Sociedade da Informação. Velocidade. Conexões. Hipertexto. Interface. Acessibilidade. Há profusas palavras para definir o nosso tempo e todas trazidas pela informatização dos lares. Essa nomenclatura faz referência a um novo tempo: um tempo orgânico, poroso e sempre em movimento. Em conseqüência, há também uma geração de jovens (de 17 a 30 anos) acontecendo nesse tempo e espaço, e sendo moldada pelas características dessa informatização. Essa geração está orientada dentro de estratégias em cujos objetivos se estruturam as maneiras como utilizarão os diferentes recursos e ferramentas de seu tempo. Informação rápida. Informática. Internet. Eis o brinquedo preferido.
Ludicidade é a sedução da atualidade e a característica que melhor identifica a geração atual e seus jeitos de aprender. A Internet, então, “já é”. Logo, agora, entenda-se: “é nós”! É hora de aceitar suas reinvenções de tempo, espaço e lugar em todos os setores, sem medo, ou melhor, sem preconceito. E um dos setores logo alcançados por essas mudanças é o código lingüístico, seu uso no dia-a-dia e na internet.
Sem dúvida, a Internet é o Portal do Paraíso para as ações de ler e escrever dos jovens de hoje. Tendo acesso ou não ao computador, esses jovens crescem em meios plenamente informatizados. No caso dos internautas, o território da Internet é invadido quando seus nós são linkados e lidos profusamente. Para cada imersão é preciso leitura. Cada conectividade, em busca de informação, também é uma busca por comunicação. Logo, cada mergulho nos múltiplos links inscreve-se pelo desejo de se comunicar. Iniciar e começar esse mergulho são decisões individuais. E em cena SEMPRE está em uso nosso código lingüístico: a língua portuguesa.
Se superarmos o medo (preconceito), nosso código lingüístico não vai “vazar”, nem desaparecer. É preciso “segurar a onda” e entender que a comunicação é vida. Com gírias, abreviações, sumiços de vogais e consoantes, o que seja, nada disso dificulta aprendizado nenhum! Não há um inimigo, há fogo amigo solicitando entendimento. A aprendizagem contida no código “internético” não segrega, ela agrega o internauta e suas diferentes contribuições à língua materna em ambientes diferentes como fórum, chats, criação de sites, salas de bate-papo. Os internautas lêem e escrevem mais que a média, logo a “ficha tem que cair” e devemos reconsiderar e reorganizar nossos procedimentos também pedagógicos, pois estamos diante de novos espaços de formulação e produção do pensamento, em comunidade, na rede.
Existem dois filósofos da linguagem que ratificam essa nossa opinião: Bakhtin e Vygotsky. Ambos, falecidos antes da Era da Informação, acreditam na vida da linguagem pelas interações verbais. O primeiro diz que a linguagem existe à medida que é viva, que está na interação verbal, o que demonstra a importância do diálogo entre as muitas vozes que constroem a linguagem e o pensamento. Para Bakhtin, a consciência individual é social, justamente porque agrega as vozes dos outros. O segundo acredita que só há pensamento porque há linguagem. Mesmo em outros suportes, é a linguagem que leva às pessoas a interagir. Para Vygotsky, a consciência é um contato social consigo mesmo. E assim, nos diferentes contatos, vão se formando as subjetividades.
As “vozes” de nossos jovens, primeiro, foram seduzidas pelos emails, depois vieram os chats, a construção de sites, os fotoblogs e blogs. E para tudo isso a linguagem, a língua, a escrita e a leitura são importantes e precisam ser claras, identitárias e mantidas, dentro dos ambientes, através do conhecimento dos comandos de acesso, e tudo em função de uma permanente troca de informação. A ação de interação acontece através do domínio daqueles elementos. E por tentativa e erro, aprendem os movimentos dos links e criam rotinas de busca para se manterem “na crista da onda” das relações internéticas.
Primeiros comandos: copiar e colar. Mas para tal houve busca de conteúdo. Uma busca que vai além do computador e para ele se volta. E isso atrai outros suportes como livros, jornais, amigos, revistas etc. Esses dão mais consistência aos conteúdos, aprendizados ou simples informações. É forte e imprescindível a integração entre suportes impressos e digitais. Material recolhido (pesquisado), é hora de montar seus sites, emails, blogs etc. O desenvolvimento da aprendizagem tem encaminhamentos personalizados. Aqui é preciso repensar a questão da autoria pela multiplicidade de material em exposição na Internet. Primordiais são as escolhas, não o produto final (se houver).
Jovens querem comunicar, mas principalmente aparecer, se mostrar, estar presente na tela. Depois reúnem, por afinidade, pessoas em torno de diferentes temas. Acontece a formação de “tribos” (comunidades). E comunidades em constante colaboração. O básico é participar. Jovens acessam pessoas todo o tempo, porém através de intermediações diferentes, na atualidade. Talvez haja perda das relações face-a-face, mas não das relações em geral. Nos suportes digitais, há uma interação simbólica, virtual, mas que é também, segundo Pierre Levy, real já que o que se dá sempre são interações procedentes de ações humanas: existir, ler e escrever são as ações que dão vida ao suporte e ao internauta. E o código, único, precisa ser conhecido e reconhecido na/em rede.
Os temas escolhidos entornam os temas relacionados com os interesses dos adolescentes, como bandas de música, time de futebol, cinema, filmes, baladas e os “ficantes”[1]. Para cada tema há complementos, discordâncias e opiniões. Esse é o prazer que a escola ainda não dá conta, já que, na Internet, ler e escrever (e suas formas) são decisões do aluno e do seu nível de curiosidade. Além dos assuntos afins, há conversas sobre as notícias lidas (ou vistas) nas mídias. A base dessas trocas é a profunda vontade de continuar lendo, escrevendo e, principalmente, sendo visto. São as chamadas conexões hipertextuais. De link em link, de texto em texto, de nó a nó, o caminho de busca cria um design múltiplo e em espiral. O texto final (site, email, blog) nunca está montado, está sendo. Opinião ou informação é resultante do diálogo entre vários autores. Perpassam por aqui temas como “inteligência coletiva”, “autoria coletiva”. E relembrando: tudo está exposto, todos podem acessar e ler.
A nova linguagem “já é”. Eles não gostam dos livros da escola, não gostam da forma como a escola pede para escrever e para ler. Mas são leitores e escritores, sim. Engana-se quem pensa que adolescentes só procuram intensamente a internet SÓ para baixar MP3 ou para acessar e se divertir com múltiplos jogos. Eles TAMBÉM querem a comunicação e interação. Se o fazem com excesso e mudam o comportamento, talvez seja preciso uma leitura do que família e escola não estão fazendo. “Forçar a barra” na linha tradicional do incentivo à leitura, hoje, é pura perda de tempo.
O “internetês” estabelece uma linguagem e uma literatura em criação e problematizadas dentro de diversas ferramentas a partir das tantas informações que o internauta recolhe em diferentes situações do dia-a-dia. Na escola, linguagem e literatura estão engessadas por uma didática cuja estrutura, pensada por uma equipe pedagógica, sem diagnóstico ou compartilhamento, representa, não o movimento de sedução do aluno aos conteúdos escolares por contextualização e questionamento, mas um medo do fim do professor, da sala de aula e da escola em si. As cabeças estão fechadas. Ninguém reflete sobre Morin!
Alegação para os medos: comprometimento da “boa” escrita ou do aprendizado da língua portuguesa e da literatura brasileira. Cabeças de educadores e pais ou “mal-formados” ou “mal-informados” pensam assim. Há um grande desconhecimento ou falta de curiosidade desses setores pelos processos da Informática e, como algumas décadas atrás, com a TV, criam o mito de que a Informática está criando um franco desgoverno em suas intenções (dos educadores e dos pais) de “formar bons cidadãos”. Logo, trabalham com a palavra ERRO e a vilã seria a Internet.
É interessante como toda geração investe brutalmente contra a fala estilosa da geração mais jovem. É como se ela também não tivesse alimentado o nosso código lingüístico com falas criativas e instrumentos flexíveis ou facilitadores da aprendizagem. Alguém ainda fala o “Vossa mercê” do séc. XIX? Não... Estamos entre o “você” (séc. XX) e o “vc” (séc. XXI). E o que dizer do “cadê”? E da palavra “fidalgo”? A maturidade traz o esquecimento das tantas rebeldias verbais e não-verbais de uma geração.
O internauta sabe ler e escrever, e usa muito bem o código para isso. Essas ações o mantém dentro de um padrão, pois, na Internet, o primordial não é a escrita, mas a conversa escrita, expressão resultante da articulação entre saberes. E mais, com as novas ferramentas de conversação como o Skipe e o Parla, leitura e escrita (oralidade e escrita) foram amplamente misturadas. O único que, talvez, desapareça seja o teclado, pela reinvenção da comunicação. E essa reinvenção nunca precisou da permissão da escola para acontecer. Abreviações, palavras sem acento, emoticons, símbolos do teclado, investem numa comunicação que também descobre o estado de ânimo dos interlocutores. Mas o preconceito continua.
“Internetês” é uma linguagem falada (escrita) na Internet, mas não é da Internet. Representa a transformação da língua portuguesa, acrescenta novas maneiras de se comunicar usando diferentes signos lingüísticos ligados a diferentes gerações e seus diferentes “falares” e, segundo Bakthin, o básico [e fantástico] é que “cada época tem seus códigos próprios de escrita e de linguagem e que os grupos culturais vão criando os seus códigos”.
Cada geração tem código próprio. E o “internetês” é o código da pós-modernidade. Tem lugar e hora de uso, e os jovens sabem disso. O problema é o excesso de hábito ou a rotina de acesso. Ou melhor, todo o problema das pessoas é o excesso de qualquer coisa! Excessos influem e até substituem comportamentos, temperamentos e visões de mundo, porque o bom e o ruim existem em tudo. Aí deveria concentrar-se o papel transformador da escola. Antes de condenar, deveria chamar a atenção do aluno para o descobrimento de novos gêneros discursivos, novos modos de interpretação e novos estilos de pesquisa e estudo. Tudo isso no intuito de criar novos e interessantes ambientes de adequação para o uso do código lingüístico.
Internet NÃO É educativa! Assim como a TV e todas as mídias, ela não tem essa premissa ou característica. Porém tudo pode vir a ser educativo, dependendo da forma como é introduzido ao aluno ou utilizado em sala de aula. Logo, ao educador cabe entender o panorama em que o aluno está imerso, suas maneiras de aprender, objetos de preferência para aprender e convergir (e mediar) esse conhecimento para fazê-lo (ao aluno) permanecer aprendendo, com prazer. Essa é uma atitude que provoca mudanças, mais confiança e cidadãos autônomos diante da realidade. Essa é nossa leitura. Essa é nossa escrita, no e para o mundo. Esse é nosso melhor código, nada binário, de acesso!
Profa. Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional / IAVM
Mestranda em Educação / UNIRIO
[1] Ficante – é de domínio público que “ficar” é diferente de “namorar”.
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