'Nota
mais alta não é educação melhor'
Diane Ravitch, ex-secretária-adjunta de
Educação dos EUA
Erro. Ênfase em responsabilização de
professor é danosa para a educação, afirma Diane
Uma das principais
defensoras da reforma educacional americana - baseada em metas, testes
padronizados, responsabilização do professor pelo desempenho do aluno e
fechamento de escolas mal avaliadas - mudou de ideia. Após 20 anos defendendo
um modelo que serviu de inspiração para outros países, entre eles o Brasil,
Diane Ravitch diz que, em vez de melhorar a educação, o sistema em vigor nos
Estados Unidos está formando apenas alunos treinados para fazer uma avaliação.
Secretária-adjunta de
Educação e conselheira do secretário de Educação na administração de George
Bush, Diane foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para assumir o
National Assessment Governing Board, instituto responsável pelos testes
federais. Ajudou a implementar os programas No Child Left Behind e
Accountability, que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas
em medição e mérito, para melhorar a educação.
Sua revisão de
conceitos foi apresentada no livro The Death and Life of the Great American
School System (a morte e a vida do grande sistema escolar americano), lançado
no mês passado nos EUA. O livro, sem previsão de edição no Brasil, tem
provocado intensos debates entre especialistas e gestores americanos. Leia
entrevista concedida por Diane ao Estado.
Por que
a senhora mudou de ideia sobre a reforma educacional americana?
Eu apoiei as avaliações, o sistema de
accountability (responsabilização de professores e gestores pelo desempenho dos
estudantes) e o programa de escolha por muitos anos, mas as evidências
acumuladas nesse período sobre os efeitos de todas essas políticas me fizeram
repensar. Não podia mais continuar apoiando essas abordagens. O ensino não
melhorou e identificamos apenas muitas fraudes no processo.
Em sua
opinião, o que deu errado com os programas No Child Left Behind e
Accountability?
O No Child Left Behind não funcionou por
muitos motivos. Primeiro, porque ele estabeleceu um objetivo utópico de ter
100% dos estudantes com proficiência até 2014. Qualquer professor poderia dizer
que isso não aconteceria - e não aconteceu. Segundo, os Estados acabaram
diminuindo suas exigências e rebaixando seus padrões para tentar atingir esse
objetivo utópico. O terceiro ponto é que escolas estão sendo fechadas porque
não atingiram a meta. Então, a legislação estava errada, porque apostou numa
estratégia de avaliações e responsabilização, que levou a alguns tipos de
trapaças, manobras para driblar o sistema e outros tipos de esforços duvidosos
para alcançar um objetivo que jamais seria atingido. Isso também levou a uma redução
do currículo, associado a recompensas e punições em avaliações de habilidades
básicas em leitura e matemática. No fim, essa mistura resultou numa lei ruim,
porque pune escolas, diretores e professores que não atingem as pontuações
mínimas.
Qual é
o papel das avaliações na educação? Em que elas contribuem? Quais são as
limitações?
Avaliações padronizadas dão uma fotografia
instantânea do desempenho. Elas são úteis como informação, mas não devem ser
usadas para recompensas e punições, porque, quando as metas são altas,
educadores vão encontrar um jeito de aumentar artificialmente as pontuações.
Muitos vão passar horas preparando seus alunos para responderem a esses testes,
e os alunos não vão aprender os conteúdos exigidos nas disciplinas, eles vão apenas
aprender a fazer essas avaliações. Testes devem ser usados com sabedoria,
apenas para dar um retrato da educação, para dar uma informação. Qualquer
medição fica corrompida quando se envolve outras coisas num teste.
Na sua
avaliação, professores também devem ser avaliados?
Professores devem ser testados quando
ingressam na carreira, para o gestor saber se ele tem as habilidades e os
conhecimentos necessários para ensinar o que deverá ensinar. Eles também devem
ser periodicamente avaliados por seus supervisores para garantir que estão
fazendo seu trabalho.
E o que
ajudaria a melhorar a qualidade dos professores?
Isso depende do tipo de professor. Escolas
precisam de administradores experientes, que sejam professores também, mais
qualificados. Esses profissionais devem ajudar professores com mais
dificuldades.
Com
base nos resultados da política educacional americana, o que realmente ajuda a
melhorar a educação?
As melhores escolas têm alunos que nasceram
em famílias que apoiam e estimulam a educação. Isso já ajuda muito a escola e o
estudante. Toda escola precisa de um currículo muito sólido, bastante definido,
em todas as disciplinas ensinadas, leitura, matemática, ciências, história,
artes. Sem essa ênfase em um currículo básico e bem estruturado, todo o resto
vai se resumir a desenvolver habilidades para realizar testes. Qualquer ênfase
exagerada em processos de responsabilização é danosa para a educação. Isso leva
apenas a um esforço grande em ensinar a responder testes, a diminuir as
exigências e outras maneiras de melhorar a nota dos estudantes sem,
necessariamente, melhorar a educação.
O que
se pode aprender da reforma educacional americana?
A reforma americana continua na direção
errada. A administração do presidente Obama continua aceitando a abordagem
punitiva que começamos no governo Bush. Privatizações de escolas afetam
negativamente o sistema público de ensino, com poucos avanços de maneira geral.
E a responsabilização dos professores está sendo usada de maneira a
destruí-los.
Quais são os conceitos que devem ser mantidos
e quais devem ser revistos?
A lição mais importante que podemos tirar do
que foi feito nos Estados Unidos é que o foco deve ser sempre em melhorar a
educação e não simplesmente aumentar as pontuações nas provas de avaliação.
Ficou claro para nós que elas não são necessariamente a mesma coisa. Precisamos
de jovens que estudaram história, ciência, geografia, matemática, leitura, mas
o que estamos formando é uma geração que aprendeu a responder testes de
múltipla escolha. Para ter uma boa educação, precisamos saber o que é uma boa
educação. E é muito mais que saber fazer uma prova. Precisamos nos preocupar
com as necessidades dos estudantes, para que eles aproveitem a educação.
QUEM É
É pesquisadora de educação da Universidade de
Nova York. Autora de vários livros sobre sistemas educacionais, foi
secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação entre
1991 e 1993, durante o governo de George Bush. Foi indicada pelo ex-presidente
Bill Clinton para o National Assessment Governing Board, órgão responsável pela
aplicação dos testes educacionais americanos.