domingo, 20 de novembro de 2011

PAPO DE RESPONSA: conspiração de sensibilidades


“Esforço-me por descobrir como avisar meus companheiros... para dizer na hora certa uma simples palavra, uma senha, como conspiradores: Unamo-nos, mantenhamo-nos juntos, juntemos nossos esforços, criemos para a Terra um cérebro e um coração, emprestemos um significado humano à luta sobre-humana” (Nikos Kazantzakis)

Depois que voltei de Curitiba, assumi uma conspiração. Depois de Curitiba, de novo, tive a necessidade de reler o livro ‘Conspiração Aquariana’, de Marylin Ferguson, em seu capítulo ‘A Conspiração’. Como este livro me arrebata e atrai vez por outra e em momentos de ‘repensamento’. Livro de cabeceira? Talvez...

Quarta e quinta. Dois dias em que estive tensa e preocupada. Sexta em diante: dias de estupefação com o que ouvi. Difícil dialogar com os meus sentimentos. A profusão de pensamentos positivos é enorme. Eu promovi sobressaltos e fui sobressaltada acintosamente. Eu pensei em provocar o outro e estou provocada em inúmeros pontos das minhas emoções e sensibilidades. Estudo transformações tecnológicas e fiquei espectadora de um acontecimento de repercussão e grande mudança de uma simplicidade gratificante. Hoje, em duas escolas em que trabalho, houve palestras do projeto ‘Papo de Responsa’, grupo parceiro do Afroreggae. Público alvo em princípio: primeiros anos do Ensino Médio noturno.

Dois homens: um policial e um ex-detento já ressocializado juntos compartilhando mudanças. Não sei exatamente descrever seus ideais ou verdades internas. Aliás, nem preciso. Sei que a idéia de mudança é abaladora, sofre saraivadas de questionamentos, mas vem acontecendo apesar de. Como diz em seu site (www.papoderesponsa.com.br), estive diante de “vozes de pessoas que compartilham da mesma inquietude e que propõem mudanças”. Um policial civil e um ex-detento ressocializado são seres sociais, logo sofrem, na pele também, suas mazelas.

Do olhar mais intenso à fala mais incisiva, as experiências assustam, desequilibram e incomodam. Como diz o coordenador do Projeto, Roberto Chaves: ‘estranho...’ Este é o terreno pleno para irrigação de seus (do projeto) ideais na tentativa de cultivar uma nova mentalidade dentro de uma realidade tão violenta e agressiva. Uma mentalidade que acredita na capacidade de se sonhar de olhos abertos, com responsabilidade, comprometimento, escolhas coerentes e muito respeito às verdades das pessoas. Sem adivinhação ou risco desnecessário, é preciso dar uma reviravolta nas zonas de conforto para se estabelecer uma consciência significativa dos papéis a serem desenvolvidos em torno de tudo e de todos. São todos conspiradores!

Ao reler Ferguson, acredito que são todos conspiradores. Mas em que acreditam? Para onde estão nos levando? No imensamente poderoso e amplo leque das possibilidades humanas, sabemos que há uma rede de pessoas trabalhando para criar um diferente tipo de sociedade baseada no potencial humano à solidariedade, ao diálogo, à escuta, ao silêncio de si e à compreensão do outro. Em diferentes instituições culturais: medicina, política, negócios, educação, religião, saúde, segurança e família, cada vez mais pessoas estão acreditando que o papel crucial das tensões e crises pode levar a uma nova abertura ao próximo passo da evolução humana: amor ao próximo, comunhão com o outro, mais compreensão quanto às mazelas do outro, mais responsabilidade sobre as próprias atitudes.

Estas pessoas, além dos sinais do inferno, buscam a realização da esperança. E hoje, cada vez mais um pouco, acredito que o projeto ‘Papo de Responsa’ possa refletir esse ideário de esperança em pessoas melhores! Isso! Conspiradores que pensam e divulgam pessoas melhores. Pensam em pessoas com mente aberta o suficiente para experimentar ser melhor mesmo se diante dos piores preconceitos ou repressões.

Não há utopia quando se está predisposto a experimentar ou simplesmente respeitar o próximo. Não há cansaço, displicência ou indiferença quando encontramos grupos de pessoas predispostas a conspirar de cara limpa e empolgados quanto a possibilidade de (se) transformar um pensamento, uma atitude, uma vida, uma família; ou “transformar o mundo com justiça em favor do coletivo”. E as palavras “palavra, diálogo e exemplo tornam-se as principais energias em favor da realização dos sonhos. Nada é mero acaso!” É paradoxal? É contraditório? É estranho? E o que não é assim nos dias de hoje? O que basta é o valor e a razão dessas ações. O que basta é acreditar que cada um tem (e deve buscar em si) “um instrumento de transformação e esta depende da vontade particular de não fechar os olhos para o que se passa lá fora”.

No ‘Papo de Responsa’, há um conluio entre seus integrantes e um conluio é um movimento de CONSPIRAÇÃO a favor de um bem comum. Infelizmente temos a tendência a ler com conotação negativa esta palavra. Mas que tal pensá-la literalmente apenas? CONSPIRAÇÃO, segundo Ferguson, significa ‘RESPIRAR JUNTO’. É a construção de uma ligação íntima e forte, no caso, entre pessoas para o bem, para uma qualidade maior nas relações entre pessoas diferentes ou com papéis sociais diferentes. Neste sentido, o ‘Papo de Responsa’ destrói a contradição acima referida e o sentido negativo da palavra sempre presente, discutida, pensada em mais e mais redes de pessoas em diferentes lugares onde o olhar, a voz e o tato alcançarem.

De outra forma, o ‘Papo de Responsa’ é o âmago daquela contradição porque une pessoas, segundo regras sociais, de mundos diferentes. Um policial civil e um ex-detento reintegrado se unem para inaugurar novos procedimentos amorosos às formas de relação social até mesmo com aquelas instituições. Apesar do choque do uniforme, da arma e da experiência marginal (fora dos padrões da lei), aos alunos é justamente isso que provoca a (re)abertura na escuta tão difícil nos dias de hoje. De novo: fato que o Coordenador do Projeto, Roberto Chaves, chama de: estranho... Todavia, é a aceitação do estranhamento que pode provocar, trabalhar e difundir mudanças em nosso status quo com mais energia. É o estranhamento que pode nos tornar, também, ‘conspiradores’ a favor de uma nova ordem carioca (estadual).

Sentada diante das duas vozes e dos múltiplos olhares, tenho um insight e este me reconduz à Ferguson e sua conspiração: mais do que apresentar ‘por que fazer’, o ‘Papo de Responsa’ propõe ‘o que fazer’ e isto é um mergulho profundo no desconhecido diante de um conhecido que nos tem falhado absurdamente. É uma conspiração que “visa a uma modificação na consciência de um número crítico de indivíduos, suficiente para produzir uma renovação da sociedade”. Não somos platéia dos movimentos do mundo. Não devemos apenas apontar pontos inseguros ou descuidados do cotidiano. Não temos muito o que pensar. Nós mesmos somos o futuro dialogando entre si no presente. Portanto não dá para esperar tempos de bonança sem fazer nada.

Em ambas as escolas, tive alunos atentos às palavras como nunca vi. Mesmo os papinhos transversais ou risinhos fora de hora, estes não eram distrações, eu os entendi como reações ao estranhamento das palavras e das emoções que teimavam em acontecer sem seus controles. O novo será sempre recebido com frieza, descrédito e até com certa zombaria e hostilidade, mas será recebido e isso é um grande começo. Em tempos de geração X, Y e Z; em tempos de novas tecnologias e novos paradigmas; em tempos de nativos e imigrantes digitais; em tempos de discussões sobre as tantas gerações embutidas na sala de aula, o estímulo a um novo pensamento ou uma nova atitude diante dos outros ou da diversidade precisa de certos choques, muitos sobressaltos, sinceros silêncios e muito carinho. É preciso realmente que se criem as ondas de Toffler. Lembremos: não se pode resolver problemas atuais com o instrumental antigo. Segundo Ferguson,
“As possibilidades de salvação nesse momento de crise não são a sorte, a coincidência ou a crença naquilo que se deseja verdadeiro. Armados com uma compreensão mais elaborada de como a mudança se produz, sabemos que as próprias forças que nos levaram à beira de uma catástrofe planetária trazem em si as sementes de renovação” (p.29).

É sabido que adolescentes não sabem lidar bem com os incômodos e se remexem muito. Mas são particularmente desinibidos e adeptos à essência transformadora. Mas também ainda não confiam em si mesmos e por isso são seduzidos pelas performances (e vontades) do outro. Um perigo constante. E justamente ai que se configura o ambiente a ser alcançado pelo Papo de Responsa. É a novidade de uma escola brasileira ainda sem grandes mudanças ou oportunidades aos mais jovens em termos de demonstração de proximidade, afetividade e entendimento das questões do outro sem separatismos, preconceitos ou deboches, mas voltada à uma transformação em doses mínimas, principalmente de confiança e respeito.

Duas salas em dois dias, de um novembro sempre cheio de evasões por causa do mercado de trabalho natalino, lotados de curiosos ouvintes silenciosos. Não era filme, não era mágica, não era bronca, não era a escuta de quaisquer desqualificações intelectuais aos berros. Foi a escuta das vozes do real e das possibilidades. Outra vez Ferguson, “os conspiradores nos instam a retomarmos o poder que de longa data cedemos ao hábito e à autoridade, a descobrir, por trás da confusão, de todo o nosso condicionamento, o núcleo de integridade que transcende convenções e códigos” (p. 34). Foram momentos em que os alunos se viram refletidos naquelas experiências, puderam acreditar que são possíveis e capazes e, basicamente, experimentaram a expressão do que sentem sem medo de serem julgados. Foram momentos de sentir e refletir sob a ótica do próprio mundo e atitudes até aquele momento. Mais uma vez Ferguson me suporta: “somente aquilo que sentimos profundamente pode nos modificar. Argumentos racionais, por si só, não podem penetrar as camadas de temor e de condicionamento que compõem nossos defeituosos sistemas de convicções” (p. 35).

Fim de noites. Sensação de alegria. O Papo de Responsa ofereceu oportunidades reais para que as pessoas experimentassem mudanças de consciência, senão ofereceu a oportunidade de que os alunos voltassem ao seu cotidiano, modificados: pensando e discutindo o que foi dito e até o que não foi dito. E isso foi apenas a primeira onda. É a nossa mais profunda e necessária conexão sem mensuração. Em espiral voltamos para casa, torcendo para que a essência dos ideais apresentados tenham chegado a um número enorme de mentes e que isso possibilite a vontade de tentar fazer as escolhas certas.

Obrigada Papo de Responsa!

Profa. Claudia Nunes

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