26 Como saber se ela o traía? A
desconfiança era constante, por causa daquele brilho no olhar. Não suportaria
perdê-la: um fracasso existencial inadmissível! Começou a mimá-la com presentes
e companhia constante, para neutralizar o rival. Depois instalou escuta no
telefone. Nenhum indício, apesar do brilho. Contratou detetive caro, mas o resultado
foi nulo. Então, resolveu largar o emprego para segui-la. Perdia os dias
escondido, em busca do delito. Nada. Por fim, tomou a decisão: enquanto ela
dormia, entrou em seus sonhos e só então descobriu que seu rival era ele mesmo,
mais moço, antes de casar. Claudia Nunes
27 Uma rua deserta. Clara, a menina,
caminha assustada, teme o escuro. De repente, a sombra. Não era ela, era outra.
Era definida, difícil, rude, sincera e ia à frente. Apesar do medo, menina e
sombra são o mesmo paradigma. Outras sombras se apresentam, se misturam, mas
não as apagam. Na esquina, independente, a sombra some. Por quê? A moça pára,
olha, procura e se entristece. A rua perdeu o sentido. Percebe, então, que a
sua frente há uma linha quase transparente. Transparente? Sombra? Pensa, lembra
e vai. Forte. É uma mulher! Claudia Nunes
28 No pátio, uma galinha assumia o
poder: o quintal era ser. Perninhas para lá, perninhas para cá. Cada pedacinho
de chão alimentava sua fome. Em alguns momentos, animais enormes tentavam
pegá-la. Suas pernas eriçavam e ele sentia que devia correr. Qualquer lugar
servia. Por que não a deixavam em paz? Por que querem ocupar seu espaço? E os
dias passavam. De longe movimento e cheiros diferentes. Outras galinhas chegam
e freqüentam o ‘seu’ lugar. Não incomodam, mas são invasoras! De repente, um
laço na garganta, não há como respirar, uma dor lascinante e... de novo... seu
quintal. Distraída, vê uma família animada sorrir para um frango ao molho
pardo. Claudia Nunes
29 Ivete é estilista. Da comunidade em
que morava, agarrou uma oportunidade de viajar e assumiu sua profissão. Agora
está namorando. Julio, amigo de seu patrão, a encantou com seu espírito
esportivo. Em cheque, seu futuro. Na realidade, a intensidade da paixão. No
coração, a liberdade dos desejos. Sem duvidar, sonha junto. Hoje repentinamente
Julio se acabou. Acabou. Em meios aos tecidos, tesouras, manequins e fitas
métricas, Angela é encontrada morta. Claudia Nunes
30 Cadê minhas chaves? Já colocou o
café na mesa? Preciso de novas meias! Todo dia Esther andava pela casa,
escutava e atendia aos chamados do casamento. Pura insatisfação! Por que parei
de trabalhar? - ela se perguntava todo dia. Roupas, casa, filhos, marido,
comida, tudo bem organizado, mas era pouco. Suas atenções eram de outros... Mas
o que ela queria? Respirar... Por que deixei de trabalhar? – perguntava às
louças na pia. Em algum momento ela não foi fisioterapeuta, operadora de
telemarketing, secretária. No futuro, é dona de casa. O que pensaria meu pai? O
que pensariam meus amigos? Fracassada! Imatura! Covarde! Mesa posta. Meninos na
escola. Marido no trabalho. Lava as mãos. À noite, na piscina, velas acesas e
um bilhete: ‘fui na fé’. Claudia Nunes
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