Dizem que não devemos julgar. Outros comportamentos, desempenhos, experiências, reações e aptidões não têm níveis de comparação. São únicos... individuais... diferentes... Estão dentro de um processo psico/bio/sociológico (cultural e espiritual) diverso em que, dizem, cada um tem seu cada um... Logo julgar é um vício social em que, ao invés de querermos o real, ansiamos pelo ideal. Atrapalhamos o caminho da sabedoria e do equilíbrio porque buscamos semelhanças, nunca entender as diferenças. Criamos, então, as relações de aparência (por interesse, obrigação, controle etc). Mais do que apontarmos limitações no Outro, hoje, para evitar dor e sofrimento, precisamos criar limites em nós mesmos e às nossas projeções imaginárias sobre o Outro. Mas e quando nos enganamos? E quando temos que assumir que nos enganamos? Se/quando julgamos, é possível verificar que parte do que o Outro é, seja descartado em prol de nossas necessidades reais. O risco de enganar-se é real.
Neste momento, o primeiro passo é a quietude. Não uma quietude da voz ou aos novos encontros possíveis, isso é uma decisão reativa (e boba!); mas uma quietude de si, dos pensamentos, da linguagem, do coração, para entender o que aconteceu e para permitir-se escutar o “para além” de si mesmo. O silêncio, então, iniciará nossa próxima comunicação com a realidade e com as pessoas, com cuidado. Mas, na hora do engano, é preciso decidir pela “in-sonoridade” total para entender em que momento a simulação foi maior do que a verdade. Se não conferimos as credenciais ou pedimos uma segunda opinião para cada nova relação; se confiamos plenamente em nossos limites e capacidades de absorção da diferença; na hora do engano, o chão é o nosso lugar, e aí o que nos resta é... LEVANTAR! O ser humano é o único animal que erra, que mente, e isso não o mata, isso o transforma, o ressignifica. Aqui, pensamos numa transformação positiva, uma transformação voltada a uma constante aprendizagem de si mesmo... mesmo a duras penas!
O segundo passo é deixar fluir as sensações, as lembranças, e tentar responder as perguntas: por que? como? para que? Errar é profundamente humano. Errar é acreditar abertamente em novas simetrias e sinergias com a vida, as pessoas e as coisas, principalmente pela atração afetiva (sedução / admiração). Porém, diante da realidade do engano, é necessário rever quem somos para decidir (ou ir decidindo) quem continuaremos sendo. Se, em algum momento, eliminamos nossa auto-defesa e nos permitimos confiar; na revelação do engano, é preciso reinvestir em novas fontes tanto de defesa quanto de confiança, e continuar... sendo. A idéia é simplesmente ir em frente. Por que? Porque nunca seremos sozinhos... nunca estaremos sozinhos... sempre seremos seduzidos pelo olhar, fala, jeito, pensamentos de outras pessoas. Se por curiosidade ou não (a razão não interessa), vamos também nos reinvestir em novas relações de todos os tipos. Porém, na hora do engano, e sabedores da “dor e alegria de sermos o que somos”, é preciso um sincero silêncio e uma radical mudança de planos.
Mesmo na hora do engano, percebemos que nossos instintos nunca se desligaram totalmente: desconfiamos das simulações ou que algo estava errado; suspeitamos; tivemos dúvidas; porém, como conhecer o Outro e as coisas com tantas reservas (barreiras)? como deixar passar a vida só procurando erros e defeitos, reais ou imaginários? como viver/aproveitar o presente querendo ter certezas sobre o futuro? Não é possível... Não precisamos ser irresponsáveis ou indiferentes às pequenas coisas que percebemos / vemos, mas também não é preciso automutilação do afeto em nome da razão. Em cada hora precisamos reconhecer que estamos fazendo o nosso melhor e com os recursos disponíveis no momento. E mesmo na hora do engano, precisamos saber que apostamos mais em nós mesmos do que no Outro; precisamos saber que pudemos e poderemos nos experimentar de outro jeito; precisamos entender o valor que nós temos para nós mesmos. O Outro é apenas uma interface que, constantemente, potencializará nossa capacidade de superação. Na hora do engano, o que se revela é nossa passividade diante de situações / pessoas confortáveis, já que o que se tem são nossos níveis altos de carência, fragilidade e insegurança. Apostamos mais e vigorosamente na manutenção do conforto afetivo do que no entendimento conflituoso das diferenças ou da mudança de ritmo do Outro diante de nós, da vida ou da própria realidade. O pior da percepção do engano é aceitar que quase todas as nossas portas internas foram abertas por nós mesmos. Nós convidamos o Outro a entrar. Tudo só aconteceu porque permitimos. Aí sim lógica, razão, orgulho e alegria são / serão nossos maiores traidores. Além de irônico, isto é sádico! Por que? Porque, depois de um momento de vazio (perda do sentido), e mesmo decidindo fugir momentaneamente das novas oportunidades, nós investiremos, de novo, em pessoas ou coisas pelas diferenças, pelas seduções, por curiosidade, por vontade, pelo eu for...
Sendo assim, entramos no terceiro e ultimo passo: depois da hora do engano, ao abrir mão de julgar e se julgar, devemos reabrir espaços para novos riscos; reabrir espaços para todos os oferecimentos e doações da vida; reabrir o coração para entender que o pior dos enganos se transmuta em nossa melhor chance de viver... por nossa ousadia. Somos seres abusados diante de qualquer tipo de “morte”. Segundo os mais velhos, “se um problema é impossível de resolver, resolvido está”... e a vida segue. Sem ferimentos ninguém passa pela vida porque o que temos como certo constantemente é o risco de perder. Ninguém precisa ser indiferente à segurança pessoal. Segundo uma grande amiga, “é preciso trabalhar pela segurança”, mas nada em excesso, nada muito duro, nada que faça o Outro desistir... de nós. Todos se abrem no ritmo e na medida em que são capazes de administrar, mesmo, às vezes, deixando, por muito tempo, o coração “dentro de um armário”. Na hora do engano, se “trabalhamos pela segurança”, quem retorna das cinzas, como Fênix, será sempre NÓS!
Egoísmo? Individualismo? Tudo bem...
Depois da hora do engano: é isso mesmo!
Profa. Claudia Nunes
Mestranda em Educação / UNIRIO
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