sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

INFORMAÇÕES PICADAS AO VENTO

O mundo é uma mandala multicolorida. E este multicolorido sugere infinitas informações aos diferentes olhares. Num 10º andar de um prédio em Copacabana, observo uma chuva de papéis picados jorrando das janelas de cima e de baixo. Informações no lixo. Informações ao vento. Informações de todo tipo, ao alcance das minhas mãos e dos meus olhos. Lembro da chuva de letrinhas verdes do filme Matrix e me pergunto: diante de uma explosão inacreditável de informações, que tipos de humanos seremos daqui a 10 anos? Será que nossos cérebros darão conta de tantas informações? Será que conseguiremos gerenciar tantos dados ainda em busca de um mundo melhor? Afinal, não dá para pensar em todas as criações humanas atuais e futuras sem pensar num mundo melhor. Mas conseguiremos?
A chuva de papéis picados não pára, mas vai diminuindo: há certas coisas cujo princípio do desapego ainda não é aceitável. Somos mesmos museus ambulantes de um conjunto de informações que, supomos, nos será útil um dia. Seguimos incluindo e processando memórias com avidez porque, dizem, isto é o certo. Não basta mais conhecer e entender a onda de dados, nós temos que nos manter em sua crista, caso contrário, somos (seremos) ameaçados pela terrível obsolescência. Terrível? Por quê?
A chuva de papéis pára. No chão, picadinhas, todas as informações, um dia importantes, de um ano inteiro (ou mais). Serão mesmo todas tão descartáveis assim? Será mesmo que todas as pessoas mudaram tanto que já necessitavam de outras informações? No chão, memórias afetivas e profissionais um dia obtidas como tesouro. Lá, no chão, uma idéia: não disponibilizamos ou compartilhamos nada, nós destruímos informações e jogamos ao relento para viver a moda do agora e sem nenhum pudor. ‘Dar conta’ de algo com mais profundidade ficou chato e estranho. E nesse contexto, os chamados ‘nativos’ e ‘imigrantes digitais’ estão no mesmo balaio.
Há uma gritaria generalizada em todos os apartamentos. Muita felicidade e alegria: é o fim do ano. E sua representação está nos estopins das champanhas e na chuva de papéis picados ao vento. Sem querer penso na Internet e me pergunto: será assim também a Internet? Relento e nuvens seriam seus sinônimos como os papéis picados? Segundo Eco, a Internet não seleciona informação; ainda é terreno selvagem e furioso; tudo surge sem hierarquia; e, com seu excesso de informação, provoca amnésia, porque não lembramos o que aprendemos e [usamos pouco do tudo que aprendemos]. O que fica depois da chuva de papéis picados ratifica essa posição: sem filtro estamos no meio da chuva tentando (nos) conhecer e disputar um lugar na sociedade.
Da janela, estou intranqüila, queremos eficiência e segurança, e nos amontoamos num volume cada vez maior de informações de diferentes tipos: e nós desaparecemos. Como os papéis picados, estamos no vento e sem uma base. Ou seja, nas replicações excessivas de informações, dentro das profundas cavernas hipertextuais, a humanidade se esconde e se perde. Difícil essa sensação porque, no cotidiano, somos atingidos por muitas mensagens, acessamos ferramentas que não nos desligam ou nos desprendem e participamos de mais e mais redes sociais digitais, o que instaura a certeza da autonomia, da aprendizagem e do poder sobre as ações no ambiente virtual. Mas, com o assoberbamento do número de informações, o que assimilamos e utilizamos realmente? Provavelmente, tudo aquilo que espelhará boa parte de nossas zonas de conforto mnemônicas.
Ano a ano os espaços de acesso são criados e/ou ampliados, vivemos tentando entender ou aprender sua dinâmica para que outros nos valorizem como cidadãos e/ou profissionais. Por quê? Porque aceitamos a insegurança da velocidade. Sem tempo para compreender nosso tempo, criamos ansiedades e inseguranças e procuramos o mais fácil, o mais rápido e o mais superficial para aprender. Se nos voltarmos para Eco devemos pensar em suas palavras com seriedade: ‘a internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece – e sabe onde está o conhecimento’. De novo: ela é boa quando espelha nossas zonas de conforto mnemônicas...
Há infraestruturas imaginárias que nos obrigam a ser ‘agora’ e não um continuum de experiências com possibilidades de estabelecer leituras mais focadas sobre o mundo e até sobre nós mesmos. Sem uma base sólida julgamos ser preciso acompanhar as crescentes demandas por mais velocidade de processamento, mais capacidade de armazenamento e mais rapidez e segurança no acesso e solução de situações vitais para a construção do conhecimento e realização pessoal. Não há espaço para a decisão errada e muito menos para o arrependimento. Que triste! A vida sempre foi nosso maior desafio e observo que ninguém mais percebe o quanto ela passa rápido quando o tempo de reflexão se perde nas necessidades acima citadas.
Depois da chuva de papéis picados, o que fica? Um vazio... A elasticidade das emoções, a flexibilidade das relações e a agilidade nas decisões mais solidárias e afetivas estão estancadas: é um vazio de sentidos e de significados... Particulamente fico com a sensação de desperdício e um novo questionamento: será que um dia precisaremos de uma equipe para que encontremos o sonho de um mundo melhor com integrações mais razoáveis e menos imediatas? Eu não sei... Só sei que, no mundo das informações, a chuva de papel picado me surge como a grande metáfora da humana e frágil liberdade de expressão... e disso eu tenho medo...

Referencia:
ECO, Umberto. O excesso de informação provoca amnésia (entrevista). Revista Época. 30/12/2011. Acessado em 6/01/2012. Em: http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2011/12/umberto-eco-o-excesso-de-informacao-provoca-amnesia.html

Profª Claudia Nunes

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