36 O amor não está no ar. Vivemos em
um mundo de simulações emocionais e nem os sonhos se salvam. Sonhar é inútil: é
passar o tempo sem dar conta que o tempo ignora nossos desejos e vontades.
Parece até que os sonhos são referências de um mundo impossível e uma forma de
se acovardar da vida. Sonhar custa muito porque exige foco em sua realização. E
FOCO é o que se perde quando os acontecimentos fogem à nossa vontade ou
determinação. Somos soberbos demais! Nesse processo, pouco aguentamos os
desvios ou as obstruções. Diante destes eventos, reações de toda sorte e a
aprendizagem na esquina de tudo, na lateral de nossa passagem. Lamentável...
Lamentável... Aprender deveria ter o seguinte reconhecimento: há quedas,
desilusões, cansaços, deslizes e muitas, muitas dúvidas; mas ir em frente é o
básico. Vamos além do foco, isso se chama META. Necessário saber que, no mundo,
sobreviver SEMPRE se dá por adaptações constantes, INCLUSIVE dos sonhos. Quem
disse que tudo deve acontecer como imaginamos? Somos um conjunto de todas as
nossas vivências e, nestas, múltiplos fatores podem intervir e modificar
sonhos, focos, metas e OBJETIVOS. Esses elementos sempre existirão, mas as
formas pelas quais poderão acontecer, ah, isso muda muito! Sonhar, portanto,
custa muito e o amor ainda não está no ar. Creia: a vida só pode nos apresentar
potenciais à ação de aprender a vivê-la quando medos, perigos e sustos são
vividos e superados; e quando oportunidades e espaços se abrem às nossas
habilidades e capacidades de entendê-las e, de novo, vivê-las sem grades ou
algemas sensórias. Então o que fazer? MUDAR DE PLANOS! Pais e mães: não façam
planos com as vidas dos filhos. Pais e mães: não façam planos que não possam
cumprir. Pais e mães: não façam planos sem a experiência dos mesmos. Filhos são
seres de e com dois mundos, e se constituem um terceiro mundo / elemento.
Filhos não são a metáfora do outro. Filhos são o OUTRO! E neste 'terceiro
mundo' não se tem garantias, não se estabelece seguranças frias, não se dá
conta do alcance das suas variadas pontas. Neste 'terceiro mundo', a vida se
instala aos poucos, com o tempo e, principalmente com a PARTICIPAÇÃO respeitosa
de todos em volta. Pais e mães: mesmo com sonhos e planos, há um ponto de
mutação independente de vocês cuja fervura do cotidiano cria ebulições
singulares e por vezes assustadoras. ‘Não foi isso que pensei para você!’ ou
‘Não foi assim que lhe criei!’ já sugerem que alguma coisa SEMPRE estará fora
da ordem. Cuidado? Sim! Proteção? Sim! Limite? Sim! Controle? Sim! O problema
será sempre a participação do prefixo ‘SUPER’ em tudo isso. Isso é o maior dos
absurdos: podar sonhos, liberdades, expressões, gestos. Isso, HOJE, é um
absurdo! Nem recorram ao argumento: ‘não nos julguem’, pais e mães. Antes de
tudo, isso é um alerta: sonhos só morrem porque o amor não está no ar EM CASA!
Insistir nas ‘algemas’ é ‘dar murro em ponta de faca’ e ferir a vocês mesmos; é
denegrir a beleza e a importância do tempo passando... sempre passando
independente das suas vontades. Por que se sentem tão impotentes quando o tempo
passa e seus filhos crescem? Eles são filhos de dois mundos, então, são vocês
também... Hoje um pai transferiu sumariamente sua filha da escola porque
descobriu que a filha adolescente estava namorando e que o ‘dito’ namorado
gostaria de pedi-la em namoro EM CASA! Ou, como diz o senso comum, o futuro
namorado queria pedi-la em namoro ‘como manda o figurino’. Mas ai o sonho
acabou, o amor saiu totalmente do ar e o fruto foi tirado do pé antes mesmo de
amadurecer. O celular tocou, o pai avisou: ‘arruma suas coisas, estou indo lhe
buscar, você será transferida desta escola hoje’. Sem mais, no meio da aula, o
pai a leva para sempre. A loucura do amor ou da conquista do amor interrompida
se reflete na perda do discernimento paterno e, principalmente, pela falta de
explicação e entendimento da jovem. Não dá para pensar em equilíbrio, afinal,
por quê? Uma jovem se faz essa pergunta numa noite sozinha em seu quarto: por
quê? Ela nem sabe que o dia poderá surgir com outras oportunidades. Ela só sabe
que o dia virá sem seus sonhos e imaginários em par. Ela só sabe que o dia virá
trazendo sua incompetência etária ou emocional. Ela só sabe que tem milhares de
dúvidas e uma enorme sensação de fracasso. Ela só sabe que os sentidos se
perderam. Ela só sabe que não vai acordar... Claudia Nunes
37 Todo processo terapêutico demanda
interpretações. Tal e qual uma mesa de carteado, tudo precisa ser posto à mesa
na intenção de provocar efeitos e, lógico, alguma mudança. Positivas? Não
sabemos. Alberto também não sabia, mas ele estava lá. De conflito em conflito,
vivia agitado da própria ansiedade. Era alpinista, atleta, amante, ator. Tudo
vivido numa ferocidade que quase o matara. Um dia, emergência de um hospital,
ameaça de morte, enfarte barulhento. Agora terapia: a vida aos pedaços para
recompor as próprias emoções e os batimentos cardíacos. Fato claro: não se vive
para sempre. E o medo de morrer o colocara ali e numa cadeira de rodas. ‘Por
que estou vivo?’ se perguntava. Deitar e respirar. Deitar e sonhar. ‘Alberto,
Alberto, acorda, acorda, o helicóptero chegou, os bombeiros chegaram, tome seu
casaco, vamos descer a montanha, estamos salvos!!!’. Claudia Nunes
38 O mundo acabou: depois de anos,
sexo era tabu. Esther estava envolvida em muitas atividades e funções, mas era
mulher. Dentro e fora do casamento, era mulher. ‘Falta alguma coisa...’,
pensava. As sensações eram outras; os limites mais curtos; o sexo sem prazer
dos tempos de glória e pele lisa. Se menopausa não é castração, o que acontecia
com ela? Não havia nada a rescindir: amava o marido. Mas dentro e fora do
casamento, era mulher. Irresponsabilidade? Imprudência? Inconsequência? Esther
lavava sua louça e pensava: eu me tornei um prato lavado pelo tempo. Era a
velhice... Estava velha... Aos 40 anos estava na antessala do próprio ocaso e
cheia de sintomas. E a louça não acabava? O que falta? Dentro e fora do
casamento, era mulher! “Casa vazia, filhos na escola. Quer saber? Vou ao
cabeleireiro!”. Claudia Nunes
39 Sem querer ela se viu só. Sem
perceber, muitas ausências. Sem magia, o olhar que procura e não acha ninguém.
Agora eram precisos muitos cuidados. Ou era ela, ou era ela. Sem vínculos, sem
bengalas, sem opções, ela jazia em casa com suas primeiras decisões. Não
adiantava espernear, a vida devia continuar. Quais encantamentos deveria se
impor para suportar este momento? Tudo doía demais. Vassoura? Esfregão?
Flanela? Iria começar pela limpeza da casa. As tarefas iriam subornar seus
pensamentos e fazê-la ir por ir porque ir era melhor que voltar. De aprendiz,
ela era, agora, a feiticeira. E voou pelos céus sem nuvens ou certezas. Claudia
Nunes
40 Depois do filme, os dois traçaram
um rumo: tinham que reinventar a magia do amor. Em silencio, tentavam
compreender o comando dos ventos, da grana, das respirações, do sucesso e das
contas de casa. Tudo é uma arte em equilíbrio. Enquanto voltavam, o silencio era
sua força. Suas mãos se entrelaçavam, mas olhavam estrelas diferentes. Que rumo
tomar? Era preciso sair do sono dos justos e entrar no sonho dos loucos. Cada
passo era uma audácia sem possibilidade de arrependimento. Numa esquina, um
olhar, um sorriso, um beijo. Adeus... Claudia Nunes