Hoje vi uma
reportagem em que uma mulher passara 36 anos num hospital por causa de uma
paralisia infantil e, ainda assim, escrevera um livro. Ela escrevera com a
boca! Naquela cama desde bebê, ela aprendera a ler e a escrever, fizera cursos
de história da arte e, agora, realizara seu maior sonho: escrevera e publicava
um livro, seu livro! Eu fiquei comovida com tudo isso e pensei: isso é
aprendizagem!
Em algum
momento, ela se conformou com sua condição e resolveu superar suas emoções mais
negativas ‘acontecendo’ em outros setores e dando sentido a vida. Lógico que
percebi que havia pessoas ao redor, ninguém se mantém equilibrado, numa
situação dessas, sem suportes, ajudas, paciência e colaboradores. É um cérebro
especial!
O processo de
aprendizagem requer multitarefas, multidisciplinas, multiatenções, muita gente (profissionais
também) por perto, oferecendo ferramentas de equilíbrio, autoestima e uma crença
forte em processos autônomos neurais e químicos, senão serão estímulos sem
significados reais. É possível integrar (colocar no grupo) e incluir (dar
atividade e criar autonomia) com respeito e cautela.
Mesmo cérebros
requisitados pelas intempéries da vida, o potencial de ação neural voltado para
aprendizagem, memória e atenção é inigualável e emocionante. Olhando aquela
mulher pensei muito em ‘ensinagens’; pensei muito em atividades e projetos
didáticos; e pensei em aprendentes com cérebros altamente capazes de captar e
armazenar uma quantidade infinita de informação, nos dias de hoje. Mais do que
nunca as escolas precisam estar atentas às descobertas da neurociência de
acordo com o que Lent (2001, prefácio) sugere: atentas à necessidade de integrar as contribuições das diversas áreas da pesquisa
científica e das ciências clínicas para a compreensão do funcionamento do
sistema nervoso de forma a entender, valorizar e respeitar às diferentes
maneiras de aprender. Afinal, aprende-se
com o cérebro (RELVAS, 2012, p.16)
Famílias e escolas
estão muito aflitas com a crescente percepção de que as dificuldades de
aprendizagem estão prejudicando a inserção dos aprendentes no cotidiano
escolar, social e profissional. Ainda que não haja uma receita para minimizar
estas dificuldades, segundo Relvas (2012, p.16), “a neurociência quando dialoga com a educação promove caminhos para o
educador tornar-se um mediador do como ensinar com qualidade por meio de recursos
pedagógicos que estimulem o estudante a pensar sobre o pensar”. E o
conhecimento do funcionamento do cérebro tornou-se muito importante às práticas
docentes em geral e hoje em dia.
É preciso sair
da forma de fôrma tradicional e realmente saber como os aprendentes aprendem. É
a possibilidade da conquista da eficiência (qualidade?) pedagógica. Mas por
onde começar? Eu penso na formação de professores e no oferecimento de mais formações
continuadas. Ambas são necessidades previstas pela LDB nº 9.394/96 para os aprendentes com necessidades especiais.
Mas será que só se pode pensar em entender o cérebro de aprendentes com
necessidades especiais? E aqueles com necessidades especiais sociais,
culturais, emocionais, profissionais, pessoais? E os chamados ‘normais’? Segundo
Fonseca (2008, p.07), todos precisam
“aprender a refletir, a raciocinar, a utilizar estratégias de
resolução de problemas (...) melhor e de forma diferente e flexível [ou seja],
todo estudante tem o direito de desenvolver ao máximo o seu potencial
cognitivo...”
Logo, “conhecer e entender o processo de aprendizagem e do comportamento
tornou-se um grande desafio para os educadores” (RELVAS, 2012, P.17). E aquela mulher deitada por anos,
aprendendo, produzindo, vivendo, sorrindo, me encheu de esperança e de questionamentos
sobre o mundo dos ‘normais’ aprendentes que não estão aprendendo e que parecem
se esconder das aprendizagens por múltiplos motivos conscientes ou não.
Os
ditos ‘normais’ têm perfis especiais e precisam ser respeitados. São cérebros
com seus sistemas nervosos, límbicos (emocionais) e endócrinos em preparo, em
potencia, porosos, esperando os estímulos que os façam trabalhar em ritmo
constante até alcançarem o conhecimento. Neste sentido, as diferentes áreas do
saber precisam envolver estes encéfalos com mais especializações e alcançar
intensas transpirações cognitivas.
“É fundamental que os educadores
conheçam as estruturas cerebrais como ‘interfaces’ da aprendizagem e do
comportamento para a ininterrupção do desenvolvimento e que seja sempre um
campo a ser explorado” (Relvas, 2012, p.20). Ou seja, todos são (somos) aprendentes
com o cérebro e seus movimentos neuroplásticos.
Para
além das novas tecnologias virtuais, a chamada ‘neuropedagogia’ é a ‘nova onda
do Imperador’. Ela vem se integrando com mais facilidade aos recursos teóricos
possíveis de fazer professores e escola (re)sentirem as aprendizagens de seus
aprendentes com mais foco e proximidade. E é uma ciência democrática porque,
segundo Lent (2001), há muitas maneiras de ver o cérebro, como há muitas
maneiras de ver o mundo (...); tanto o sistema nervoso quanto o cérebro em
particular, “pode ser estudado de várias
maneiras, todas verdadeiras e igualmente importantes” (p.03). Logo, “se nós, humanos, temos um cérebro com
estruturas cognitivas evoluídas em relação aos outros animais, um neocórtex que
nos dá a propriedade de pensar, por que não utilizá-lo corretamente?”
(RELVAS, 2012, 21); por que não redimensionar sua utilização com práticas
inovadoras focadas na criação de conexões neurais mais criativas?
Segundo
Maria Irene Maluf[1]
em entrevista ao site Direcional Educador,
A aprendizagem, ou
seja, a aquisição de novos comportamentos, conhecimentos, competências,
habilidades e atitudes está intimamente ligada ao desenvolvimento e
funcionamento do cérebro, e por força das evidências irrefutáveis trazidas pelo
resultado das mais atuais pesquisas científicas e pelo uso da neuroimagem
funcional, essas duas áreas, a educação e a Neurociência, acabaram se
aproximando”.
E entender a aprendizagem,
também dos chamados ‘normais’, também passa por entender toda a funcionalidade
de um corpo que está íntegro em sala de aula, ainda que mantenha certas
disfunções alheias às vontades dos corpos docentes.
Olhando
aquela mulher em sua noite de autógrafos num hospital de São Paulo, acredito
que a neurociência pode introduzir instrumentos e estratégias às equipes
pedagógicas para que haja um diálogo mais preciso ou mais esclarecedor; para
que haja mais compreensão e incrementos frente aos conteúdos das diferentes
áreas do saber. É estudar, observar e praticar.
Diante
daquela mulher sorridente, numa cama durante 36 anos e se tornando escritora,
aceito o que Maria Ines Maluf afirmou: com as neurociências na escola, nos
planejamentos e nas relações de aprendizagem, se introduz novas cores
“às experiências
vivenciadas [pelos aprendentes] com o meio ambiente o que provoca a formação de
intrincadas redes neuronais, camadas de sinapses e profusão de
neurotransmissores que modificam as estruturas e o funcionamento cerebral, o
comportamento [cognitivo e social] e futuras trocas com o meio”.
É a
aprendizagem alterando as taxas de conexões sinápticas, afetando as funções
cerebrais em vários aspectos e revelando a importância do estímulo (e dos
desafios) como disparador do processo. É dar significância às especificidades
do funcionamento do cérebro bem antes de expô-los aos diferentes conteúdos. Se
neuropedagogia ou neuroaprendizagem ou ainda neurociência pedagógica não
importa. O que importa é apreender esse novo aspecto do olhar educacional sobre
o educando (aprendente) e assim possibilitar mais afetividade nas relações ou
proximidades pedagógicas.
Aquela
mulher chamou minha atenção, puxou por minha memória, afetou minha linguagem,
criou uma emoção forte e fiquei pensando (cognição): quais seriam os métodos
pedagógicos a se desenvolver para favorecer a aquisição de informações (aprendizagem)?
Difícil! Todos têm estilos ‘de aprender’ ou de ‘não-aprender’. E de novo Maria
Ines Maluf se apresenta: muitos educadores “frente
às [diferentes dificuldades] já procuram criar ‘dicas’, ‘links’ para vincularem
fatos novos com os conhecimentos já solidificados [nos cérebros aprendentes]”.
Tomara!
Eu
gosto de acreditar que muitos educadores já estejam linkados com algumas das teorias neurocientíficas e estejam
experimentando novas performances ou atividades aos seus aprendentes. Eu gosto
de acreditar que, em muitos casos, mesmo inconscientemente, muitos educadores
já estejam optando por otimizar seus trabalhos embasados em pesquisas e
sugestões vindas das neurociências, como criação de jogos de memória,
introdução de palavras, dramatização com emoções fortes etc.
Mesmo
na era da ansiedade, faz-se necessário “estabelecer
rotas alternativas para aquisição da aprendizagem, utilizando-se [além de
recursos tecnológicos] de recursos sensoriais como instrumentos do pensar e do
fazer” (RELVAS, 2012, p.19).
Tomara!
Referências:
FONSECA, Vitor da. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem:
abordagem neurpsicológica e psicopedagógica. 2ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes,
2008.
LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos
fundamentais de neurociências. São Paulo: Editora Atheneu, 2001.
RELVAS, Marta Pires. Neurociência na prática pedagógica. Rio
de Janeiro: WAK Editora, 2012.
Profa Claudia Nunes
[1]
Maria Ines Maluf é editora da revista Psicopedagogia da ABPp (Associação
Brasileira de Psicopedagogia) e coordena, em São Paulo, os cursos de
especialização em Neuroaprendizagem (parceria do Núcleo de Aperfeiçoamento
Profissional e Estudos Avançados em Dificuldades de Aprendizagem,
Psicopedagogia e Neuroaprendizagem e o Instituto Saber Cultura),
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