Sem luz, sem
energia, a mulher encara o frio da noite somente com seus poucos botões. Ela
não tem idade, ela tem pressa, tem vida. Em sua mente, muitas mulheres e seus
assuntos inacabados. É noite e ela na aventura ‘dos sem caminhos’. A loucura do
tempo se desdobra em muitas faces e ela não sabe mais para onde se transbordar
e simplesmente ser feliz. Feliz?
A iluminação da
rua não a deixa ver nada a não ser seus pés sempre amigos em horas de
desconforto. Sim, ela é uma mulher cabisbaixa, envergonhada, de alguma maneira
aflita e caminhante. Puro blefe!
Em cada poste,
uma iluminação que o incomoda: não era completa; nunca fora completa; nunca
pensou em ser completa: isso seria sua morte e ela só queria desfalecer nas
liberdades que desejasse.
Depois da
discussão em casa, na rua, somente ela, seu casaco e suas emoções. Hoje o
equilíbrio se perdeu, ela estava plena no mundo. A rua fria era a extensão da
sua sobrevivência cujo resultado era o esmagamento de um desejo: amar. Sem
amizades, a chuva caia sem dó também por dentro. Mas amar é sempre sua meta.
Mesmo com a
discussão, saíra para mexer em suas relíquias, seus guardados, seus escândalos,
seus retratos ocultos, sem os vigias sociais. Viver também é ter memórias
resguardadas dos contratos sociais sem culpas. Sucesso também é, apesar de
outros, nos mínimos escapes, reconhecer no corpo e na mente, a volúpia da
própria e verdadeira identidade. A rua faz isso: desmembra e amplia todas as
verdades. E o poder feminino é sugerir aos outros rostos confortáveis e de
pouca cor, uma novidade: ela mesma, de novo.
A chuva não
alcança suas paixões. Em sua passagem pelos becos e vielas, é surpreendida por
diferentes casais correndo para se proteger. Proteger? Que graça tem isso? Hoje
em dia, amores apaixonados não precisam de proteção. Alias para que tantas
proteções, se o risco de crescer acontece na liberdade do próprio risco de
crescer? Depois de um mal estar de anos, nenhuma proteção é o básico para
realmente (se) saber viver. É aceitar que a lágrima seja uma conexão profunda
com o desejo e marcar sua homenagem até os olhos descansarem.
As pessoas
sinceramente estão perdidas: elas julgam e se julgam; elas se defendem e
ignoram; elas mentem e (se) mentem; elas criam e suportam as rotinas que negam
e amam. Que pena! Oportunidades são os benefícios da alma sempre.
Ela, andando, se
sente invadida por uma música e sente que precisa de mais exposição: ela
precisa de coragem! E ela se lembra: quantos baús de guardados emocionais teve
que abrir para querer e conquistar? Quantos outros tantos baús de guardados emocionais
teve que fechar para se adaptar e integrar? Difícil realmente a vida da
bailarina...
Neste momento
cai por terra hábitos antes ‘imexíveis’ ou ‘intocáveis’. Realmente querer é
poder e de alguma maneira, é sofrer com consciência e certo orgulho. A música
flui pela rua, corpo e memória. A música é o fio de Ariadne da memória e
reorganiza os sentidos. Fora da discussão, ela se inverte.
A mulher já tem
18 anos. Seus passos diminuem pelo encantamento de poder olhar, de repente,
para si mesma. Lindas imagens! É viçosa, interessante e ama. Ama como todo amor
romântico possível. Abraços, beijos, olhares, ela treme, não mais de frio, mas
de paixão. O refrão da música lhe completa ‘recordar
é viver, eu ontem sonhei em você’.
Naquela rua
fria, um conflito de desejos. Ela olha seu desejo com uma atração intensa. Ela
não fala. Sem questionamentos, a realidade cortou sua vitalidade e a deixou se
chances de se desculpar. Seus 18 anos merecem apenas a magia daquela memória e
daquele prazer.
Tempos
perturbadores. Tempos de prazer imaginário. Tempos de descobertas. A promessa
era: será diferente e inesquecível. Seu corpo se perde nestes sentidos. Se
antes a razão não abria espaço à emoção, na dimensão dos seus 18 anos, os
limites foram abertos como buracos sem fundo. Amor total!
Sem domínios ou
contornos, ela se lança a apreensão sem travas sobre o amor da sua inocência.
Ela atravessa parques inteiros, pessoas por dentro, e embarca na loucura das
poucas horas da sua melhor primitividade. Há entraves, mas o lampejo da
possível perda lhe joga na frente dos medos e, além daquela rua fria, ela
abraça sua vontade e explode. Êxtase da saudade! Não era invenção, era a vida
em sua estratégia de recompor as sensibilidades e renovar os baús de guardados.
O manejo dos caprichos sensuais estabelecem outras ligações. Depois de 20 anos,
ela tem 18 anos sem nenhum contexto repressivo. Sem perigo de ser piegas: o
desejo venceu.
Na manha
seguinte sem explicações, corpo marcado, rosado no rosto, a mulher viaja para a
África sem tempo de pensar ‘em casa’.
Profa.
Claudia Nunes
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