quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Solidão na INTERNET?


Costuma-se dizer que, com a Internet, as relações entre as pessoas foram facilitadas e que esse espaço está servindo para encontros, às vezes, os mais íntimos e, talvez, mais verdadeiros na medida em que se tem a sensação de ser este um espaço onde tudo pode ou é possível. Dentro dessa perspectiva, as pessoas (usuários mais constantes) têm todos os seus desejos realizados porque não há, por exemplo, os impedimentos agenciados pelo olhar. Esse sentido, ao mesmo tempo em que apreende o todo ao redor desse usuário, formando seu conjunto de informações, também funciona como seletor daquilo que se deve ou não aceitar, já que está organicamente ligado à memória. Somos atraídos pelo que gostamos de olhar... Sendo assim, acredita-se, na Internet, além de não haver mais a possibilidade da solidão, não há mais a possibilidade de qualquer restrição do ser porque ser não é mais uma necessidade justamente dentro desse espaço. Solitários sim; em solidão, nunca!

A Internet, rede mundial de informação, com isso, é apresentada como um espaço de eliminação de vários dos mecanismos de defesa humanos, exatamente pela “desvisualização” corpórea (física) de seus usuários. Nela, por exemplo, timidez não tem lugar nem espaço. Nicks e logins são criados em correspondência com os desejos mais voluptuosos de representar a potência, não a “decência”. Nesse viés, a Internet é entendida (analisada) como lugar dos destemidos, dos fortes e dos extrovertidos. As ações têm um tom de heroicidade por se darem em esconderijo virtual. Será?

Esse é apenas um lado da questão! Pensando calmamente, o simples fato desse usuário estar sozinho diante de uma máquina exige um repensar dessas afirmativas, pois levanta alguns questionamentos: é uma relação com o Outro, ou essa máquina é o Outro para o Outro? E, se formos mais perversos: sendo uma relação, ela envolve também o emocional, ou só representa estratégicas técnicas de fuga? Com essas dúvidas (e muitas mais), comecei a pensar na/a solidão e em como esse conceito tem se modificado quando intermediado pela tecnologia, principalmente pela Internet.

O homem contemporâneo se reflete dentro da realidade exterior pela procura de realidades alternativas menos complexas como o mundo virtual, e a Internet vem de encontro justamente a essa procura. Criada como estratégia de guerra, sua disseminação e aceitação, em milhares de lares, provocou a modificação tanto das formas de entretenimento quanto dos comportamentos, pelo seu uso intensivo e por seu alcance ilimitado.

Em muitos momentos de nossas vidas, principalmente em momentos em que precisamos de concentração (estudo, criação) a necessidade de solidão é imprescindível. E essa necessidade é individual e relaciona-se com a personalidade de cada um de forma diferenciada. Cada um se sente, nesses momentos, coerente com suas escolhas e com suas formas de encarar a vida. A solidão, então, produzida para qualquer forma de introspecção (elaborar pensamentos, idéias, teorias), é força motriz de grande parte do mundo em eterno movimento de ser novo, pois é um estado de abstração que nos permite, por exemplo, mergulhar em nós mesmos, para descobrir novos mundos, novos significados para os mundos velhos, ou lugares para enterrar os mundos mortos.

Mas a contemporaneidade também trouxe a vivência da fragmentação. Atividades familiares e sociais passaram a exigir uma dedicação quase que impossível e isso agenciou, de forma radical, inquietações e descontentamentos, não mais individuais, mais coletivas. A leitura é sobre a nova dinâmica da comunidade. Percebe-se uma realidade delimitada (com limites precisos) e esta percepção “leva a uma necessidade compulsiva de conhecimento que acaba sendo mais importante que a própria vida, pois permitirá não só ajustar-se à realidade, mas desenvolver comportamentos esperados com relação ao outro.”[1] Mesmo buscando portos seguros, vivemos em insegurança, e uma insegurança também encontrada em diferentes vertentes como medos, angústias, temor ao fracasso ou incompreensão.

Dentro desse processo ambivalente em que não podemos fixar lugares cômodos para não restringirmos nosso crescimento e nossas perspectivas, é lógico que o mundo passa a ser um campo de batalha onde, segundo uma velha expressão popular, devemos “matar um leão a cada dia”. Haverá entusiasmos e desencantos em estar próximo porque vivenciamos contradições e desentendimentos. Logo todos somos / seremos compulsivos.[2] Somos compulsivos em busca da Vida.

Mas a “solidão não é um fato, é um sentimento. Enquanto sentimento, a solidão não é algo já dado. (...) É um tender para, ou vir de.”[3] E sendo assim faz parte do próprio homem, podendo ser exagerado ou não, diante das prioridades a que estiver inserido. Como um nó de relações, o homem torna a solidão medo do outro e passa a vida ou tentando afastá-lo ou tentando cristalizar a própria relação. Nesse processo, fantasias, imaginários, subjetividades são certezas a que se voltam para justificar e incentivar seu investimento voraz no mundo exterior.

Na Internet também esse processo se apresenta. Em busca ainda da felicidade, da perfeição e de um mundo melhor, e decepcionado, consciente ou inconscientemente, com suas relações mais físicas (família, amigos e amores), o usuário investe seu movimento de “encontro” com o outro num mundo virtual, pois sabe que ele é exatamente isso: UM MUNDO de possibilidades. Os contatos de pele (tato) e os encontros visuais (olhar) são dizimados.[4] Mas é preciso ser feliz, sempre!

Esse novo modo de buscar a felicidade sugere, primeiro, um usuário tímido diante da impossibilidade de se relacionar no real; segundo, uma transformação nos comportamentos pela insistente sistematização das formas trazidas pelo uso constante da Internet; e terceiro, uma elevação à categoria de imprescindível da sexualidade em detrimento da sensualidade:[5] “sexo vem dos outros e vai embora / Amor vem de nós e demora”.[6] Há uma perda de referências (e o encontro de outras mais virtualizadas e relativas), há um desnorteamento de condutas (pela acessibilidade sem censuras mais objetivas) e há a caotização dos sentimentos (pela sensação da liberdade de ser). O usuário aceita o fetiche como real e um real onde a desertificação baudrillariana não se constitui, pois, num mundo de tantas possibilidades, nada pode ser vazio de sentidos, nem que estes sejam trazidos pelo próprio usuário.

Essa perspectiva de encontrar e reencontrar o outro nesse novo mundo – o mundo virtual – reflete o homem do século XXI. Um homem sob pressão, que caminha nas incertezas, que procura relação entre inverdades[7], e que, para tal, acredita apenas no tempo real, no tempo sendo vivido, experimentado e realizado no presente. Sua solidão então está em seu desaparecimento, mas um desaparecimento que lhe permite, hoje em dia, ser ator, produtor e personagem de suas próprias histórias. E a Internet se oferece como um instrumento vigoroso e estimulante dessa vontade. Ela participa do mundo em todo o seu esplendor, mas sem o “perigo” do desmascaramento, sem o perigo da exposição. Lembrando que Pierre Levy separa o real em atual e virtual, o usuário da Internet é passivo no atual e é ativo no virtual; é solitário no atual e está em estado de solidão no virtual; é antagonista no atual e é protagonista e herói no virtual.

Mesmo assim “o problema da solidão não fica resolvido. Isto simplesmente o adia. Se ‘faz de conta’ que não existe. Se ‘faz de conta’ que se estabelece uma relação e, às vezes, até chega a estabelecer-se.”[8] Mas a complexidade humana novamente se apresenta: depois de muitos encontros e conversas, os usuários sentem a necessidade de se ver. Apenas adiaram-se os sentidos do tato e do olhar. Presentifica-se a necessidade de estar junto. As conversas vão dando o caráter de familiaridade às pessoas. As conversas estabelecerão o incentivo necessário a um pedido até aqui adiado: “VAMOS NOS VER?” ou “QUE TAL NOS CONHECERMOS NO REAL?” Essas perguntas marcam a insatisfação humana sempre presente, mesmo que adiada por muito tempo, da ausência do corpo-a-corpo, do face-a-face. Para o conhecimento concreto nada poderá estar entre um e outro. E assim, depois de uma fase de solidão, exigimos o desaparecimento do intermediário: O COMPUTADOR.

Nesse momento, o usuário acredita novamente no outro, não como gostaria que fosse, mas da maneira que é. A diferença é aceita e juntos continuarão enriquecendo o mundo.

Solidão na Internet? Coisa de momento...


Profa. Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional / IAVM
Mestranda em Educação / UNIRIO


[1] www.ufsm.br/antartica/Palestra%203.htm
[2] Falamos aqui de compulsão no sentido psicanalítico, ou seja, no coletivo, em conjunto, uma tendência permanente e, em geral inconsciente, que dirige e incita a atividade dos indivíduos.
[3] www.ufsm.br/antartica/Palestra%203.htm
[4] Mesmo contatos com a WEBCAM têm tanta interferência (tela, imagens distorcidas, pouca cor e sem odor) que não conseguem estimular interesses mais instintivos. É novamente uma simulação de estímulos.
[5] Aqui queremos fazer uma ressalva: estamos entendendo sexualidade algo que constitui parte superficial da pessoa, que não sugere dependência e que se materializa na paixão, ao contrário da sensualidade que requer o envolvimento mental, sugere dependência e se materializa pelo amor.
[6] Trecho da música “Amor e Sexo” de Rita Lee inserida no disco Balacobaco. Som Livre, 2004.
[7] Inverdades entendidas como simulações.
[8] www.ufsm.br/antartica/Palestra%203.htm

Máquinas de Esquecer*


À Profa. Marta Relvas


Duas tecnologias determina(ra)m a viagem do ser humano no mundo: a oralidade e a escrita. De uma a outra os indivíduos criaram memórias, desdobramentos e lugares de preservação, em ambientes externos, como livros, bibliotecas, dicionários, enciclopédias, museus e fotografias. A intenção é eliminar o esquecimento. A projeção incisiva no mundo é para lembrar. Há um desejo constante de se reinventar e onde o conjunto de todas as invenções incorpore sua idéia criadora: lembrar.

Passar da oralidade à escrita ofereceu pano de fundo para que os indivíduos pudessem somar e interagir conhecimentos aprendidos por uma criatividade inata, no intuito de desenvolver ferramentas que se tornassem facilitadoras das ações humanas mais básicas como, por exemplo, pesquisar, enviar cartas e conversar. É o desenvolvimento das tecnologias dentro de padrões em que, estas, se apresentem como suplementos ativos ao progresso humano.

A aventura para a conquista de um futuro a qualquer preço e aproveitando qualquer recurso é um mecanismo de defesa amedrontado com a possibilidade do esquecimento. O corpo mental e o corpo físico são recheados de todos os tipos de objetos, emoções, valores, conceitos, sentimentos e ferramentas, de forma a engrandecer a aparência. Parodiando Fernando Pessoa “lembrar é preciso”!

Com essa perspectiva em mente, perguntamos: por que os indivíduos não esquecem? Ou melhor, por que o ato de esquecer é tão temido? Respondemos: porque esquecer sugere uma ação antropofágica sem qualquer reflexo em forma de aprendizado. Esquecer incorpora uma atitude contraditória diante do movimento do indivíduo de sempre se reinventar através de incisivas e repetitivas reconexões. Esquecer sugere apagamento da própria existência. E esquecer, como oposto ao lembrar, desgoverna o tempo presente e o tempo futuro porque podemos não ter o passado como lugar de uma “essência” ao qual poderemos voltar, se for preciso reapresentar-se ao mundo de forma diferente. Mas será que não esquecemos nunca? Será que nossa memória, sempre em movimento, porque a todo momento existem informações sendo processadas (estímulos aos processos sinápticos), nunca perde informações ou lembranças?

Dentro de padrões mais neurobiológicos ou neuro-científicos, muitos estudos teóricos dizem sim a esses questionamentos, pois todas as informações, ao menos, orgânica e quimicamente, sempre serão aproveitadas (é o processo de reciclagem, mesmo de corpos humanos: transformação em carbono), mas, se considerarmos a teoria humanista e a holística, estímulos diversos causam sensações também diversas e quando essas invadem os corpos humanos, na forma de choques elétricos excessivos, alcançam espaços mais sensíveis e recônditos na memória humana. Ainda assim, no decorrer das vivências, acontecem os bloqueios[1], experiências que irão sucumbir ao reino do inconsciente pela impossibilidade de se conformarem com o aprendizado social: é o momento DEL humano.

Muitas das informações apreendidas pelo humano tornam-se memórias[2] extintas. Muitas das informações gravadas na memória do computador também. As memórias extintas humanas permanecem latentes. As memórias dos chips também. Problemas de conflito entre memórias humanas ocorrem em função da faixa etária, das formas de uso, de traumas psicológicos ou traumas físicos. Problemas de conflito na memória do computador ocorrem pelo tempo de uso, por vírus, pela inserção de informações sem os parâmetros-base corretos ou por falta de manutenção. Em ambas as memórias e diante da exigência de solução para todos esses problemas, tanto no computador quanto dentro do sistema humano, o momento DEL se faz necessário e torna-se fundamental. DEL é o bloqueio humano. DEL apaga, mas nunca incondicionalmente. DEL “desvisualiza” um elemento que acreditamos excessivo no espaço da memória, mas sem destruí-lo. DEL elimina elementos conflituosos para que o sistema volte a um bom funcionamento[3]. DEL limpa o sistema de forma a que ganhe espaços para outras informações. E, por fim, DEL injeta mais força às conexões (aos neurotransmissores) na medida em que reveste e alimenta outras informações em processo de significação. A tecla DEL funciona ao toque de um dedo ou diante de situações de alto conteúdo emocional.

Se a máquina for entendida como extensão do humano, sua tecla DEL também é a representação do ato de esquecer, ou seja, é possível ler a máquina como representação da vontade de superação humana, de suas limitações mais físicas e, no conjunto, estas tornam-se objetos que reapresentam sistemas psico-bio-neurais humanos, na intenção de uma perfeição, dentro de meios ditos artificiais. Logo, as criações maquínicas apresentam muitas das habilidades e das funções humanas. E assim, humanos e máquinas configuram-se como estímulos e reflexos de uma evolução “imparável”:

”Pás são extensões dos nossos braços, guindastes são dedos que servem pra pegar objetos grandes, canos de água são similares ao nosso sistema de veias e artérias, telescópios aumentam o poder de visão; e, nos dias de hoje, a fiação interna dos computadores é quase tão complexa quanto o nosso sistema nervoso.”[4]

Entendemos, então, que as ferramentas, frutos da criatividade humana, representificam atos humanos, mesmo os mais complexos. E essas ferramentas (sua última concepção afirma-se no computador) foram adquirindo mais e mais maneiras de refletir (no sentido de reflexo, não de pensar) construtivamente todas as informações de forma a aprimorar a sobrevivência do próprio humano. E uma das atitudes mais importantes vivenciadas cada vez mais rotineiramente nessa relação homem e suas ferramentas é o BACKUP (cópia). Humanos fazem backup. Máquinas exigem backups.

Um usuário de computador tem como uma das advertências mais importantes a de fazer BACKUPS constantemente. BACKUPS funcionam na hora em que o computador entra em conflito com qualquer nova informação (ou programa), é invadido por vírus, ou há queda (ou piques) de luz. BACKUPS e seus disketes (hoje em dia CDs) trabalham em função de deixar o usuário tranqüilo. Faz-se BACKUPS para se guardar memórias (arquivos e programas importantes). Na medida em que nada puder ser feito, além de uma limpeza radical, deletamos tudo incondicionalmente, ou seja, apagamos toda e qualquer passagem do humano em seus elementos físicos constitutivos para reiniciar o computador. O PROMPT do DOS ou o processo SETUP sempre estarão lá e justamente dentro deles ou a partir deles, gravaremos nossa memória “primitiva”, os BACKUPS. Todos os defeitos estarão apagados e reiniciaremos o computador a partir de sua última memória. BACKUPS são as memórias latentes do computador, só que estão em ambiente externo. Assim como os neurônios, os neurotransmissores e as sinapses, aqui há também o processo de armazenagem e distribuição das informações.

Das memórias, as quais serão feitos os BACKUPS, em ambos os elementos da relação, podem ser eliminadas (esquecidas) as informações que não se processarem como significativas (sentido), ou momentaneamente (na máquina, para limpeza de arquivos e programas desnecessários; e no humano, por falhas mnemônicas ocorridas após stress mental ou traumas); ou de forma definitiva (na máquina, ao se reconfigurar o computador para uma limpeza radical por causa de vírus ou por conflitos de instalação; e no homem, por amnésias advindas da senilidade ou por distúrbios e transtornos diversos). BACKUPS de qualquer forma imprimem a certeza de que esquecemos.

“A fronteira tecnológica para a integração homem-máquina tem sido o sistema nervoso. (...) Da mesma maneira que um computador envia ordens através de seus fios e conexões, impulsos de transmissão natural, os cientistas são capazes de corrigir processos sensoriais e motores, como a surdez, a cegueira e a paralisia, através de microchips eletrônicos que podem ser usados para estimular células ou para controlar próteses biomecânicas”.[5]

Logo o ser humano impressiona justamente pelas suas ações de não-esquecimento, de não-perda, de não-apagamento. Falhas em seu sistema biológico, químico, neural, motor, são reinvocados “artificialmente” justamente para que sempre se reafirme sua condição de humano e isso levando em consideração todos os processos a que está preso o seu desenvolvimento físico e mental. Então voltamos a nossa indagação inicial: se os humanos se preocupam tanto com sua existência e recobrem essa preocupação produzindo incentivos para continuar existindo, será que o fazem porque sabem, inconscientemente, que esquecem?

Se observarmos alguns elementos que constroem a memória humana, percebe-se que o momento mais significativo no processo de aquisição do conhecimento é a evocação. Humanos evocam sua sobrevivência. Humanos são racionais e criativos. A evocação é a ação que reinaugura as informações de forma a resolver problemas e após passar por diversas transformações dentro do sistema hipocampal (cérebro) humano. É a evocação, então, o momento final em que seu produto principal – a informação - torna-se útil.

Mas nem todas as conexões pelas quais passam as informações são processadas dentro da mente humana de forma a terem um sentido ou um significado claro. Atraídas por todos os cinco sentidos, as informações se incorporam ao fluxo neural tendo especificidades, ou seja, convocam ao funcionamento memórias de trabalho, memória de curta duração e memória de longa duração de diversas maneiras[6]. Quaisquer problemas nesse fluxo provocarão perdas, diluição da força dos neurotransmissores e, automaticamente, diminuição dos reflexos instauradores da própria evocação. As informações perderão seu significado e tornar-se-ão impressões, no máximo. Com certo grau de radicalismo, muitas delas jamais se reapresentarão, podendo, no máximo, serem elementos-construtores-base da bainha de mielina de forma a unir e significar outras tantas informações. Essa é a nossa perspectiva do esquecimento.

Se entendermos que os processos mnemônicos são diferentes entre humanos e máquinas, algumas “chaves” são interessantes de observar: a partir de um DEL*.* apaga-se todo um sistema, ou a partir de um FORMAT C: zera-se tudo o que foi gravado em computador. E no humano, isso é uma atitude impensável, a não ser em casos de incisão externa, como a lobotomia, “transeção metódica de ou dos lobos frontais, indicada em certas condições mórbidas mentais, como síndromes esquizofrênicas, ou em caso de dores intratáveis de outra forma – intervenção proposta pelo neurologista português Egas Muniz (1874-1955)”[7].

Outra “chave” interessante é o OPTIMIZE, esse sim é um processo puramente maquínico. OPTIMIZE (ou SCANDISK) atravessa toda a memória computacional reorganizando e realocando, seus elementos, de forma linear. Optimizar a máquina é a ação de pegar todos os elementos gravados no dia-a-dia do usuário (essa gravação é feita de forma aleatória, ou seja, o computador vai encontrando um melhor lugar para cada informação, e não necessariamente uma ao lado da outra), alocá-los em ordem de semelhança, lado a lado, e corrigi alguns erros, no intuito de aumentar a velocidade e o desenvolvimento da máquina. Humanos não têm o processo OPTIMIZE para as informações que recobrem suas memórias. Humanos não têm a possibilidade de parar de pensar, raciocinar, significar e sentir. Para isso, humanos têm mecanismos de defesa como, por exemplo: projeção, introjeção, racionalização, idealização, sublimação, simbolização, intelectualização e negação. Estes, além de sustentarem a diferença entre cada indivíduo, exprimem tipos de esquecimento e, por sua vez, fazem parte do processo adaptativo humano. Mas essas construções serão determinadas aleatoriamente a partir de experiências humanas de viver no e com o mundo exterior e que jamais serão alinhadas sob quaisquer aspectos.

Em algumas notícias veiculadas pela Internet, sabe-se que alguns cientistas ingleses pretendem scanear as informações gravadas na mente humana e passá-las para o meio magnético e vice-versa. Logo se fala em banco de memórias. Logo falamos da possibilidade do esquecimento. Logo se fala do medo de esquecer, sentido natural diante de qualquer evolução: não é possível guardar todas as informações, muito menos todos os aprendizados. Humanos, por fim, só querem lembrar porque estão sempre esquecendo.

Lembrar passa a ser scanear uma informação significativa.
Esquecer passa a ser perfil da personalidade de cada um.
Acessamos lembranças na Internet.
Aceitamos esquecimentos com a Internet.


Profa. Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional/UCAM
Mestranda em Educação / UNIRIO


*Texto publicado no jornal interno do Instituto A Vez do Mestre, “Comunicandido”, na semana de dia 23 a 27 de janeiro de 2006;e no livro "Neurociência e Transtorno de Aprendizagens" da Profa. Dra. Marta Relvas - WAK


[1] Bloqueios são reflexos de experiências do homem com a realidade exterior muito graves e que têm como uma de suas funções tornar esse mesmo homem diferente quando entre os seus pela forma como vai construindo a própria personalidade.
[2] Memória como grupo de informações com um mínimo de significado ou sentido gravadas na mente ou gravadas em chips de computador.
[3] Nesse sentido, o DEL humano seria os remédios, além dos bloqueios conscientes.
[4] http://www.epub.org.br/cm/n03/editoria3.htm
[5] Ibidem
[6] Segundo Izquierdo, “recriar uma memória para evocá-la implica conclamar à ação o maior número possível de sinapses pertencentes aos estímulos condicionados dessa memória (pág. 58).
[7] Referência: Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 1996.

Uma BORBOLETA: uma história de avó


Uma Borboleta: uma história de avó
Dia 24/10/05 – às 22h – em casa

Mesmo diante das melhores tecnologias, existem algumas tradições orais que persistem em nossas vidas. Hoje quero falar de uma tradição “de vida”. A lembrança me veio enquanto lia uma crônica chamada “Obrigada por insistir”[1]. Essa expressão é uma grande verdade. Todos precisamos ter para quem dizer isso. Todos precisamos ter a coragem de fazer isso. “Insistir” faz parte daqueles que acreditam em seus sentimentos e “partem pra dentro”. “Obrigada” faz parte daqueles que, após momentos de dúvida, reencontram a confiança e “partem pro abraço”. “Obrigada por insistir” é a expressão da fragilidade que se quer ou sabe acolhida. “Obrigada por insistir” é o resultado do escutar, da disponibilidade, do (re) envolvimento. “Obrigada por insistir” me lembra minha avó. “Obrigada por insistir” é minha avó e a borboleta. Estou aqui, no meu quarto, depois do referendo. Estou cansada, doída, por dentro e por fora. As coisas estão cansativas. Eu estou chata. Olho ao redor. O não-movimento dos objetos me incomoda. Ando pela casa. Ligo várias TVs, pois tento me sentir confortável em vários cômodos. Uff! Tudo muito sem graça. Leio a crônica sem dar muita atenção ao conteúdo e o inesperado: uma borboleta atravessa quarto e sala, e se “planta” na parede acima de mim. Fiquei com medo, ela era enorme, mas depois fiquei muito feliz: em minha casa, borboletas são sagradas... em minha casa, borboletas são visitas de entes queridos... em minha casa, borboletas são ensinamentos. Linda, a borboleta. Mesmo pousada, não pára de bater as asas. Sinto o seu vento no nariz. Não há nada em minha cabeça. Sigo apenas o movimento das asas. Segundos depois, o ar fica cheiroso, limpo, imensamente respirável. Deito no chão, de frente para ela e a miro. Lindo o seu movimento. Minha pulsação está em meus ouvidos. O ir e vir das asas é delicado, impulsivo, certo, casto. Fecho os olhos e penso em minha avó. Avós não gostam de palavras ruins: em minha casa nunca se diz desgraçada, infeliz ou azar. Avós não gostam de sinais ruins: em minha casa não se faz sinal da cruz em vão ou se coloca o dedo polegar para baixo à moda romana. Avós gostam de histórias boas: “quando você estiver triste, vovó vai vir lhe visitar em forma de borboleta... olhe e lembre-se...” Há uma borboleta frenética em minha parede. Não é coincidência!! Ela insiste em gostar de mim. De olhos fechados, revejo os objetivos da minha vida... e eles são pesados. É preciso encontrar forças para dar passos sem vacilar. Há uma bruma de desentendimentos e isso me transforma em alvo fácil até para o “fogo amigo”. Quero alguma iniciativa! Quero uma mão! Não posso chamar convidados para isso. Sonho com mosteiros, castelos, mas procuro campos abertos, pradarias. Pernoito num entardecer a muito tempo. Se existe mentor espiritual, essa é minha avó. Seus olhos me alcançam e são bons. Seu sorriso é largo e excitante. Suas mãos são quentes e me pegam bravamente. “Atenção”, dizem! “Deseje”, pedem! “Conquiste”, exigem! “Nós lhe demos essa capacidade”, gritam! Meu sangue engrossa e vive me mim. Dói! Abro os olhos e a borboleta está paradinha e plena em suas cores. Cada detalhe imprime cor às minhas expectativas. Ela é a figura que faltava nos meus impulsos atuais. Ser inteligente é fazer festa com o saber e eu preciso ser sábia. A borboleta é a bucha que acende e infla meus porões cheios de experiências que já não mais utilizo. Ela é tão vigorosa que tudo se desmancha no ar. Estou doando meus valores e conceitos para o mundo. Quero minha avó. Quero a presença do que for confortável para confiar em qualquer forma de investimento no breu dos riscos. Ficarei com marcas das vivências, mas atuarei dentro de padrões outros e melhores. Lagarta e borboleta nunca se excluem. Não desisto, não descarto, não abandono, não uso, não esqueço, apenas, insisto sempre. Nunca abandonarei minha borboleta, ou minha avó, ou minha insistência porque são minhas fundações e quero continuar aprendendo. “Obrigada por insistirem” em gostar de mim.
Profa. Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional / IAVM
Mestranda em Educação / UNIRIO
[1] A crônica é de Martha Medeiros e foi publicada na Revista do jornal O Globo, de domingo, dia 23/10/05.

AUTONOMIA: Princípio Cientificado



AUTONOMIA: princípio cientificado

Há algumas décadas descobrimos o cérebro. A ciência nos proveu de visões ideológicas sobre o cérebro. O cérebro tornou-se o lugar das representações conceituais e sensoriais que, praticamente, ditam TODAS as ações do homem na Terra. Não há o sentido de subjulgamento, há o entendimento de que, como organismo vivo, a construção do conhecimento tem o seu esboço inicial no cérebro. Mas nem sempre foi bem assim. O cérebro, ainda não sendo o centro da psique, era visto apenas como massa homogênea e amorfa, um reservatório cujos fluidos e humores atravessavam corpo e nervos, elaborando temperamentos e comportamentos instintivos.

Dessa visão medieval, entra-se na emergência da visão racionalista (Renascimento). E, segundo Descartes, o cérebro (máquina e mecanismo), em sua glândula pineal, abrigaria a sede da alma, o fantasma na máquina. Há a reflexão e tradução do mundo mecanicista e isto determina o homem ocidental, de forma sincronizada. Àqueles temperamentos e comportamentos instintivos, agora, estão raciocinalizados.

A frenologia, metáfora do século XIX, investe na compartimentalização do cérebro, em várias áreas, abrigando desde as diferentes funções psíquicas aos comportamentos humanos mais sutis. Tudo teria uma localização específica, razão pela qual nossa massa encefálica tem vários sulcos. E a Revolução Industrial acentuou essa visão tecnicista sobre o pensamento científico, premiando a razão como a mantenedora do equilibro de humor do homem. Para tudo há uma funcionalidade, há uma razão técnica de existência.

O cérebro, então, torna-se reflexo dos modelos da sociedade industrial mecanizada, hierárquica e frenológica do início do século XX. O advento dos computadores ampliou a metáfora mecanicista do cérebro como grande e potente gerenciador cibernético. A comparação entre cérebro e computador era plenamente aceita e ampliada nas mais diferentes pesquisas científicas.

Atualmente, depois de intenso desenvolvimento das neurociências e da ciência cognitiva, o cérebro passou a ser mais visto como um ecossistema que uma máquina, já que os neurônios vivem em situação de competição e organização pelo estímulo e direcionamento do ambiente. O cérebro não mais dicotomiza o que está fora daquilo que se auto-organiza. O cérebro, agora, é autopoético, orgânico, fluido e modular. Essa “autopoesis” (leiam Maturana e Varela) recompõe a dinâmica da cognição humana no retorno de sua melhor dupla psíquica: razão e emoção.

Hoje a palavra de ordem é plasticidade: milhares de genes, associados ao cérebro, confrontam-se com os trilhões de sinapses sujeitas à modulação e à mediação ambiental. Esse confronto, provocado por competições ininterruptas, imprime variabilidade, diversidade e fluidez às células neuronais, e faz emergir uma mente autônoma e auto-reflexiva da própria estrutura cerebral e de suas múltiplas e variáveis conexões.

Eis o princípio de nossa autonomia!
Profa. Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional / IAVM
Mestranda em Educação / UNIRIO

Aprendizagem: movimento de plasticidade


APRENDIZAGEM: movimento de plasticidade


Noções de aprendizagem e desenvolvimento humano não são eventos diferentes. Em comum acordo com o sentido orgânico e cognitivo, desenvolver significa estabelecer uma relação de aprendizagem, troca e comunicação intensa entre o organismo e o ambiente no qual esse organismo vive e para o qual se direciona. Esse procedimento envolve crescimento, formação e gerenciamento tanto de diferentes conexões sinápticas quanto do conhecimento. Há a invocação de diferentes neurotransmissores para que a ocorrência dessas etapas, desde o registro e aquisição da informação até seu armazenamento e evocação (memória), imprimam novas e outras habilidades à mente humana.


O ser humano, então, vive por adaptações estruturais, sejam elas cerebrais (pela plasticidade) ou comportamentais (por aprendizagens). As mudanças agenciadas pelo meio externo e interno (atividades de interação, mesmo por lesões), afetam a rotina dos ambientes neuronal e social, provocando em um, sulcos no cérebro, e por outro, aprendizagens. É um fenômeno multidimensional e é impulsionado por desafios do meio ou por lesões. O corpo e a mente humano mantêm-se ativos, em diferentes graus, durante toda a vida, inclusive na velhice.


Quando falamos da dinâmica da plasticidade cerebral resultando em atividades de interação, acreditamos que diferentes níveis neuroquímicos, cuja estrutura funcional foi estipulada pela Natureza, envolvem diferentes padrões de conexão entre os neurônios, alterando as estratégias cognitivas e de comportamento de acordo com os desafios ambientais. Sendo assim, podemos entender o potencial de mutabilidade do cérebro humano diante das diferentes experiências vividas (vivenciadas) em cada etapa ultrapassada do desenvolvimento humano. É o chamado processo de maturação. É a nossa tão querida maturidade!


Façamos um acordo? Aprendemos sempre! Esqueçam a idéia de que neurônios lesados ou perdidos não podem ser repostos ou produzidos! O hipocampo, em suas chamadas “ilhas proliferativas”, mantém-se ativo no curso do desenvolvimento humano. Faz parte da sobrevivência do corpo humano, ter células neuronais embrionárias de diferentes linhagens migrando por áreas distintas de sua origem. Essa ação modifica suas funções de acordo com a estimulação recebida, por influência dos locais pelos quais perpassam e por fatores relacionados ao próprio microambiente molecular ligado a essas células. Como resultado, conexões capazes de recuperar vias comprometidas por eventos disruptivos são refeitas. Logo, novamente, mantém-se a aprendizagem.


Cada evento experienciado pelo homem, em seu cérebro ou em sua realidade, só se agrega ao conjunto de aprendizagens, a partir da vivência do chamado período crítico. Este se refere tanto aos eventos específicos do desenvolvimento neuronal, quanto a constatação de que os processos de desenvolvimento cognitivo são alterados mais facilmente ou de forma mais permanente dependendo do momento em que ocorre um evento disruptivo. É uma janela temporal mais suscetível a transformações neurais, ao potencial cerebral de flexibilidade e reorganização, e onde há uma lapidação constante dos sulcos cerebrais. E em cada lapidação cria-se a chamada “janela de oportunidade”, fase ideal, durante a maturação, para o desenvolvimento de habilidades, sejam elas de aprendizado de matemática, de línguas ou musical.

É importante ressaltar que, para todos os entendimentos alinhavados aqui, devemos levar em conta as variáveis, além da natureza neurobiológica, como fatores sociais e culturais. Essas variáveis modificam as respostas cerebrais e comportamentais em detrimento das aprendizagens que se quiser empreender e, mesmo assim, nada pode ser negligenciado. Aqui, entra em perspectiva e em profundidade a questão da INTEGRAÇÃO, e não da simples INCLUSÃO, quer seja das crianças, quer seja das comunidades, quer seja da sociedade, no elenco de possibilidades que os tornem capazes de aprender conteúdos contextualizados ou não. Afinal, manter o cérebro aprendendo e, conseqüentemente, o homem criativo, requer novas maneiras de ensinar e estimulações INOVADORAS cujas precedências se baseiem na formulação de melhores estratégias para as nossas várias disfunções.

Se o cérebro naturalmente tem a flexibilidade de revitalizar suas funções por relocações de suas redes neuronais, a interferência do ambiente escolar, nesse processo, deve surgir como solidária na organização das funções cognitivas mais complexas, como memória, atenção e linguagem, responsáveis pelo comportamento adaptativo e criativo intrínseco à comunicação humana.

É preciso RESPEITAR às diferenças, não apenas inclusive, mas com integralidade.



Profa. Claudia Nunes
Graduada em Letras/UVA
Especialista em Tecnologia Educacional/UCAM
Mestranda em Educação/UNIRIO

Amigo é casa! Feliz 2009!!!!!


Um novo ano se apresenta. No conjunto de todas as falas tirei um item: amigo.

Acredito que seja um ano dos amigos, dos encontros, dos reencontros e da grande afetividade.

Então leiam com atenção a música abaixo:


Amigo é casa

Amigo é feito casa que se faz aos poucos e com paciência pra durar pra sempre mas é preciso ter muito tijolo e terra preparar reboco, construir tramelas usar a sapiência de um João-de-barro que constrói com arte a sua residência há que o alicerce seja muito resistente que às chuvas e aos ventos possa então a proteger.

E há que fincar muito jequitibá e vigas de jatobá e adubar o jardim e plantar muita flor toiceiras de resedás não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar que os cabelos brancos vão surgindo que nem mato na roceira que mal dá pra capinar e há que ver os pés de manacá cheios de sabiás sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis choro de imaginar!

Pra festa da cumieira não faltem os violões! Muito milho ardendo na fogueira e quentão farto em gengibre aquecendo os corações.

A casa é amizade construída aos poucos e que a gente quer com beira e tribeira com gelosia feita de matéria rara e altas platibandas, com portão bem largo que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas sem fazer alarde, sem causar transtorno amigo que é amigo quando quer estar presente faz-se quase transparente sem deixar-se perceber amigo é pra ficar.

Se chegar, se achegar, se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha e oferece lugar pra dormir e comer amigo que é amigo não puxa tapete oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem quando não tem, finge que tem, faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.

(Capiba / Hermínio Bello de Carvalho)

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...