sábado, 26 de junho de 2010

INFELICIDADE DOS OUTROS?

Realmente o ‘amor está no ar’! Este tema está muito presente nas mídias e em minha cabeça. E é assunto que dá ‘panos para mangas’. Hoje, depois do jogo do Brasil, o papo entre meus amigos era o amor depois do casamento. E pelo jeito, há certa melancolia e saudade nas falas. Pelo que entendi: a convivência diária trouxe mudanças e/ou surpresas não muito boas. A questão da conquista, misturada às responsabilidades, trouxe certo conformismo na relação a dois.

Meus amigos acreditam que isto seja normal, mas percebo que o ressentimento se instalou. E pelo que sei, a próxima etapa é uma carga imensa no funcionamento do imaginário ‘fora relação’. Em meio as conversas, surge uma idéia: se há coisas que não foram percebidas antes, o jeito é consertar. E consertar significa mudar o outro ou tentar recuperar o momento anterior cheio de seduções. A idéia é resgatar os pequenos aceleramentos do coração tão comuns enquanto o casal se amalgamava. Será que é certo?

Antes de se ganhar certos papéis sociais (marido/esposa, namorado/a ou mesmo amantes), o projeto e o planejamento sobre a relação investiam no prazer. Estar junto realizava-se no prazer: prazer do cinema, dos jantares, das boates, dos encontros, dos passeios etc. Se não está próximo, o casal acresce seu cotidiano com e-mails, cartões e telefonemas amorosos só para não perder a ligação do prazer ou para acrescentar mais amor ao futuro encontro. Em todos os momentos, a atenção ao outro era primordial e, praticamente, única fonte de aproximação e de sucesso. É conquistar ou conquistar.

Dentro desta visão, mesmo na impossibilidade do contato físico que dispensa a fala, são os comentários simpáticos sobre aparência, postura e atitudes, as melhores ferramentas de atração e/ou de capturar o coração de uma pessoa. A questão da massagem da auto-estima alheia é um ‘ataque’ fantástico e certeiro. E sendo realizada sem interrupção alcança e atrae os sentidos/instintos do outro. Esses comentários então são os encantamentos necessários à manutenção da relação como amorosa.

Em torno de tudo isso, o que está de fora? A vida ‘responsável’ de cada um. Ou melhor, pode-se pedir conselhos e/ou sugestões, mas cada um mantém a dinâmica da vida profissional e familiar, por exemplo, fora do amor. A intimidade não é total. Ainda assim, quando certas, essas decisões causam mais felicidades ao casal e apimentam a paixão; quando erradas, há prazer no consolo ou ‘no contar’ com o outro para desabafos e/ou superação do fato. De qualquer jeito, ainda que a paixão se assegure, um deles está fora da situação em si.

Aí entra em cena, a confiança, a dependência e a firma certeza que nasceram um para o outro. Cuidado! Essa identificação tem dois lados que precisam ter muito atenção: um lado positivo, caso os dois invistam no crescimento mútuo e mantiverem suas individualidades de maneira saudável; e um lado negativo, caso um dos dois acredite que a vida não pode ser vivida sem o outro. De novo, cuidado! Da ilha da fantasia incrustada no pensamento ‘alma gêmea’ às escovas de dentes juntas num mesmo banheiro ‘para sempre’, há um abismo de diferenças que precisam ser enfrentadas em todos os dias, juntos! Mesmo como casal, as individualidades não se perderam!

Pelo que percebi, entre os meus amigos, o desejo é de retorno e congelamento do tempo anterior, cheio de novidades também amorosas. Aí o problema não é a relação, é a falta de maturidade para superar mudanças ou a instalação natural da rotina. Aí o problema é não saber o que fazer com a presença de manias e vícios do outro e de si mesmo frente ao outro, elementos disfarçados de muitas maneiras no processo de conquista. Sendo assim, em muitos casos, a primeira solução é fingir que nada acontece e crer que o tempo ‘cura tudo’. Erro! Erro sério! Fingimentos reprimem a voz e os desejos. Dos pequenos fingimentos às grandes tragédias amorosas, o caminho pode ser bem curto. Vejam os últimos noticiários! Pela terceira vez, cuidado!

Não posso opinar sobre a vida dos outros. Mas posso provocar o pensamento sobre certas posturas. Então lembre-se: viver junto não se assemelha a um contágio virótico sem remédio ou cura. Perceba alguns sinais básicos que anunciam o mal estar amoroso: você critica muito o outro? Você o/a observa como um ser frio ou sem a emoção de antes? Você passa o tempo tentando educá-lo/la? Você já prefere atividades separadas? Você já começa a evitar contato com amigos em comum? Você já se vê tomando todas as decisões? Estas e outras sensações não são convidadas à relação, mas, quando instaladas, refletem um momento crítico na vida do casal e o jeito é conversar.

O ‘príncipe não virou sapo’! A ‘princesa não virou sapa’! O que se perdeu ou não se aprendeu, foi a tolerância! Toleramos a falta de pontualidade ou de sensibilidade dos amigos. Toleramos manias, vícios e desvios de comportamentos dos amigos. Por quê? Porque do conhecimento destas faltas ou desvios há uma troca rica cuja idéia é a manutenção do respeito mútuo. Por outro lado, quando na relação amorosa, rapidamente uma mania vira defeito gravíssimo; um vício torna-se um estilo insuportável; e um desvio de comportamento revela-se ponte para uma separação certa. Ai está justamente a fonte do desencantamento. Como assim? Um dos dois tem medo de contaminação ou é egoísmo mesmo?

Atenção, em meio a um relacionamento ‘para sempre’, depois que um casal decide morar junto, deve ter em mente que não há mais filtros de personalidade. O casal estará inteiro de frente ao outro e com total intimidade. Não se pode mais mostrar apenas o que se tem de melhor ou experimentar o que o outro tem de melhor. A lente do amor passa a ler em 360º. Homem e mulher vivem como pessoas e compartilham suas humanidades claramente. Ambos podem escovar os dentes com barulhos estranhos. Ambos têm roupas velhas para andar em casa. Ambos podem se esquecer de datas especiais. Ambos podem se demorar para pentear os cabelos de manha. Ambos podem roncar. Um dos dois pode ter coleções estranhas. Ela realmente não sabe cozinhar ou tratar da casa. Ele realmente bebe um drinque todo domingo de manha com amigos ou não. Ou seja, na intimidade o que emerge são as imperfeições antes escondidas. Qual o seu nível de maturidade/inteligência para conviver ou não com isso?

Antigamente esse processo de percepção levava anos, porque levava-se em consideração interesses financeiros em comum, filhos, status, vergonha, sociedade etc.; hoje em meses o casamento torna-se uma arena onde as desilusões são expostas a toda hora e cuja opção de solução prática é a separação simples. Ou, se não se quer ainda o fim do casamento, decide-se: ‘o jeito de ele/ela se alimentar é inaceitável, aquela tendência anti-social que ele/ela tinha se acentuou. Precisamos sair, viajar, emagrecer. Eu quero ele/ela sem barriga. Eu quero ele/ela bonito, eu quero ele/ela bem-comportado/a, espirituoso/a, falante’. Certo? Errado! Não se decide a vida do outro sem o outro. Esta decisão exige diálogo, conversa, talvez pequenas e delicadas tentativas e muito respeito às individualidades.

Portanto, pare de medir o amor do/da parceiro/a! Um casal é formado de duas pessoas diferentes e com vontades diferentes, que, num determinado momento, por amor e admiração, resolveram passar parte da vida em comum acordo. Ninguém muda por causa do outro. As pessoas só se modificam se estiverem incomodadas com o seu jeito próprio de ser. Qualquer coisa diferente disso, você terá uma pessoa reprimida. E repressão em ebulição pode gerar uma explosão descontrolada no futuro e enormes arrependimentos. Não pendure suas insatisfações no outro. Em toda relação há buracos e/ou carências quase impossíveis de eliminar. Seja tolerante e aprenda a compreender e criar momentos de diálogo.

De tudo que se possa esperar de uma relação, nada é pior do que escutar: ‘Por sua causa eu não...”.

Você quer levar a culpa pela infelicidade do outro?

Referência:
FUCUTA, Brenda & ARATANGY, Lídia. Por que nós insistimos em consertá-los? Revista CLAUDIA, junho de 1996, págs 232-235.

Profa Ms Claudia Nunes

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