domingo, 20 de junho de 2010

TEMPO e AMOR

Engraçado: o tempo passa. Isto hoje é coisa divertida de se pensar: o tempo passa mesmo. Porém não às emoções. O tempo não passa às emoções finas, sinceras e intensas de certos tempos humanos. Incrível como uma troca de olhar 30 anos depois recoloca duas pessoas num mesmo ponto da juventude: o ponto do amor. Numa esquina do centro da cidade, festas em família, curso de inglês, discussões, cinema com amigos, amizade, idades diferentes, um mundo em conspiração a favor. As lembranças de fulgurante e corajosa juventude estão em cena e desarrumam as experiências presentes. A voz é inútil. Eles se olham, sorriem e se abraçam: ‘quanto tempo!’ E o abraço não termina.

Esse diálogo de sensações joga os dois amigos dentro de uma dimensão: ‘quando se perderam? Quando se disseram adeus?’ Nunca! Apenas houve um contratempo e um contragosto: a família dela se mudou. A ligação foi estancada sem piedade ou explicação. Cada um, independente de sua vontade, foi viver os dias e crescer no mundo sem o outro. Amor em potência colocado no fim da fila. Amor que procura o sol sem endereço certo. Amor que caminha pelas ruas da cidade em expectativa: é preciso encontrar o perfume. Inútil. Foi preciso guardar a emoção e ter fé.

O tempo passa, mas é o amor que justifica os passos. Num cinema, o perfume! Onde está? Numa fila de cinema, os corações se olham: é o encontro desejado 10 anos atrás. Num desequilíbrio temporal, o amor escapa e, novamente um grande e intenso abraço. O tempo pára. ‘Consegui’ – pensam. Ao redor de cada um, outros: os filhos. Ao redor de cada um, um susto: as escolhas. O amor encontrou atalhos, outras volúpias, outras sutilidades cujas pontas deram frutos importantíssimos. Mas sem perceber, se sentam, se tocam e se reinventam. Ainda estão jovens e cheios de intensidades, acreditam no amor eterno, realizam o amor físico dentro do mundo do ‘apesar de’ e vivem a ilusão mágica do ‘só nós dois’.

Mesmo ao ‘pé do ouvido’, sentem algumas faltas e falhas, mas é suprema a necessidade da experiência real da paixão. A emenda é uma confusão só: ambos não têm como convergir e emergir em vida. Regras são regras. Em pouco tempo, a ética descolore o fulgor da cama (sexo?) e quebra a magia da paixão. Neste momento viver o ‘frio no estômago’ ou a sensação de ‘borboletas na barriga’ era improvável: as escolhas foram outras. Se os corpos se reconheceram plenamente, os corações não podem se entrelaçar. Num impulso, a tesoura do mundo recorta os amantes e o arrebatamento retorna à cômoda do prazer.

Não tem jeito: o amor exige completude, entrega, compromisso e admiração. O amor é um conjunto de pequenos enamoramentos que não aceita ‘dar um tempo’ ou juras vagas. Os amantes aceitam o deslocamento, mas nunca qualquer desligamento. Não há necessidade disso. Em cena: ética e caráter. O amor não é uma mancha ou uma sujeira a ser apontada indignamente. ‘O amor vem de nós e demora’. O ideal então é recusá-lo: é uma recusa fingida, mas uma recusa, muitas recusas.

Outro longo tempo longe do olhar ou do toque. Outros 10 anos, mantendo a voz, mas sem os feitiços do abraço. As experiências afetivas se processam. As crostas emocionais ganham lugar de destaque. E, como num ato teatral, muitos personagens mascarados chegam aos corações por pouco ou por muito tempo. O espaço do amor está disfarçado; está recheado de apostas e crenças; ganha penumbras. Não há acomodamentos, há a aprendizagem da resistência porque, fora do armário, os corações apresentam ferimentos, por vezes profundos demais.

O tempo apresenta-se com uma carga de maturidade e uma idéia de que o amor não é uma combinação de luz, e sim uma grande referência de sombras. No meio disso, a busca não está descartada: que tal amar a boa companhia? Que tal amar novos casamentos? Que tal amar pequenas (e saudáveis) relações esporádicas? Que tal amar trabalho e filhos? Que tal amar uma religião ou o início de uma reposição hormonal? Tudo é experiência de amar e dá brilho aos cabelos, forças às unhas, beleza à pele, tranquilidade ao coração. É certo? É certo... Então novos enfoques são aceitos: atravessar os dias aceitando a passagem do tempo e desviar os desejos ao encontro de uma touquinha de lã, uma meia quente e a paz de uma poltrona de leitura no fim de tudo. É certo? É certo...

Mas e o arrepio sem lugar? E a pulsação que corta o corpo no toque? Em dúvidas, os dois amantes são incomodados quando juntos. É um amor-esperança que Pandora segurou com ardor porque era a parte melhor da vida. Ambos precisavam do ‘hoje’. Em contato eterno, ambos não abriram mão do ar um do outro porque sempre estiveram impregnados dele. ‘Como abrir mão de parte do que se é?’

Por um movimento de ‘cheque-mate’ dos deuses, a vida lhes deu um presente: um ao outro num amor desimpedido depois de 30 anos. E nada mudou: a respiração entra em aceleração e o arrebatamento imprime timidez em alguns toques. São adolescentes! São adolescentes experientes e amam com o imaginário. Com a promessa de algo grandioso: eles aguardam um telefonema, um e-mail, uma mensagem, um encontro com a ansiedade antes. Seus primeiros momentos são tensos e desconfiados, mas vividos e surpreendentes.

Em suas vidas profissionais, os pensamentos alcançam o rosto e aumentam o sorriso sem razão. ‘Como será? Como será?’ – se perguntam. O próximo dia, semana ou mês se desacelera porque o amor tem um foco, um prazer, uma nova desenvoltura no cotidiano. ‘Quando estarei junto de novo?’ – sentem. O certo é experimentar, experimentar e experimentar a conversa, a troca de carinho e o ‘fazer amor’ sem fantasmas. Corpos amorosos com revestimento aurático especial da juventude na maturidade. Corpos em nova chance de viver a vibração da ternura e da sedução em detalhes e com calma! Que bom!

Enfim os dois amantes não precisam se esgueirar ‘pelo tempo que der’, as ruas complementam o prazer: ‘Você vai comigo comprar pão?’; e ganham intensidade pelos sonhos, pelo clima e pelo tempo ‘agora’. Um não vai morrer sem o outro. A vida não perde sentido sem a companhia. A febre da paixão vai dar lugar ao calor do amor. Mas agora, os pequenos carinhos e o céu são seus limites.

Profa Ms Claudia Nunes

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