quinta-feira, 20 de maio de 2010

MOMENTO 'DELETAÇÃO'

Hoje lendo algumas crônicas em torno do cotidiano, comecei a olhar as pessoas e a mim. Era um olhar por dentro de mim e nas feições dos outros. Em muitos casos, havia uma verdade tanto no olhar quanto nos gestos. Mas o que me chamou a atenção foram os disfarces, as formas de disfarce. Internamente comecei a me perguntar ‘por que certas coisas eram negadas por mim?’. Ao redor, nas conversas, aconteciam jogos de sedução cínicos de todo tipo. Internamente, minha sedução exigia uma performance interativa relacionada à minha máscara (ou personalidade). Ao redor, acontecia um conjunto de seduções veladas de conquista ou de encontro com o bem-estar social e financeiro a qualquer preço.

Numa praça de alimentação de shopping, o que se estabelece é a reconfiguração cerebral em torno da solução de todos os tipos de problemas. As preocupações, mesmo as unicamente afetivas, estão na mesa, entre amigos e familiares, e esperando solução, qualquer uma. A expectativa é que pensamentos negativos sejam suavizados na interação com o outro (outra experiência), mas com pouco esforço. Numa praça de alimentação de shopping, há a reflexão de um software integrado e cuja usabilidade é diversificada a toda hora de acordo com os interesses individuais. Seu funcionamento é automatizado pelas engrenagens sofisticadas e individualizadas de cada atitude ou postura em defesa dos próprios ‘umbigos’.

Mesmo excitados com os futuros encontros emocionais ou acreditando que a vida entrou em pane total, os grupos de pessoas procuram se ajudar compartilhando situações e colaborando em seus critérios de avaliação e esclarecimento. Todas querem uma ‘tábua de salvação’ e provavelmente apontar um ‘bode expiatório’. Eu olho ao redor e me meço também. O que faço aqui sozinha? O tempo nunca será meu parceiro. A vida está ativa lá fora. E o meu cérebro requer outra otimização bem séria. Como varrer de vez parte da memória ruim que insiste em me convencer que sou isso e não aquilo? Como transgredir medos internos e seculares e, enfim ‘ser aquilo’? Afinal, o que não gosto, o que não quero, o que não aceito, são os arremates da minha subjetividade e me diferenciam dos ‘quaisquer um’: como descartá-los tal e qual pele de cobra?

Qualidades estranhas também pertencem a lista das características humanas. Se assim o é, essas pessoas e eu fazemos parte de um organismo 'perfeito' porque, em seu bojo, convivem e se inter-penetram vírus de toda ordem. E estes vírus são os adereços de nossas individualidades. Não somos alguém sem eles. A questão humana, então é de equilíbrio dos desequilíbrios éticos, emocionais e financeiros. É conviver com o vírus sem potencialiá-lo por qualquer coisa. De repente um susto no meu hipocampo ilumina meus pensamentos: a questão mais importante do mundo humano é que todos precisam de um Norton, um Avast, um McAfee ou um AVG interno, funcionando e atacando detalhadamente nossos recantos mais preservados porque sombrios. Antivírus é a nossa solução!

No século XXI, nós, humanos, precisamos reencontrar um antivírus potente que nos cause leveza de SER e/ou que nos reconduza a beleza de ESTAR. Em um texto distribuído na Internet*, estão elencados alguns vírus aos quais devemos dar mais atenção, caso queiramos, minimamente, uma qualidade de vida social e pessoal. Para além dos ‘Tibas’, ‘Curys’ e/ou ‘Boffs’ da vida, não há mudanças sem a aceitação e análise dos nossos becos escuros. Neste caso, atenção às sombras viróticas como:

01 - Pensamento sempre/nunca: Estas palavras desgovernam o processo de bem-estar. Fatos ruins não têm a probabilidade de se repetir. Fatos ruins são naturais em quem vive e/ou sabe viver. Não há objetivos inconquistáveis, há desvios aos quais somos obrigados a fazer por sobrevivência ou por oportunidade, vez por outra. Se você se diz ou escuta às vezes: ‘ele sempre me diminui’, ‘ninguém vai telefonar para mim’, ‘eu nunca vou conseguir um aumento’, ‘todo mundo se aproveita de mim’, ‘meus filhos nunca me ouvem’ etc. crie um momento ‘deletação’: supere!

02 - Vírus do negativismo: Desde os tempos mais românticos, a questão da morte tem um lado de perfeição, de encontro com a perfeição, mas por isso o corpo adoece mais rápido e se autodestrói. Pensamentos negativos têm esta energia e adoram certa parceria: o lado obscuro humano. Não há como renegá-los, mas sua permanência é uma questão de escolha. Momento ‘deletação’: enfrente!

03 - Vírus de prever o futuro: Às vezes, vivemos uma sequência de situações com resultados adversos. Isto nos leva a desacreditar em dias melhores e a perceber o futuro como negro ou cinza. Não há porque acreditar que os marasmos, a rotina ou as desilusões sejam eternas. Toda desorganização guarda em si um futuro restabelecimento, logo, antes de qualquer coisa, deve-se preservar as iniciativas, os valores e os projetos. É sempre tentar! Caso erre, não se sufoque, não desista, mude o caminho / o critério / as opções. Ninguém prevê o futuro, no máximo deseja. Momento ‘deletação’: tente!

04 - Vírus da leitura das mentes: As interações diárias com as mesmas pessoas ou não criam um pensamento: conhecemos as pessoas. Somos experts sobre a vida dos outros. De acordo com isso, criamos clichês, preconceitos, orgulhos e intransigências. Todos somos diferentes, logo NUNCA sabemos o que os outros estão pensando ou como vão agir. Se vamos tomar conta da vida, tomemos conta de nossas vidas, algo já super complicado de fazer. Ler mentes ou comportamentos é pura ilusão. Momento ‘deletação’: assuma!

05 - Vírus do 'pensar com sensações': Na época moderna, Descartes era fundamental: ser humano é razão ou é emoção. Hoje sabe-se que nossa humanidade age integrando esses dois pontos. Nossas sensações enredam razão e emoção com energia, daí termos reações diferentes diante de um mesmo evento. Eventos desagradáveis provocam pensamentos negativos. E dependendo da força, nos envolvem e nos levam às melancolias, depressões e fraquezas emocionais sem fim. Quando a frase ‘Eu tenho a sensação que isso não vai dar certo’ atravessar os pensamentos, momento ‘deletação’: esqueça!

06 - Vírus da culpa: A mente, em alguns momentos, nos prega peças. Atingidos pelo mundo real, sempre muito mesquinho, autoritário e bruto, sofremos, e aí uma frase incompleta se faz presente: ‘eu deveria...’. É a culpa abrindo caminho direto ao coração. Outras expressões também são armadilhas: ‘eu preciso...’, ‘eu tenho que...’. se assim for, atenção! Substitua! O valor da nossa presença no mundo está em afirmações como ‘eu quero’, ‘eu vou’, ‘eu posso fazer assim’. Lembre-se de um ótimo ditado popular: ‘quem vive de passado é museu!’. Momento ‘deletação’: siga!

07 - Vírus da rotulação: Tão ruins quanto os clichês são os rótulos. As impressões são momentâneas e não podem ser eternizadas. Devemos respeitar o tempo de aprender e de ser de cada um. Ao rotular algo ou alguém, descartamos a vivência de novas possibilidades de SER de todos. Nós nos tornamos arrogantes e frios. Ao rotular ou estigmatizar perdemos a capacidade de mudar ou repensar nossas próprias certezas diante da diversidade do outro. As cenas ruins ganham em potência sem reflexão e análise. O rótulo generaliza negativamente e transforma a realidade das pessoas em imagens virtuais de sua imaginação infectada. Momento ‘deletação’: conscientize-se!

08 - Vírus da personalização: Somos pessoas no mundo, assumimos nossa importância porque, em algum momento, percebemos nossa inteligência e criatividade em prol da própria sobrevida. Porém assimilamos também um certo egoísmo, um individualidade negativa e um descumprimento constante da solidariedade. Como o ‘próximo’ não sou eu, eu não preciso ajudar, aconselhar, olhar, pensamos em muitos casos. Nós nos tornamos ‘pessoais’ demais e, em conseqüência, levamos tudo para o lado pessoal. Se o que vem do outro não nos agrada ou conforta, pensamos logo: ‘ele não gosta de mim’, ‘ele está com raiva de mim’. Errado! Se o próximo está próximo aproxime-se. Um sorriso, um ‘olá’, um silêncio pode mudar a ordem das coisas. Momento ‘deletação’: creia!

09 - Vírus de culpar os outros sempre: É o pior de todos os vírus do pensamento! Neste momento o outro é a razão de todos os males e por causa dele não estamos melhores. Ao culpar automaticamente os outros pelos problemas da sua vida, este vírus o torna impotente para responsabilizar-se pelo próprio destino. Incapaz de mudar qualquer coisa, acusamos o outro por nossas incapacidades ou preguiças. Errado! Se tem espelho em casa, se olhe! Se tem um espelho interno, se olhe! Use o "antivírus da auto-estima" e pare de projetar nos outros suas próprias culpas ou fragilidades. Momento ‘deletação’: seja você!

E seja feliz de múltiplas e originais maneiras!

* Nota: recebi um texto por email chamado 'Vírus Mentais' aparentemente anônimo, separei apenas os 09 itens (virus) listados e refiz a escrita sobre os signficados de cada um deles.

Profa Ms Claudia Nunes

sexta-feira, 14 de maio de 2010

NOITE DOS SILÊNCIOS

Nada é mais certo do que afirmar o seguinte: ‘as novas tecnologias estão transformando as emoções humanas’. Os novos brinquedos criaram novos comportamentos à sedução amorosa. E os sujeitos ganharam outras estratégias e espaços à conquista afetiva. Mas o que os meios de comunicação revelam é a ascensão vertiginosa das separações e dos silêncios dos casais, mesmo casais-só-amigos.

Silêncio? É, silêncio. Com as redes sociais (digitais e reais) em pleno fomento e com diferentes pontos de acesso, hoje eu estou procurando os corpos. Estou procurando corpos total e sinceramente anti-descarteanos. Onde estão os corpos? Estou num cemitério, numa manhã de sexta-feira, e de repente alguém me aborda perguntando: você está procurando corpo? Eu me assusto e penso: ‘que pergunta é essa?’ Sem responder, me desvencilho da pessoa, mas meus pensamentos estão embrulhados.

Com tantos silêncios sociais, será que JÁ precisávamos reencontrar nossos corpos físicos e, por conseguinte, o fundamento de um beijo, um abraço, um amor? No carro, dirigindo de volta a casa, algumas idéias me ferem: o ‘barulho’ das NTICs deu mais força à nossa humanidade, porém calou emoções como o prazer, o desejo, a vontade; as ‘facilitações’ pretendidas pela presença das NTICs trouxe novas interfaces de aproximação, mas esticou (ou manteve) as distâncias; o uso ininterrupto das NTICs no cotidiano criaram mais tempo livre, em contrapartida abriram novos espaços para outras ocupações pessoais e profissionais.

Em cada idéia, uma conjunção adversativa. Em cada idéia, um reverso. E no reverso o estabelecimento do silêncio. ‘Sujeitos do mundo, por que tanto silêncio?’ - grito no carro. No caminho, lembro do velório: muitas pessoas e a emoção em nichos. Todos solidários ao triste momento, mas, afastados, recriando novas (e outras) redes sociais. Muitas pessoas e uma grande farsa silenciosa. Enterro é um grande encontro social sem aviso prévio.

Quando Pierre Levy trabalha seu conceito de ‘inteligência coletiva’, trabalha o sentido da colaboração e do compartilhamento pulsando no meio da sociedade em busca de um futuro, e as NTICs proporcionariam o encontro com nossos ‘avatares’ (aqui, no sentido de encarnação divina). Mas é muito fácil perspectivar as atitudes humanas em teoria; é muito fácil descartar parte da nossa humanidade de forma a melhor (re)conectar a realidade com a integralidade dos sujeitos. É muito difícil, quase impossível, ter a certeza destes acontecimentos.

Os seres humanos são imprevisíveis e ‘birrentos’ quando diante da opção de gerenciar suas qualidades ou estimular qualidades no outro. Neste ponto, presentifica-se nossa principal característica: sobreviver a qualquer preço e o outro ‘que se dane’. Em casa, por e-mail, li um texto do Arnald Jabour, ‘Estamos com fome de amor’. De onde vem essa fome? Esta fome vem dos nossos silêncios emocionais por timidez, medo, antipatia, respeito. Diante das regras sociais e, hoje, virtuais, o ser humano se esqueceu de se feliz sem drama, sem culpa e sem razão. Todos os ‘encontros essenciais’ estão cobertos de perspectivas, planejamentos e interesses. Estes são nossos piores silêncios.

Depois da máquina a vapor, do telefone, do avião, da lâmpada elétrica, o mundo entrou num grande agito criativo, ganhou jogo de luzes e novos espaços aos vários tipos de encontro, mas se perdeu no silêncio dos sentidos e dos movimentos táteis, aqueles que arrepiam a pele instantaneamente e trazem à face um enorme sorriso de conquista. Será isto uma ilusão hoje?

Hoje a mente está eletricamente quente e o corpo está enregelado porque cada vez mais inútil pelo uso intenso do controle remoto, pelas compras pela Internet, pelas entregas em casa, pelo estudo a distância etc. É o descuidado e pura entrega cega às facilitações da vida ‘pós-moderna’. Brinca-se demais com memória, mas muito pouco com pulmões, mãos e pés. Os sujeitos ganharam novos brinquedos, mas tornaram-se flagelos das emoções duradouras. Os sujeitos e as NTICs facilitaram a sobrevida, mas inauguraram uma maneira contraceptiva aos casamentos ou às relações mais longas. É o silêncio dos profanos revelando novas sacralizações fulgazes. É o silêncio em meio aos ruídos das noites mais sedutoras e a frieza dos dias mais iluminados. Há uma opacidade no desejo de estar junto porque ‘ter raízes’ é pensamento ‘da antiga’.

Os sujeitos estão amantes a cada semana, jamais cônjuges de vida inteira. Alias esse negócio de ‘vida inteira’ ou ‘para sempre’ deveria ser filmado por Tim Burton também, tal o absurdo ou surrealismo de nossa imaginação, nestes ‘tempos líquidos’. Os enredos filmados sempre seriam fraquinhos, mas as imagens e as cores seriam densas e maravilhosas, e ocupariam todo o espaço da sensibilidade. Há uma obrigatoriedade do silêncio do arrepio do tesão-minuto porque a fascinação e a admiração são tremendamente ofuscantes.

Em casa, abro uma garrafa de vinho e fico perplexa: no século XXI, é o silêncio nossa senha de acesso ao mundo de tudo e de todos, apesar das expectativas. Os sujeitos estão ausentes de sua natureza ainda que intrigados com a possibilidade de fecundação diária de toda sorte. Ao saírem das noites tórridas onde ‘todos os gatos são pardos’, encontramos um terreno pantanoso cuja arquitetura investe na vacuidade de nossas educações antigas como: ‘tudo bem?’, ‘obrigada(o)’, ‘desculpe’, ‘com licença’, ‘ola’ e o puro ‘bom dia’.

Em tempos dos brinquedos tecnológicos, os sujeitos tornaram-se farejadores do ‘amor romântico’ em sedutoras galhardias juvenis e nos mergulhos nas oportunidades amorosas. É um campo árido e quase desértico à confiança e ao afeto já que cada um disfarça suas necessidades afetivas (e sexuais) com trabalhos, racionalidade, orgulho e soberba. É auto-estima introspectiva. Ninguém se dá conta que o ‘tempo não pára’, que a pele enruga, que o corpo trava, que a saúde não é eterna. Uma pena...

Onde mora a felicidade então? Eu acredito muito na disponibilidade, na participação, no carinho sem interesse, nas ligações despretensiosas, no afago simples, nas presenças surpresas, nos presentes sem data etc. E assim os silêncios podem se desanuviar, perder a tensão e ajudar nas transformações, apesar dos mundos virtuais.

Cuidado, o silêncio influencia nossas abstinências emocionais sem nenhum esforço, quando solicitadas ou aceitas como naturais. Sinceramente pergunto, ‘vagamos JÁ pelo vale da sombra da morte’?

Profa Ms Claudia Nunes

terça-feira, 11 de maio de 2010

A EDUCAÇÃO MUDA O CÉREBRO

Será possível aplicar os avanços da neurociência para melhorar o sistema educacional? Em sua coluna, Roberto Lent discute essa questão a partir de resultados recentes que mostraram a existência de mecanismos cerebrais envolvidos com a aprendizagem.

Por: Roberto Lent


O cérebro é como um computador que se reorganiza em resposta ao ambiente (foto: iStockphoto).

Nos últimos dez anos, uma profunda transformação conceitual ocorreu na neurociência: caiu por terra a ideia de que o nosso cérebro é todo formado durante a vida embrionária, nada mais restando após o nascimento senão aproveitar as nossas capacidades congênitas para aprimorá-las.

Essa concepção conservadora do cérebro como um órgão rígido, pré-formado sob estrita ordenação genética, agride o senso comum, mas possivelmente se cristalizou no século 20 pela grande influência de Santiago Ramón y Cajal (1832-1934), pesquisador espanhol que estabeleceu a doutrina do neurônio como unidade básica do sistema nervoso.

Cajal analisou ao microscópio – e revelou ao mundo por meio de belíssimas ilustrações a bico de pena que ele mesmo fazia –¬ milhares de neurônios de variadas formas, e centenas de circuitos neurais de diferentes composições, em cérebros de diversas espécies de animais, inclusive humanos.

Dotado de forte espírito imaginativo, Cajal viu além das formas que desenhou, propondo mecanismos e funções para os neurônios e seus circuitos. Apesar disso, via formas, mapas, circuitos. Talvez por essa razão, opinou sempre que o sistema nervoso adulto seria rígido e invariante. Um paradoxo, tendo em vista a grande flexibilidade comportamental e cognitiva de que somos todos dotados.

Novas técnicas revelaram o funcionamento dinâmico dos circuitos neurais dentro do cérebro vivo.

A segunda metade do século 20, entretanto, trouxe novas técnicas capazes de revelar não apenas o mapa dos circuitos neurais, mas seu funcionamento dinâmico, dentro do cérebro vivo, no animal ou na própria pessoa em plena ação. Foi possível registrar os sinais emitidos por neurônios isolados, grupos de neurônios ou regiões inteiras do cérebro, relacionados a funções corporais, comportamentos e até sensações, sentimentos e operações cognitivas.

A ilustração A é um dos desenhos originais de Cajal, baseados em neurônios reais impregnados com prata, como se vê na foto B, tirada por Janaína Brusco, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.

O cérebro mutante
Resultou desse esforço de pesquisa uma nova concepção: o cérebro é mutante, e não estático! Responde aos estímulos ambientais não apenas com operações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes. Emergiu o conceito de neuroplasticidade, que sintetiza essa capacidade dinâmica, mutante, transformadora.

A neuroplasticidade implica mudanças na transmissão de informações entre os neurônios, tornando alguns mais ativos, outros menos, de acordo com as necessidades impostas pelo ambiente externo e pelas próprias operações mentais.

Ao conversar com alguém, é preciso que você mantenha na sua memória por algum tempo as frases que emitiu e os assuntos que abordou. No dia seguinte, talvez isso não seja tão necessário. Essa é a chamada memória operacional, de curta duração, baseada apenas na persistência das informações nos circuitos neurais durante minutos ou horas. Os informatas a chamariam de memória RAM do cérebro.

O hardware cerebral se modifica com o treinamento e a aprendizado.

Fenômenos neuroplásticos mais duradouros ocorrem com o treinamento e a aprendizagem. Nesses casos, os circuitos neurais envolvidos tornam-se fortes e permanentes. O hardware cerebral se modifica, com a emergência de novos circuitos entre os neurônios e o fortalecimento daqueles mais utilizados.

A informação obtida persistirá durante muito tempo, às vezes durante toda uma vida. Quem não lembra até a morte o nome de sua mãe, a data do seu aniversário, o primeiro beijo apaixonado, ou como andar de bicicleta e amarrar o sapato?

Neuroplasticidade e educação
Se o cérebro é plástico, mutável, como poderíamos aplicar esse conceito na educação? Não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas para a coletividade? Mudar as pessoas é mudar o seu cérebro. Sendo assim, existiria uma ciência da educação? Neuroeducação? Em outras palavras: de que modo os avanços da neurociência poderiam ser aplicados na educação?

Muitos neurocientistas trabalham para esclarecer e viabilizar essa possibilidade, e já aparecem alguns resultados de pesquisa que nos autorizam a pensar em mecanismos cerebrais específicos envolvidos com os diversos aspectos relevantes para a educação.

Resultados recentes sugerem que há mecanismos cerebrais específicos envolvidos com a aprendizagem

Há poucos meses, a Fundação Dana, uma organização privada norte-americana dedicada a apoiar a ciência, a saúde e a educação, com ênfase particular na neurociência, lançou o número de 2010 de Cerebrum, um livro anual que debate os avanços e perspectivas dessa disciplina. Nessa edição, sobressai uma interessante discussão com vários especialistas sobre as relações entre as ciências do cérebro e a educação. Dentre os resultados relatados e discutidos nesse livro, dois me chamaram a atenção.

O primeiro refere-se ao processo conhecido como transferência próxima. São experimentos realizados por um grupo de neurocientistas liderados por Gottfried Schlaug e Krista Hyde, do Instituto de Neurologia de Montreal, no Canadá, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O grupo de pesquisadores acompanhou durante 15 meses crianças de 6 anos de idade sob treinamento musical, comparadas a outras sem essa atividade. Mesmo nesse curto período foi possível detectar alterações cerebrais estruturais nas regiões motoras envolvidas com os instrumentos musicais empregados (teclados), nas regiões auditivas e no circuito de integração entre os dois hemisférios cerebrais.

As regiões apontadas pelas setas são aquelas que se modificam nas crianças sob treinamento musical durante 15 meses. À esquerda a área motora, à direita a área auditiva. Modificado de Hyde e colaboradores (2009).

A neuroplasticidade estrutural no cérebro de músicos adultos já havia sido demonstrada anteriormente, mas persistia a dúvida sobre se o fenômeno era causado pelo treinamento ou se esses indivíduos eram previamente dotados de maior volume cortical nas regiões associadas ao processamento musical. No experimento do grupo norte-americano, isso ficou esclarecido, pois o estudo comparou as imagens obtidas antes e depois de um treinamento musical de 15 meses.

O termo transferência próxima, utilizado acima, pode agora ser entendido: refere-se ao efeito do treinamento sobre regiões funcionais relacionadas à função aprendida. Nesse caso, as regiões motoras e auditivas são obviamente relacionadas à aprendizagem musical.

O segundo grupo de resultados é mais impressionante, mas menos bem documentado cientificamente. Aborda um processo mais sofisticado chamado transferência distante. Aqui, a influência do treinamento (educação) se dá sobre funções menos relacionadas (distantes).

O treinamento focalizado em música, dança ou teatro poderia fortalecer o sistema atencional do cérebro.

Uma avaliação do estado-da-arte nesse aspecto da neuroplasticidade foi feita em Cerebrum 2010 por Michael Posner, professor emérito da Universidade de Oregon, e especialista nos mecanismos neurobiológicos da atenção.

O sistema em questão, neste caso, é o sistema atencional do cérebro, por meio do qual somos capazes de focalizar nossas operações cognitivas sobre um único alvo, e desse modo realizá-las de forma mais eficiente.

A ideia subjacente é que o treinamento focalizado em uma forma de arte que atraia fortemente o interesse de uma criança – música, dança, teatro – fortaleceria o sistema atencional do cérebro, repercutindo positivamente na cognição em geral. Para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.

Efeito Mozart
O “efeito Mozart” não foi reproduzido pela comunidade científica. Não deve ter ajudado nem o próprio... (montagem a partir de retrato de Mozart pintado em 1819 por Barbara Krafft).

Um primeiro experimento feito com essa perspectiva foi publicado em 1993 na revista Nature, e ficou conhecido como “efeito Mozart”. Os autores do estudo sustentaram que estudantes universitários expostos à música erudita por breves períodos de tempo (Mozart, especialmente) melhoravam suas habilidades de raciocínio espacial, também temporariamente. Os resultados causaram sensação, na época, mas jamais foram reproduzidos por grupos independentes de pesquisadores.

Mais recentemente, as tentativas de reproduzir esse efeito empregaram tempos maiores de exposição e treinamento musical ativo. Neste caso, alguns resultados mais animadores começaram a aparecer. Em 2004, o grupo de E. Glenn Schellenberg, da Universidade de Toronto (Canadá) relatou que crianças participantes de um programa de treinamento musical durante um ano apresentavam um aumento do seu QI, em comparação com crianças que não participaram do treinamento.

É verdade que o QI costuma ser criticado como medida comparativa da inteligência. No entanto, no estudo em questão, o mesmo teste era realizado longitudinalmente nas mesmas crianças, antes e depois do treinamento.

A transferência distante ainda é um fenômeno mal demonstrado, e a busca por demonstrá-lo atrai o interesse dos neurocientistas e psicólogos, pela sua óbvia repercussão em educação.

Será que chegaremos algum dia a poder orientar os sistemas educacionais segundo princípios científicos, mais do que segundo a nossa intuição de pais e professores?

Roberto Lent
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sugestões para leitura:
F.H. Rauscher e colaboradores (1993) Music and spatial task performance. Nature vol. 365: p. 611.
E.G. Schellenberg (2004) Music lessons enhance IQ. Psychological Science vol. 15: pp.511-514.
K.L. Hyde e colaboradores (2009) Musical training shapes structural brain development. Journal of Neuroscience, vol. 29: pp.3019-3025.
Dana Foundation (2010) Cerebrum. Emerging ideas in brain science. Nova York: Dana Press, 222 pp.
M. Posner e B. Patoine (2010) How arts training improves attention and cognition. In Cerebrum 2010, pp. 12-22.

EDUCADOR: disposição ou predisposição?

Os séculos XX e XXI e suas inovações tecnológicas propõem, a todo tempo, uma provocação aos profissionais de ensino através do lúdico, do afeto e do conhecimento, na medida em que a acessibilidade torna-se facilitada por diferentes e novas ferramentas mediadoras, no intuito de reestruturarem e redimensionarem os conteúdos em sala de aula. “Os fins justificam os meios” é a expressão que condensa as novas propostas a que os educadores estão expostos de maneira a permanecerem refletindo sobre suas práticas de ensino. A pretensão é ressaltar os aspectos essenciais da educação para que os educandos possam assumir suas posições, na sociedade, por sua participação, envolvimento, cooperação, diálogo, e isso de maneira compartilhada.

Inicialmente, é necessário repensar o que se quer quando escolhemos nos tornar educadores nos dias atuais. É preciso responsabilidade (e vocação) ao escolher a licenciatura como elemento agenciador de um posicionamento profissional na sociedade contemporânea. Mesmo que muitos torçam o nariz, ensinar não é para qualquer um, ensinar não é um querer fantasioso e ensinar não é forma de lucro. Ensinar é participar de um desenvolvimento social e cognitivo implementando / inserindo / alimentando tanto os processos de redimensionamento pessoal quanto profissional dos indivíduos, já que a relação entre educador e educando se dá pela oferta de condições necessárias para que ambos desenvolvam aprendizagens e conhecimento, seja proporcionando experiências variadas, seja estimulando a observação e a pesquisa, seja possibilitando o desenvolvimento de diferentes visões de realidade.

Se pensarmos na constante hibridização da sociedade diante da crescente intermediação das novas tecnologias, esse educador tornou-se múltiplo, não fragmentado. De cara, referir-se a ele traz à cena dos sentidos palavras como professor, treinador, educador, mediador, tutor, instrutor. Essas palavras, entendemos, têm seus lugares no tempo e no espaço, e, neste nosso século XXI, essas palavras convivem dependendo da interface (objeto de aprendizagem) a que alunos/usuários imergirão; comportam padrões de comportamento diferenciados em relação ao próprio ato de ensinar; e, principalmente, ratificam a impossibilidade de desaparecimento desse profissional de ensino: outra vez uma forma de sobrevida.

Nesses tempos ditos “pós-modernos”, a universalidade em relação à percepção de qualquer ambiente pelo qual transitamos está descartada: vemos parte do todo. A maturação (segundo Aurélio, amadurecimento, aperfeiçoamento), resultado de qualquer período de permanência do aluno/usuário diante de um objeto real ou virtual, passa a acontecer a partir de seleções muito individuais e rápidas, e, com certeza, sem seguir quaisquer padrões. Então, mantendo o nosso recorte, o ato de ensinar, de estabelecer aprendizagem ou de promover uma dinâmica educacional, exige do educador versatilidade e flexibilidade. É aproveitar a “falta de padronização” sugerida, justamente, para provocar mais aprendizagens e mais conexões. É absorver a liberdade das tantas formas de interesses trazidas pelas novas tecnologias para permanecer seduzindo o aluno/usuário em sua interação com os diversos conteúdos.

“Embora sempre tenha existido o movimento humano de transpor conhecimentos sobre a realidade natural e social para a confecção de instrumentos e ferramentas capazes de facilitar e ampliar as potencialidades do trabalho humano” (1), as novas tecnologias estão rompendo as bases do que se pode chamar “fazer pedagógico” unilateral (do educador ao aluno). A Didática, por exemplo, passou a se constituir como uma arena onde, aceleradamente, e aproveitando os novos meios de interações cognitivas, promoveu-se formas de dinamização dos processos ensino-aprendizagem voltados para o “aprender a aprender” continuadamente.

Os padrões educacionais, então, se apresentam exigindo interatividades cada vez mais intrínsecas com outros discursos como Filosofia, (Neuro) Biologia, Comunicação, Psicologia, etc., e estes requintam as análises das realidades em busca de aprimoramento “da vontade benéfica de transformar a realidade que nos cerca em algo melhor para nós mesmos e para os outros com quem convivemos” (2), e, em busca de uma inserção tanto de seus agentes quanto de seus agenciados, nos diversos campos profissionais e/ou pessoais. Mas, para tudo isso, é preciso predisposição da tecnologia mais importante: o ser humano; e, ainda mais, é preciso predisposição “da principal tecnologia em sala de aula [...]: o professor.”(3)

Diante de uma padronização autoritária das formas de ser e agir, uma padronização formulada pelos currículos do Ensino Superior, a predisposição ou já faria parte da personalidade do aluno a ser licenciado, ou teria a sorte de ser convocada pelos encontros surpreendentes com outras personalidades (já profissionalizadas) já predispostas (educadores predispostos). Ou seja, a predisposição é uma vocação / tendência utilizada tanto por aqueles que projetam seus saberes e angústias em projetos de ser quanto àqueles que apenas circulam em meio a fontes arraigadas do saber ser: o problema é perder a visualização das novidades a serem absorvidas em favor das aprendizagens, em prol das inteligências, em nome do desconhecimento e do temor.

Mas incrivelmente, no caso do “fazer pedagógico”, tão importante para a “mielinização” do futuro dos indivíduos, ainda predomina a criação de comunidades de ensino, envoltas em conceitos e valores implicados em uma política “jurássica” do saber ser. Educadores ainda têm, na plenitude de sua formação acadêmica, a perspectiva de que, diante do entendimento de que o educando nada sabe, são porta-vozes da razão crítica ou analítica, e que diante de seus conteúdos específicos a que se ter toda forma de atenção discente. Sendo assim, e sob essa opção confortável, reprocessam (por acreditarem) posturas como “vou dar zero em todo mundo!”, “não anotou? Não tem caderno? Quero ver na prova!”, “não tem jeito, eles não prestam a atenção nunca!”, “é... já vi que vou reprovar muita gente aqui...”, “eles brincam, brincam, mas quero ver no final do ano/semestre”, “eu sou terrível, todos têm medo de mim, deu mole, reprovo mesmo!” etc.

Muitos dos nossos colegas ainda se valem desses tipos de ameaças visando chamar a atenção aos seus conteúdos e sobre si mesmo. Mas a perversidade não acaba aí. Como ainda conseguem prestígio por meio dessas falas, no âmbito da comunidade “pedagógica” que os contornam, também acreditam que outros educadores mais voltados à flexibilidade do conteúdo, à afetividade, às mudanças de paradigmas e à predisposição aos novos recursos, sejam a incorporação do mal e que podem imprimir um retrocesso e até destruição do próprio educador.

As mudanças propostas por esses “novos e estranhos” educadores são culpabilizadas no que concerne à passividade e alienação da atual geração. É a tradição descategorizando o novo. É a tradição consciente da sua perda crescente de status, riscando o novo com a faca da impossibilidade ou mesmo tentando desarticular a força desse novo discurso pedagógico. Mesmo assim, é certo, em ambos os lugares, “tradicionais” e “novos” educadores, há uma verdade ao qual não se deve perder: ambas as partes se “esfaqueiam” porque ambas têm o interesse de desenvolver cérebros criativos, cérebros que permaneçam absorvendo todo tipo de informação (e aí a memória visual é ímpar), cérebros que reconduzam as informações ao patamar de conhecimento.

Conhecimento, aqui, é o resultado da interatividade constante que o cérebro faz entre e a partir das informações apreendidas. Então o que é melhor afinal? Não há melhor, nem melhores. Há o movimento de absorção de novas e antigas teorias de vários discursos voltado para uma reflexão mais crítica das relações, por exemplo, a que essa nova geração se predispõe em busca de si mesmo. E a busca do saber é um elemento muito querido... ainda por ambos os tipos de educadores referenciados aqui.

Então qual seria a diferença entre disposição e predisposição docente?

A disposição é uma atitude construída paulatinamente. É o ponto de partida de onde os educadores se projetam, após a formação teórica, na busca constante e eterna de “alimentos” atraentes às aprendizagens e às inteligências ao qual estariam expostos por toda a sua vida útil. Todavia, assustadoramente, começamos a notar que tal processo não é um entendimento natural em que ascendam novas formas de ensinar/aprender, mas é um fator de perpetuidade, justamente, das estratégias mais tradicionais aprendidas, quase sempre, nos bancos universitários.

A predisposição é um “lugar” dentro da nossa mente que, quando estimulada, emerge como elemento sempre natural. No mundo real, sua percepção se dá quando participamos de seus tantos ambientes de forma fácil e versátil. É o que o novo dicionário Aurélio (1996) chama de “vocação, tendência, inclinação”. O docente, então, é construído pelas suas predisposições e estas são relevadas a cada encontro, a cada experiência, já que “procura” por momentos diferentes para “se mostrar”, para mostrar suas muitas potencialidades (ou competências e habilidades). A predisposição é a antecipação aberta do movimento de ser.

É explícito que muitos de nossos colegas subornam seus interesses (sua atração) pelos novos recursos trazidos pela comunicação e pela informática por falta de conhecimento mais técnico, de preparo e, pior, por falta de vontade. Repercute nessa afirmativa a certeza de que também entendemos a realidade político-econômica como uma de suas responsáveis, mas, se nos restringirmos aos nichos escolares, se pensarmos, por exemplo, nas discussões ocorridas nas salas de professores, observaremos que nunca escapamos destes dois tipos de educadores: os dispostos e os predispostos.

Os dispostos conhecem as metodologias e as estratégias de ensino; dominam o conteúdo de cada série; estipulam objetivos para o aprendizado; aceitam projetos e planejamentos que deram certo (fonte do sucesso); enfim, sabem o que fazer durante um ano todo com essa ou aquela turma. São esforçados, são valiosos, são importantes. Mas só levam para a escola o professor, a pessoa-professor desaparece. As diferenças, se (quando) percebidas, são incorporadas no julgamento inerente ao conjunto das “falas” já referidas aqui no texto. Aceitam os clichês e por ele determinam o futuro de seus alunos, de TODOS os alunos. Eles não têm alunos, eles têm turmas!

Os predispostos conhecem as metodologias e as estratégias de ensino; dominam o conteúdo de cada série; elaboram os objetivos a que podem estar restritos; criam projetos e planejamentos adequados a cada turma e/ou grupo; enfim, sabem possibilitar vários “fazeres” durante o ano/semestre com essa ou aquela turma e/ou grupo. Note-se a diferença no uso dos verbos de cada item. Os predispostos são ativos diante da apresentação de novas formas de reflexão, pois estão abertos à inserção de leituras menos conteudísticas e mais dinâmicas (e contextualizadas) tendo em vista o leque de opções a que podem ter acesso tanto pela leitura quanto pela vivência (experiência), ou pelos próprios alunos.

O ensino necessita da presença dos dois em seu cenário, até porque, é a partir daí que se formulam parâmetros criativos bem interessantes para a melhoria da Educação. É uma diferença que tem muitos pontos saudáveis. Mas também é tempo de se deixar atravessar com mais galhardia nessa avenida, nada carnavalesca, os muitos predispostos, aqueles que não necessitam ser o referencial “para o resto da vida” de ninguém, ao contrário, aqueles que têm o prazer de facilitar o aprendizado justamente porque enxergam outros referenciais possíveis a que o aluno pode estar se relacionando através de suas próprias competências e habilidades.

Ainda que o meio interfira, é preciso “hipertextualizar” as formas de aprender aprendendo, dando um movimento quase orgânico aos tantos recursos hoje disponíveis à intenção de ensinar. Se for caminhada pela floresta, ou visita ao museu, ou idas ao cinema, ou construção de softwares, ou imersão na realidade virtual, tudo, contemporaneamente, está à disposição de toda e qualquer faixa de predisposição. Se os mais dispostos embutem diversos critérios para desenvolver suas práticas, os predispostos irão envolver na formulação destes mesmos critérios pontos de vista dos alunos, trazendo à cena de suas práticas a colaboração e a parceria na realização dos projetos e dinâmicas de ensino e de aprendizagem.

Enquanto os dispostos ainda sugerem as “viagens” necessárias, dentro de seus conteúdos, ao processo de aprendizagem – e são importantes porque ainda o fazem -, os predispostos podem experimentar estratégias e recursos de toda ordem, pois isso prisma a aprendizagem (movimenta criatividade e inteligência) de vários conteúdos e abre à cena da sociabilidade do educador com respeito, segurança, propósito e liberdade, em meio ao contexto dos seus alunos.

Lembremos de um ditado muito interessante:
“Moças boas vão ao inferno, moças más vão a todos os lugares!!”

Então, você já se predispôs a ser um profissional de ensino diferente hoje?

Referências:
1- www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2001/eml/emltx4.htm
2- Idem nota 1
3- www.midiaeducacao.org.br/artigos.aspx

Profa. Ms Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional/UCAM

domingo, 2 de maio de 2010

OLHAR PEQUENÊS


Hoje estou intrigada e me perguntando: o que é ser professor hoje? Durante a semana, mil histórias me descompensaram quanto à emoção de ensinar. Na volta de casa, pegos pelas chuvas torrenciais no RJ, vários professores ficaram quase submersos na Praça da Bandeira: era um deslocamento necessário porque precisavam cumprir as atividades do dia em lugares distantes. Numa maternidade da barra, uma professora dividia-se em preocupações: o nascimento de seu primeiro neto e o cumprimento do horário da noite em sua terceira universidade. Num edifício em Campo Grande, professores presos no elevador sentiam crescer uma forte ansiedade porque, em Nova Iguaçu, vários alunos os aguardavam para revisões e provas bimestrais. Sob chuva ou sob sol, profesores precisam cumprir todos os horários sem stress ou exposição de cansaço. Difícil...!

Ainda assim, nada disso é novidade. Professor já assumiu seu lado ‘Sena’ a muito tempo: todo dia deve estabelecer records de tempo ao se deslocar entre escolas/universidades e cumprir suas obrigações. O sentido de mobilidade tecnológica só pode ter partido de uma pesquisa de campo séria sobre a dinâmica diária de milhares de professores em busca de se sentirem, ao final do mês, profissionais dignos. Mas o que fazer quando a discrepância de pensamento, de ações e de emoções das equipes pedagógicas, de cada lugar, é enorme? O que fazer quando, nesta rotina, sua auto-estima sofre baques ‘in-respiráveis’ porque inusitados (insólitos?)? Nada... e sofrer o baque, confiar na plasticidade cerebral para superar e continuar seu caminho.

No trajeto entre um lugar a outro recompor o cérebro com as próximas informações necessárias à realização da próxima atividade com um mínimo de sucesso é jogar o insulto, o insólito, o susto na lixeira da memória. É complexo, é doloroso, é estonteante. Muitos de nossos professores atravessam o dia agindo nos três ensinos (fundamental, Médio e Superior) da melhor forma possível, durante anos a fio. Mas atualizados ou não, chega o momento em que se sentem pasmos diante de certos olhares sobre educação e educador de cada setor, tal a contradição, e daí começam a se perguntar: 'de onde eu vim?', 'Qual o sentido de ser professor?' Ou ‘sartreanamente’: 'O que fazer com o que fizeram comigo?'

Veja bem, um exemplo: uma professora passa o dia em reuniões, conversas e estudos com os maiores expoentes da Educação numa universidade pública. Ela trabalha no setor de educação a distancia (EAD) de uma instituição de ensino superior pública. As discussões giram em torno de Adorno, Marx, práticas de ensino, teorias educacionais, inteligências múltiplas, avaliação, formação de professores dentre outras. Reconhecida por sua competência, nossa professora ‘bebe’ conhecimento, constrói uma argumentação ‘de peso’, recebe convites de trabalho importantes, é lembrada como expert em sua área etc. Sua auto-estima é massageada e aprofundada a cada vez que adentra este cenário. Sente-se iluminada e muito orgulhosa. Mesmo sem mestrado ocupa lugar especial em todos os processos de mudança nas/das duas universidades em que trabalha.

Como sempre teve o foco na aprendizagem do aluno, reverte o conhecimento adquirido em práticas de ensino e didáticas criativas em sala de aula, tanto no ensino superior presencial, quanto no ensino fundamental e médio. Sua vida é colaborar seriamente com o desenvolvimento da aprendizagem tanto como professora quanto como supervisora pedagógica.

Um dia, tal e qual Nora Ney, ela volta para casa desconhecendo seus caminhos pessoais e profissionais, e canta ‘Meu mundo caiu’. O brilho do seu olhar foi ofuscado: ela sofreu um ‘olhar pequenês’; ela foi abduzida em seus princípios, em seu imaginário e em suas formas de pensar sobre a gestão do ambiente escolar por um nada... Num ônibus sem trajetória certa, ela se pergunta: “por que continuar?”. Ao seu lado um desconhecido, a desilusão e a decepção. Mais cedo, no final da sua jornada diária, agora como supervisora pedagógica do Ensino Médio de uma instituição particular, foi chamada pela gestora para acertarem vários assuntos pendentes. Um deles referia-se à visita técnica ocorrida no dia anterior cujo objetivo é fazer um levantamento crítico das condições estruturais, administrativas e físicas da escola para receber e manter o aluno.

Depois de atualizar as ações do dia com nossa professora, chega-se ao relatório e, num ponto há o silêncio da gestora: a descrição da análise técnica sobre os murais. Surge a pergunta: ‘segundo o relatório da visita técnica, os murais foram considerados inutilizados para o uso, o que você tem para me dizer? Isto é possível? O que você tem feito? Você vem fazer o que aqui?'. Nossa professora sente uma dor na barriga e não acredita... Murais? Como assim? Lembrava-se que um dos alunos tinha rasgado a ponta de um dos murais pouco antes da visita técnica, mas tal fato não desqualificava a atualização constante dos mesmos, mantida com tanto carinho e atenção. E isto fora explicado e observado pelos visitantes. ‘Então do que ela estava sendo acusada? O que implicava aquela pergunta?’ – ela se perguntava. Nada, não havia explicação nem para o rasgo e nem para a pergunta. Não dependia dela.

A simples idéia de que a observavam como incompetente a estava destruindo. Em uma hora está discutindo grandes teorias com os ‘cabeções’ da universidade; trabalhando online seriamente com os alunos; noutra hora é chamada atenção porque não tomou conta, nem dos alunos e nem do bendito mural, como se fosse um ‘zé-ninguém’, uma ‘mosca-morta’. Tomar conta? Como assim? Ela fica em silêncio. É chorar ou se calar. Ela se cala. Há uma sensação de inutilidade, de falta de energia, de questionamento existencial e profissional, ao estilo ‘o que estou fazendo aqui?’, ou ‘o que eu fiz até agora com o meu conhecimento?’

A mente de nossa professora, atingida pela faca da realidade, recorda seus objetivos, suas habilidades, seus saberes, suas práticas e não mais se sente parte deste processo. Depois de um dia recheado de cultura e (re)conhecimento, além da perspectiva de aproveitar seu saber para se desenvolver e ser criativa com relação aos seus alunos, deve compactar sua aprendizagem para criar argumentos à sensação de incompetência intrínseca no questionamento sobre o rasgo no mural dos alunos na escola. Mas argumentar o quê?

De expert à incompetente ou desleixada, em poucas horas, nossa professora demorou. A insatisfação é exponencial e sua cabeça dói demais. Há um intenso ressentimento ‘retalhando’ sua identidade. Não uma identidade nascida do olhar ou das ‘falas’ dos outros, mas uma identidade pautada numa vida de regras, condutas, responsabilidade e sensibilidade quanto a si mesma e ao fazer pedagógico, de segunda a sábado! Ela busca em sua mente o sentido da consideração, mas...

Pulsa também em sua pele incomodamente o sentido da pergunta: ‘para quê?’ Anos de dedicação e o que se vive ou o que se apresenta, sem subterfúgios, é uma certa nadificação de SER, de SER professor por algo inócuo. Os links de sua arquitetura comportamental estão num momento de perda da linearidade porque, um “olhar pequenês” aponta para a necessidade de se proceder em descrença, como reflexo de uma descrença. Estudos, doações, posturas não podem ser acessadas (clicadas?) porque ganharam um tom cinza, ou seja, não estão liberadas ao acesso no momento. Seu corpo treme de nervoso e se apequena também. No detalhe de um mural, a (des)fragmentação de suas idealizações profissionais e pessoais. Ela está menor do que um dedal e completamente desvirtuada das suas certezas.

Mas, do fundo do poço, começa a fluir um (re)encantamento de si mesma: Marx não morreu... Marx não morreu... Marx não morreu... Este mantra novamente infla seu corpo e membros aos poucos. “O que você tem a dizer? Vai ficar ai calada, me olhando?” – insiste a gestora. Nossa professora reencontra o olhar da inquerente e responde: “Nada... Não tenho o que responder... Não há o que responder...”. Os olhares se digladiam por emoções contrárias. E ai nossa professora pensa: “Como este mundo é pequeno e incoerente...”. Levanta e sai.

É constrangedor inferir dúvidas sobre a democracia das suas/nossas esperanças. É indecente questionar a anima de sua/nossa formação e práticas de ‘ensinagem’ de base. É triste pensar em parar de lutar, apesar dos fingidores. O sintoma do ‘olhar pequenês’ em educação diz respeito a repentina falta de identificação do sujeito com o seu imaginário profissional a partir dos significados perjorativos da fala de outrem. Há uma quebra radical na aventura de SER professor dentro da idéia do constante autoconhecimento. O ‘olhar pequenês’ é um olhar que denigre toda segurança de potenciais trajetórias de sucesso porque, de pronto, inaugura inseguranças perniciosas quanto ao próprio saber e uma grande dicotomia incompreensível: ‘sou quem então?’, ou pior, ‘até hoje, fui quem então?’.

Nossa professora faz um contrato consigo mesma: o estabelecimento de prioridades porque ‘viver é preciso’ sempre! Perto de casa, um pouco recomposta deste dia tão rascante existencialmente, ela se inaugura para a surdez dos estímulos desagradáveis; se preserva dos vírus humilhantes das rejeições; e, ao abrir a porta de casa, assume uma postura encorajadora: desafiar-se a avançar em seus objetivos e aceitar, em alguns momentos, a presença do descrédito como positivo aos seus aprendizados.

Isto é parte de todo processo de humanização!

Profa. Claudia Nunes e Profa. Fátima Ornelas

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...