terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

VAMOS FAZER JUNTOS? (Papo de Polícia)

Esta foi a senha para atingir a emoção do telespectador hoje no Multishow. Esta foi a senha para que as pessoas se desviassem de seus afazeres, mudassem de posição e reconhecessem de onde vinha a pergunta. ‘Vamos fazer juntos?’ é a parte do marketing do Banco Santander, parceiro do programa ‘Papo de Polícia’ que estreou hoje às 21h20min.

Todavia ‘Vamos fazer juntos?’ é a pergunta que não quer calar nestes tempos de pacificações e de incentivo às propostas e projetos de mudança de comportamento social diante da polícia. Há um mote bacana permeando isso: transformar idéias e emoções precisa de diálogo, principalmente, entre os diferentes. Não há porque se manter um estigma diante das informações e ações que temos compartilhado nos morros (comunidades, favelas) cariocas. É preciso aprender a pensar por si só dando chance ao outro de ser o que é ou de ser algo diferente para analisar. É preciso dar a outro a possibilidade de optar, escolher, e gerenciar sua vida dentro de parcerias mais reais e mais calmas.

Hoje eu vi o primeiro programa ‘Papo de Polícia’ e me lembrei de um livro que li a uns 04 anos chamado ‘À Conspiração Aquariana’, de Marilyn Ferguson. Tirei-o da estante e ao folhear me deparei com vários trechos que, no geral, sugeriam que, realmente, o mundo, hoje, vem solicitando uma nova mentalidade quanto aos nossos valores e conceitos, tomados como certezas absolutas. Somos eternos emigrantes de nosso tempo e de nosso lugares. Emigrantes porque viajamos em busca das novidades,daquilo que modifique nossa respiração, que expurgue nossos costumes e hábitos, e nas quais possamos (re)criar novos mundos e novas perspectivas.

Diante de dois grupos - polícia e ladrão (traficantes) – vemos uma população amedrontada e obrigada ao silêncio, mas que começa a ter vez e voz (mesmo através de denúncias anônimas) e isto está provocando uma conspiração em busca de tranqüilidade e paz. São pessoas que denunciam de diferentes formas sua cotidianidade cheia de tensões porque não há a presença da lei comum a todos. Ao contrário, há uma lei instituída por alguns que as subjulgam e cuja negação demanda duas decisões: a expulsão ou a morte sumária. Toda a população parecia submersa em um caos turbinado, cheio de tensões e crises se encaminhando a um colapso geral na sociedade.

Com o aumento gradativo do abuso dos marginais, houve vontade política para escutar o clamor da população e partir para uma ação mais radical. Foi o ‘Vamos fazer juntos?’ do Santander. Uma ação militar em conjunto está refazendo, não apenas a loucura de termos vários ‘estados paralelos’ à luz do dia, mas também mudando a percepção das comunidades quanto ao direito de ter um ‘estado de direito’.

Não há (e nem pode haver) a ilusão de que tudo se resolveu. Os atores deste processo (traficantes, polícias, militares, governo) são formados por um capital humano com experiências, desejos e personalidades diferentes, e por isso, mesmo diante da idéia de ‘pacificar’, agem com truculência, má educação ou demandando humilhações à população por que não equilibram emocionalmente seu momento de poder. Ainda assim, há exceções enormes e são estas exceções que começam (ou recomeçam?) a ganhar a mídia de maneira a fortalecer (e entranhar) este momento de conluio positivo entre população e polícia. Ou seja, depois de ganho o coração, este momento precisa se espalhar na mente e na vida das pessoas.

‘Vamos fazer juntos?’ e o Papo de Polícia promovem um retorno à crença fiel no potencial humano de se transformar para viver e conviver melhor. Infelizmente não temos um Dom Cobb (Leonardo de Caprio), personagem do filme ‘A Origem’, capaz de esquematizar uma invasão na mente humana para plantar idéias de solidariedade, compartilhamento, colaboração e afeto. Porém temos Roberto (Beto) Chaves e seu jeito camaleônico (as vezes carnavalesco) de pensar que insinua em todos a real necessidade de se acreditar em mais conexões e reconexões sensíveis e sinceras entre todos com o objetivo de humanizar relacionamentos e descaracterizar relações entre polícia e juventude e/ou polícia e comunidade. É um processo de transição que não pode ser perdido, ao contrario deve ser reconhecido com mais confiança na intuição e, segundo Ferguson (p.369), com a consciência da existência de uma ligação maior entre todos.

O programa dividido em sete (número mágico, de elevação do homem, de um olhar profundo ao desconhecido, provocador de grandes vibrações) quebra um paradigma sério: o das coisas inquestionáveis. Como diz Ferguson (p.369) “normas e condicionamentos culturais são as grandes pressuposições não-questionadas que norteiam nossas vidas. Nós nos acostumamos aos papéis; estes se tornam ‘habituais’, e como tal inquestionáveis. O costume é como a formação de um nevoeiro; só o percebemos quando se desfaz e aparece um dia claro, límpido”. E parece que o programa se pretende um aparador de nuvens cuja idéia é mostrar que há alternativas, mas sem receitas prontas. É uma oportunidade “de um esforço simultâneo na direção da autonomia e da conexão, por mais contraditória que possa parecer [e se desfazer] das imposições e restrições de nossa cultura: falso machismo, cílios postiços, barreiras, limites” e certos dogmas. (FERGUSON, p. 370).

É possível o acontecimento de vários fracassos. Há a aceitação do erro, mas não sua permanência ou seu uso como limitador. O erro deve ser lembrado como ponto de onde se expandirão atitudes mais positivas diante da vida. É um pensamento e uma ação difícil, mas segundo Dostoievsky ‘cada um de nós é responsável por tudo para todos os demais’. É um caminho caudaloso, mas é preciso começar, é preciso empreender a travessia e criar exemplos, não exemplos de sucesso, mas exemplos de superação que demonstrem que todos nós somos capazes de tudo, até de mudar nossos olhares sobre certas instituições ou certezas inquestionáveis. É uma questão de mudança de percepção, de autodescoberta, já que “todos os dotes da mente se encontram à disposição do eu consciente: proteção e independência, sensibilidade e força” (FERGUSON, p. 370).

Parabéns pelo primeiro de muitos momentos de transformação e repensar que vocês tem me oferecido neste momento.

Profa. Claudia Nunes


Referência:

FERGUSON, Marilyn. Conexões humanas: os relacionamentos em transformação (p. 368-383) In. À Conspiração Aquariana: transformações pessoais e sociais nos anos 80. 5ª edição.

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