Esqueça as fantasias da Dama do Lotação. Para a maioria das pessoas, o sufoco do coletivo na hora do rush não é nada agradável. Muito menos conversar com aquele colega que insiste em se aproximar tanto, a tal ponto de você sentir o bafo quente exalando da garganta.
Você anda pra trás, motivado por uma espécie de repulsa. Ele então anda pra frente, reconstituindo a distância original. A luta pelo espaço pessoal invadido continua até que você se pega encurralado por uma parede.
Existe um espaço, individual, que quando ultrapassado causa um certo desconforto. Em tese, você não briga pelo espaço, mas procura obtê-lo de forma pacífica (entre os animais ditos mais sociais).
Esse comportamento social está sendo associado a uma estrutura cerebral chamada amígdala.
Tradicionalmente, a amígdala foi associada a respostas ao medo. Como o medo é uma das reações mais primitivas entre as espécies, acreditava-se que fosse um centro que estimulasse uma reação impulsiva de escapada quando confrontamos uma situação de perigo iminente. Esses estudos, realizados em sua maioria em animais, eram sempre extrapolados como verdadeiros para humanos. Mas a história não é bem assim.
Num trabalho recente, publicado na revista científica “Nature Neuroscience” (Kennedy e colegas, 2009), os autores relatam o estudo de um indivíduo com um raro dano bilateral na amígdala. Esses casos isolados são extremamente importantes para se estudar a função causal de algumas estruturas cerebrais em pessoas. Obviamente, deve-se tomar cuidado com a interpretação dos resultados, pois sabemos muito pouco sobre a influência da variação individual do cérebro em humanos.
Ao trabalhar com esse indivíduo, os autores descobriram que a amígdala está envolvida na regulação da distância social. A amígdala inicia uma resposta vagarosa, mas explícita, sobre a invasão desse espaço interpessoal. Esses dados contrastam com os resultados obtidos com lesões em modelos animais, que sugeriam uma resposta rápida independente do contexto ambiental.
A maioria das pessoas regula a distância entre elas e os outros baseando-se em sensações de conforto pessoal e sentimentos pessoais. O sentimento de estar espremido no metrô entre desconhecidos causa uma sensação de repulsa e promove o reajuste imediato dessa distância pessoal. Pois bem, numa série de experimentos, desenhados de forma elegante e simples, o grupo mostrou que o indivíduo com o dano bilateral na amígdala não revelou a presença dessa barreira invisível que regula a distância interpessoal e nem reagiu ao ter seu espaço invadido. Esses dados sugerem fortemente que a amígdala é crucial para o sentimento de espaço pessoal.
Nos experimentos, o indivíduo lesado teve de ficar próximo a um desconhecido e classificar as diversas distâncias entre plenamente confortável e extremamente não confortável. O indivíduo preferiu distâncias bem mais curtas do que a média das pessoas sem a lesão. Além disso, classificou como confortável, mesmo estando cara a cara com um estranho. Esse efeito foi consistente em diversas situações experimentais, onde o grau de familiaridade com o estranho, sexo, presença de contato com os olhos, etc., foram variados.
Interessante notar que o indivíduo relatou ter plena consciência dessa distância pessoal e que procurava sempre ajustá-la no dia a dia, baseando-se em princípios sociais. Isso sugere que a lesão não comprometeu funções cognitivas ou racionais – o indivíduo simplesmente não sentia o desconforto nas distâncias em que a maioria das pessoas sentia.
Baseando-se nisso, foi testado o grau de atividade da amígdala em humanos usando-se ferramentas de ressonância magnética. Os dados mostraram claramente que as pessoas tinham a amígdala ativada no momento em que estranhos invadiam o espaço pessoal. Esses experimentos sugerem que, em humanos, a amígdala funciona como um detector da violação do espaço pessoal.
A distância que mantemos entre nós e as pessoas com quem interagimos depende muito do contexto social e da relação prévia entre as pessoas. Isso varia muito entre as diversas culturas humanas. Como essas regras sociais são aprendidas culturalmente, a amígdala tem de se adaptar a respostas específicas que surgem em diferentes contextos durante o desenvolvimento humano. Pode-se então dizer que quanto mais contato com a diversidade humana durante a infância, melhor será sua adaptação e respeito entras diversas culturas.
O que os estudos estão indicando é que a função da amígdala parece ser muito mais importante do que fora anteriormente atribuída. Essa estrutura funcionaria como um “hub” cerebral, conectando diversas redes neuronais envolvidas com o aprendizado social. A socialização seria responsável por fazer um ajuste fino na resposta da amígdala a situações de invasão do espaço pessoal e alheio.
O refinamento desse processo em humanos parece exceder o que acontece em outras espécies com comportamentos sociais. Esse mecanismo cerebral influencia, literalmente, os graus de separação entre nós e o mundo social que nos cerca. Portanto, sinta-se mais humano na próxima vez que entrar num busão lotado.
Alysson Muotri (enviado por Profa. Ms. Claudia Nunes)
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