terça-feira, 11 de agosto de 2009

MARÍLIA, A Humana Louca


A poucos dias eu vi o show “Elas cantam Roberto”. Surpreendi-me com algumas interpretações, mas nada fora do normal. Mulheres, cantoras, fãs estavam cantando o ídolo, os afetos, a infância, a memória com singeleza, alegria, graça e beleza. Como tantos outros shows produzidos para TV, grandes revisitações de nossas estrelas musicais estavam ali representados. Tudo muito belo e simples. Repentinamente, adentra ao palco, Marília Pêra. Marília Pêra? Sim, Marília Pêra. Mas o que Marília Pêra faria ali? Minha atenção foi completamente seqüestrada. Marília Pêra é sinal de diferença e de grandiosidade. Atriz, intérprete e bailarina, num fundo negro, num figurino negro, a personagem atravessa o palco e suspende minha respiração. A orquestra inicia os primeiros acordes e adensa as sensações que ainda nem aconteceram. A música é ‘120... 150... 200km por hora’. Marília está incorporada. Declamando, interpretando, cantando, a música ganha cor, realidade e imagem. É isso! Marília dá imagem à letra da música com uma carga feroz de emoção. A personagem que segue dirigindo seu carro pela loucura da vida está ali em sua dor, angústia, desequilíbrio, incerteza. Marília, personagem, provoca desassombramento dos sentimentos, das negações, das perdas. Se o mundo lhe esqueceu, para que a organização? Ou cumprimento de regras? Ou respeito às pessoas? Nos gestos, o que quer é ‘seguir caminhos que a levem a lugar nenhum’! Marília, desta vez, não canta! Marília vive cada velocidade ‘sem poder parar’! Sua voz embargada e cheia de nuances está colocada em função da interpretação e da loucura que é sentir-se perdida existencialmente ‘voando pela vida sem querer chegar’. Cada parte da música tem, em sua presença de palco, ora o raciocínio da personagem, ora seu processo de enlouquecimento, em velocidades diferentes. É a loucura humana de continuar vivendo apesar de jogado ora nas profundezas do inferno, ora nas agonias da perda, ora ainda num vácuo perfeito de sensações sem sentido. Marília nos faz entrar numa espiral rascante ‘sem saber pra onde e nem quando parar’. Agora estou no Youtube e revendo a cena. Lindo! Excessos pertinentes! Indignação no ponto certo! Até o fim Marília nos leva a uma arritmia de lembranças. Da mais feliz à mais deprimente, não há volta. No fim, de costas, ignorando ‘as marcas no caminho para não querer voltar’ e a 200km por hora, Marília vai embora, aos berros! Sem olhar para trás e gritando as verdades da personagem, Marília evita a possibilidade de vida e... acelera, esquece, apaga e desaparece. O corpo se perdeu nas brumas das emoções (na junção das cortinas), mas permanecemos atravessados pela voz. Meu coração não bate, pulsa forte. Na garganta, o sentimento daquela loucura vertiginosa e descompassada. Marília se esvai deixando um grito na garganta: aaaaaaaaaaaaaaaaa... Foi-se...




Profa. Claudia Nunes

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