Hoje entrei na escola e percebi uma desertificação humana. É sexta-feira. Não sei por que às sextas o mundo tem outras coisas para fazer; às sextas-feiras o mundo não quer mais responsabilidade; às sextas-feiras, o mundo está no mundo até altas horas. Sem me importar e para cumprir meu horário, estou na escola para continuar formando mentes menos perigosas. O tempo não pára, ainda que o tempo discente seja outro. Acordar cedo ás segundas feiras e estudar/trabalhar às sextas-feiras à noite é algo ofensivo e inimaginável. Vou à sala dos professores. Organizo meu material. E aguardo meus colegas e meus alunos. O tempo passa. Sem pessoas e sem barulhos, começo a me questionar: o que estou fazendo ali? O mundo tem outros interesses às sextas-feiras e eu ali, em expectativa... Deixo o tique-taque do tempo ultrapassa-me e se espalhar por todo o ambiente. Outra questão me invade: o que será que estou perdendo? Anos de compromisso com a sala de aula. Anos tentando romper o ideário comum de que educação no Brasil não vale à pena e anos criando planejamentos prismáticos de forma a que os alunos consigam trilhar um bom caminho em sociedade. Minha disciplina? Literatura! Não ria, caro leitor: às sextas-feiras à noite a matéria é Literatura. Isso não é um problema. Problema é a sensação de tempos contrapostos entre mim e os alunos. Meu tempo é de reflexão, o tempo deles é de pura experimentação e praticidade. Acessou, realizou, deu certo? Aprendizagem fixada. Acessou, experimentou, não deu certo? Informação descartada. Na sala dos professores, penso no tempo. Difícil estimular ou reconquistar a atenção discente diante de um tempo tão rápido, multicolorido e altamente virtualizado. Em tempo, temos que entender esses tempos pessoais e virtuais. Toca o sinal e os alunos começam a entrar. O burburinho é forte. Todos lancham e conversam animadamente. Outra pergunta interior: por que não potencializamos essa animação toda na sala de aula? A vida escolar é complexa... Nesta perspectiva, o tempo é rápido demais e as emoções cada vez mais intensas. Os sentimentos são diferentes, mas a postura é a de todo dia: ensinar e aprender. Rotina. O tempo passa. A ansiedade cresce. Numa sexta-feira, o desejo é único: ir embora. Ir embora da falta de prazer. Em literatura, tem-se o tempo psicológico e o tempo cronológico. No cotidiano, nenhum dos dois se corresponde. Todos os cérebros ratificam sua divisão: enquanto o conteúdo é simplesmente anotado, o corpo (e os celulares) agenda (m) os futuros prazeres. Enquanto ilustro possibilidades de reflexão e escrita, penso: meu tempo depende do que estou sentindo, mas e o tempo deles? Enquanto as atividades são realizadas, penso: tudo que precisam são desafios, algo que direcione sua atenção para o futuro e lhes proteja da vida. É sexta-feira e a desertificação da escola estimula novas emoções. É triste. É louco. É uma experiência tensa e incomoda. Sexta-feira de luz rápida e longa. Último tempo de aula, de novo estou sozinha na escola. Numa sexta-feira, os professores não percorrem todo o seu caminho. Também sucumbem aos ardores sugeridos pela noite de sexta. Não vão descansar: tem família, amigos, eventos, esporte, chopinho, papo pro ar. É um outro tempo com duração ainda mais veloz. Mas um tempo de recuperação, vibração e energia. Dentro do meu carro, pergunto-me: e na escola, quando terá um tempo assim? Sem tempo para pensar entro pela sexta para me distrair. Sem excitação e desafios (perigo), a escola realmente é o avesso, do avesso, do avesso...
Profa Ms Claudia Nunes
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