda que a paixão se assegure, um deles está fora da situação em si.

Aí entra em cena, a confiança, a dependência e a firma certeza que nasceram um para o outro. Cuidado! Essa identificação tem dois lados que precisam ter muito atenção: um lado positivo, caso os dois invistam no crescimento mútuo e mantiverem suas individualidades de maneira saudável; e um lado negativo, caso um dos dois acredite que a vida não pode ser vivida sem o outro. De novo, cuidado! Da ilha da fantasia incrustada no pensamento ‘alma gêmea’ às escovas de dentes juntas num mesmo banheiro ‘para sempre’, há um abismo de diferenças que precisam ser enfrentadas em todos os dias, juntos! Mesmo como casal, as individualidades não se perderam!

Pelo que percebi, entre os meus amigos, o desejo é de retorno e congelamento do tempo anterior, cheio de novidades também amorosas. Aí o problema não é a relação, é a falta de maturidade para superar mudanças ou a instalação natural da rotina. Aí o problema é não saber o que fazer com a presença de manias e vícios do outro e de si mesmo frente ao outro, elementos disfarçados de muitas maneiras no processo de conquista. Sendo assim, em muitos casos, a primeira solução é fingir que nada acontece e crer que o tempo ‘cura tudo’. Erro! Erro sério! Fingimentos reprimem a voz e os desejos. Dos pequenos fingimentos às grandes tragédias amorosas, o caminho pode ser bem curto. Vejam os últimos noticiários! Pela terceira vez, cuidado!

Não posso opinar sobre a vida dos outros. Mas posso provocar o pensamento sobre certas posturas. Então lembre-se: viver junto não se assemelha a um contágio virótico sem remédio ou cura. Perceba alguns sinais básicos que anunciam o mal estar amoroso: você critica muito o outro? Você o/a observa como um ser frio ou sem a emoção de antes? Você passa o tempo tentando educá-lo/la? Você já prefere atividades separadas? Você já começa a evitar contato com amigos em comum? Você já se vê tomando todas as decisões? Estas e outras sensações não são convidadas à relação, mas, quando instaladas, refletem um momento crítico na vida do casal e o jeito é conversar.

O ‘príncipe não virou sapo’! A ‘princesa não virou sapa’! O que se perdeu ou não se aprendeu, foi a tolerância! Toleramos a falta de pontualidade ou de sensibilidade dos amigos. Toleramos manias, vícios e desvios de comportamentos dos amigos. Por quê? Porque do conhecimento destas faltas ou desvios há uma troca rica cuja idéia é a manutenção do respeito mútuo. Por outro lado, quando na relação amorosa, rapidamente uma mania vira defeito gravíssimo; um vício torna-se um estilo insuportável; e um desvio de comportamento revela-se ponte para uma separação certa. Ai está justamente a fonte do desencantamento. Como assim? Um dos dois tem medo de contaminação ou é egoísmo mesmo?

Atenção, em meio a um relacionamento ‘para sempre’, depois que um casal decide morar junto, deve ter em mente que não há mais filtros de personalidade. O casal estará inteiro de frente ao outro e com total intimidade. Não se pode mais mostrar apenas o que se tem de melhor ou experimentar o que o outro tem de melhor. A lente do amor passa a ler em 360º. Homem e mulher vivem como pessoas e compartilham suas humanidades claramente. Ambos podem escovar os dentes com barulhos estranhos. Ambos têm roupas velhas para andar em casa. Ambos podem se esquecer de datas especiais. Ambos podem se demorar para pentear os cabelos de manha. Ambos podem roncar. Um dos dois pode ter coleções estranhas. Ela realmente não sabe cozinhar ou tratar da casa. Ele realmente bebe um drinque todo domingo de manha com amigos ou não. Ou seja, na intimidade o que emerge são as imperfeições antes escondidas. Qual o seu nível de maturidade/inteligência para conviver ou não com isso?

Antigamente esse processo de percepção levava anos, porque levava-se em consideração interesses financeiros em comum, filhos, status, vergonha, sociedade etc.; hoje em meses o casamento torna-se uma arena onde as desilusões são expostas a toda hora e cuja opção de solução prática é a separação simples. Ou, se não se quer ainda o fim do casamento, decide-se: ‘o jeito de ele/ela se alimentar é inaceitável, aquela tendência anti-social que ele/ela tinha se acentuou. Precisamos sair, viajar, emagrecer. Eu quero ele/ela sem barriga. Eu quero ele/ela bonito, eu quero ele/ela bem-comportado/a, espirituoso/a, falante’. Certo? Errado! Não se decide a vida do outro sem o outro. Esta decisão exige diálogo, conversa, talvez pequenas e delicadas tentativas e muito respeito às individualidades.

Portanto, pare de medir o amor do/da parceiro/a! Um casal é formado de duas pessoas diferentes e com vontades diferentes, que, num determinado momento, por amor e admiração, resolveram passar parte da vida em comum acordo. Ninguém muda por causa do outro. As pessoas só se modificam se estiverem incomodadas com o seu jeito próprio de ser. Qualquer coisa diferente disso, você terá uma pessoa reprimida. E repressão em ebulição pode gerar uma explosão descontrolada no futuro e enormes arrependimentos. Não pendure suas insatisfações no outro. Em toda relação há buracos e/ou carências quase impossíveis de eliminar. Seja tolerante e aprenda a compreender e criar momentos de diálogo.

De tudo que se possa esperar de uma relação, nada é pior do que escutar: ‘Por sua causa eu não...”.

Você quer levar a culpa pela infelicidade do outro?

Referência:
FUCUTA, Brenda & ARATANGY, Lídia. Por que nós insistimos em consertá-los? Revista CLAUDIA, junho de 1996, págs 232-235.

Profa Ms Claudia Nunes

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Morre JOSÉ SARAMAGO: nasce a CEGUEIRA BRANCA

Em momentos específicos, penso na morte. Hoje penso na morte. Morreu José Saramago! No caso de nossa família, quando alguém morre, outros bebês nascem. Não é substituição, apenas numericamente não há diminuição. Num conjunto de 20 pessoas, um morto. Total: 23 pessoas. Como assim? Não há faltas numéricas, já estamos multiplicados, já estamos dobrados ou triplicados, já vivenciamos a descendência. Ou seja, numericamente nos mantemos em mais lugares, já estamos em mais lugares. Porém emocionalmente precisamos nos repensar. Mas morreu José Saramago! Emocionalmente, nem o tempo SARA isso. Há uma cultura imaginativa com o qual não mais lidaremos. Há uma narrativa ficcional que não mais nos alertará sobre o mundo e suas perversidades. Há uma MAGIA visionária que não mais nos manterá longe de um forte glaucoma. Depois de Dom Sebastião, Luis de Camões e Fernando Pessoa, Portugal perde outro braço importante de vida. Depois de dominar os mares em parceria com a Espanha, Portugal precisa, de novo, rever o grau dos seus óculos territoriais e ficcionais. Estaria desaparecendo? Portugal e o mundo ficam menos sábios, lúcidos e sem vínculos. Os escritores respondem por boa parte de nossa visão de tudo. Suas narrativas criam revisitações imaginárias sobre a realidade que impede a cegueira das vaidades ou das tradições por um longo tempo. Suas palavras traduzem nossos contrapontos, contragostos ou virulência em relação ao outro como uma pancada no queixo. Nenhuma homenagem será suficiente a este escritor que passou a vida nos homenageando com sua criticidade ferrenha e sua verdade obstinada. Nossos olhos ficaram ainda mais embaçados. No meio da ‘diferença entre estar aqui e já não mais estar’, estamos nós, os pedintes, os necessitados, do susto de outra perspectiva sobre nós mesmos e o mundo em que vivemos. Perdemos a imaginação lógica, a imaginação que raciona inesperadamente sobre os comuns e suas tentativas de sabedoria. Para que lugar Saramago foi? Para o campo das idéias surpreendentes, ainda que rascantes. Saramago está do outro lado da moeda em paz e livre de um mundo cego e cheio de empáfia. Morreu José Saramago, depois de uma luta literária ferrenha, depois de deixar marcas para sempre, depois da vida simplesmente. Morreu José Saramago, mas não desapareceu: abriu uma cômoda confortável no céu, se esticou e está debochando dos cínicos religiosos que aqui ficaram. Estamos à mercê dos ‘maus costumes’, das ‘alegorias’ interesseiras, das promessas de céu eterno. Estamos à mercê da falta de criatividade, criticidade e argumentação. A literatura perdeu mais um ponto de diálogo com o estranhamento, com a controvérsia inteligente, com a indignação objetiva quanto aos desmandos políticos, sociais e religiosos. Ele, como narrador único (nunca se disfarçou em outros), determinou um fluxo contínuo (e voraz) de acompanhamento e de pensamento sobre as nossas maiores injustiças. Morreu Saramago, nosso zelador (diz Chico Buarque), nosso curioso, nosso formador, nosso literato da língua, nosso humanista, nosso homem mais questionador e mais polêmico quanto aos ‘caminhos da sociedade capitalista e o papel da existência humana condenada à morte’. Dezoito de junho de 2010 apresenta-se, em nós, mais uma deficiência: a cegueira. Socorro, a infecção branca começou!!!!!!!!!!!

Profa Ms Claudia Nunes

terça-feira, 22 de junho de 2010

MINUTO de JANELA

Dia dos namorados. Dia especial. Ao abrira janela de casa, Lucia nem imaginava como seria o seu dia. Roupas por arrumar. Crianças acordando. Marido no banho. Diante de um sol escaldante, o dia era o mesmo. No parapeito, um cheiro de café desviou sua atenção para os andares abaixo. ‘Nossa! Café fresco’ pensou. Quanto tempo não acordava com uma mesa de café posta. Quanto tempo não acordava sem obrigações. Quanto tempo seu corpo vibrava por novas emoções. ‘De que adianta pensar nisso? O tempo não volta e não sou infeliz’. Passando a mão no cabelo, arrumando sua roupa, respirava a única novidade do dia: o ar. Distraída em suas dúvidas, não ouviu os gritos do marido e filhos no interior da casa. São gritos da dependência, da insegurança, das obrigações e, no fim do túnel, do amor. Com determinados papéis sociais, não há como escapar das escolhas. Seu vestido repuxa, repuxa e repuxa... Impaciente, dá um tapa no ar e acerta a mão do filho menor que pede atenção e um beijo. Que susto! Nunca batera no pequeno! Arrependida, segura-o nos braços e canta: essa é o seu dia. A canção alcança portas, janelas e basculantes... Na rua, uma criança suja grita: ‘moça, assim vou chorar, a senhora tem pão?’ Seu coração dói. No tempo em que vasculhará sua memória, esquecera que todos só precisam de muito colo.

Profa Ms Claudia Nunes

domingo, 20 de junho de 2010

TEMPO e AMOR

Engraçado: o tempo passa. Isto hoje é coisa divertida de se pensar: o tempo passa mesmo. Porém não às emoções. O tempo não passa às emoções finas, sinceras e intensas de certos tempos humanos. Incrível como uma troca de olhar 30 anos depois recoloca duas pessoas num mesmo ponto da juventude: o ponto do amor. Numa esquina do centro da cidade, festas em família, curso de inglês, discussões, cinema com amigos, amizade, idades diferentes, um mundo em conspiração a favor. As lembranças de fulgurante e corajosa juventude estão em cena e desarrumam as experiências presentes. A voz é inútil. Eles se olham, sorriem e se abraçam: ‘quanto tempo!’ E o abraço não termina.

Esse diálogo de sensações joga os dois amigos dentro de uma dimensão: ‘quando se perderam? Quando se disseram adeus?’ Nunca! Apenas houve um contratempo e um contragosto: a família dela se mudou. A ligação foi estancada sem piedade ou explicação. Cada um, independente de sua vontade, foi viver os dias e crescer no mundo sem o outro. Amor em potência colocado no fim da fila. Amor que procura o sol sem endereço certo. Amor que caminha pelas ruas da cidade em expectativa: é preciso encontrar o perfume. Inútil. Foi preciso guardar a emoção e ter fé.

O tempo passa, mas é o amor que justifica os passos. Num cinema, o perfume! Onde está? Numa fila de cinema, os corações se olham: é o encontro desejado 10 anos atrás. Num desequilíbrio temporal, o amor escapa e, novamente um grande e intenso abraço. O tempo pára. ‘Consegui’ – pensam. Ao redor de cada um, outros: os filhos. Ao redor de cada um, um susto: as escolhas. O amor encontrou atalhos, outras volúpias, outras sutilidades cujas pontas deram frutos importantíssimos. Mas sem perceber, se sentam, se tocam e se reinventam. Ainda estão jovens e cheios de intensidades, acreditam no amor eterno, realizam o amor físico dentro do mundo do ‘apesar de’ e vivem a ilusão mágica do ‘só nós dois’.

Mesmo ao ‘pé do ouvido’, sentem algumas faltas e falhas, mas é suprema a necessidade da experiência real da paixão. A emenda é uma confusão só: ambos não têm como convergir e emergir em vida. Regras são regras. Em pouco tempo, a ética descolore o fulgor da cama (sexo?) e quebra a magia da paixão. Neste momento viver o ‘frio no estômago’ ou a sensação de ‘borboletas na barriga’ era improvável: as escolhas foram outras. Se os corpos se reconheceram plenamente, os corações não podem se entrelaçar. Num impulso, a tesoura do mundo recorta os amantes e o arrebatamento retorna à cômoda do prazer.

Não tem jeito: o amor exige completude, entrega, compromisso e admiração. O amor é um conjunto de pequenos enamoramentos que não aceita ‘dar um tempo’ ou juras vagas. Os amantes aceitam o deslocamento, mas nunca qualquer desligamento. Não há necessidade disso. Em cena: ética e caráter. O amor não é uma mancha ou uma sujeira a ser apontada indignamente. ‘O amor vem de nós e demora’. O ideal então é recusá-lo: é uma recusa fingida, mas uma recusa, muitas recusas.

Outro longo tempo longe do olhar ou do toque. Outros 10 anos, mantendo a voz, mas sem os feitiços do abraço. As experiências afetivas se processam. As crostas emocionais ganham lugar de destaque. E, como num ato teatral, muitos personagens mascarados chegam aos corações por pouco ou por muito tempo. O espaço do amor está disfarçado; está recheado de apostas e crenças; ganha penumbras. Não há acomodamentos, há a aprendizagem da resistência porque, fora do armário, os corações apresentam ferimentos, por vezes profundos demais.

O tempo apresenta-se com uma carga de maturidade e uma idéia de que o amor não é uma combinação de luz, e sim uma grande referência de sombras. No meio disso, a busca não está descartada: que tal amar a boa companhia? Que tal amar novos casamentos? Que tal amar pequenas (e saudáveis) relações esporádicas? Que tal amar trabalho e filhos? Que tal amar uma religião ou o início de uma reposição hormonal? Tudo é experiência de amar e dá brilho aos cabelos, forças às unhas, beleza à pele, tranquilidade ao coração. É certo? É certo... Então novos enfoques são aceitos: atravessar os dias aceitando a passagem do tempo e desviar os desejos ao encontro de uma touquinha de lã, uma meia quente e a paz de uma poltrona de leitura no fim de tudo. É certo? É certo...

Mas e o arrepio sem lugar? E a pulsação que corta o corpo no toque? Em dúvidas, os dois amantes são incomodados quando juntos. É um amor-esperança que Pandora segurou com ardor porque era a parte melhor da vida. Ambos precisavam do ‘hoje’. Em contato eterno, ambos não abriram mão do ar um do outro porque sempre estiveram impregnados dele. ‘Como abrir mão de parte do que se é?’

Por um movimento de ‘cheque-mate’ dos deuses, a vida lhes deu um presente: um ao outro num amor desimpedido depois de 30 anos. E nada mudou: a respiração entra em aceleração e o arrebatamento imprime timidez em alguns toques. São adolescentes! São adolescentes experientes e amam com o imaginário. Com a promessa de algo grandioso: eles aguardam um telefonema, um e-mail, uma mensagem, um encontro com a ansiedade antes. Seus primeiros momentos são tensos e desconfiados, mas vividos e surpreendentes.

Em suas vidas profissionais, os pensamentos alcançam o rosto e aumentam o sorriso sem razão. ‘Como será? Como será?’ – se perguntam. O próximo dia, semana ou mês se desacelera porque o amor tem um foco, um prazer, uma nova desenvoltura no cotidiano. ‘Quando estarei junto de novo?’ – sentem. O certo é experimentar, experimentar e experimentar a conversa, a troca de carinho e o ‘fazer amor’ sem fantasmas. Corpos amorosos com revestimento aurático especial da juventude na maturidade. Corpos em nova chance de viver a vibração da ternura e da sedução em detalhes e com calma! Que bom!

Enfim os dois amantes não precisam se esgueirar ‘pelo tempo que der’, as ruas complementam o prazer: ‘Você vai comigo comprar pão?’; e ganham intensidade pelos sonhos, pelo clima e pelo tempo ‘agora’. Um não vai morrer sem o outro. A vida não perde sentido sem a companhia. A febre da paixão vai dar lugar ao calor do amor. Mas agora, os pequenos carinhos e o céu são seus limites.

Profa Ms Claudia Nunes

sexta-feira, 18 de junho de 2010

ESPELHO D'ÁGUA

Hoje decidi caminhar na lagoa. Nunca fiz isso, muito menos sozinha. Mas hoje decidi: quero esta experiência. Parei o carro, comprei uma água com gás e saí andando... saí pensando. Problemas todos têm, mas que lugar lindo! Respirar aqui é fácil e prazeroso. Caminho a esmo e ao contrário dos carros. Quero ver tudo de frente. Gente correndo, pedalando, comendo, bebendo, rindo, conversando, fazendo ginástica. Gente de todos os tipos e com todas as cores possíveis nas roupas. Muito interessante! Um mundo em movimento. Ao redor da mansidão do espelho d’água, há um movimento intenso em busca de felicidade, saúde e relaxamento. Eu me sinto meio mal e começo a caminhar dentro de um padrão rítmico só para parecer também em movimento saudável. Inclusão também é isso, não é? Bem, uma caminhada sempre ajuda a criar, a pensar e, principalmente a me distrair. Estou em outro mundo, por dentro e por fora. Ritmo, saúde, respiração e brisa, eis a fórmula do meu desejo de deslocamento e nem percebo as marcas dos meus passos. De repente, algo me desperta duramente: perto da água, uma pessoa parada. Estranho... Tanta vida pulsando ao redor e em muitas direções, mas há um ser parado: uma mulher. Não consigo continuar. A mulher olha hipnótica ao espelho d’água. Há lágrimas em suas faces e isto me preocupa. Gente que chora é gente emocionada; gente emocionada está em desequilíbrio; e em desequilíbrio pode fazer qualquer coisa. Será um prenúncio de um suicídio? – penso eu. Fico apreensiva e me aproximo pé ante pé. Sinto que me fiz presente. O som do choro diminui. E ambas nos olhamos. Não há o que falar, há o que respeitar. Em silêncio olhamos o brilho e o movimento d’água. Qual é o segredo? Sem sentir, penso em espelhos. Que relação é essa? Por que espelhos? Eles criam dobraduras de nós mesmos. Eles nos invertem e transvertem sem licença ou aviso prévio. Por curiosidade, estamos dobrados. De alguma forma, os espelhos estão em todos os lugares. Mas no princípio era o lago. Deparar-me com meu próprio reflexo dependeu da presença do lago, de algo fluido, sempre novo e ‘impalpável’. Essa representação paralisa e me deixa à beira do precipício. Estou na outra margem do meu rio sem pudores. Não é fácil porque ele realiza sonhos sem atravessadores. Em imersão, não são mais os outros que me vêem e / ou me especulam, sou apenas eu ao quadrado. Em sinergia com o espelho ‘mim sou mim’ claramente. De novo, não é fácil. Ninguém está preparado para isso. Não há equipamentos para que eu lide comigo mesma. É verdade demais! Sem restrições, eu me agacho e sento na grama. A mulher me acompanha. Não nos dizemos nada. Ambas estamos ao nível dos nossos imaginários e sem nenhuma presilha. No espelho d’água, o ideal é saber imaginar. E esta é uma briga feia porque vivenciamos ações antagônicas demais: libertar e prender. Verdade e ilusão têm um mesmo tempo de acontecimento. Daí a dúvida: frente e verso ou frente em frente? Não há como saber. Um campo novo para exploração é sempre sedutor e amedrontador, mas quando o prazer está em jogo opta-se sempre pelos arrepios da mente e da pele de qualquer jeito e por qualquer motivo. Surge uma nova atitude: meu autorretrato. Mas este tem uma falha: estamos satisfeitas porque, diante do espelho, não há Outro. Esquecemo-nos que, no trânsito das mais sutis lembranças em nosso corpo e memória, há a realização de uma participação feroz do Outro, logo o mundo realmente somos nós! A mulher pára de chorar e me olha. A situação se inverteu. Em sua face, uma preocupação: o que acontece? Será que ela precisa de defesa ou de ajuda? – ela pensa. Estou tão encantada com meus olhos e novos focos que não percebo a mudança dos ventos. Quantos segredos, desejos, necessidades e medos. Neste momento, minha compulsão é por mim mesma. No espelho, um baú de pirata se abre e, de outros tempos, muitos ‘mins’ me atacam. Estou abduzida por um ‘mim’ sob pilotis, mergulho nisso sem bóia e me espalho. Sem perceber, a mulher segura minha mão: não vá – ela diz. Eu me debato diante daquela mão quente que cisma em me prender. De novo, eu escuto: não vá! Estou de frente para um querer sem fim porque há luzes atraentes em todo o lugar. Que lindo! Meus ouvidos doem com os pedidos cada vez mais altos da mulher: não vá! Mas não há ângulo para retornar ao mundo dos homens. Sem perceber tenho pontas em todas as direções e quero todas. Se vou retornar ao mundo real, que eu faça com tudo o que for meu: amor, carinho, alegria, consideração, respeito, conhecimento, objetivos. É tudo meu e o mundo precisa (me) reconhecer! Muitas tentativas, grandes fracassos. Minha alma começa a sentir falta de alguma coisa: a magia. E magia, leia-se expectativa, tensão, espera, emoção, superação, conquista. Como Narciso, estou consumida por mim mesma, pela liberdade de ser, pela falta de freio. Sem agitação sinto o corpo dormindo e me assusto: será uma nova prisão? Só voar não me complementa. Como sair? Como sair? – me pergunto. Repentinamente um abraço forte me sacode. Estou amparada pela mulher. Há um choro secular borbulhando em mim. Outra vez, eu e a Razão estamos felizes para sempre.
Profa Ms Claudia Nunes

quinta-feira, 20 de maio de 2010

MOMENTO 'DELETAÇÃO'

Hoje lendo algumas crônicas em torno do cotidiano, comecei a olhar as pessoas e a mim. Era um olhar por dentro de mim e nas feições dos outros. Em muitos casos, havia uma verdade tanto no olhar quanto nos gestos. Mas o que me chamou a atenção foram os disfarces, as formas de disfarce. Internamente comecei a me perguntar ‘por que certas coisas eram negadas por mim?’. Ao redor, nas conversas, aconteciam jogos de sedução cínicos de todo tipo. Internamente, minha sedução exigia uma performance interativa relacionada à minha máscara (ou personalidade). Ao redor, acontecia um conjunto de seduções veladas de conquista ou de encontro com o bem-estar social e financeiro a qualquer preço.

Numa praça de alimentação de shopping, o que se estabelece é a reconfiguração cerebral em torno da solução de todos os tipos de problemas. As preocupações, mesmo as unicamente afetivas, estão na mesa, entre amigos e familiares, e esperando solução, qualquer uma. A expectativa é que pensamentos negativos sejam suavizados na interação com o outro (outra experiência), mas com pouco esforço. Numa praça de alimentação de shopping, há a reflexão de um software integrado e cuja usabilidade é diversificada a toda hora de acordo com os interesses individuais. Seu funcionamento é automatizado pelas engrenagens sofisticadas e individualizadas de cada atitude ou postura em defesa dos próprios ‘umbigos’.

Mesmo excitados com os futuros encontros emocionais ou acreditando que a vida entrou em pane total, os grupos de pessoas procuram se ajudar compartilhando situações e colaborando em seus critérios de avaliação e esclarecimento. Todas querem uma ‘tábua de salvação’ e provavelmente apontar um ‘bode expiatório’. Eu olho ao redor e me meço também. O que faço aqui sozinha? O tempo nunca será meu parceiro. A vida está ativa lá fora. E o meu cérebro requer outra otimização bem séria. Como varrer de vez parte da memória ruim que insiste em me convencer que sou isso e não aquilo? Como transgredir medos internos e seculares e, enfim ‘ser aquilo’? Afinal, o que não gosto, o que não quero, o que não aceito, são os arremates da minha subjetividade e me diferenciam dos ‘quaisquer um’: como descartá-los tal e qual pele de cobra?

Qualidades estranhas também pertencem a lista das características humanas. Se assim o é, essas pessoas e eu fazemos parte de um organismo 'perfeito' porque, em seu bojo, convivem e se inter-penetram vírus de toda ordem. E estes vírus são os adereços de nossas individualidades. Não somos alguém sem eles. A questão humana, então é de equilíbrio dos desequilíbrios éticos, emocionais e financeiros. É conviver com o vírus sem potencialiá-lo por qualquer coisa. De repente um susto no meu hipocampo ilumina meus pensamentos: a questão mais importante do mundo humano é que todos precisam de um Norton, um Avast, um McAfee ou um AVG interno, funcionando e atacando detalhadamente nossos recantos mais preservados porque sombrios. Antivírus é a nossa solução!

No século XXI, nós, humanos, precisamos reencontrar um antivírus potente que nos cause leveza de SER e/ou que nos reconduza a beleza de ESTAR. Em um texto distribuído na Internet*, estão elencados alguns vírus aos quais devemos dar mais atenção, caso queiramos, minimamente, uma qualidade de vida social e pessoal. Para além dos ‘Tibas’, ‘Curys’ e/ou ‘Boffs’ da vida, não há mudanças sem a aceitação e análise dos nossos becos escuros. Neste caso, atenção às sombras viróticas como:

01 - Pensamento sempre/nunca: Estas palavras desgovernam o processo de bem-estar. Fatos ruins não têm a probabilidade de se repetir. Fatos ruins são naturais em quem vive e/ou sabe viver. Não há objetivos inconquistáveis, há desvios aos quais somos obrigados a fazer por sobrevivência ou por oportunidade, vez por outra. Se você se diz ou escuta às vezes: ‘ele sempre me diminui’, ‘ninguém vai telefonar para mim’, ‘eu nunca vou conseguir um aumento’, ‘todo mundo se aproveita de mim’, ‘meus filhos nunca me ouvem’ etc. crie um momento ‘deletação’: supere!

02 - Vírus do negativismo: Desde os tempos mais românticos, a questão da morte tem um lado de perfeição, de encontro com a perfeição, mas por isso o corpo adoece mais rápido e se autodestrói. Pensamentos negativos têm esta energia e adoram certa parceria: o lado obscuro humano. Não há como renegá-los, mas sua permanência é uma questão de escolha. Momento ‘deletação’: enfrente!

03 - Vírus de prever o futuro: Às vezes, vivemos uma sequência de situações com resultados adversos. Isto nos leva a desacreditar em dias melhores e a perceber o futuro como negro ou cinza. Não há porque acreditar que os marasmos, a rotina ou as desilusões sejam eternas. Toda desorganização guarda em si um futuro restabelecimento, logo, antes de qualquer coisa, deve-se preservar as iniciativas, os valores e os projetos. É sempre tentar! Caso erre, não se sufoque, não desista, mude o caminho / o critério / as opções. Ninguém prevê o futuro, no máximo deseja. Momento ‘deletação’: tente!

04 - Vírus da leitura das mentes: As interações diárias com as mesmas pessoas ou não criam um pensamento: conhecemos as pessoas. Somos experts sobre a vida dos outros. De acordo com isso, criamos clichês, preconceitos, orgulhos e intransigências. Todos somos diferentes, logo NUNCA sabemos o que os outros estão pensando ou como vão agir. Se vamos tomar conta da vida, tomemos conta de nossas vidas, algo já super complicado de fazer. Ler mentes ou comportamentos é pura ilusão. Momento ‘deletação’: assuma!

05 - Vírus do 'pensar com sensações': Na época moderna, Descartes era fundamental: ser humano é razão ou é emoção. Hoje sabe-se que nossa humanidade age integrando esses dois pontos. Nossas sensações enredam razão e emoção com energia, daí termos reações diferentes diante de um mesmo evento. Eventos desagradáveis provocam pensamentos negativos. E dependendo da força, nos envolvem e nos levam às melancolias, depressões e fraquezas emocionais sem fim. Quando a frase ‘Eu tenho a sensação que isso não vai dar certo’ atravessar os pensamentos, momento ‘deletação’: esqueça!

06 - Vírus da culpa: A mente, em alguns momentos, nos prega peças. Atingidos pelo mundo real, sempre muito mesquinho, autoritário e bruto, sofremos, e aí uma frase incompleta se faz presente: ‘eu deveria...’. É a culpa abrindo caminho direto ao coração. Outras expressões também são armadilhas: ‘eu preciso...’, ‘eu tenho que...’. se assim for, atenção! Substitua! O valor da nossa presença no mundo está em afirmações como ‘eu quero’, ‘eu vou’, ‘eu posso fazer assim’. Lembre-se de um ótimo ditado popular: ‘quem vive de passado é museu!’. Momento ‘deletação’: siga!

07 - Vírus da rotulação: Tão ruins quanto os clichês são os rótulos. As impressões são momentâneas e não podem ser eternizadas. Devemos respeitar o tempo de aprender e de ser de cada um. Ao rotular algo ou alguém, descartamos a vivência de novas possibilidades de SER de todos. Nós nos tornamos arrogantes e frios. Ao rotular ou estigmatizar perdemos a capacidade de mudar ou repensar nossas próprias certezas diante da diversidade do outro. As cenas ruins ganham em potência sem reflexão e análise. O rótulo generaliza negativamente e transforma a realidade das pessoas em imagens virtuais de sua imaginação infectada. Momento ‘deletação’: conscientize-se!

08 - Vírus da personalização: Somos pessoas no mundo, assumimos nossa importância porque, em algum momento, percebemos nossa inteligência e criatividade em prol da própria sobrevida. Porém assimilamos também um certo egoísmo, um individualidade negativa e um descumprimento constante da solidariedade. Como o ‘próximo’ não sou eu, eu não preciso ajudar, aconselhar, olhar, pensamos em muitos casos. Nós nos tornamos ‘pessoais’ demais e, em conseqüência, levamos tudo para o lado pessoal. Se o que vem do outro não nos agrada ou conforta, pensamos logo: ‘ele não gosta de mim’, ‘ele está com raiva de mim’. Errado! Se o próximo está próximo aproxime-se. Um sorriso, um ‘olá’, um silêncio pode mudar a ordem das coisas. Momento ‘deletação’: creia!

09 - Vírus de culpar os outros sempre: É o pior de todos os vírus do pensamento! Neste momento o outro é a razão de todos os males e por causa dele não estamos melhores. Ao culpar automaticamente os outros pelos problemas da sua vida, este vírus o torna impotente para responsabilizar-se pelo próprio destino. Incapaz de mudar qualquer coisa, acusamos o outro por nossas incapacidades ou preguiças. Errado! Se tem espelho em casa, se olhe! Se tem um espelho interno, se olhe! Use o "antivírus da auto-estima" e pare de projetar nos outros suas próprias culpas ou fragilidades. Momento ‘deletação’: seja você!

E seja feliz de múltiplas e originais maneiras!

* Nota: recebi um texto por email chamado 'Vírus Mentais' aparentemente anônimo, separei apenas os 09 itens (virus) listados e refiz a escrita sobre os signficados de cada um deles.

Profa Ms Claudia Nunes

sexta-feira, 14 de maio de 2010

NOITE DOS SILÊNCIOS

Nada é mais certo do que afirmar o seguinte: ‘as novas tecnologias estão transformando as emoções humanas’. Os novos brinquedos criaram novos comportamentos à sedução amorosa. E os sujeitos ganharam outras estratégias e espaços à conquista afetiva. Mas o que os meios de comunicação revelam é a ascensão vertiginosa das separações e dos silêncios dos casais, mesmo casais-só-amigos.

Silêncio? É, silêncio. Com as redes sociais (digitais e reais) em pleno fomento e com diferentes pontos de acesso, hoje eu estou procurando os corpos. Estou procurando corpos total e sinceramente anti-descarteanos. Onde estão os corpos? Estou num cemitério, numa manhã de sexta-feira, e de repente alguém me aborda perguntando: você está procurando corpo? Eu me assusto e penso: ‘que pergunta é essa?’ Sem responder, me desvencilho da pessoa, mas meus pensamentos estão embrulhados.

Com tantos silêncios sociais, será que JÁ precisávamos reencontrar nossos corpos físicos e, por conseguinte, o fundamento de um beijo, um abraço, um amor? No carro, dirigindo de volta a casa, algumas idéias me ferem: o ‘barulho’ das NTICs deu mais força à nossa humanidade, porém calou emoções como o prazer, o desejo, a vontade; as ‘facilitações’ pretendidas pela presença das NTICs trouxe novas interfaces de aproximação, mas esticou (ou manteve) as distâncias; o uso ininterrupto das NTICs no cotidiano criaram mais tempo livre, em contrapartida abriram novos espaços para outras ocupações pessoais e profissionais.

Em cada idéia, uma conjunção adversativa. Em cada idéia, um reverso. E no reverso o estabelecimento do silêncio. ‘Sujeitos do mundo, por que tanto silêncio?’ - grito no carro. No caminho, lembro do velório: muitas pessoas e a emoção em nichos. Todos solidários ao triste momento, mas, afastados, recriando novas (e outras) redes sociais. Muitas pessoas e uma grande farsa silenciosa. Enterro é um grande encontro social sem aviso prévio.

Quando Pierre Levy trabalha seu conceito de ‘inteligência coletiva’, trabalha o sentido da colaboração e do compartilhamento pulsando no meio da sociedade em busca de um futuro, e as NTICs proporcionariam o encontro com nossos ‘avatares’ (aqui, no sentido de encarnação divina). Mas é muito fácil perspectivar as atitudes humanas em teoria; é muito fácil descartar parte da nossa humanidade de forma a melhor (re)conectar a realidade com a integralidade dos sujeitos. É muito difícil, quase impossível, ter a certeza destes acontecimentos.

Os seres humanos são imprevisíveis e ‘birrentos’ quando diante da opção de gerenciar suas qualidades ou estimular qualidades no outro. Neste ponto, presentifica-se nossa principal característica: sobreviver a qualquer preço e o outro ‘que se dane’. Em casa, por e-mail, li um texto do Arnald Jabour, ‘Estamos com fome de amor’. De onde vem essa fome? Esta fome vem dos nossos silêncios emocionais por timidez, medo, antipatia, respeito. Diante das regras sociais e, hoje, virtuais, o ser humano se esqueceu de se feliz sem drama, sem culpa e sem razão. Todos os ‘encontros essenciais’ estão cobertos de perspectivas, planejamentos e interesses. Estes são nossos piores silêncios.

Depois da máquina a vapor, do telefone, do avião, da lâmpada elétrica, o mundo entrou num grande agito criativo, ganhou jogo de luzes e novos espaços aos vários tipos de encontro, mas se perdeu no silêncio dos sentidos e dos movimentos táteis, aqueles que arrepiam a pele instantaneamente e trazem à face um enorme sorriso de conquista. Será isto uma ilusão hoje?

Hoje a mente está eletricamente quente e o corpo está enregelado porque cada vez mais inútil pelo uso intenso do controle remoto, pelas compras pela Internet, pelas entregas em casa, pelo estudo a distância etc. É o descuidado e pura entrega cega às facilitações da vida ‘pós-moderna’. Brinca-se demais com memória, mas muito pouco com pulmões, mãos e pés. Os sujeitos ganharam novos brinquedos, mas tornaram-se flagelos das emoções duradouras. Os sujeitos e as NTICs facilitaram a sobrevida, mas inauguraram uma maneira contraceptiva aos casamentos ou às relações mais longas. É o silêncio dos profanos revelando novas sacralizações fulgazes. É o silêncio em meio aos ruídos das noites mais sedutoras e a frieza dos dias mais iluminados. Há uma opacidade no desejo de estar junto porque ‘ter raízes’ é pensamento ‘da antiga’.

Os sujeitos estão amantes a cada semana, jamais cônjuges de vida inteira. Alias esse negócio de ‘vida inteira’ ou ‘para sempre’ deveria ser filmado por Tim Burton também, tal o absurdo ou surrealismo de nossa imaginação, nestes ‘tempos líquidos’. Os enredos filmados sempre seriam fraquinhos, mas as imagens e as cores seriam densas e maravilhosas, e ocupariam todo o espaço da sensibilidade. Há uma obrigatoriedade do silêncio do arrepio do tesão-minuto porque a fascinação e a admiração são tremendamente ofuscantes.

Em casa, abro uma garrafa de vinho e fico perplexa: no século XXI, é o silêncio nossa senha de acesso ao mundo de tudo e de todos, apesar das expectativas. Os sujeitos estão ausentes de sua natureza ainda que intrigados com a possibilidade de fecundação diária de toda sorte. Ao saírem das noites tórridas onde ‘todos os gatos são pardos’, encontramos um terreno pantanoso cuja arquitetura investe na vacuidade de nossas educações antigas como: ‘tudo bem?’, ‘obrigada(o)’, ‘desculpe’, ‘com licença’, ‘ola’ e o puro ‘bom dia’.

Em tempos dos brinquedos tecnológicos, os sujeitos tornaram-se farejadores do ‘amor romântico’ em sedutoras galhardias juvenis e nos mergulhos nas oportunidades amorosas. É um campo árido e quase desértico à confiança e ao afeto já que cada um disfarça suas necessidades afetivas (e sexuais) com trabalhos, racionalidade, orgulho e soberba. É auto-estima introspectiva. Ninguém se dá conta que o ‘tempo não pára’, que a pele enruga, que o corpo trava, que a saúde não é eterna. Uma pena...

Onde mora a felicidade então? Eu acredito muito na disponibilidade, na participação, no carinho sem interesse, nas ligações despretensiosas, no afago simples, nas presenças surpresas, nos presentes sem data etc. E assim os silêncios podem se desanuviar, perder a tensão e ajudar nas transformações, apesar dos mundos virtuais.

Cuidado, o silêncio influencia nossas abstinências emocionais sem nenhum esforço, quando solicitadas ou aceitas como naturais. Sinceramente pergunto, ‘vagamos JÁ pelo vale da sombra da morte’?

Profa Ms Claudia Nunes

terça-feira, 11 de maio de 2010

A EDUCAÇÃO MUDA O CÉREBRO

Será possível aplicar os avanços da neurociência para melhorar o sistema educacional? Em sua coluna, Roberto Lent discute essa questão a partir de resultados recentes que mostraram a existência de mecanismos cerebrais envolvidos com a aprendizagem.

Por: Roberto Lent


O cérebro é como um computador que se reorganiza em resposta ao ambiente (foto: iStockphoto).

Nos últimos dez anos, uma profunda transformação conceitual ocorreu na neurociência: caiu por terra a ideia de que o nosso cérebro é todo formado durante a vida embrionária, nada mais restando após o nascimento senão aproveitar as nossas capacidades congênitas para aprimorá-las.

Essa concepção conservadora do cérebro como um órgão rígido, pré-formado sob estrita ordenação genética, agride o senso comum, mas possivelmente se cristalizou no século 20 pela grande influência de Santiago Ramón y Cajal (1832-1934), pesquisador espanhol que estabeleceu a doutrina do neurônio como unidade básica do sistema nervoso.

Cajal analisou ao microscópio – e revelou ao mundo por meio de belíssimas ilustrações a bico de pena que ele mesmo fazia –¬ milhares de neurônios de variadas formas, e centenas de circuitos neurais de diferentes composições, em cérebros de diversas espécies de animais, inclusive humanos.

Dotado de forte espírito imaginativo, Cajal viu além das formas que desenhou, propondo mecanismos e funções para os neurônios e seus circuitos. Apesar disso, via formas, mapas, circuitos. Talvez por essa razão, opinou sempre que o sistema nervoso adulto seria rígido e invariante. Um paradoxo, tendo em vista a grande flexibilidade comportamental e cognitiva de que somos todos dotados.

Novas técnicas revelaram o funcionamento dinâmico dos circuitos neurais dentro do cérebro vivo.

A segunda metade do século 20, entretanto, trouxe novas técnicas capazes de revelar não apenas o mapa dos circuitos neurais, mas seu funcionamento dinâmico, dentro do cérebro vivo, no animal ou na própria pessoa em plena ação. Foi possível registrar os sinais emitidos por neurônios isolados, grupos de neurônios ou regiões inteiras do cérebro, relacionados a funções corporais, comportamentos e até sensações, sentimentos e operações cognitivas.

A ilustração A é um dos desenhos originais de Cajal, baseados em neurônios reais impregnados com prata, como se vê na foto B, tirada por Janaína Brusco, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.

O cérebro mutante
Resultou desse esforço de pesquisa uma nova concepção: o cérebro é mutante, e não estático! Responde aos estímulos ambientais não apenas com operações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes. Emergiu o conceito de neuroplasticidade, que sintetiza essa capacidade dinâmica, mutante, transformadora.

A neuroplasticidade implica mudanças na transmissão de informações entre os neurônios, tornando alguns mais ativos, outros menos, de acordo com as necessidades impostas pelo ambiente externo e pelas próprias operações mentais.

Ao conversar com alguém, é preciso que você mantenha na sua memória por algum tempo as frases que emitiu e os assuntos que abordou. No dia seguinte, talvez isso não seja tão necessário. Essa é a chamada memória operacional, de curta duração, baseada apenas na persistência das informações nos circuitos neurais durante minutos ou horas. Os informatas a chamariam de memória RAM do cérebro.

O hardware cerebral se modifica com o treinamento e a aprendizado.

Fenômenos neuroplásticos mais duradouros ocorrem com o treinamento e a aprendizagem. Nesses casos, os circuitos neurais envolvidos tornam-se fortes e permanentes. O hardware cerebral se modifica, com a emergência de novos circuitos entre os neurônios e o fortalecimento daqueles mais utilizados.

A informação obtida persistirá durante muito tempo, às vezes durante toda uma vida. Quem não lembra até a morte o nome de sua mãe, a data do seu aniversário, o primeiro beijo apaixonado, ou como andar de bicicleta e amarrar o sapato?

Neuroplasticidade e educação
Se o cérebro é plástico, mutável, como poderíamos aplicar esse conceito na educação? Não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas para a coletividade? Mudar as pessoas é mudar o seu cérebro. Sendo assim, existiria uma ciência da educação? Neuroeducação? Em outras palavras: de que modo os avanços da neurociência poderiam ser aplicados na educação?

Muitos neurocientistas trabalham para esclarecer e viabilizar essa possibilidade, e já aparecem alguns resultados de pesquisa que nos autorizam a pensar em mecanismos cerebrais específicos envolvidos com os diversos aspectos relevantes para a educação.

Resultados recentes sugerem que há mecanismos cerebrais específicos envolvidos com a aprendizagem

Há poucos meses, a Fundação Dana, uma organização privada norte-americana dedicada a apoiar a ciência, a saúde e a educação, com ênfase particular na neurociência, lançou o número de 2010 de Cerebrum, um livro anual que debate os avanços e perspectivas dessa disciplina. Nessa edição, sobressai uma interessante discussão com vários especialistas sobre as relações entre as ciências do cérebro e a educação. Dentre os resultados relatados e discutidos nesse livro, dois me chamaram a atenção.

O primeiro refere-se ao processo conhecido como transferência próxima. São experimentos realizados por um grupo de neurocientistas liderados por Gottfried Schlaug e Krista Hyde, do Instituto de Neurologia de Montreal, no Canadá, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O grupo de pesquisadores acompanhou durante 15 meses crianças de 6 anos de idade sob treinamento musical, comparadas a outras sem essa atividade. Mesmo nesse curto período foi possível detectar alterações cerebrais estruturais nas regiões motoras envolvidas com os instrumentos musicais empregados (teclados), nas regiões auditivas e no circuito de integração entre os dois hemisférios cerebrais.

As regiões apontadas pelas setas são aquelas que se modificam nas crianças sob treinamento musical durante 15 meses. À esquerda a área motora, à direita a área auditiva. Modificado de Hyde e colaboradores (2009).

A neuroplasticidade estrutural no cérebro de músicos adultos já havia sido demonstrada anteriormente, mas persistia a dúvida sobre se o fenômeno era causado pelo treinamento ou se esses indivíduos eram previamente dotados de maior volume cortical nas regiões associadas ao processamento musical. No experimento do grupo norte-americano, isso ficou esclarecido, pois o estudo comparou as imagens obtidas antes e depois de um treinamento musical de 15 meses.

O termo transferência próxima, utilizado acima, pode agora ser entendido: refere-se ao efeito do treinamento sobre regiões funcionais relacionadas à função aprendida. Nesse caso, as regiões motoras e auditivas são obviamente relacionadas à aprendizagem musical.

O segundo grupo de resultados é mais impressionante, mas menos bem documentado cientificamente. Aborda um processo mais sofisticado chamado transferência distante. Aqui, a influência do treinamento (educação) se dá sobre funções menos relacionadas (distantes).

O treinamento focalizado em música, dança ou teatro poderia fortalecer o sistema atencional do cérebro.

Uma avaliação do estado-da-arte nesse aspecto da neuroplasticidade foi feita em Cerebrum 2010 por Michael Posner, professor emérito da Universidade de Oregon, e especialista nos mecanismos neurobiológicos da atenção.

O sistema em questão, neste caso, é o sistema atencional do cérebro, por meio do qual somos capazes de focalizar nossas operações cognitivas sobre um único alvo, e desse modo realizá-las de forma mais eficiente.

A ideia subjacente é que o treinamento focalizado em uma forma de arte que atraia fortemente o interesse de uma criança – música, dança, teatro – fortaleceria o sistema atencional do cérebro, repercutindo positivamente na cognição em geral. Para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.

Efeito Mozart
O “efeito Mozart” não foi reproduzido pela comunidade científica. Não deve ter ajudado nem o próprio... (montagem a partir de retrato de Mozart pintado em 1819 por Barbara Krafft).

Um primeiro experimento feito com essa perspectiva foi publicado em 1993 na revista Nature, e ficou conhecido como “efeito Mozart”. Os autores do estudo sustentaram que estudantes universitários expostos à música erudita por breves períodos de tempo (Mozart, especialmente) melhoravam suas habilidades de raciocínio espacial, também temporariamente. Os resultados causaram sensação, na época, mas jamais foram reproduzidos por grupos independentes de pesquisadores.

Mais recentemente, as tentativas de reproduzir esse efeito empregaram tempos maiores de exposição e treinamento musical ativo. Neste caso, alguns resultados mais animadores começaram a aparecer. Em 2004, o grupo de E. Glenn Schellenberg, da Universidade de Toronto (Canadá) relatou que crianças participantes de um programa de treinamento musical durante um ano apresentavam um aumento do seu QI, em comparação com crianças que não participaram do treinamento.

É verdade que o QI costuma ser criticado como medida comparativa da inteligência. No entanto, no estudo em questão, o mesmo teste era realizado longitudinalmente nas mesmas crianças, antes e depois do treinamento.

A transferência distante ainda é um fenômeno mal demonstrado, e a busca por demonstrá-lo atrai o interesse dos neurocientistas e psicólogos, pela sua óbvia repercussão em educação.

Será que chegaremos algum dia a poder orientar os sistemas educacionais segundo princípios científicos, mais do que segundo a nossa intuição de pais e professores?

Roberto Lent
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sugestões para leitura:
F.H. Rauscher e colaboradores (1993) Music and spatial task performance. Nature vol. 365: p. 611.
E.G. Schellenberg (2004) Music lessons enhance IQ. Psychological Science vol. 15: pp.511-514.
K.L. Hyde e colaboradores (2009) Musical training shapes structural brain development. Journal of Neuroscience, vol. 29: pp.3019-3025.
Dana Foundation (2010) Cerebrum. Emerging ideas in brain science. Nova York: Dana Press, 222 pp.
M. Posner e B. Patoine (2010) How arts training improves attention and cognition. In Cerebrum 2010, pp. 12-22.

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...