sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CARTA A UMA AMIGA INTELIGENTE

Um livro importante passou pelas minhas mãos, olhos e mente nesses dias: “Conspiração Aquariana” de Marilyn Ferguson. E fiquei estupefata com o capítulo IV chamado Travessia: a mudança nas pessoas, cujas linhas contextualizavam o conceito de psicotecnologias. Ele diz o seguinte: “Psicotecnologias são sistemas para uma deliberada modificação da consciência” (pág. 82) “oferecem um movimento controlado, contínuo, no sentido da realidade ampla (pág. 84) “se destinam a afrouxar o aperto (contração da consciência) a fim de que possamos flutuar, do mesmo modo que um guarda-vidas se liberta do aperto de uma pessoa em pânico porque está se afogando, para que essa pessoas possa ser salvar” (pág. 87) e “não causam incerteza, assim como não produzem liberdade. Apenas abrem nossos olhos a ambas. A única coisa que se perde é a ilusão (...) [logo] ficamos livres não para conhecer uma resposta, mas para mudar de posição” (pág. 101).

Fiquei chocada! Como ninguém me avisou que não precisamos mais de respostas? Ou que minha mente pode ser modificada para saber tudo e escolher apenas algumas coisas pra lembrar? Nossa, essas psicotecnologias são liberdades demais! Ótimo! Mas ainda não acabou não! Distraída em minha casa, fui zapear a TV e vi um documentário cujo tema era a tragédia do Edifício Joelma em SP. Meus olhos ficaram presos naquelas cenas e no som das palavras do locutor. Ar sombrio, sinistro, arrepiante. Segundo ele, no edifício ainda ocorrem fatos estranhos, como vultos, gritos, passos. Mas o que me chamou a atenção mesmo foram as explicações: de um lado kardecismo e budismo; de outro, a ciência na figura do Prof. Renato Sabbatini. Achei interessantes (mas estranhas) as posições da ciência no que concerne a apresentação da dinâmica (orgânica) cerebral no trato com àqueles fatos. Fiquei cheia de dúvidas e incômodos, e quero compartilhar com você, tudo bem??

Veja se estou “pensando direito”: psicotecnologias e ciência oferecem níveis de comprovação diferentes, mas ambas acontecem e se organizam no intuito de mudar a atitude humana diante dos eventos da vida. E, pelo jeito, (foi o que percebi) estar em uma dimensão ou outra, exige uma certeza: a crença. É preciso crer (aceitar) para entender, conhecer, saber. Segundo o Prof. Renato, existe um centro no cérebro onde há a possibilidade de se desenvolver uma intuição sobre o ainda não-vivido (provavelmente ele se refere ao sistema límbico, ou não?), então, por que esse centro, e seu possível estudo, estão alijados do processo científico?

Amiga, suspeito que sua resposta, além de descaracterizar a veracidade dos acontecimentos, verse sobre a questão da comprovação, processo que torna o objeto de estudo ou fato acontecido acessíveis às diversas interferências técnicas. Mas como explicar a intuição, antecipação sentida de alguns eventos? Será que isso estaria no viés da alucinação induzida? Coletiva? Ser sensitivo seria ser alucinado?

Querida amiga, o programa me fez pensar sobre algumas coisas e uma delas é a seguinte: experiências inexplicáveis também são experiências, e experiências de vida, não é?? Então, será que algumas informações, no espaço cerebral, constroem-se, vez por outra, como premunições, já que se conformam ou dentro do espaço da negação ou dentro do espaço do desejo? Negar seria realocar a informação num canto escuro do cérebro e procurar nunca mais atraí-la, procurá-la ou retirá-la dali? Desejar seria manter informações em expectativa (como possibilidade), atravessando cada novo reflexo no mundo? A palavra premunição é “incomodante”... Pré-munir seria manter informações ao nível do inconsciente de forma a serem usadas ou em momento de pleno relaxamento ou em momento de total tensão; logo, pensa-se em “pré-munição”, como se fosse uma ação que reinvoca àquelas informações à luz da consciência. Ou não? O cérebro diariamente pode munir-se de algumas armas (tipos de informação) de forma a nunca, em tempo algum, ser pego desprevenido? Nem estou falando sobre a ação de esquecer (nossa discussão diária!), estou falando de um cérebro que tenta sobreviver, por prevenção, a qualquer tipo de choque e, aí, tende a criar novos significados para todos os seus estímulos. Sei que essa seara é toda sua e é justamente por isso que escrevo pra vc. Só peço que continue me lendo e pensando comigo, tá?

Diante da tensão, da eletrização dos neurônios e da dinâmica das sinapses, a ciência até se acalma, pois se agarra nessa possível identidade aceitando-a como verdadeira, mas, como explicar premunições diante e a partir, por exemplo, do relaxamento? Talvez um bom início de explicação seja ampliando a palavra relaxamento como distração. Relaxar surge, então, como um torna-se poroso e, assim, abrir-se para todo tipo de interação, basicamente espiritual. É deixar a ferramenta intelectual chamada ‘atenção’ de lado e se deixar envolver pelas surpresas de múltiplas informações. Mas aí é preciso aceitar que vivemos sob diversas dimensões e que, diante de laços culturais cujos “parâmetros e os truísmos (...) representam verdades universais ou algum tipo de clímax de civilização” (...)” nos prendam “por um sistema de conceitos inextrincavelmente enraizados em nossa experiência” (1981: 98) e do qual precisamos nos libertar. Se libertados, tornamo-nos budistas, terapeutas, kardecistas, umbandistas, meditativos etc., enfim, tornamo-nos psicotecnólogos! Relaxar como distrair então é tornar a possibilidade de trair entendimentos certificáveis e que, provocada pelo insólito ou por um simples estranhamento, redinamiza a plasticidade cerebral na perspectiva de um raciocínio sobre o próprio fato. Plasticidade cerebral então seria uma manobra orgânica para entender, novamente. É possível? Aí estaria a tábula rasa onde se determinou que o cérebro é o Rei da Razão? Puxa amiga, queria tanto não precisar escrever isso! Enfim... O que estranho então é que, se o cérebro não divide a responsabilidade com o coração, se nem delega certos poderes a esse outro órgão, deve concentrar em si as capacidades de sentir e perceber, ou seja, de emocionar-se, ação em que a razão nem sempre é seu fim ultimo, nem seu alvo, nem seu destino. LeDoux instala essas ações na amígdala, é possível? Amiga, será que você vai me dizer que essas ações têm relação com algo também já-sabido e que ocorrem emergindo informações que não puderam fazer parte da bainha de mielina ou de nenhum neurotransmissor?

Amiga, vi o programa, li o capítulo e só me lembrei de você, até pq sei que você também tem um lado mais “sentimental”. Será que também, em seus momentos de “iluminação”, você se coloca no reino dos alucinados coletivos ou induzidos e se comporta como a ciência determinou que os alucinados devem se comportar? Se muitos de nós não acreditam em nomes (Deus, Jeová, Buda etc) e, mesmo assim, impulsionamos nossos dia-a-dia diante do “simples” pensamento positivo, o que fazer com as realizações obtidas pelo uso desse mesmo pensamento? Isso também seria alucinação? Seria tão bom escutar sua resposta a isso...

Segundo as informações veiculadas pelo programa, e semelhante ao movimento de todas as tragédias gregas, houve o destino cego imposto pelas Moiras ao Edifício Joelma. O edifício foi construído num terreno em que aconteceu um triplo assassinato e um suicídio: um filho matou inexplicavelmente mãe e duas irmãs. Um crime premeditado, pois semanas antes, ele mandara construir um poço que seria o tumulto das mulheres. Com o cerco da investigação policial, ele não agüentou a pressão e matou-se, levando consigo o porquê de suas ações tão perversas. Ou seja, como, no filme Poltergeist, o Edifício Joelma foi construído sob terreno tumular, está fadado aos infortúnios mais radicais, e a ser um “tragos” (bode expiatório) dessa situação inicial. É uma explicação (entendimento) nada científica para os fenômenos que continuam ocorrendo, eu sei, mas é uma possível e bela explicação, não acha? Que a dinastia de Édipo não nos deixe mentir!

Amiga, estou começando a pensar que a ciência precisa sempre de comprovações, e essas devem ser vinculadas aos mais diversos testes e procedimentos. Sem isso, “finca o pé” como criança pirracenta, em toda a sua construção já arraigada nas mentes e na história, e, muitas vezes, denigre o que desentende, mantendo os indivíduos como construções sucessivas de certezas.

Pelo jeito, as psicotecnologias precisam apenas de tempo de adaptação e readaptação, tal sua abertura à observação do todo. Tornamo-nos “mais sensíveis aos ritmos e impulsos criativos da natureza e às oscilações de nossos próprios sistemas nervosos (...) [logo] nos alegramos sem hipotecas emocionais” (Ferguson, 1981:99). O mundo deixa de ser monocrônico e passa a ser policrônico (analógico para digital). Seu amigo, o cérebro... nosso cérebro... torna-se nossa melhor psicotecnologia, não acha?

“Aprendemos liberando e deixando fluir, não [só] adicionando” (Ferguson, 1981: 94). E se é para deixar fluir e liberar, a massa encefálica entra em disponibilidade, não só para a técnica (que pode conduzi-la a uma normalidade de movimento), mas para um envolvimento sensitivo pré-antecipado cujo resultado é sua durabilidade, flexibilidade, criatividade, versatilidade e inteligência. Todas essas categorias, percebidas em nossa interferência na realidade externa, diminuem turbulências e distúrbios, e nos apresentam com mais espontaneidade, equilíbrio e harmonia. Somatório de tudo isso: crescimento integral.

Minha amiga inteligente, pelo que vi no programa, ainda hoje, manter-se re-ligado a um plano ulterior e não-visto, é estabelecer um nível de envolvimento e transformação do cérebro sem limites. Competências, nós temos. Habilidades, nós construímos. Potencialidades, nós transcendemos. Vendo o programa, aceito como conclusivas as palavras de Ferguson “quem se envolver com as psicotecnologias percebe que os impulsos internos e ‘pressentimento’ não contrariam a razão e sim representam o raciocínio transcendente, a capacidade do cérebro para uma análise simultânea que não podemos conscientemente acompanhar e compreender” (Ferguson, 1981: 102).

Por favor, normalize-me! Apareça! Aguardo vc, tá?

Abraços, Claudia.


Profa. Ms Claudia Nunes
Especialista em Tecnologia Educacional/UCAM

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