quinta-feira, 23 de julho de 2009

TRAGÉDIA oU CHATEAÇÃO?


Nestes primeiros dias de recesso escolar, estou relendo Lya Luft e Clarice Lispector. Mulheres importantes de nossa literatura e que provaram ser possível falar dos sentimentos cotidianos com clareza, risco, verdade. Em meio aos meus desconfortos diários, penso nelas. Em meio aos meus problemas de vida, eu as procuro. Nada de escapar dos pensamentos, das situações que, vez por outra, me amargam, apenas uma forma de sentir, de me emocionar, e liberar minha insensatez sem julgamentos, meus e dos outros. Faço investimento em mim, por dentro, e não sujo meu olhar com distrações. Meus problemas e angústias não são águas estagnadas dentro de mim. Meus problemas e angústias se refrescam com as tramas ficcionais (às vezes, nem tanto). Agora, hoje, não há nada que me vibre. Ao contrário, tenho uma calmaria irritante. Dias seguidos de dias sendo apenas dias. Lendo Lya e Clarice, aceito então o problema do outro como marolas na sequência dos dias.

Segundo Lya, ‘quem mandou pensar? Quem mandou inventar sociedade, trabalho salário, teorias das mais abstrusas e, ainda por cima, política?’. Agora assumamos! É um caminho penumbroso. Mas é preciso criar o hábito de curti-lo. Num dia de domingo ou de segunda, encontramos amigos e suas situações. O que somos está interrompido. Por que um olhar perdido? Por que a vontade de chorar? Por que uma desvairada irritação? Por que o amor? Em cada questão, uma vida, uma emoção, uma dor, um disfarce. É dura a vida do humano. Estou pensando numa amiga. Hoje ela disse: ‘estou bem, mas cansada, desistindo, com vontade de chorar... vou dormir’. Eu fiquei em suspenso. Como diz Lya: ‘quando a gente está muito atrapalhado, é bom parar e analisar o que sombreia nossa paisagem: são tragédias ou chateações?’.

A máquina da vida está ai. Nossas fases são trágicas ou chatas? Minha amiga tem dificuldades, atravessa um rio caudaloso de sustos dentro de casa e aguarda a saúde nos hospitais. Está perto do formato da ostra, mas sorri. Enganar as borbulhas da paixão ou da tensão, só expondo os dentes ou com gestos largos. É um expurgo constante. É um jeito simples de impedir a aproximação do insólito depressivo. Enquanto espera, seus olhos estão no céu e em sua procura lembra Clarice Lispector: ‘só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser matéria d’Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade’ e seus olhos descem.

Os dependentes não merecem uma fuga ao interior do seu corpo muito humano. Os dependentes não merecem nenhuma forma de egoísmo. É básico o verso de Arnaldo Antunes: ‘a tristeza é uma forma de egoísmo’ Mas e ela? Bate em pontos da sua saúde, um cansaço, um choro, uma vontade de dias de sofá, chinelos, TV, livros e silêncio. Engraçado, o cérebro... Não é ignorante, não é frívolo, é ‘emocionável’. Ele vibra com os novos aprendizados, mesmo os mais doloridos porque é justo, primeiramente, consigo mesmo. E minha amiga aceita. Na insolubilidade das coisas, a solução é aceitar.

O corredor do hospital não tem mais movimentos brancos. Seu movimento é de saída. A luz do dia lhe aguarda. Em cada passo, uma discussão com suas verdades. Atravessa a cidade, deita a filha recém-chegada, toma banho correndo para encontra-se de novo, coloca uma roupa leve e... de repente... o espelho. O que falar? O que dizer? Banheiro é espaço por demais íntimo e ali se encontram duas pessoas num mesmo movimento. Duas pessoas que jamais se deletarão. Duas pessoas num tempo de vida ‘fogos de artifício’ e ‘mundo-cão’. De frente, perdas, omissões, seduções, enganos, felicidades, nascimentos. Tudo sem desperdício. As pessoas não se desperdiçam. Fora do espelho, elas apenas se desencontram. O que fazer? Arrumar as sobrancelhas, pentear o cabelo, abrir a porta e... acalmar-se. A vida urge e precisamos (as duas) reorganizar o amanha sem palidez.

Profa. Claudia Nunes
Mestranda em Educação

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