Em que medida nós nos abrimos às mudanças? Na medida em que nós nos surpreendemos com nossas próprias ações ou na medida em que os acontecimentos nos atingem sem direito a defesa. Sem pensar nos oferecemos ao mundo dos sentidos e das reações com medo, mas com grande prazer. Pensar é algo para depois. Além e aquém do momento presente nada mais existe porque é um evento sempre marcante. O tempo se altera e predomina a estranha sensação de ‘ser para sempre’. O mundo das possibilidades de sentir se expande e nos sentimos emocionantes. Assim Gina estava. Depois de tantos anos cuidando dos outros, sustentando os outros, trabalhando para os outros, vivendo incógnita de si mesmo, ela foi pega numa armadilha: a sedução. Um forte abraço fez seu corpo tremer tanto que se sentiu mal. Por que mal? Porque ela perdera a permissão de sentir simplesmente e sem controle as emoções de todos os dias. Ela tinha um corpo domado, ainda que a mente nem tanto. Então por que a desconcentração? Por que pensamentos impróprios em momentos impróprios com tão grande satisfação? Por que sonhos quentes e animados enquanto estudava intensamente seu valor profissional? Fôra um abraço! Apenas um abraço! Em torno de si diferentes projeções sem propósitos, mas maravilhosas. Primeiras defesas: não aprendi isso... não aprendi assim... preciso me restituir. Ao voltar à sua mesa de escritório, uma questão: que lugar era aquele? No corredor, na volta ao trabalho, seu ‘eu’ se perdeu. Diante de uma mesa cheia de quinquilharias, um ser em desejo e sufocado pela vontade de gargalhar. Relatórios, relatórios e relatórios precisavam de acertos e revisões, mas sua figura estava encantada. ‘Que dia lindo! Eu quero novos abraços!’ – comenta a si mesma. A noite se aprofunda lá fora de repente. A luz se intensifica por dentro sem entraves. Difícil aceitar que nada será como antes. Difícil aceitar que nada existia antes. Gina se reconhece como espectro, um avatar de si mesma. Anos se liquefazendo em certezas e agora esse abraço tão inoportuno de um arcanjo sem luxos. No ônibus, de volta para casa, um choro compulsivo. ‘Como dar conta da vida agora? É muita coisa dentro dela’ – orava. ‘Deus, não me faça aprender a descartar!’ A sombra que vislumbrava na janela do ônibus lhe sorri: estava enamorada. Só teria consistência para viver a vida depois de novos abraços cuja comunicação lhe fornecesse mais generosidade e alegria. Ela não estava imunologicamente protegida quanto a magia do abraço intenso. Gina estava ‘tomada’ por uma nova onda química que transformava gradativamente informações de vida inteira em pequenos dados que a ‘(re)jogariam’ na realidade. Em casa, entra em frenesi e procura: preocupações, responsabilidades, deveres, medos, certezas... A vegetação caseira estava vazia. E Gina, já sem pele, se entrega ao novo sulco de prazer com a vida.
Profa Claudia Nunes
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