Fico impressionada
com ‘mulheres de calçada’. Sentada numa praça de alimentação, minha imaginação
voa com liberdade e uma ideia me surpreende: depois dos ‘homens que cansam’,
penso em ‘mulheres de calçada’. É uma luta ser mulher hoje: princípio básico da
própria aceitação. Não dá para ser princesa; ignorar inadequações hormonais;
fingir menos emoções; agir sem malemolências; ou lutar contra desejos
reprimidos de ser livre apesar de tudo e todos.
‘Mulheres de calçada’
são da Era de Aquário: é consciente de si e do outro; age dentro de uma
realidade quase planetária e sinceramente tem suas próprias regras de vivência
social. É uma mulher em processo de adaptação diante das próprias necessidades
e jamais perde oportunidades. ‘Mulheres de calçada’ funcionam dentro de
adequações singulares e enfrentam obstáculos sem perder o frescor de um sorriso
quase indecifrável de tão inacreditável. Mas por que são chamadas, aqui, de
‘mulheres de calçada’? Porque, no mínimo, são duplas.
Vocês sabem que, numa
praça de alimentação, há muitos rostos, emoções, gestos, vozes e silêncios.
Sim, há silêncios que só quem está ao longe e que ‘perde’ segundos observando,
pode entender o que significam. Sem provocar incômodos, eu olho os rostos das mulheres
e sinto as diferenças entre o dito e o não dito. E muitas são ‘mulheres de
calçada’ mesmo sem o saber. E é triste não se saber. É uma rede feminina de
querências, ignorâncias, repressões, alívios, tranquilidades e... silêncios.
Sem querer, talvez pela força da maioria das maquiagens, eu determino as
‘mulheres de calçada’.
De um lado, de longe,
‘mulheres de calçada’ são planas; arrumadinhas; equilibradas; certinhas;
comuns; com poucas inadequações; passantes num mundo cheio de loucuras e de
gente sem noção das consequências de cada passo ou das responsabilidades com os
outros; ansiosas pelo que não vivem ou pelo que vivem sem o querer;
conformadas, ainda que tenham brilhos de olhos desejantes; opacas apesar do
batom vermelhão; espaçadas de corpo e alma de acordo com quantidade de filhos.
De outro lado, de perto,
na calçada da vida, ‘mulheres de calçada’ conhecem e vivem o mundo a pé. E a
pé, determinam cada padrão de ação e de emoção; a pé, determinam o transito das
pessoas que vao e vem ou que permanecerão de qualquer forma; a pé, tem
evoluções com revoluções emocionais intensas sem perder o ar de princesa ou a
cara de madrasta; a pé, abrem, com inteligência, ‘passarelas’ para encontros ou
reencontros com acabamentos primorosos à sua sobrevivência e à sua realidade
sem mudar o rumo da prosa; a pé, apesar de surpreendidas, dão acessibilidade ao
passado, ao presente e ao futuro, como um bônus às suas vontades, desejos e
necessidades; a pé, entre aclives e declives naturais, tornam-se antiderrapantes
às faltas de planejamento e oportunizam a abertura de faixas livres aos
ignorantes, aos inocentes e, principalmente, aos ‘inecessários’; a pé, focam
nos olhos, pensa em dispositivos realistas, implementa poucas trepidações ao
corpo e se joga na loucura de beijos roubados, abraços intensos e toques
arrepiantes, mesmo os mais insensatos; e a pé, ignoram desníveis covardes,
tímidos, e atravessam suas calçadas com memórias afetivas sempre prestes a
serem revisitadas ou revividas como mandam as estrelas.
Enfim ‘mulheres de
calçada’ vivem histórias particulares sem morrer por dentro ou no caminho.
Morrer nunca é uma opção, afinal, em cada ‘calçada’ elas tem a oportunidade de
se impermeabilizar e recriar camadas internas em que reassentam fragilidades,
instabilidades, pequenas deformidades e muito, mas muito amor para espalhar.
‘Mulheres de calçada’,
diante dos ‘homens que cansam’, precisam de materiais adequados para acontecer:
amor, atenção, vontade e muita coragem. Como diz Cora Coralina, na calçada, ‘os
caminhos são de pedras, não de rosas’, logo, a existência das ‘mulheres de
calçada’ promove novos designs aos estilos de vida, ou melhor, aos estilos de
viver a vida, mesmo a distancia ou a partir das ‘mentiras sinceras’.
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