A escola herdeira do Iluminismo, a escola da afirmação da
Modernidade, já não existe - ela vegeta, agoniza. E arrasta na sua agonia
milhões de jovens condenados à ignorância e à exclusão.
Entre o aparecimento
da lousa de ardósia e o da lousa digital distam séculos. Nesse longo hiato, a
escola pouco, ou mesmo nada, mudou. Apenas terá mudado o tipo de material
utilizado na fabricação da lousa.
Oitenta por cento dos
jovens internautas comunicam com outros, pedem ajuda e prestam ajuda, em chats,
emails, em múltiplas plataformas online. Num tempo em que importa mais que
seja o aluno a esforçar-se, para descobrir realidades, do que uma
"realidade" ser comunicada por um professor, quantos desses jovens
comunicarão com os professores através da Internet?
Num tempo em que a
prática da escrita da letra cursiva vai sendo abandonada, muitos docentes
obrigam os seus alunos a um gasto significativo do tempo escolar no exercitar
da letra cursiva, para que - segundo afirmam - os seus alunos tenham "uma
caligrafia perfeita". Talvez se inspirem em Steve Jobs, que, quando passou
pela universidade, apenas quis aprender... caligrafia.
Jardins de infância
precocemente escolarizam a infância, instituindo rotinas, nas quais todas as
crianças devem começar a dormir ao mesmo tempo, ainda que não tenham sono (e,
frequentemente, "embaladas por crews, sertanejos e bandas sonoras de
novelas...).
À revelia das
descobertas da cronobiologia, as escolas mantêm rituais de horário fixo, como a
hora de entrar e de sair, ou os cinquenta minutos de uma aula, que quase ninguém
sabe explicar por que são cinquenta... E, entre dois toques de sirene, se
anuncia que todos poderão ir ao recreio, ao mesmo tempo. Venho suspeitando de
que existe alguma analogia entre o banho de sol dos presidiários e o recreio
dos alunos... Ao mesmo tempo, todos deverão estar olhando a nuca do colega da
frente. Ao mesmo tempo, todos devem merendar, todos devem fazer xixi no mesmo
período de tempo.
Já alguém se
prerguntou se terá sido sempre assim? Desde o século XVIII, não existe sequer
uma teoria que sustente o modelo de escola, que, no nosso tempo, ainda é
hegemónico.
A escola herdeira do
Iluminismo, a escola da afirmação da Modernidade, já não existe - ela vegeta,
agoniza. E arrasta na sua agonia milhões de jovens condenados à ignorância e à
exclusão. A par da família, a escola não se adaptou aos novos tempos. Hoje, é
matriz oculta do insucesso escolar e social.
Permiti que cite dois
mestres. João Guimarães Rosa, que disse que mestre não é quem sempre
ensina, mas quem de repente aprende. E Claude Lévi-Strauss, que acertou quando
escreveu que sábio não é aquele que fornece as verdadeiras respostas, é
aquele que faz as verdadeiras perguntas. Aqueles que, interrogando-se, se
libertam de preconceitos e soluções convencionais conseguem compreender que a
escola dita tradicional deverá ser demolida, e que, com o material da
demolição, se poderá construirá uma nova educação. Sem esquecer que quando se
alcança um determinado objetivo de projeto, o mundo já mudou de novo, e que
todos os projetos humanos estão em permanente fase instituinte.
O sistema mais antigo
de classificação de seres vivos que se conhece deve-se ao filósofo grego
Aristóteles, que classificou e descreveu todos os organismos vivos então
conhecidos.
Conta-se que
Aristóteles deixou registado ter a mosca doméstica oito patas. Ao longo de
muitos séculos, os copistas reproduziram a aristotélica asserção até que alguém
se atreveu a desafiar a autoridade científica de Aristóteles e verificou que a
mosca tem seis patas.
Quando chegará o tempo
em que os protagonistas do absurdo modelo de escola, que ainda temos, se
decidirão a contar as patas de uma mosca?
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