domingo, 8 de fevereiro de 2009

O ESPETÁCULO DO EU (resumido)


O ESPETÁCULO DO EU (resumo artigo)

A intimidade está à vista de todos: do Orkut aos reality shows, do You Tube aos fotologs, e é cada vez mais habitual que pessoas do mundo inteiro exponham sua vida privada por meio de fotografias, relatos e vídeos. Qual o sentido destas práticas contemporâneas?

Segundo Paula Sibila, cada vez mais a intimidade relacionada de temas saborosos até os mais inócuos, todos expostos na Internet. É o que ela chama de ‘conjunto de práticas confessionais'. Com a velocidade em tempo real, ferramentas como blogs e fotoblogs postados em sites YouTube, Orkut, MySpace, Twitter e Facebook, encontrados na rede global de computadores, tornam-se espaços e/ou meios de comunicação e exposição. É o ‘festival da vida privada’. Segundo a articulista, esta tendência pode ser percebida no ‘sucesso dos reality shows, nos programas de TV que ventilam toda sorte de dramas pessoais e/ou no sucesso de vendas de revistas sobre celebridades’. Além disso, e por causa disso, o mercado editorial, por intermédio das biografias, nacionais ou internacionais, está muito aquecido.

O fútil chama atenção. Tornou-se importante acessar/consumir/expor os ‘retalhos de intimidades’. Espaço público e privado ‘se misturam de uma forma jamais vista’. Se antes fortemente excludentes, estes âmbitos agora perderam o ‘recato’. Além do ‘intenso desejo de se mostrar, há também mais pessoas dispostas a consumir’ os pedaços de vida. Mas, segundo a autora, há uma contradição: a exposição desses ‘novos diários íntimos’ seriam algo radicalmente novo? ou apenas uma atualização trazida pela cibernética?

Entre os blogs atuais e os diários tradicionais (que proliferaram nos sécs. XIX e XX) há semelhanças e muitas diferenças. Os diários tradicionais serviam ‘para nos resguardar, nos compreendes’, nos revisitar, como uma memória de nossos segredos. ‘Eram ferramentas que serviam para que esses sujeitos históricos (da modernidade industrial) tentassem se compreender’. ‘Já os blogs, os fotologs e as webcams de hoje, bem como certos usos do YouTube, do Orkut ou do Facebook respondem a outros estímulos e têm metas bastante diversas’ Se antes um esconderijo de si, agora fontes de exposição para todos. Para sujeitos historicamente separados, há a construção de novos sentidos e de novos hábitos.

Os diários ‘antigos’ coalhavam de ‘textos privados, introspectivos e secretos’. Possibilitavam constantes conversações entre autor e seu próprio eu. Dificilmente havia o compartilhamento. ‘Já os novos diários ‘éxtimos’ (contrário de íntimo – neologismo usado pela autora) da internet são verdadeiras cartas abertas’. Em ambos propósitos e sentidos muito diferentes. ‘Em vez de apontar para “dentro” de cada um, os novos meios de expressão e comunicação se voltam para “fora”, buscando conquistar a visibilidade e a celebridade’. As subjetividades a ele relacionadas conduzem seus ‘exercícios cotidianos de autoconstrução’ a partir de ‘uma cultura bem diferente da que imperava nos sécs. XIX e XX. Cada um quer montar e apresentar o próprio show.

A autora chama a tudo isso de ‘convulsões’. A privacidade é um conceito cada vez mais frágil. Parece que para existir é preciso tornar-se público a si e a todos. E isto gera repercussões quanto a transformação, por exemplo, das relações entre os sujeitos. Mas também lembra a autora ‘essas mudanças não são fruto exclusivo dos avanços tecnológicos’. Apesar de podermos realizar ‘façanhas antes impensáveis’, ainda precisamos assimilar ‘valores e crenças, além de contemplar múltiplos fatores de ordem sociocultural, política e econômica’.

Depois de séculos de ‘segredo e pudor’, hoje vivenciamos o espaço íntimo como ‘uma espécie de cenário onde cada um deve montar o espetáculo de sua própria personalidade’. Estão amplamente abertos ‘os limites do que se pode dizer e mostrar’. Ser íntimo é postar-se como visível, e assim abrir-se às formas de seleção, de relação e de conhecimento de si e do outro. Segunda a autora, os sujeitos agem assim por causa de uma promessa implícita: ‘a concessão da tão prezada celebridade’. Não pode haver disfarces. O mal do século é ‘cair no esquecimento’. Para conquistar seus desejos, os sujeitos precisam ‘ser vistos e ser famosos’, o que ‘equivale, cada vez mais, a ser alguém’. Como conseqüência a ‘espetacularização da vida privada’, percebe-se um processo veloz de banalização dos produtos, das pessoas, das relações, das aprendizagens dentre outras questões.

A imprensa não mais procura o fato ‘ímpar’, agora, pelos meios de comunicação midiáticos, tudo importa, tudo é possível e tudo tem valor de notícia, sem necessitar sentido e/ou significado. ‘Hoje, praticamente todos temos à nossa disposição um arsenal de técnicas para estilizar a personalidade e as experiências vitais’. Como são espaços inacabados, em processo de construção, dentro das ferramentas digitais nos tornamos apenas projetistas de nós mesmos e nos elaboramos como sujeitos sempre ‘em discussão’, ‘em preparo’, rascunhos mesmo. Qual seria a saída? Existiria uma afinal? Talvez rever os moldes dos gêneros anteriores... Talvez aprender a dinâmica dos novos gêneros interativos da web... Talvez...

Se antes espaço público e privado eram objetivamente separados e hoje estão perdendo a nitidez, como pensar e entender o ‘eu moderno’ (pós-moderno?). A influência das ferramentas digitais na ‘escrita’ da intimidade fez com que surgissem ‘frestas’ variadas em seus sentidos. Houve o infiltramento ‘dos olhares alheios’, afinal saber (julgar) o/do outro sempre foi algo sedutor. ‘Por isso aumentou tanto a quantidade de pessoas que recorrem à internet para experimentar, ensaiar e brincar, testando novas formas de ser alguém – e se relacionar’. Segundo a autora, o ‘paradigma moderno do ‘homem sentimental’ vai se distanciando’.

Mas nada é tão dramático assim. Sob outro ponto de vista, ‘os novos gêneros autobiográficos anunciam outros modos de ser. Formas subjetivas que resultam mais adequadas ao mundo contemporâneo, um ambiente que já não é mais aquele universo da modernidade industrial. Em lugar daquela subjetividade interiorizada, que se engendrava no silêncio e na solidão dos velhos ambientes privados, agora se desenvolvem formas de ser mais “exteriorizadas” e compatíveis com nosso meio’. Estes estilos mais colaborativos promovem os sujeitos a autores de seu tempo e auto-articuladores de seus próprios saberes. ‘Nascem, assim, entre nós, subjetividades bem menos concentradas na “vida interior” e mais voltadas para o campo do visível. Esses novos sujeitos, tão contemporâneos, crêem que devem ser capazes de mostrar o que eles são na própria pele e na luz das telas’. Isto é de tudo ruim?

Não há saudosismos na estrutura significante do texto de Sibila. Há a percepção de que o modus operandi dos sujeitos no mundo, mesmo o digital, está diferentes e se articula por exigências de outras habilidades. As duas gerações (e suas ferramentas tecnológicas) que estão em atrito aqui demonstram mudanças nas formas de ‘lidar adequadamente com os demais e de obter sucesso nos diversos mercados’ da atualidade. Segundo a autora, ‘esses novos “modos de ser” que hoje se configuram, assim treinados no dia-a-dia das telas e dos teclados, são mais úteis e produtivos na hora de saciar as demandas da nossa sociedade’.

São tendência que estão em ‘pleno andamento’. ‘Um fenômeno cujo desenvolvimento é extremamente veloz, e seu caminho não só está repleto de metamorfoses constantes, mas também de contradições e surpresas. Embora ainda persistam várias características daqueles modelos tipicamente modernos, são muitos os indícios que sugerem esse deslocamento do núcleo em torno do qual as subjetividades se constroem. Um deslocamento nos próprios eixos do eu. Assim, cada vez mais, a verdade sobre cada um de nós abandona aquele núcleo secreto e íntimo – onde se refugiavam as subjetividades interiorizadas dos séculos XIX e XX’. ‘Em vez de nos buscarmos apontando para “dentro”, agora somos intimados a ir para “fora”’.

Artigo de PAULA SIBILA publicado na Revista Mente e Cérebro (Fev 2009, Ano XVI, nº 193, p. 32-35.

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