Estou de férias. Hora de guardar as
rotinas e criar outras mais leves, animadas e imperfeitas. Isso! Férias é o
momento das imperfeições, de agir ao sabor de um estalo e de acordar quando os
olhos se cansam de estar fechados. Sem muitas regras ou horários, temos o
direito de nos desconcentrar e agir realmente nas incertezas do puro prazer,
mesmo que isso signifique fazer nada. Nada é um palco de maravilhosas orgias
mentais.
Estou em férias e só penso nas
leituras que posso fazer. Ler é o meu descanso, meu devaneio, minha forma de
limpar o cérebro. Este é o período das escolhas avulsas e despretensiosas. Não
há um fim, o prazer está no meio ou nos meios. E nisso minha estante está
repleta. Muitos livros sem ler. Muitos livros guardados na esperança de um
toque. É bom não saber o que escolher com tantas escolhas à frente. Em férias
mexo em todos os meus livros. Todos têm histórias, marcas, importância. E fico
embalada por qualquer leitura que me faça feliz.
Em férias, estou com o cérebro aceso,
atento e em expectativa: que mundos vai conhecer? que cenas irá vivenciar? que
informações lhe encantarão e modificarão? Porque é isso: a leitura prazerosa
acelera as conexões neurais e garante a contínua relação entre neurônios,
pensamentos e emoções. Ou seja, a leitura é o exercício de adaptação cerebral e
de transformação pessoal de qualquer sujeito. Ai sem querer, eu me pergunto: o
que aconteceu com esse cérebro do impresso ao virtual? Será que há a mesma
funcionalidade / plasticidade quando relacionado com as letras, cores e imagens
em ambiente virtual? Eu acredito que sim.
A leitura carrega uma energia
hipertextual porque conecta o cérebro em múltiplos pontos de força. Em input e/ou
por output, os sistemas cerebrais são transpassados por informações gráficas,
sequenciais, sonoras e textuais complexas e ininterruptas. Tudo o que
sempre se fez no campo do imaginário, agora é realizado em âmbito virtual e
velozmente. É outro processo de assimilação, associação e armazenamento
eletroquímicos. São hipotálamos com outros tipos de controle mnemônico. São
novas habilidades corticais e emocionais envolvidos na ideia de sobreviver, se
integrar e colaborar com uma realidade cheia de possibilidades.
Estou de férias e penso: que cérebro é
esse que chegou e se adaptou tão rapidamente às ações do ambiente virtual? É um
cérebro cujos centros visuais estão em excessiva atividade. É um cérebro que
exige mais occitocina, serotonina e adrenalina para realizar diferentes
atividades em tempo record. E é um
cérebro com infovias neurais mais densas e largas à passagem de informações e o
acontecimento da aprendizagem. Mas o tempo é curto e a atitude sináptica,
diante do tempo curto, é impressionante. Ler aqui é uma ação da prática, e não
reflexiva. Ler aqui é uma ação de uso, e não mais uma sugestão estimulante de
um potencial.
É verdade que o cérebro se adapta a
quase tudo, mas, ao se adaptar, ele se desapega (descarta?) de memórias
anteriores e de algumas habilidades. É a limpeza a qual mencionei antes. As
experiências se sobrepujam e o mais interessante é o que as constroem hoje e
não o que se pretende com as mesmas amanha. Neste sentido, com a velocidade de
apreensão imprimida, muito das capacidades neuronais são consumidas e sobra
pouco para outras habilidades, ou mesmo, dificulta muito o acontecimento de
operações mentais muito importantes ao cotidiano como interpretar, analisar e
argumentar.
Hoje, em férias, reconheço que os
sujeitos sempre transitaram entre dois mundos: o online e o offline. E
ambos difíceis de se linkar porque demandam do cérebro, forças neuronais
associativas muito intensas em pouco tempo. Entre nativos e imigrantes
digitais, esta é a diferença. Daí ler e entender o significado da leitura serem
atos tão problemáticos, quanto os primeiros momentos em que se aprende a andar
de bicicleta. Há desgoverno, desequilíbrio, estranhamento e várias quedas. É um
processo de adaptação cerebral cuja realização gera mutações, por exemplo, nas
atenções e ações dos hemisférios cerebrais. Andar de bicicleta e aprender a ler
requerem ajustes profundos na natureza, no imaginário e no pensamento humano.
Começo a pegar e ler partes de livros
sobre novas tecnologias e outros sobre neurociências. A informação rápida
(informática) realmente modificou nossas memórias biológicas, sociais,
históricas e afetivas. Estamos sob os efeitos das tecnologias digitais e
virtuais em todos os espaços do cotidiano. E isso, de um lado estende nossas
possibilidades de alcançar múltiplas informações, de estabelecer contatos e de ampliar
nossos campos de ações profissionais; mas de outro, podem comprometer a atenção
e a concentração, criar desentendimentos sobre o que é a realidade e estimular
uma dependência tecnológica cujas áreas da saúde e da psicologia são
constantemente acessadas.
Em alguns livros, cheguei a ler que
mais do que na Era da informação estamos na Era da Ansiedade. Mas o que isso
tem a ver com a leitura? Ora se os cérebros estão modificados ou estão se
modificando ao sabor das escolhas on ou off ‘life’, ler é algo que a chamada ‘geração
Y’ faz de outra forma, noutra dimensão e a partir de uma realidade
completamente diferente, e essa relação, cérebro e realidade, será mesmo muito
diferente.
Estou de férias e com o cérebro quase
queimando. Que leituras podem despertar o prazer de ler? que textos podem
estimular neurônios tão recheados de informações adversas sobre si mesmo? que
cérebros são esses que estão comigo o ano todo na expectativa de aprender a ler
e a escrever sem angústias ou baixa auto-estima? No meu caso, são cérebros em
conflito, em busca de identidade e se experimentando sem regras em diversos
ambientes; são cérebros usando novas tecnologias com menos afetividade e mais
praticidade e lucro fácil; são cérebros imersos em mundos imaginários (e
virtuais), se criando em avatares cujas ações são controladas apenas pelo
próprio desejo, pelo mouse e pelo teclado do computador; são cérebros
experimentando manejos emocionais diferentes porque o córtex parietal está com
os sentidos disfuncionais; e são cérebros em processo de reestruturação mental
em solidão.
Conclusão: ler é muito difícil porque
requer operações mentais complexas e contínuas que, no processo evolutivo, não
foram aprofundadas. E sem resolver este problema, viver-se-á para sempre esta
Era da Ansiedade cujas emoções pessoais estão cada vez mais flutuantes e
desconexas. O melhor dos mundos? O convívio com sujeitos equilibrados e com
múltiplas habilidades corticais voltadas para o bem de todos e do meio
ambiente. O pior dos mundos? Hoje!
Férias é um tempo conturbado e cheio
de surpresas!
Profa
Claudia Nunes
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