31 Depois do seminário sobre ‘Doenças
em ratos’ na universidade..., Estela se vê vomitando no banheiro da sala dos
professores. Ela preferia dissecar ratos a saber o que sabia agora: Lucio tinha
outra mulher e, pior, era feliz. Ninguém veio lhe contar. Todos sabiam, mas
ninguém veio lhe contar. Ao abrir a porta do auditório, observa a platéia em
busca de um lugar. Um casal ‘arrulhava’ entre si o seu amor. Tinha certa
aversão a estas exposições acintosas de carinho, mas ninguém se importava. Ao
se aproximar de uma cadeira, uma frase lhe tira a respiração: - Deixa me beijar
seus brincos, amor... Sente seu corpo e sua memória sendo atacados por este som
ancestral. – Lucio... – pensa ela. Mesmo caminhando em busca de um lugar, tudo
perde a graça e o sentido. Seu olhar acompanhou o som e encontrou o homem da
sua vida! Arfando tenta duramente controlar suas lembranças. Impossível! Cenas
no parque, nas festas, nos restaurantes, ela não fica sem paz. Ao seu redor,
tudo e todos perdem a gravidade. Entre os destroços, apenas seu amor
cambaleante. – Este brinco era eu! – ela agoniza... Sem pensar, arrebata
brincos e cordão, e os engole avidamente. De olhos abertos, suporta a espera
solitária. Esperar sempre foi a parte mais difícil. – Preciso vomitar...
Claudia Nunes
32 Um fio solto. Que susto, um fio
solto. Sem pensar puxou com a ponta dos dedos aquele fio. Que dor, que
incomodo, sua vida não podia ser pior. Em cada ponto, um desmanche, uma
escuridão. Sem parar, sem parar. Alice não podia parar. Tantos complexos,
tantas insatisfações, e o fio não terminava... e tudo se desmanchava. Por que
tinha que ser assim? O tempo passou e ela dentro daquele provador puxando
fios... puxando lembranças... sendo infantil, adolescente, infantil,
adolescente. Não houve o salto, havia defeitos, havia fios, havia desatenções.
Impotente, houve Lucio, ao seu lado: amor, ficou bom? Claudia Nunes
33 Aos 79 anos, Julia se aposentara.
Linda caminhava na praia todas as manhas alimentando o desejo de encontra
alguém. Nada demais, apenas alguém para viver seus sonhos mais audaciosos. Mas
era difícil. O tempo quente parece que afugentava almas e animais. Seria
preconceito? Alzira, sua amiga do segundo andar, sempre lhe dizia: ‘Julia, no
fim da vida, a ideia é viver, só isso’. Como sonhar é livre, homens passavam e
não a transformavam. Raquete, tênis, bolsa, vamos à vida, pensava ela todos os
dias. No portão do prédio, um mal súbito. Na caixa do correio, um postal de
Alberto, seu vizinho de porta, “oi, tomei coragem, te amo!”. Claudia Nunes
34 Amon, homem separado. Vida de
solteiro. Mas um sonho: uma mulher independente. Carmem morava com ele.
Ex-mulher, amante, empregada. A vida de sonhos. Numa calçada de rua,
mulheres-amantes não tinham mais interesse. Como a onda perfeita, ele surfava
pelos dias querendo a mulher-perfeita: provedora. Nem tinha certeza das
vantagens materiais, mas mulher-autônoma era tudo. Numa mesa de jogo, uma dama
e a cartada final: perdera as calças e a mãe. Claudia Nunes
35 Amor, amor, amor! Quanto romantismo
Inácio ainda iria viver até encontrar o verdadeiro amor. Mulheres admiráveis,
atletas, domésticas, ilusionistas, dramáticas, determinadas, tontas, reféns,
submissas, corretas, fálicas... Sem separar o joio do trigo, mulheres era sua
aventura de viver a vida. Só que seus lustres estavam sujos, sua casa fria, seu
corpo solto, suas ações sem destino, seus desejos sem ponto de apoio. Na
loucura, o jogo de squash. Squash era seu movimento de reflexão e liberdade.
Ali suas incontinências afetivas se iludiam com outras químicas internas. Era
preciso doer o corpo para esquecer o corpo. Ploc, ploc, ploc... bolinhas iam e
vinham das paredes com a força dos seus braços e no jogo de pernas. Numa de
suas voltas, o cheiro, a distração, Rodrigo. Claudia Nunes
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