segunda-feira, 21 de setembro de 2009

VITÓRIA DA SAMOTRÁCIA

Estou em tempos muito sensíveis. Assim fui à Grécia. Estou só, numa sala vazia, numa manha de segunda-feira. Mas fui à Grécia, berço da sensibilidade artística e cultural, e de todos os meus desejos. Com paixão, eles romperam as barreiras da razão e hipertextualizaram os sentidos pelo tempo. Sua história tem alicerces misteriosos e permanecem articulando interfaces com a vida humana. Ainda assim cada sujeito tem sua sensibilidade numa perspectiva particular devido a cada contexto histórico de formação sociocultural em que estiver imerso e em convergência.

Dentre os sentidos mais exigidos no contexto digital atual está o olhar. Este está intensamente seduzido por diferentes aspectos da realidade e de forma veloz. Numa afirmativa que reconhecemos ser radical, com o olhar, ou a partir da visão, intensifica-se o processo de construção do conhecimento. Da informação ao conhecimento, é preciso olhar, ou seja, representar de forma rápida e em links variados os elementos aos quais se tiver contato /acesso diariamente na memória.

É complexo. Muito complexo. Mas há um momento na vida em que somos seqüestrados da razão pela visão com grande emoção porque precisamos (re)estreiar rotineiramente. É um seqüestro aleatório, que causa susto e taquicardias. Este momento tira o fôlego, faz o coração entrar em arritmia e nos suspende do equilíbrio do mundo e de nossas zonas de conforto. Estou diante de uma obra de arte que tem esta capacidade: estou diante da Vitória da Samotrácia, também conhecida como Niké da Samotrácia porque representa a deusa grega Niké.

Em minha juventude, num lance distraído, pilhando livros didáticos e enciclopédias, defrontei-me com a ‘Vitoria da Samotrácia’. Foi um encontro intenso e ardente, e me causou paralisia, silêncio e lágrimas impensadas. Parecia que eu a conhecia. Fui transportada para outro tempo, mas sem conseguir discernir com clareza as imagens que me rodearam. Quem seria? Quem a construiu? Qual é o seu sentido? Qual é sua história? Eu não sei, só sei que, para todo o sempre, fiquei impactada e marcada por esta figura.

No Museu do Louvre, em cada entrada uma hostess: a Mona Lisa (pavilhão Denon), a Vitória da Samotrácia (pavilhão Sully) e a Vênus de Milo (pavilhão Sully). Eu nunca tive o privilégio de vê-la in loco, mas já me deparei com sua cópia no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA/RJ) e foi desesperador perder os sentidos, tal o meu arrebatamento diante desta escultura. Por que estas sensações? Por que estas sensações diante dela?

Segundo o blog ‘Círculo Feminino’, é sua representação que demanda intensidade na emoção de vê-la. Ela é mulher e alada, indicativo de grandes vôos, grandes emoções, grandes transformações, ao sabor dos ventos. É quase assustadora a sensação de que ela se joga para cima de nós ou para dentro da vida com coragem e heroísmo. Além disso, foi criada para ser colocada sob a proa de um navio de guerra e para comemorar a vitória de uma batalha naval. Força, ímpeto, fôlego são suas palavras definidoras. É a beleza em velocidade.

A Vitória da Samotrácia foi encontrada por um arqueologista em 1863 em 118 pedaços e remontada no Museu do Louvre apenas em 1864, porém sua cabeça nunca foi encontrada. Quando uma mulher perde a cabeça? Quando se apaixona, quando se defende ou aos seus entes queridos, ou quando sua insatisfação chega aos limites do razoável. Perder a cabeça, é perder os sentidos, enlouquecer e reagir ferrenhamente às repressões, obrigações, violências ou intransigências.

Depois de muitos anos, estou só numa manha de segunda-feira, e novamente me deparo com uma foto enorme da Vitória, de Niké, de Atenas Niké. Não é um encontro real: vislumbro uma foto. Mas é um encontro tão avassalador que apagou a sala em que eu estava. E a sensação é um imaginário pulsante e recôndito atingido / afetado brutalmente. Calafrios ferozes em todo o corpo e órgãos. Que mulher é essa? Sem parar de olhar, rodeio seus detalhes e percebo pensamentos sem um sentido final. Sei que ainda penso, mas não sei o que e nem o porquê desta confusão de sentimentos. Sem medo, mergulho num oceano desordenado, mas sem preocupações quanto a parecer boba. Inesperadamente, sei que estou apaixonada!

De acordo com alguns referenciais gregos de que me lembro, o belo, o bom e o verdadeiro são os elementos que se percebe intactos em todas as manifestações artísticas e culturais das épocas. E tenho uma certeza: estes elementos estão misturados em cada entalhe desta estátua representada pela deusa Atena Niké (Atenas que traz a vitória), de forma única, inconfundível e intrínseca. Estamos eu e ela / ela e eu fundidas e, sinceramente, não quero me desligar. Se estou indo ao encontro de Hades, vou feliz da vida!

Embora paralisada por esta visão, aceito a idéia de que, por falta, me completei. A estátua não representa medos, dúvidas, longos raciocínios ou desistência; ao contrário, a simbologia da mulher alada liderando uma batalha naval – ‘uma beleza em velocidade -, gera uma energia que perpassa as veias do ‘observante’ de coragem, vontade, exuberância, investimento e superação. Sem a cabeça, a projeção movimenta-se no impulso, no risco. Não há nada impossível, há o arrebatador momento do que me falta ou do que me renego por imaturidade. A estátua me diz: ‘por que não?’ E eu não sei responder. Se nunca me fiz esta pergunta como responder? Inútil...

Com a instalação desta paixão, outro embrião se insurge emocionalmente: a criatividade. É dolorido. Voar nas asas da Vitoria é abrir espaço para atualizações das certezas mais antigas... e isso dói. Mas é preciso vibrar com o tempo e assumir Eros no conjunto de todas as experiências. Capturada pelo meu olhar, a Vitoria me faz ultrapassar duas manifestações de amor: Philia (amor associado à amizade, ao companheirismo e à reciprocidade) e Ágape (com sua idéia de benevolência e caridade de forma humanitária e desinteressada). Assumo minhas paixões, ciúmes e possessividades que teimam me atravessar.

Estou num momento de prazer e tormento, sem muito controle. Desculpem...

Referências:
Blog Círculo Feminino. Disponível em: http://circulonofeminino.blogspot.com/2006/12/quem-foi-samotracia.html
Enciclopédia virtual Wikipédia. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Vit%C3%B3ria_de_Samotr%C3%A1cia

Profa. Ms. Claudia Nunes

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá!
Sou estudante de moda e faz alguns anos que fazendo um trabalho pra um curso também vi uma foto da Vitória de Samotrácia e incrivelmente tive as mesmas sensações descritas por você! É incrível, não é somente olhar pra ela,é uma contemplação, me identifiquei com cada palavra que escreveu, pois é muito difcícil descrever sensações e em seu texto elas ficam claras e perceptíveis em palavras! Obrigada!

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