quarta-feira, 15 de abril de 2009

HAIKAIS RENOVADOS


Desde criança ela tinha fascínio pelo Egito: era o que mais estudava em História. Esmerava-se em copiar desenhos, usava roupas iguais às de Ísis, colecionava escaravelhos. Assim foi envelhecendo, imaginando-se serpente, desenvolvendo um caráter esfíngico em seu corpo piramidal. De repente começou a juntar dinheiro. Ninguém entendia para quê: tinha casa boa, vida estável. Aposentadoria? Doença? Queria ficar rica? Ela continuou juntando, até que foi à cidade e comprou a passagem para o Egito. Meio século depois, os arqueólogos não conseguiram explicar o esqueleto daquela mulher, deitado na tumba do faraó, a seu lado.

O sonho de consumo era esquiar. Via-se em roupas quentes, a descer montanhas, rasgando a brancura virginal da neve. Em sono voava pelos Alpes, que nunca visitara, em piruetas sinuosas. Ganhou de aniversário a passagem para Aspen e para lá se mandou, com o sorriso marcial de quem cumpre a missão. Alugou a roupa, experimentou cuidadosamente o esqui, tomou um golpe de conhaque e comprou a passagem no teleférico, para o ponto mais alto da montanha. No dia seguinte ainda estava abraçada a uma árvore, tremendo, quando o helicóptero de resgate chegou.

Regina, desde a infância, tinha muita imaginação. Na escola ou no playground do prédio sempre inventava as brincadeiras. Gostava, mesmo, era de ficar criando histórias na cabeça, mentalizando as personagens e seus destinos. De vez em quanto via TV, porém mudava o final dos filmes se não concordava com os roteiros. Cresceu, formou-se, tornou-se jornalista. Compensava a miséria diária das ruas com a velha mania de criar situações. Não escrevia, a não ser no jornal. Numa noite, foi a brisa a entrar pela sala que trouxe Marion e os dois rolaram loucamente na dança da paixão. No dia seguinte, o pano vermelho que secava à janela os levou para Avalon.

Adorava Lilian. Tinha sido sua única namorada. Apaixonara-se desde o primeiro momento, ao vê-la voltando da praia: pele morena, olhos azuis e longos cabelos loiros. Usou a experiência da idade para cortejá-la. A família pediu tempo e, quando Lilian completou 18 anos, começaram a mandar os convites; um mês depois embarcavam para a lua-de-mel no Caribe. A vida continuou mel: cada vez mais seduzido, fazia as vontades da mulher. Comprava flores e bombons diariamente. Dez anos depois pediu divórcio, pois não suportava mais viver com aquela mulher deformada pelos 130 quilos.

Sempre quis ver discos voadores: sentia-se atraída pelo mistério, acreditava em outras vidas. Sua música favorita era “London, London”, que cantava enquanto trabalhava, esquecida do espaço. Todos sabiam de sua mania em Brasília, onde vários já tinham mantido contado por telepatia, visto a luz curva e os pontos brilhantes. Insistiu muito com a amiga, para que a levassem ao local. A emoção transbordava e o coração pulava, depois de três horas no cerrado, caminhando em busca do sonho. Mal teve tempo de gritar, quando se viu estuprada por dez bandidos, fugidos da penitenciária próxima.

Sandra era pessoa comum. Família classe média, mãe viúva, dois irmãos. Não pudera estudar, contentava-se em ser secretária. Ganhava para a vidinha simples, sem luxo. Não casara, nem queria mudar a rotina; não se imaginava rodeada de filhos, panelas. Naquela tarde Sandra saiu do trabalho e foi ao mercado, antes de seguir para casa: latas, plásticos, prateleiras e prateleiras. Suava, entre a lista de compras e a carteira de dinheiro, empurrando o carrinho cheio. Filas gigantescas à frente, ela aguardava pacientemente em procissão; nem reparou a caixa de ovos a se abrir: de dentro saiu um cavalo alado, que a levou para a nuvem. Horas depois começou a chover.

Entre os amigos o apelido era “Troglô”, mas se chamava Laerte. Adorava as lutas, não perdia uma: boxe, karatê, judô, sumô, vale-tudo. Na academia malhava horas, socava sacos, dava golpes no ar. A mulher, frágil, aceitava, resignada: macho devia ser forte, briguento. À noite cuidava dos cortes e feridas trazidas da rua. A grande oportunidade veio no jornal: um torneio para amadores, com perspectiva de profissionalização. Os combates diários foram sendo vencidos. Na véspera da final, Laerte ainda tentava explicar à delegada a razão para a mulher estar no hospital, fazendo exame de corpo delito, entre hematomas e dentes quebrados.

Era ambicioso. Nascera pobre, mas queria aparecer na TV, freqüentar colunas sociais. Começou comprando um galpão, onde dava aulas para a criançada miserável. Cobrava cada centavo de seu espaço e tempo. Meteu-se com marginais, enquanto o dinheiro saltava. Logo conseguiu uma cadeia de colégios. Já não se lembrava da infância, no iate de luxo ou no carro importado, a não ser pelo sonho de ter um chafariz no seu jardim. Chamou o engenheiro e o projeto se fez. A inauguração foi linda, mas ele sumiu: enquanto fumava o charuto, foi-se transformando em líquido e entrou na fonte, jorrando mil cores e sons.

“Mulheres são dissimuladas”, pensava. “Elas fingem gozar”. Vivia atormentado, sem saber se as parceiras, com quem se relacionava, verdadeiramente tinham orgasmo. Quanto maior o tormento, mais as assediava. desdobrava-se no ato, levava as mulheres à exaustão, cobrava as dúvidas em infindáveis perguntas. Ah, o ponto G! Teria tocado? Até que Luiz encontrou Dora. Apaixonou-se, quis casar. Mas antes precisava da certeza. Foram para um motel e a noite seria dos anjos e demônios: champagne, massagem, piscina. Envolveu a amada, cobriu-a de beijos, despiu-a, penetrou e morreu de enfarte.

Olhava aquela mulher no palco e a desejava loucamente. Bebia cada palavra por ela proferida, guardava pobres pedaços de jornal onde seu nome brilhava, sonhava fantasias arrebatadoras. “Deusa”, pensava ele, “não é para mortais”. Como sombra a seguia, cada passo, itinerante pelas casas de teatro, na expectativa de um dia ser notado. Esqueceu-se de si em função dela. Foi numa segunda-feira, quando o teatro não funcionava: saiu para jantar e lá estava ela, em verde e esperança. Aproximou-se, sentou-se, conversavam. Hoje, ator consagrado, ainda não entende o tiro que a matou no restaurante.

Nascera com a vocação para o desenho. Menino ainda, fazia figuras na areia, enquanto a mãe inchava de orgulho. Os cadernos de escola quase não tinham apontamentos: eram caricaturas, formas livres, arabescos. Com o tempo, comprou um computador e perdia horas entre quadrados e círculos, montando trabalhos. Entrava em todos os concursos, até que ganhou o prêmio: três meses nos EUA, com tudo pago. Embarcou, com a esperança na mala e o patrocínio no bolso. Os controladores de vôo não entendem como o avião desapareceu, sem deixar vestígios, no Triângulo das Bermudas.

Os telefonemas eram constantes. A voz desconhecida a alegrava, abalava seu sono, alimentava fantasias. Logo descobriu o nome e endereço. Bateu à porta, vieram a mulher e os dois filhos: o marido, aviador, viajara. Ficou desnorteada. Mas ele voltou, continuou a telefonar, falava em amor. Acostumaram-se às manhãs de quarta-feira, na estação rodoviária. Um dia ele insistiu: queria comemorar os cinco anos de relacionamento. Seguiram pela estrada e pegaram o Concorde. Hoje vivem felizes, em Paris.

Aquele índio não era da mata e também não descera de um objeto resplandecente: não, ele surgira do absoluto nada, para atormentar a vida de Karla, enquanto deitava. Com o tempo, ele passou a aparecer no trabalho, a seu lado no carro, na hora das refeições, nos livros que lia. Karla não sabia o que fazer: só ele, silencioso, a olhar. Ela, no entanto, sentia a ameaça e não lutava para tirá-lo da idéia. Com o tempo, passou a gostar de sua companhia. Quando já se acostumara a sentir o calor de seu corpo, ele sumiu. Dizem que foi visto pela última vez em um espelho quebrado.

Angel era todo luz: olhos, cabelo sorriso. Mas carregava a dor como quem suporta uma penitência. Seus dias transcorriam entre quatro paredes, desejando a paz. Quanto mais se dilacerava em busca do equilíbrio, maior a angústia. Os amigos se foram, a família sofria. Foi ficando só e sem saída. Cada vez falava menos. Lia jornal em seu quarto, na companhia do fiel cão. Ou então trabalhava, para esquecer a vida. Um dia Angel saiu para cortar o cabelo. Olhou para o infinito azul e voou. Pousou de volta, abraçou uma flor e labaredas subiram: transformou-se em chama e encontrou a felicidade.

Tinha fetiche por sapatos. O armário contabilizava 70 pares, fora os mantidos em desuso. Nunca os jogava fora, nem podia: lembravam momentos especiais; pelos sapatos ia recordando os saltos, tropeços, chutes e tombos da vida. Com cada namorada mantinha um ritual diferente: Márcia ficava deslumbrante na sandália dourada, Beth era irresistível na bota vermelha, Jane triturava seu coração naquele salto alto preto. Envelheceu, colecionando os sapatos, catalogados e bem cuidados pelo engraxate contratado. Um dia morreu e foi enterrado descalço, porque o caixão era pequeno.

Era louca por gatos, principalmente filhotes. Onde passava, logo os bichanos a cercavam, enrolando-se em suas pernas, lambendo a mão, querendo o colo. Acostumara-se a todos; no caminho para casa ia recebendo o carinho e retribuindo o afago. Mas apaixonou-se por um, negro, de olhos frágeis: dedicou-lhe tratamento especial, até que não mais resistiu e levou-o para casa, cercou-o de cuidados e afeto. Naquela quinta-feira, porém, foi diferente: à noite não mais havia o gato, a casa estava vazia, a janela aberta. A campainha tocou e um jovem de olhar frágil a abraçou e passou a viver a sua vida.

Foi numa praia deserta, em pleno verão de 40º, que viu o urso pela primeira vez. O pêlo branco faiscava sob o sol. Não se aproximou por medo, mas encantou-se com a beleza do animal. Desde então sonhava constantemente com ele: viu-se perseguida, querendo correr, e acordava sem ar. Mas gostava de sentir a pata sobre seu corpo, quente e peluda. O tempo ajudou-a: esqueceu-se por completo. Meses se passaram e ela resolveu definitivamente casar-se com Júlio, namorado de tantos anos. O casamento foi alegre e a noite, numa cabana de praia, transcorreu feliz. No dia seguinte, ela acordou com calor: Júlio sumira e um tapete de urso a abraçava, em sono sereno.

Como saber se ela o traía? A desconfiança era constante, por causa daquele brilho no olhar. Não suportaria perdê-la: um fracasso existencial inadmissível! Começou a mimá-la com presentes e companhia constante, para neutralizar o rival. Depois instalou escuta no telefone. Nenhum indício, apesar do brilho. Contratou detetive caro, mas o resultado foi nulo. Então, resolveu largar o emprego para segui-la. Perdia os dias escondido, em busca do delito. Nada. Por fim, tomou a decisão: enquanto ela dormia, entrou em seus sonhos e só então descobriu que seu rival era ele mesmo, mais moço, antes de casar.

CLAUDIA NUNES

FATOS DA VIDA


Vida de adulto é dura... Nosso imaginário alcança o infinito e lá somos capazes de tudo. Temos a intuição que o mundo além de nosso, precisa de nós. Então nos esforçamos. Cada momento conquistado ou objetivo ultrapassado enlaça nossos desejos e certezas. Só que a vida ensina, limita, poda. De repente, num espelho, somos outra gente. Sem perceber, nossas escolhas criaram outra figura: um adulto. Os impulsos precisam ser freados. Tudo tem conseqüência. Como adulto, o raciocínio cria o medo. Tantos passos dados até ali não podem ser ‘reandados’: é frente, frente, frente. Ou há soluções ou há esquecimento. O tempo não nos deixa mais ignorar. Mas sempre há encruzilhadas e nelas a dúvida cruel: seguimos? voltamos? direita? esquerda? Neste momento só nós. Cérebro e coração, únicos parceiros do segredo: não sabemos. Da pele para fora, um olhar imponente de um ínfimo intervalo. Da pele para dentro, uma confusão inominável. Corpo travado por aparência, veias tremulas por emoção. Passamos a vida nos conectando e nos misturando com tudo e todos por medo, mas na hora de uma decisão, solidão total. Igual ao momento de um seqüestro ou em que temos uma arma apontada para nós, o sangue corre tão forte ao redor do corpo que as lembranças surgem em flashes dolorosos. O que fazer? Tantos sonhos, tantos passos, tantas decepções, tantos silêncios e nada parece servir. Será que vivemos vidas descartáveis? Uma voz surge: Use sua inteligência! Aproveite sua experiência! Seja criativo! E nada... Uma vida de aprendizagem e fazer o que? Uma luz: esticar os braços...

Claudia Nunes

Do bar, do vinho, da comida, vejo pessoas. Ninguém se fala. Passam para lá e para cá focados em seus problemas, passos, vida. Dê preferência nem se tocam. Mas há um ponto de ônibus. Todos juntos. Demora, demora, demora. Há uma esgrima de olhares na tentativa de se manter a distancia. Há uma esgrima de olhares: começa o reconhecimento. Roupa, cheiro, jeito do cabelo, celular, bolsa, sobrancelha, agitação, tudo serve para passar o tempo. Quem é? Quem será? Conheço? Já vi? Várias interrogações que cortam o fluxo das preocupações individuais. Não estamos sozinhos, estamos no mundo, convivemos. Oi? Tá muito tempo aqui? Demora né? O ônibus chega. Cada um no seu banco. Para onde vou mesmo? O sol se põe...

Claudia Nunes

Nos bate-papos nas esquinas ou nos bares, todo mundo tem história de confrontos. Todo mundo já passou por uma situação ímpar. Para quem não se destaca profissionalmente, estas situações dão status / engrandecem / fazem a diferença. Mas passamos por tantas coisas assim na vida? Será que tudo deve ter um efeito tão forte em si e nas pessoas? Pode ser. Como diz o poeta, ‘a vida é bonita, é bonita, é bonita’. O ‘eu’ é sempre tudo de bom: forte, corajoso, salvador. Medo, perturbações e sensações negativas não têm morada neste corpo. Precisa-se de energias positivas. Com os amigos, as marcas deste ser livre é permanente. Mas é preciso ter cuidado: a vida cobra a verdade. Ao contrário da falácia carregada de heroísmo, ‘na real’ temos perdas, covardias, silêncios, impulsos, rompimentos. E aí? Não somos super-heróis, precisamos de afeto, carinho, ‘colo’ e não vamos escapar das cobranças. E aí? Fazer o que? Fluir... Jogar a fronha suja de lágrimas na máquina de lavar, reorganizar o armário, jogar fora milhares de papéis, arrumar só um pouco a casa e voltar àquela esquina ou bar. Fato? Regeneração!

Claudia Nunes

terça-feira, 14 de abril de 2009

O ENGANO: três passos


Dizem que não devemos julgar. Outros comportamentos, desempenhos, experiências, reações e aptidões não têm níveis de comparação. São únicos... individuais... diferentes... Estão dentro de um processo psico/bio/sociológico (cultural e espiritual) diverso em que, dizem, cada um tem seu cada um... Logo julgar é um vício social em que, ao invés de querermos o real, ansiamos pelo ideal. Atrapalhamos o caminho da sabedoria e do equilíbrio porque buscamos semelhanças, nunca entender as diferenças. Criamos, então, as relações de aparência (por interesse, obrigação, controle etc). Mais do que apontarmos limitações no Outro, hoje, para evitar dor e sofrimento, precisamos criar limites em nós mesmos e às nossas projeções imaginárias sobre o Outro. Mas e quando nos enganamos? E quando temos que assumir que nos enganamos? Se/quando julgamos, é possível verificar que parte do que o Outro é, seja descartado em prol de nossas necessidades reais. O risco de enganar-se é real.

Neste momento, o primeiro passo é a quietude. Não uma quietude da voz ou aos novos encontros possíveis, isso é uma decisão reativa (e boba!); mas uma quietude de si, dos pensamentos, da linguagem, do coração, para entender o que aconteceu e para permitir-se escutar o “para além” de si mesmo. O silêncio, então, iniciará nossa próxima comunicação com a realidade e com as pessoas, com cuidado. Mas, na hora do engano, é preciso decidir pela “in-sonoridade” total para entender em que momento a simulação foi maior do que a verdade. Se não conferimos as credenciais ou pedimos uma segunda opinião para cada nova relação; se confiamos plenamente em nossos limites e capacidades de absorção da diferença; na hora do engano, o chão é o nosso lugar, e aí o que nos resta é... LEVANTAR! O ser humano é o único animal que erra, que mente, e isso não o mata, isso o transforma, o ressignifica. Aqui, pensamos numa transformação positiva, uma transformação voltada a uma constante aprendizagem de si mesmo... mesmo a duras penas!

O segundo passo é deixar fluir as sensações, as lembranças, e tentar responder as perguntas: por que? como? para que? Errar é profundamente humano. Errar é acreditar abertamente em novas simetrias e sinergias com a vida, as pessoas e as coisas, principalmente pela atração afetiva (sedução / admiração). Porém, diante da realidade do engano, é necessário rever quem somos para decidir (ou ir decidindo) quem continuaremos sendo. Se, em algum momento, eliminamos nossa auto-defesa e nos permitimos confiar; na revelação do engano, é preciso reinvestir em novas fontes tanto de defesa quanto de confiança, e continuar... sendo. A idéia é simplesmente ir em frente. Por que? Porque nunca seremos sozinhos... nunca estaremos sozinhos... sempre seremos seduzidos pelo olhar, fala, jeito, pensamentos de outras pessoas. Se por curiosidade ou não (a razão não interessa), vamos também nos reinvestir em novas relações de todos os tipos. Porém, na hora do engano, e sabedores da “dor e alegria de sermos o que somos”, é preciso um sincero silêncio e uma radical mudança de planos.

Mesmo na hora do engano, percebemos que nossos instintos nunca se desligaram totalmente: desconfiamos das simulações ou que algo estava errado; suspeitamos; tivemos dúvidas; porém, como conhecer o Outro e as coisas com tantas reservas (barreiras)? como deixar passar a vida só procurando erros e defeitos, reais ou imaginários? como viver/aproveitar o presente querendo ter certezas sobre o futuro? Não é possível... Não precisamos ser irresponsáveis ou indiferentes às pequenas coisas que percebemos / vemos, mas também não é preciso automutilação do afeto em nome da razão. Em cada hora precisamos reconhecer que estamos fazendo o nosso melhor e com os recursos disponíveis no momento. E mesmo na hora do engano, precisamos saber que apostamos mais em nós mesmos do que no Outro; precisamos saber que pudemos e poderemos nos experimentar de outro jeito; precisamos entender o valor que nós temos para nós mesmos. O Outro é apenas uma interface que, constantemente, potencializará nossa capacidade de superação. Na hora do engano, o que se revela é nossa passividade diante de situações / pessoas confortáveis, já que o que se tem são nossos níveis altos de carência, fragilidade e insegurança. Apostamos mais e vigorosamente na manutenção do conforto afetivo do que no entendimento conflituoso das diferenças ou da mudança de ritmo do Outro diante de nós, da vida ou da própria realidade. O pior da percepção do engano é aceitar que quase todas as nossas portas internas foram abertas por nós mesmos. Nós convidamos o Outro a entrar. Tudo só aconteceu porque permitimos. Aí sim lógica, razão, orgulho e alegria são / serão nossos maiores traidores. Além de irônico, isto é sádico! Por que? Porque, depois de um momento de vazio (perda do sentido), e mesmo decidindo fugir momentaneamente das novas oportunidades, nós investiremos, de novo, em pessoas ou coisas pelas diferenças, pelas seduções, por curiosidade, por vontade, pelo eu for...

Sendo assim, entramos no terceiro e ultimo passo: depois da hora do engano, ao abrir mão de julgar e se julgar, devemos reabrir espaços para novos riscos; reabrir espaços para todos os oferecimentos e doações da vida; reabrir o coração para entender que o pior dos enganos se transmuta em nossa melhor chance de viver... por nossa ousadia. Somos seres abusados diante de qualquer tipo de “morte”. Segundo os mais velhos, “se um problema é impossível de resolver, resolvido está”... e a vida segue. Sem ferimentos ninguém passa pela vida porque o que temos como certo constantemente é o risco de perder. Ninguém precisa ser indiferente à segurança pessoal. Segundo uma grande amiga, “é preciso trabalhar pela segurança”, mas nada em excesso, nada muito duro, nada que faça o Outro desistir... de nós. Todos se abrem no ritmo e na medida em que são capazes de administrar, mesmo, às vezes, deixando, por muito tempo, o coração “dentro de um armário”. Na hora do engano, se “trabalhamos pela segurança”, quem retorna das cinzas, como Fênix, será sempre NÓS!

Egoísmo? Individualismo? Tudo bem...
Depois da hora do engano: é isso mesmo!

Profa. Claudia Nunes
Mestranda em Educação / UNIRIO

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...