Uma das coisas que mais escutei na vida foi: “veja e leia jornais e revistas, e aprenda mais”. Com o tempo, e como profissional de educação, pude ratificar essa opiniao: realmente jornais, revistas (impressas ou digitais) e documentários são importantes para trabalhar a cognição de maneira diferente, mais autonoma, mais lúdica e mais eficiente do que as tradicionais formas de apresentação dos conteúdos em nossas salas de aula. Mas isso demanda um profissional aberto, flexível, surpreendente e leitor: assim dizia meu avô, mas isso é outra discussão. Por que estou falando isso? Porque mudei de idéia: particularmente eu nao quero mais ver televisão!
Nos últimos anos percebi que fui descartando vários de seus gêneros: primeiro as novelas; depois programas de auditório; alguns programas de entrevistas; programas de comida; etc. Resistiram certos shows, certos filmes, alguns documentarios, os programas de musica e humor, e os jornais. Afinal, dizem, preciso estar antenada quanto aos acontecimentos do mundo de hoje até porque trabalho com jovens e adultos. Ainda assim: desisti! Todos os dias, ligo, desligo e ligo a televisão para me informar e o que vejo: a cultura da dor ou a cultura da piedade, e pior, a cultura da ignorancia quanto às necessidades reais do nosso povo: saúde e educação.
Em todos os jornais, a idéia é quanto mais terrível, empático e real a dor/tragédia for mostrada, mais o indice de telespectadores aumenta, mais lucro se tem e mais tempo o programa fica no ar. Hoje tiraram uma menina de 1 ano e meio das aguas de um lago depois de ficar imersa mais de 20min. Uma cena chocante repetida em todos os jornais por horas a fio até às 2h da manha! Uma loucura! Para que isso? Por que só isso ganha tanto espaço em todos os horários televisivos? As pessoas não querem apenas pao e vinho, eu sei, mas também nao querem se perceber existentes apenas na dor ou na dor do outro! Hoje eu entendo o que quer dizer TAMBÉM a expressão ‘o sangue faça mais alto’, percebem?
Nesta perpectiva, hoje eu escutei a palavra ‘JUSTIÇA’ umas 12 vezes. Gente arrasada gritando, chorando, berrando por justiça por que suas vidas foram atacadas pela crueldade humana e um dos seus desapareceu por motivo nenhum (torpe)! Será que editores e produtores desses jornais nao percebem que incutem nas mentes, por repetição, mais selvageria, crueldade, depressao, tristeza nas pessoas? Lógico que alguns dirão que o dever dos jornais e revistas é informar (concordo), mas dentro do sentido da palavra informação existe uma multiplicidade de temas que tb interessam à população, mesmo os de baixa renda.
A sensação que tenho tido esses dias é de que JUSTIÇA é apenas o nome de uma deusa titânica e que, ao lado de Zeus, o aconselhava. Nada mais do que uma história mitológica. Esta titã é mãe (dona) das Horas e das Moiras (Cloto, Láquesis e Àtropos, fiandeiras do destino) e, por mais que seja bravamente invocada, ela sempre aceita os destinos e precisa de muito tempo para esclarecimentos, resoluções ou mesmo, (o que é normal no Brasil de hoje) esquecimentos.
Entao esse povo está conclamando inutilmente? Eu nao sei, só posso falar de mim. Eu sei é que estou cansada de me informar SÓ sobre a dor, a tragedia, o espetáculo bufo da vida do outro contada apenas para gerar lucro ou dar mais ‘famosidade’ à alguem. Eu me sinto impedida de viver a vida com respiração tranquila. Desligar a televisao é fácil, mas como desligar a mente? Como desligar e mudar a plasticidade cerebral em prol das informações e nao do sangue e da dor apenas? Como meus alunos, do Ensino Médio, poderão selecionar e/ou analisar a mídia informativa hoje se só temos a visualização da agressividade, da malandragem, da corrupção e das múltiplas tragédias todos os dias o tempo todo em suas vidas? Como fica o meu papel diante deles se nem eu aguento mais isso?
Gente, adoro a democracia. Adoro que mostrem pontos onde nossos governos pecam ou nem tem a menor vontade política de melhorar. Adoro programas que dão voz à população. Vocês por um acaso viram o programa “Papo de polícia’, no canal Multishow? Fantástico! Ainda que na TV fechada, vimos, no “Alemão” (comunidade da moda), dramas sérios e projetos maravilhosos que muito pouco foram mostrados na mídia em geral antes da invasão! Vimos um povo nobre que analisa objetivamente seu contexto, que se emociona quando se reconhece como humilhado ou esquecido, que sorri quando pode mostrar seus valores e sua arte. É um povo de baixa renda, mas não de baixos conceitos ou baixas espectativas.
Mas em nossa população só tem desgraçado? Miserável? Familias destroçadas ou assassinadas? Sinceramente nao sei... Mil e um projetos bacanas acontecendo pela cidade, nas comunidades, bibliotecas, escolas, ar livre, restaurantes e só interessa aos ‘humanos editores e produtores’ de TV nos mostrar repetidamente ‘a dor de ser o que somos’ de maneira primitiva?
Hoje cheguei a uma conclusao: JUSTIÇA é artigo de luxo e mesmo ‘gritada’, aos quatro ventos e a plenos pulmões, é soberba e ignora totalmente sua premissa: realizar-se em respeito à igualdade de todos os cidadãos. Como cheguei a essa conclusão? Nosso povo pede justiça HUMANA! É o adjetivo que gera problema! Ai, além de cega, está podre e tetraplégica! O humano é virótico e egocêntrico sempre! Quando no poder, uns trates! E nosso povo permanece crente demais. Eu desisto porque sei que Hegel estava certo: o drama não é a luta entre a justiça e a injustiça, é a luta entre dois direitos igualmente justos. A justiça não é um dom gratuito da natureza humana, ela precisa ser conquistada sempre porque ela é uma eterna procura.
Profa. Ms. Claudia Nunes