Em geral, o surgimento de uma tecnologia provoca também o aparecimento de grupos antagônicos, que em relação a ela se dividem em entusiastas e céticos. Foi assim com o rádio e com a TV. O mesmo aconteceu com a internet e, em tempos mais recentes, com as redes sociais. O escritor Nicholas Carr é um dos líderes dos céticos. Aos 53 anos, o americano, mestre em literatura pela Universidade de Harvard, afirma que as características mais brilhantes da internet podem cegar (no sentido figurado, é claro) seus usuários. Segundo ele, a miríade de conteúdos oferecidos na web termina por minar o poder do usuário de se concentrar em qualquer um deles. O saldo, portanto, é zero, na visão de Carr. As ideias foram parar em um livro, A Geração Superficial – O que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros (Agir, 384 p.), que combina análise da tecnologia com descobertas da neurociência. O livro foi malhado no exterior, mas a discussão suscitada pelo autor merece lugar.
Na entrevista ao site de VEJA reproduzida a seguir, o autor reconhece os benefícios provenientes da web, mas volta a atacar: diz que o Google é o motor da desconcentração na web – “O negócio deles é vender distração” – e promete manter-se como um dos poucos americanos a ficar fora das redes sociais: “Não pretendo reativar meus perfis no Twitter e Facebook.” Confira.
Quando o senhor suspeitou que a internet começou a alterar seu comportamento?
Em 2007, quando comecei a ler um livro, percebi que perdia paulatinamente minha capacidade de concentração ao pausar a leitura para visitar sites na internet. Vi que estava treinando meu cérebro para receber estímulos constantes, com um bombardeio de informações em tempo real. Como consequência, não tinha condições de me envolver em tarefas que demandam mais atenção fora do computador, o que me inspirou a escrever um artigo e, posteriormente, um livro sobre como as tecnologias influenciam o pensamento humano. A internet, assim como outras tecnologias já criadas, limita o pensamento.
Se a internet nos deixa menos concentrados, qual foi a estratégia para escrever o livro – que, afinal, demanda concentração?
Simplesmente mudei meus hábitos virtuais. Durante a produção da obra, acessava e-mails e sites de buscas, mas apenas os usei como ferramentas que me auxiliariam nos argumentos para a criação do livro. A maioria dos conteúdos descritos na obra foi retirada de livros, artigos e outros documentos em papel.
Durante a produção do livro, o senhor excluiu seus perfis no Twitter e Facebook. Eles já foram reativados?
Não reativei e nem pretendo fazer isso. Twitter e Facebook são duas plataformas atraentes e úteis às pessoas conectadas, mas não sinto falta delas. É importante que seus usuários saibam que há um custo ao se tornar membro desses serviços, relacionados não só ao estado de distração e fragmentação de atenção, mas à falta de privacidade que essas plataformas provocam.
O senhor teve vontade de inserir em seu livro algum recurso tecnológico, como links?
Jamais! Acredito que os links distribuídos em uma obra desencorajariam uma leitura mais profunda a respeito do tema. Há uma seção no meu livro que dedico exclusivamente às trocas de diálogos entre urls, que tendem a reduzir a compreensão de um conteúdo. O link é um inimigo da concentração.
Qual é seu objetivo ao discutir os problemas da internet?
Quero discutir os perigos do uso intenso da internet e incentivar uma visão mais cética sobre a tecnologia. Ela nos trouxe – e traz, até hoje – praticidade e ajudou a mudar muita coisa no mundo, mas, como escritor, acredito que devo questionar a tecnologia. Sei que é difícil lidar com essa situação, uma vez que a internet está profundamente ligada às rotinas de trabalho e relacionamento das pessoas, mas trata-se sobretudo de uma pequena colaboração para promover a discussão.
Qual é sua opinião a respeito do Facebook?
Eu desconfio do Facebook. O interesse da empresa reside em transformar usuários em objetos que possam ser vendidos, posteriormente, aos anunciantes. Não acredito que essa rede social seja algo saudável e espero que as pessoas comecem a pensar duas vezes ao usar o serviço.
E o Google?
Eu acredito que a internet esteja nos deixando superficiais e o Google ajuda substancialmente a construir parte desse ecossistema. O gigante de buscas pretende aperfeiçoar a eficiência de nossos pensamentos, transformando sentimento em conteúdos valiosos para uma máquina. O Google vende distração.
Por que o senhor considera o Google+, a rede social do Google, tão chato?
Bem, não tem muita coisa acontecendo lá, não é? Muitas pessoas se inscreveram, mas poucas passam algum tempo no site. A rede tende a ser dominada por entusiastas de tecnologia.
O que o senhor aconselharia a quem quer começar a escrever: blog, Twitter?
Comecei a escrever antes de a web ser criada. Então, é realmente difícil dar uma receita aos novos usuários. Eu tenho um blog desde 2005 e desfruto da liberdade que ele me dá como escritor, mas já antecipo: é praticamente impossível ganhar a vida como um blogueiro, a menos que você tenha muita sorte.
Apesar das críticas que faz a internet, o senhor não concorda que a web tem ampliado o acesso ao conhecimento?
Sem dúvida. A internet reduziu as fronteiras que separam pessoas das informações. Assim como tecnologias anteriores, ela amplifica o conhecimento, mas sacrifica outras coisas importantes. Compreender um assunto requer pensar profundamente sobre fatos e experiências e realizar conexões entre eles. Eu acredito que a web desencoraja esse tipo de construção do conhecimento, mas são evidentes os benefícios que ela nos traz.
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