terça-feira, 11 de maio de 2010

EDUCADOR: disposição ou predisposição?

Os séculos XX e XXI e suas inovações tecnológicas propõem, a todo tempo, uma provocação aos profissionais de ensino através do lúdico, do afeto e do conhecimento, na medida em que a acessibilidade torna-se facilitada por diferentes e novas ferramentas mediadoras, no intuito de reestruturarem e redimensionarem os conteúdos em sala de aula. “Os fins justificam os meios” é a expressão que condensa as novas propostas a que os educadores estão expostos de maneira a permanecerem refletindo sobre suas práticas de ensino. A pretensão é ressaltar os aspectos essenciais da educação para que os educandos possam assumir suas posições, na sociedade, por sua participação, envolvimento, cooperação, diálogo, e isso de maneira compartilhada.

Inicialmente, é necessário repensar o que se quer quando escolhemos nos tornar educadores nos dias atuais. É preciso responsabilidade (e vocação) ao escolher a licenciatura como elemento agenciador de um posicionamento profissional na sociedade contemporânea. Mesmo que muitos torçam o nariz, ensinar não é para qualquer um, ensinar não é um querer fantasioso e ensinar não é forma de lucro. Ensinar é participar de um desenvolvimento social e cognitivo implementando / inserindo / alimentando tanto os processos de redimensionamento pessoal quanto profissional dos indivíduos, já que a relação entre educador e educando se dá pela oferta de condições necessárias para que ambos desenvolvam aprendizagens e conhecimento, seja proporcionando experiências variadas, seja estimulando a observação e a pesquisa, seja possibilitando o desenvolvimento de diferentes visões de realidade.

Se pensarmos na constante hibridização da sociedade diante da crescente intermediação das novas tecnologias, esse educador tornou-se múltiplo, não fragmentado. De cara, referir-se a ele traz à cena dos sentidos palavras como professor, treinador, educador, mediador, tutor, instrutor. Essas palavras, entendemos, têm seus lugares no tempo e no espaço, e, neste nosso século XXI, essas palavras convivem dependendo da interface (objeto de aprendizagem) a que alunos/usuários imergirão; comportam padrões de comportamento diferenciados em relação ao próprio ato de ensinar; e, principalmente, ratificam a impossibilidade de desaparecimento desse profissional de ensino: outra vez uma forma de sobrevida.

Nesses tempos ditos “pós-modernos”, a universalidade em relação à percepção de qualquer ambiente pelo qual transitamos está descartada: vemos parte do todo. A maturação (segundo Aurélio, amadurecimento, aperfeiçoamento), resultado de qualquer período de permanência do aluno/usuário diante de um objeto real ou virtual, passa a acontecer a partir de seleções muito individuais e rápidas, e, com certeza, sem seguir quaisquer padrões. Então, mantendo o nosso recorte, o ato de ensinar, de estabelecer aprendizagem ou de promover uma dinâmica educacional, exige do educador versatilidade e flexibilidade. É aproveitar a “falta de padronização” sugerida, justamente, para provocar mais aprendizagens e mais conexões. É absorver a liberdade das tantas formas de interesses trazidas pelas novas tecnologias para permanecer seduzindo o aluno/usuário em sua interação com os diversos conteúdos.

“Embora sempre tenha existido o movimento humano de transpor conhecimentos sobre a realidade natural e social para a confecção de instrumentos e ferramentas capazes de facilitar e ampliar as potencialidades do trabalho humano” (1), as novas tecnologias estão rompendo as bases do que se pode chamar “fazer pedagógico” unilateral (do educador ao aluno). A Didática, por exemplo, passou a se constituir como uma arena onde, aceleradamente, e aproveitando os novos meios de interações cognitivas, promoveu-se formas de dinamização dos processos ensino-aprendizagem voltados para o “aprender a aprender” continuadamente.

Os padrões educacionais, então, se apresentam exigindo interatividades cada vez mais intrínsecas com outros discursos como Filosofia, (Neuro) Biologia, Comunicação, Psicologia, etc., e estes requintam as análises das realidades em busca de aprimoramento “da vontade benéfica de transformar a realidade que nos cerca em algo melhor para nós mesmos e para os outros com quem convivemos” (2), e, em busca de uma inserção tanto de seus agentes quanto de seus agenciados, nos diversos campos profissionais e/ou pessoais. Mas, para tudo isso, é preciso predisposição da tecnologia mais importante: o ser humano; e, ainda mais, é preciso predisposição “da principal tecnologia em sala de aula [...]: o professor.”(3)

Diante de uma padronização autoritária das formas de ser e agir, uma padronização formulada pelos currículos do Ensino Superior, a predisposição ou já faria parte da personalidade do aluno a ser licenciado, ou teria a sorte de ser convocada pelos encontros surpreendentes com outras personalidades (já profissionalizadas) já predispostas (educadores predispostos). Ou seja, a predisposição é uma vocação / tendência utilizada tanto por aqueles que projetam seus saberes e angústias em projetos de ser quanto àqueles que apenas circulam em meio a fontes arraigadas do saber ser: o problema é perder a visualização das novidades a serem absorvidas em favor das aprendizagens, em prol das inteligências, em nome do desconhecimento e do temor.

Mas incrivelmente, no caso do “fazer pedagógico”, tão importante para a “mielinização” do futuro dos indivíduos, ainda predomina a criação de comunidades de ensino, envoltas em conceitos e valores implicados em uma política “jurássica” do saber ser. Educadores ainda têm, na plenitude de sua formação acadêmica, a perspectiva de que, diante do entendimento de que o educando nada sabe, são porta-vozes da razão crítica ou analítica, e que diante de seus conteúdos específicos a que se ter toda forma de atenção discente. Sendo assim, e sob essa opção confortável, reprocessam (por acreditarem) posturas como “vou dar zero em todo mundo!”, “não anotou? Não tem caderno? Quero ver na prova!”, “não tem jeito, eles não prestam a atenção nunca!”, “é... já vi que vou reprovar muita gente aqui...”, “eles brincam, brincam, mas quero ver no final do ano/semestre”, “eu sou terrível, todos têm medo de mim, deu mole, reprovo mesmo!” etc.

Muitos dos nossos colegas ainda se valem desses tipos de ameaças visando chamar a atenção aos seus conteúdos e sobre si mesmo. Mas a perversidade não acaba aí. Como ainda conseguem prestígio por meio dessas falas, no âmbito da comunidade “pedagógica” que os contornam, também acreditam que outros educadores mais voltados à flexibilidade do conteúdo, à afetividade, às mudanças de paradigmas e à predisposição aos novos recursos, sejam a incorporação do mal e que podem imprimir um retrocesso e até destruição do próprio educador.

As mudanças propostas por esses “novos e estranhos” educadores são culpabilizadas no que concerne à passividade e alienação da atual geração. É a tradição descategorizando o novo. É a tradição consciente da sua perda crescente de status, riscando o novo com a faca da impossibilidade ou mesmo tentando desarticular a força desse novo discurso pedagógico. Mesmo assim, é certo, em ambos os lugares, “tradicionais” e “novos” educadores, há uma verdade ao qual não se deve perder: ambas as partes se “esfaqueiam” porque ambas têm o interesse de desenvolver cérebros criativos, cérebros que permaneçam absorvendo todo tipo de informação (e aí a memória visual é ímpar), cérebros que reconduzam as informações ao patamar de conhecimento.

Conhecimento, aqui, é o resultado da interatividade constante que o cérebro faz entre e a partir das informações apreendidas. Então o que é melhor afinal? Não há melhor, nem melhores. Há o movimento de absorção de novas e antigas teorias de vários discursos voltado para uma reflexão mais crítica das relações, por exemplo, a que essa nova geração se predispõe em busca de si mesmo. E a busca do saber é um elemento muito querido... ainda por ambos os tipos de educadores referenciados aqui.

Então qual seria a diferença entre disposição e predisposição docente?

A disposição é uma atitude construída paulatinamente. É o ponto de partida de onde os educadores se projetam, após a formação teórica, na busca constante e eterna de “alimentos” atraentes às aprendizagens e às inteligências ao qual estariam expostos por toda a sua vida útil. Todavia, assustadoramente, começamos a notar que tal processo não é um entendimento natural em que ascendam novas formas de ensinar/aprender, mas é um fator de perpetuidade, justamente, das estratégias mais tradicionais aprendidas, quase sempre, nos bancos universitários.

A predisposição é um “lugar” dentro da nossa mente que, quando estimulada, emerge como elemento sempre natural. No mundo real, sua percepção se dá quando participamos de seus tantos ambientes de forma fácil e versátil. É o que o novo dicionário Aurélio (1996) chama de “vocação, tendência, inclinação”. O docente, então, é construído pelas suas predisposições e estas são relevadas a cada encontro, a cada experiência, já que “procura” por momentos diferentes para “se mostrar”, para mostrar suas muitas potencialidades (ou competências e habilidades). A predisposição é a antecipação aberta do movimento de ser.

É explícito que muitos de nossos colegas subornam seus interesses (sua atração) pelos novos recursos trazidos pela comunicação e pela informática por falta de conhecimento mais técnico, de preparo e, pior, por falta de vontade. Repercute nessa afirmativa a certeza de que também entendemos a realidade político-econômica como uma de suas responsáveis, mas, se nos restringirmos aos nichos escolares, se pensarmos, por exemplo, nas discussões ocorridas nas salas de professores, observaremos que nunca escapamos destes dois tipos de educadores: os dispostos e os predispostos.

Os dispostos conhecem as metodologias e as estratégias de ensino; dominam o conteúdo de cada série; estipulam objetivos para o aprendizado; aceitam projetos e planejamentos que deram certo (fonte do sucesso); enfim, sabem o que fazer durante um ano todo com essa ou aquela turma. São esforçados, são valiosos, são importantes. Mas só levam para a escola o professor, a pessoa-professor desaparece. As diferenças, se (quando) percebidas, são incorporadas no julgamento inerente ao conjunto das “falas” já referidas aqui no texto. Aceitam os clichês e por ele determinam o futuro de seus alunos, de TODOS os alunos. Eles não têm alunos, eles têm turmas!

Os predispostos conhecem as metodologias e as estratégias de ensino; dominam o conteúdo de cada série; elaboram os objetivos a que podem estar restritos; criam projetos e planejamentos adequados a cada turma e/ou grupo; enfim, sabem possibilitar vários “fazeres” durante o ano/semestre com essa ou aquela turma e/ou grupo. Note-se a diferença no uso dos verbos de cada item. Os predispostos são ativos diante da apresentação de novas formas de reflexão, pois estão abertos à inserção de leituras menos conteudísticas e mais dinâmicas (e contextualizadas) tendo em vista o leque de opções a que podem ter acesso tanto pela leitura quanto pela vivência (experiência), ou pelos próprios alunos.

O ensino necessita da presença dos dois em seu cenário, até porque, é a partir daí que se formulam parâmetros criativos bem interessantes para a melhoria da Educação. É uma diferença que tem muitos pontos saudáveis. Mas também é tempo de se deixar atravessar com mais galhardia nessa avenida, nada carnavalesca, os muitos predispostos, aqueles que não necessitam ser o referencial “para o resto da vida” de ninguém, ao contrário, aqueles que têm o prazer de facilitar o aprendizado justamente porque enxergam outros referenciais possíveis a que o aluno pode estar se relacionando através de suas próprias competências e habilidades.

Ainda que o meio interfira, é preciso “hipertextualizar” as formas de aprender aprendendo, dando um movimento quase orgânico aos tantos recursos hoje disponíveis à intenção de ensinar. Se for caminhada pela floresta, ou visita ao museu, ou idas ao cinema, ou construção de softwares, ou imersão na realidade virtual, tudo, contemporaneamente, está à disposição de toda e qualquer faixa de predisposição. Se os mais dispostos embutem diversos critérios para desenvolver suas práticas, os predispostos irão envolver na formulação destes mesmos critérios pontos de vista dos alunos, trazendo à cena de suas práticas a colaboração e a parceria na realização dos projetos e dinâmicas de ensino e de aprendizagem.

Enquanto os dispostos ainda sugerem as “viagens” necessárias, dentro de seus conteúdos, ao processo de aprendizagem – e são importantes porque ainda o fazem -, os predispostos podem experimentar estratégias e recursos de toda ordem, pois isso prisma a aprendizagem (movimenta criatividade e inteligência) de vários conteúdos e abre à cena da sociabilidade do educador com respeito, segurança, propósito e liberdade, em meio ao contexto dos seus alunos.

Lembremos de um ditado muito interessante:
“Moças boas vão ao inferno, moças más vão a todos os lugares!!”

Então, você já se predispôs a ser um profissional de ensino diferente hoje?

Referências:
1- www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2001/eml/emltx4.htm
2- Idem nota 1
3- www.midiaeducacao.org.br/artigos.aspx

Profa. Ms Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional/UCAM

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