domingo, 28 de março de 2010

Novo alerta juvenil: AS PULSEIRINHAS

Há pouco tempo, eu e uma amiga (que tem um filho de 10 anos) estávamos passeando no Méier quando, de repente, observamos algumas pulseirinhas coloridas no chão. Minha amiga riu e disse: ‘Tá vendo estas pulseiras coloridas? Meu filho me disse que elas têm significado agora. Dependendo da cor, meninos e meninas se informam se querem um simples abraço a algo mais arrojado’. Eu sorri e me lembrei dos tempos da ‘salada mista’ e também que, a bem pouco tempo, este código de cores referia-se às camisetas com as quais os meninos e meninas compareciam às festas.

Pensamentos à parte, hoje, domingo, me deparo com uma grande reportagem sobre as benditas pulseirinhas e suas representações, e percebo que, de novo, a criatividade dos jovens quanto à realização ou não das suas primeiras curiosidades sexuais / amorosas é tachada de preocupante, imatura, perigosa e/ou inconseqüente. E isto desde o meu maravilhoso ‘salada mista’ é muito triste. Perde-se a oportunidade de se criar mais aproximações, diálogos e compreensões deste momento mais excitante na vida dos mais jovens, a partir de uma brincadeira conhecida no mundo desde 2006, quando os 'adultos experientes' assumem posições ‘ignorantes’, quanto ao real sentido da criação constante desses códigos lingüísticos.

A notícia do jornal ‘O Dia’, do dia 27/03, começa assim “Escolas do Rio estão fechando o cerco contra as ‘pulseiras do sexo’ (...) febre entre crianças e adolescentes.” Como assim ‘cerco’? São marginais? São fugitivos? Como assim ‘cerco’? Pais com filhos nestas fases devem ter atenção a este momento como outro momento qualquer cuja experiência gerará (ou gere) novo aprendizado aos filhos, seja menino ou menina. E o jornal segue dizendo, “As instituições começaram a alertar os pais, que estão sendo convocados como aliados na ‘quebra de braço’ contra o que consideram uma perigosa brincadeira.” Como assim ‘quebra de braço’? Sabe o que eu penso? Os núcleos familiares estão nulos de sentidos e as escolas estão se arvorando a serem ‘paladinos da justiça’ na vida afetiva das crianças e dos adolescentes. É o que me parece quando leio estas e outras notícias ou observo certos comportamentos da mídia e da escola com relação às atitudes dos mais jovens para ultrapassar suas fases ou faixas etárias mais pungentes e complexas.

E para (me) assustar ainda mais, o jornal anuncia que, por causa das representações das pulseiras, ‘moradores de rua podem atacar as meninas na saída da escola; pedófilos podem se sentir à vontade para aliciar menores; e pode haver aumento nos crimes virtuais ligados ao sexo’. É correto? É correto sim! Mas também, invoca-se nestas afirmativas, a ‘teoria da conspiração’ tal a carga emocional expressa. As conseqüências elencadas acima devem ser discutidas por causa tanto das pulseirinhas e seu código, como também do uso excessivo da Internet, da crescente falta de limites em casa, da desvalorização da figura do professor, das mudanças no conceito de liberdade, do aumento do uso das drogas etc. O que de pronto me vem à mente ao ler a reportagem é que, ao se criar a teoria da conspiração, disfarça-se a existência de uma completa separação entre escola e família na formação dos sujeitos sociais. Ou não?

Em uma sociedade, o núcleo familiar é o eixo das primeiras redes sociais; é o ponto de onde as crianças e os adolescentes obtêm suas primeiras surpresas e descobertas da vida e da convivência; e é o espaço de onde começam a assimilar o que é certo, o que é errado e, graças a Zeus, o que é possível ser e fazer na realidade. Nele (e depois no núcleo escolar) estão vinculados conceitos e valores com as quais todos se relacionarão / relacionam na construção de seus próprios núcleos afetivos. E destes núcleos, outros farão parceria em favor do desenvolvimento de suas personalidades, autonomias, criatividades e afetos, elementos importantes para determinação da confiabilidade e da convivência em comunidade.

Em meio a este mundo de ‘exigências’ e aprendizados, pulularão / pululam vários pontos de rebeldia, transgressão e certa agressividade, muito relacionados aos desentendimentos dos mais jovens sobre ‘viver a realidade’ e, porque, em crescimento, em formação, em muitos casos, observam o mundo olhando para o próprio umbigo. Ou seja, crianças e adolescentes estão na fase de estranhar o mundo dos pais ou responsáveis (adultos) e escolhem viver por si ou pelo seu grupo, intensamente. Lembro muito do conceito de ‘aprender a aprender’, conhecem?

Crianças e adolescentes são sujeitos, em sua maioria, ainda fora do campo de trabalho ou ainda dando os primeiros passos no mercado, e cujas mentes funcionam dentro das seguintes responsabilidades: os amigos, as diversões e os estudos. São sujeitos em fase de exposição visceral do corpo, dos desejos e dos sonhos. E, por isso, vivem a vida num forte vórtice do ‘experimentar’ ou do ‘se jogar’ no agora das oportunidades, principalmente, do prazer. ‘Amor está no ar’!

Crianças e adolescentes, se os pais não sabem, saibam, são apaixonados pela vida porque a vida ainda não lhes pregou peças decepcionantes; porque a vida é conduzida nos riscos e em suas superações com heroicidade; e porque a vida é um jogo de emoções fortes ou de conquistas tão intensas quanto desejarem. Logo suas ‘rebeldias’ só acontecem quando podadas ou negadas estão suas necessidades mais prementes, mesmo as mais pueris, à toa ou sem diálogo. Para eles, é ‘tudo ao mesmo tempo agora’ cujo ‘depois’ ou ‘para depois’ ou ‘esperar um pouco’ não têm sentido, mas precisam ser respeitados pelos assumidos ‘adultos experientes’.

Crianças e adolescentes, de 09 a 16 anos, estão despertados para os jogos dos amores porque sentem no corpo excitações diferentes diante dos outros. Em contrapartida, no mundo como o de hoje, em princípio, o que eles sentem é um certo tolhimento das suas condutas e de suas formas de pensar. Depois da fase infantil, a sensação deles é que tudo ‘não pode’, ou ‘não é certo’. Estão ‘crescidinhos’ e devem ter atitudes mais centradas, ter objetivos de vida e pensar no futuro. É certo? É certo, mas tudo isso leva tempo e só acontecerá com o compromisso dos tais ‘adultos experientes’ com grande cuidado e um bom respeito. Ou não?

Mas cá entre nós, como você conheceu o amor, o sexo, a aventura, a paixão? Lembra-se de sua primeira vez na paixão, no sexo, no amor e na aventura? Ah, lembra sim e quase tenho certeza, foi um momento de transgressão forte dos valores passados pelos 'adultos experientes'. Lembra da sensação? Mesmo quando deu errado, lembra da sensação? Pois é, crianças, adolescentes e o sentido das suas pulseirinhas estão neste processo, estão potencializando criatividades, construindo novos códigos e representações, e deixando os 'adultos experientes completamente sem chão em suas certezas e opiniões. Que bom! Eu acho ótimo uma boa sacudida nas minhas formas de pensar e agir! E você, não?

Não se esqueça disso! Lembre-se de seu tempo de adolescente! E analise a presença das pulseirinhas e seus filhos. Seu uso não está discutido, mas sim sua POSSÍVEL consequência. Segundo o jornal, ‘quando o menino arrebenta a pulseirinha, a menina precisa pagar a prenda, ou seja, consumar a ação correspondente’. Será que pagam mesmo? Será que suas conotações se efetivam mesmo? Será que isso precisa de tanto alarde? Na reportagem, o presidente do sindicato das escolas particulares do Rio (Sinepe), Victor Notrica, é a luz no fim do túnel porque diz ‘cada escola, de acordo com sua metodologia, deve conversar com pais e alunos’. Ou seja, é a oportunidade de tecer mais diálogo entre escolas, responsáveis e ALUNOS; é a oportunidade de entender que os alunos (crianças e adolescentes) estão chamando atenção, provavelmente, para a falta de pontos de contato entre escola e família, e/ou na escola e na família; e é a oportunidade de professores mesclarem suas práticas de ensino com os interesses do aluno ou referendadas em seus cotidianos. Em suma, é a oportunidade da promoção do diálogo entre todas as partes interessadas!

As crianças e os jovens, hoje em dia, dominam a linguagem de forma diferente e a driblam com muita facilidade, principalmente e a partir da forte presença e uso das ferramentas virtuais. Com isso criam contextos onde podem realizar suas fantasias e propalar novas formas de agir ou de demonstrar suas necessidades. É importante lembrar que as conseqüências e/ou dimensões de certos atos não são arquitetadas e nem mensuradas com muita antecipação; porém nem tudo é uma ‘tragédia grega’. O alarde pode alimentar a vontade de ‘contrariar’ e de realmente ‘partir para o abraço’!

Muitas crianças ou adolescentes conhecem o sentido das pulseiras, mas as usam apenas como enfeite, por exemplo. É o que se lê no depoimento de alguns alunos, de 16 anos, do Pedro II, no mesmo jornal: eles gostam das cores, acham que ficam legais no braço, outras pessoas nunca tentaram arrancar suas pulseiras e acham que realizar a ‘prenda’ vai da ‘cabeça’ de cada um. Interessante é que até os pré-adolescentes observam as pulseiras como brincadeiras. E com certeza, muitos deles usam as pulseirinhas por influência dos outros ou para se sentirem aceitos no grupo. O que está se fazendo então? Aguçando a curiosidade! Aguçando a vontade de experimentar! Aguçando a certas práticas escondidas ou conversadas / preparadas pelos ‘amigos’. Escola e família, de novo, podem não fazer parte deste movimento.

Leitor, o que penso é o seguinte: crianças e adolescentes chamam a atenção da sociedade para solidão, para falta de atenção, para falta de diálogo, para falta de afetos crescentes em todos os setores nos quais estão imersos ou precisam se contatar. Levanta-se assim outra posição: a ascensão de certas violências nas escolas / na família, da presença de pedófilos, de tipos de bullying, da violência doméstica etc., ocorre porque, surpreendidos e sem saber o que fazer, os responsáveis agem abruptamente e demarcam o seu poder com proibições radicais. Ou seja, os responsáveis criam proibições ignorantes dos argumentos dos filhos. Por conseguinte, talvez, só o que façam é desenvolver desvios de conduta mais complicados e sujeitos menos conscientes de suas posturas na relação com o outro. Ou não?

Não há nada melhor do que observar, conversar, estar próximo, se fazer importante para um filho, com poucos gritos e imposições. É estar atento às suas mudanças, às vivências de situações estranhas e às suas dúvidas. É tentar esclarecer da melhor forma possível suas questões e estar presente quando procurado.

Seu filho ou sua filha está usando pulseirinhas, piercings, cabelo estranho, roupa chocante? Seu filho ou filha tem amigos novos, atitudes novas, desejos novos? Seu filho ou sua filha passa muito tempo na internet, parou de brincar, usa muito o telefone, quer passar noites na casa de amigos/amigas? Relaxa! É fase. Atenção! É a fase. Aproxime-se e converse. Tenha (ou crie) sensibilidade para escutar. Seja invisível e verifique roupas, lugares, pessoas. Rotineiramente, torne-se exemplo. E seja feliz sem dramas!

Referências:
BARRETO, Diego. Escolas em alerta contra as ‘pulseiras do sexo’. Jornal O Dia. Especial O Dia. Domingo, 27/03/2010, p.02-03. Disponível em: http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2010/3/escolas_em_alerta_contra_as_pulseiras_do_sexo_71745.html

Profa. Ms. Claudia Nunes

sexta-feira, 26 de março de 2010

A NEUROCIÊNCIA E A LEI (Robert Lent)


A neurociência e a lei
Eletroencefalograma, ressonância magnética, testes psicológicos: a neurociência chegou aos tribunais. Motivado pelo assassinato do cartunista Glauco, Roberto Lent discute até que ponto é seguro usar essas ferramentas para tomar decisões judiciais.

Por: Roberto Lent Publicado em 26/03/2010 Atualizado em 26/03/2010 Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/bilhoes-de-neuronios/a-neurociencia-e-a-lei
Cada vez mais, procedimentos judiciais têm recorrido a conceitos e ferramentas derivadas da neurociência para amparar as decisões tomadas. Chegamos à era da neurociência forense?
Estarrecidos, acompanhamos diariamente pela mídia histórias impressionantes como a que dominou as manchetes deste mês. Um rapaz usuário de drogas, possível portador de uma doença mental, confessa ter assassinado um humorista famoso e seu filho. Outro jovem, seu amigo, tendo conduzido o assassino à cena do crime em seu carro, declara ter fugido pouco antes do assassinato, ao contrário do que diz a esposa da vítima, testemunha dos fatos. A polícia entra em ação tentando esclarecer qual a real participação do amigo, além de provar a culpa do principal suspeito.

O assassino confesso é realmente esquizofrênico? O amigo estaria mentindo? A esposa que testemunhou os fatos tinha condições psicológicas, durante um evento tão traumático, para discernir o que realmente aconteceu?

Independentemente do resultado das investigações, o crime será levado à justiça, e os acusados serão declarados culpados ou inocentes pelo juiz, seguindo o voto majoritário dos jurados. O juiz bate o martelo, portanto, observando a tradição jurídica, que leva em conta a opinião de um grupo de cidadãos que ouve os envolvidos – acusados, testemunhas, advogados, promotores –, analisa as provas e chega a uma conclusão final: culpado ou inocente.

A expectativa é que a neurociência identifique as emoções, motivações e decisões dos envolvidos em crimesDentre as provas que os jurados examinam, estão evidências derivadas da ciência: análises bioquímicas e genéticas, avaliações da composição física de vozes gravadas em telefones, reconstruções do percurso de acusados e vítimas por meio do GPS. E, recentemente, registros eletroencefalográficos, neuroimagens por ressonância magnética, testes neuropsicológicos. A neurociência chegou aos tribunais.
A expectativa é que a neurociência permita identificar na atividade cerebral as emoções, motivações, delírios e decisões racionais dos envolvidos em crimes e outras demandas judiciais.
Mente e cérebro
São poucos, atualmente, os que duvidam que a mente deriva do cérebro. Tal convicção baseia-se em uma avalanche de estudos científicos a partir de experimentos feitos em animais, estudos de lesões cerebrais ocorridas em pessoas e diversas análises por meio de técnicas capazes de registrar a atividade das diferentes regiões do cérebro durante o desempenho de ações comportamentais.

Mesmo os pensamentos mais recônditos e aparentemente inacessíveis têm sido objeto de estudo utilizando métodos neurofuncionais: crenças morais, intenções de ação, preferências, autoconsciência, divagações livres. Em suma, a consciência humana começa ter decifrada a sua base neural.

Nos tribunais, são duas as áreas de interesse. A primeira aborda a questão da responsabilidade criminal, a possível previsão de um comportamento criminoso e opções de tratamento, prevenção ou punição. A segunda focaliza mais fortemente a utilização de ferramentas neurotecnológicas no processo de tomada de decisões judiciais.
Será possível ajudar a justiça a definir se alguém cometeu um crime com plena consciência do que se tratava?
No primeiro caso, a responsabilidade criminal resulta em uma punição, e a punição só pode ser imposta a alguém que cometeu um crime consciente de sua ação e dos contornos morais dela. O mesmo se aplica a uma simples mentira, ressalvadas as devidas proporções.

Será possível ajudar a justiça a definir com precisão se um cidadão é imputável ou inimputável, ou seja, se cometeu um crime com plena consciência do que se tratava, ou se o fez totalmente incapaz de julgar os seus próprios atos? Além disso, será possível determinar se um indivíduo imputável diz a verdade ou a esconde?

O cérebro que mente
Há algumas décadas apareceram no mercado tecnologias e empresas que comercializam ’detectores de mentira’ e reivindicam seu uso para dirimir dúvidas sobre crimes no âmbito policial e judicial. As primeiras tecnologias eram chamadas poligráficas, porque se baseavam no registro em papel, em gráficos, de parâmetros funcionais do corpo, correlatos de grandes emoções.

Quando somos invadidos por forte emoção, o coração bate mais rápido, a respiração fica ofegante, a pele se torna úmida de suor e todos esses fenômenos podem ser medidos. Desse modo, a proposta dessas empresas era testar a ’culpa‘ de um acusado registrando esses parâmetros durante um interrogatório.

De fato, vários trabalhos científicos atestam que, ao sentir uma emoção qualquer, um grupo de pessoas apresenta alterações da frequência cardíaca e respiratória, bem como um aumento da condutividade elétrica da pele devido à umidade do suor. O problema é determinar que emoção é essa. Ou seja, não se pode ter certeza se um acusado sua mais porque se admite culpado frente a um interrogatório, ou porque fica ansioso e impactado pela pressão a que está sendo submetido, mesmo sendo inocente das acusações.

A poligrafia, desse modo, não teve sucesso comprovado como ’detector de mentiras‘, embora continue sendo um instrumento importante para a pesquisa. Recentemente, o lugar foi preenchido pela neuroimagem de ressonância magnética funcional (RMf). Apareceram inúmeros trabalhos relatando a ativação de um conjunto definido de áreas cerebrais em diversas situações de conteúdo emocional.
Aparelho de ressonância magnética funcional (RMf) na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). Essa técnica permite apontar a ativação de áreas cerebrais específicas em resposta a um determinado estímulo e tem substituído progressivamente a poligrafia, usada no passado para detectar mentiras (foto: Wikimedia Commons).
Imagens da mentira
Um desses trabalhos apareceu recentemente na revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS), assinado por dois pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos: Joshua Greene e Joseph Paxton.

Os dois recrutaram um grupo de voluntários para participar de um estudo sobre a ’capacidade premonitória‘ que certas pessoas teriam, investigando o seu desempenho em prever simplesmente se uma moeda jogada para cima cairia como cara ou como coroa. Os voluntários ganhariam uma recompensa financeira a cada acerto ou a perderiam nos casos de erro. Só que o objetivo na verdade não era esse, mas sim a verificação de quais desses indivíduos mentiriam sobre os resultados do teste, e quais diriam a verdade.

No grupo, alguns diziam a verdade e eram classificados como “honestos”, enquanto outros, malandramente, declaravam ter acertado o lado da moeda mais vezes do que de fato haviam acertado, pois isso revertia em maior recompensa financeira. Eram classificados como “desonestos” no estudo. Os pesquisadores, durante o teste, mediam o tempo de reação dos sujeitos em apertar o botão de cara ou de coroa, e registravam o grau de ativação neural das regiões do seu cérebro em um equipamento de ressonância magnética.
Nos indivíduos que optavam por mentir durante o teste (”desonestos”), eram ativadas regiões situadas no topo do cérebro, enquanto naqueles que preferiam não mentir (”honestos”), as regiões ativadas ficavam na parte de baixo. Modificado de Greene e Paxton (2009).
Os resultados da pesquisa indicaram que o grupo de regiões ativadas nos desonestos era diferente daquelas ativadas nos honestos. Como os tempos de reação de ambos os grupos eram semelhantes nas situações em que os honestos e os desonestos tinham igual oportunidade de agir honesta ou desonestamente, os pesquisadores concluíram que esse seria um traço natural de “caráter”, não envolvendo um controle ativo da tentação.

Cuidado com as conclusões
Já existem inúmeros trabalhos cientificamente controlados como o dos pesquisadores de Harvard. A tal ponto que já aparecem empresas propondo-se a comercializar ’testes da verdade’ para advogados ou seus clientes envolvidos em pendências judiciais. O leitor interessado pode visitar a página de algumas delas na internet: http://www.noliemri.com e http://www.cephoscorp.com/.

No entanto, é preciso cautela na interpretação dos resultados. Em primeiro lugar, a maioria dos estudos baseia suas conclusões em avaliações estatísticas de um grupo de indivíduos, sendo temerário concluir algo seguro quando se trata de um único indivíduo, particularmente se a conclusão final envolver o seu destino: prisão ou liberdade.

Além disso, as mesmas regiões cerebrais ativadas em um contexto (mentira/verdade, por exemplo) podem ser também ativadas em outro contexto (ansiedade/tranquilidade, por exemplo). Também não há garantia de que as situações experimentais altamente controladas, no laboratório, reproduzam exatamente as situações mutantes e dinâmicas da vida real no contexto de um crime, sua investigação e seu julgamento.
Não há garantia de que os experimentos no laboratório reproduzam as situações dinâmicas da vida real.
E mais: o cérebro dos indivíduos é diferente e muda rapidamente à medida que o tempo passa, em particular no que se refere aos seus padrões de ativação funcional. Essa propriedade recebe o nome de neuroplasticidade. Ninguém pode garantir que o seu padrão de ativação cerebral em uma situação de vida seja exatamente igual à ativação de uma outra pessoa em situação semelhante (inclusive porque as situações nunca são exatamente iguais).

E ninguém pode estar certo de que o seu cérebro, ativado hoje, terá igual padrão de ativação se for ativado passados vários meses – é o que ocorre entre o momento de um crime e o momento em que o suspeito terá o seu cérebro testado.

Conclui-se que ainda estamos um pouco longe de poder utilizar com segurança as ferramentas das neurotecnologias para tomar decisões judiciais.

E nem falamos de um pequeno detalhe muitas vezes desconsiderado, mas de consideráveis implicações éticas: o risco, para as liberdades individuais, de darmos acesso a terceiros ao que é mais particular e inviolável de nossas vidas – os nossos pensamentos.

Roberto Lent
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sugestões para leitura:
D.D. Langleben e F.M. Dattilio (2008) The future of forensic brain imaging. Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law, vol. 36:502-504.
M.S. Gazzaniga (2008) The law and neuroscience. Neuron, vol. 60:412-415.
O.D. Jones e colaboradores (2009) Brain imaging for legal thinkers: A guide for the perplexed. Stanford Technology Law Reviews.
J.D. Greene e J.M. Paxton (2009) Patterns of neural activity associated with honest and dishonest moral decisions. Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA, vol. 106:12506-12511.
F. Schauer (2010) Neuroscience, lie-detection, and the law. Trends in Cognitive Sciences, vol. 14:101-103

quinta-feira, 25 de março de 2010

A ORIGEM DOS PECADOS

As raízes das palavras que designam as faltas cristãs podem revelar significados insuspeitos do idioma.

O estudo etimológico por classes semânticas - a saber, grupos de palavras inter-relacionadas pelo significado - pode revelar-se atraente, pois se vincula, muitas vezes, a noções mais básicas e nem sempre óbvias para o falante comum. A palavra "pecado", por exemplo, é um dos inúmeros casos de substantivos formados por meio de um particípio, a saber, do verbo "pecar". Na verdade, apesar da obviedade dessa afirmação, há um erro etimológico nela, pois o latim peccatum já existia, o qual era a forma eutra do particípio passado peccatus, do verbo peccare.

Desse modo, o português assumiu ambas as formas como suas. Em latim, peccare era "cometer uma falta": o sentido religioso só viria bem mais tarde, quando os romanos se tornaram cristãos. Na verdade, o sentido mais antigo da palavra era "tropeçar" e tudo indica (sobretudo as consoantes geminadas) que o radical pecc- esteja ligado à mesma raiz de pes (genitivo pedis) "pé". De *ped-cus teria vindo, por assimilação regressiva, *peccus "perneta, manco", donde viria peccare *"mancar" e, posteriormente, "tropeçar". O sufixo -cus se vê também em mancus, "maneta". Curiosamente, manco em português não tem a ver com as mãos, mas com os pés, mas isso é uma inovação.

Em espanhol e em galego, manco mantém o sentido antigo de "maneta". Essa diferença de significados pode surpreender, mas encontra sua explicação na generalização do que foi considerado deficiência. Observe-se que, em espanhol e em galego, zurdo é o canhoto, palavra de origem desconhecida (cognata do português churdo, "ruim") e não tem relação com a palavra "surdo", do português, que vem do latim surdus, com o mesmo significado, como o espanhol sordo e o galego xordo. Os termos usados para "manco" em latim eram claudus ou claudicans (donde o verbo claudicar). Para manco ou perneta, em espanhol, se diz cojo e no galego (e português clássico), coxo, ambas provindas de um latim vulgar *coxum "manco", formado a partir de coxa "quadril, coxa". Dessa forma, para o discurso religioso, o pecado é um defeito para a alma, assim como as deficiências o são para o corpo.

Pecados
Na doutrina católica, há o pecado original, os pecados veniais e os mortais. Os principais seriam os pecados capitais, em número de sete: "soberba", "avareza", "inveja", "ira", "luxúria", "gula" e "preguiça". Vejamos os étimos de todos eles.

Inicialmente a "soberba", palavra que provém do latim superbia. O termo deriva do adjetivo superbus, "que está acima dos outros", formado pelo advérbio super, "sobre, acima de". Desde cedo, superbus passou a designar aquilo que é de fato melhor do que os outros (magnífico) ou, por metáfora, aquele que se imagina acima dos outros (o orgulhoso). O sufixo -bus acrescentado ao advérbio super não está isolado, mas também se encontra em probus, "que brota bem" (sentido agrícola), daí "bom" e, mais especificamente, "íntegro, leal, probo". Essa palavra também é derivada de um advérbio, pro "para a frente", donde probus seria inicialmente *"aquilo que vai para a frente". De probus provém probare "achar bom, aprovar", donde "provar um vinho", como a forma clássica "gostar um vinho" (de gosto, transitivo direto, com o sentido de "saborear um vinho"). Também probare é "achar correto", donde "provar um teorema". Desse sentido matemático é que virão, por metáfora, expressões como "provar a inocência".

A "avareza" provém do latim avaritia, "desejo de riquezas", que é um derivado de avarus "avaro, avarento". Na verdade, o primeiro sentido de avarus, se assemelha ao de seu cognato avidus "ávido", o que indica ser o sentido de avarus uma especialização, pois o sentido antigo era mais genérico e não se vinculava apenas a dinheiro ou a bens. Ambas as palavras se vinculam ao verbo avere "desejar ardentemente", de origem obscura.

Já "inveja" é uma palavra proveniente do latim invidia, com o mesmo sentido, embora no latim também se mesclem sentidos como "má vontade", "ódio" e "antipatia". Trata-se de uma forma abstrata de invidus "invejoso, ciumento, ínvido", formada a partir do verbo invidere "lançar mau-olhado, ter inveja ou ciúmes de alguém". A formação de invidus é irregular, mas parecida com avidus, portanto, é possível que tenha havido uma falsa segmentação e, consequentemente, uma etimologia popular que segmentava a+vidus, com um falso prefixo a- que foi substituído por in- em in+vidus. O sentido básico do verbo invidere é *"olhar (videre) para dentro de (in-)", donde "olhar demasiadamente para", por isso sua regência se fazia no caso dativo, que marcava o objeto indireto. Esse sentido inicial, porém, passou a ser mais usado por outro verbo sinônimo, inspicere.

Cultismo
A "ira" é uma palavra culta (em latim também se diz ira, grafado eira nos textos mais antigos). A etimologia dessa palavra, como é comum em palavras muito pequenas, é de difícil determinação, embora haja quem a associe com o sânscrito isirah ou com o grego homérico ierós, que têm o significado de "vivo", mas a mudança semântica é bastante complexa.

A "luxúria" é outro cultismo. O termo latino luxuria significava inicialmente "excesso, superabundância", donde o excesso de bens ("suntuosidade, fausto, luxo") ou o excesso como vício, do ponto de vista moral ("arrebatamento, volúpia, dissolução"). Por isso a forma luxurians, "luxuriante", se emprega, desde o latim clássico, para plantas que produzem flores ou frutos com abundância. A luxúria, assim, acabou por confundir-se com a "lascívia", que em latim nada mais era que "brincadeira, diversão, galhofa" ou com a "concupiscência", termo formado sobre o verbo latino concupisco, "desejar ardentemente (bens materiais ou sexo)".

O sentido atual de "gula" é uma abstração, por metáfora, da palavra latina gula, "garganta, goela". De fato, a palavra portuguesa "goela" vem do seu diminutivo no latim vulgar, a saber, *gulellam e, em romeno, gura significa "boca". O sentido abstrato, contudo, já aparece na época imperial. A palavra também é um cultismo, caso contrário, teria havido a queda do -l- intervocálico.

Por fim, a "preguiça" vem do latim pigritia. Do latim vulgar, a palavra virou pereza em espanhol, sendo que os -i- breves se tornaram e, a sequência ti+vogal se tornou z e o -g- do encontro consonantal -gr- caiu, regularmente. Em português e em galego (língua em que se diz preguiza), o segundo -i- se manteve por influência do iode de -ti- e houve o deslocamento do -r- da sílaba tônica original (-gri-) para a primeira sílaba (pigritiam > *pegriça > "preguiça"). Obviamente, o -u- na sílaba -gui- é puramente ortográfico e não precisa ser explicado à luz dos metaplasmos. Do século 15 ao 18, a julgar pelo Dicionário Houaiss, convivia com a forma pigriça e no 19 também há um perguiça. O deslocamento do -r- tem o nome de hiperbibasmo em estudos etimológicos e nesse caso específico, atuou-se analogicamente as palavras prefixadas em pre-, já que não é comum haver hiperbibasmos em que o -r- saia de uma sílaba tônica pesada (com duas consoantes iniciais, a saber, -gri-) e vá para uma leve (pi-): o contrário é o que costuma ocorrer, como em "vidro" > vrido.

A palavra latina pigritia é um substantivo abstrato formado sobre o adjetivo piger, "preguiçoso". Os dicionários também abonam pigro, mas tal palavra é muito erudita. Esse adjetivo latino se aproxima do verbo piget, "fazer devagar, ser moroso, fazer de má vontade" (mais tarde: "estar desgostoso, ter pena" e, inversamente "causar aborrecimento, contrariar") e, de fato, um derivado de piger, a saber, o verbo pigrari também significa "fazer lentamente, ser lento". O dicionário etimológico latino de Ernout & Meillet não encontra nenhuma etimologia para essa palavra.

Meandros semânticos
Fazer estudos semelhantes aos que acabamos de apresentar, sobre campos semânticos, revela vários meandros das palavras, os quais desconhecemos, com os quais não estamos acostumados ou para os quais estamos desatentos. De fato, a polissemia das palavras portuguesas não se deve somente à riqueza ou ao gênio da nossa língua, embora, desde o Renascimento, o discurso nacionalista das gramáticas tenha calado fundo. Muito dos sentidos de nossas palavras são provenientes já do latim ou vieram de outras línguas e somente uma pesquisa histórica pode de fato nos mostrar quais foram. É interessante perceber que uma palavra como "pecado" possa ser usada com outras acepções. Em romeno, pacat é uma interjeição de lástima, equivalente a "que pena!". Na verdade, se pensarmos bem (e se investigarmos, para compensar o nosso desconhecimento de parte da língua), há momentos e lugares específicos em que se usa a mesma expressão: "que pecado!". Por quê? Somente uma investigação etimológica pode responder (e não chutes).

Também quando dizemos que algo está "impecável", temos de voltar ao latim, uma vez que impeccabilis é "quem não cometeu uma falta", ou seja, o inocente. Algo que não comete faltas não tem falhas, por isso, quando dizemos que alguém "fala um inglês impecável", é nesse sentido que se sustenta a metáfora. No entanto, a expressão não é portuguesa, uma vez que a encontramos o mesmo sentido no francês impeccable (aliás, tão frequente que na língua coloquial, existe a forma impec, "excelente"). É mais provável que, por modismo, tenha vindo do francês, que influenciou as línguas de toda a Europa por séculos. O contrário seria difícil de imaginar.

Um dos melhores métodos de entender a Semântica, área pouco prestigiada pelos estudos da linguagem, é investigar a sua história. Para tal, são necessários bons instrumentos: dicionários etimológicos confiáveis, coletâneas de textos antigos e, sobretudo, método, como já mostramos em outros momentos.

Mário Eduardo Viaro é professor de Língua Portuguesa na USP, autor de Por Trás das Palavras: Manual de Etimologia do Português (Globo: 2004) e colaborador do Beco das palavras, do Museu da Língua Portuguesa/São Paulo. Disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11995.

domingo, 21 de março de 2010

PRATELEIRAS EMOCIONAIS

Prateleiras... Além de muros, adoro pensar em prateleiras. Num domingo em casa e resfriada, olho minhas prateleiras e penso em amor. Sim, amor. Como se monta o amor? Como se mantém o amor? Como se vive o amor? Amor se constrói no desejo de prateleiras emocionais. Amor se mantém na limpeza dos entulhos das prateleiras. Amor se vive em cada prateleira recheada de sensibilidades disposta internamente ou na relação. E quando o amor acaba? E se o amor está sustado? O que significa? Pelo que sinto, signfica que o amor tornou-se inútil, obsoleto e monótono como uma prateleira com elementos de outra geração. E ai o que fazer com as prateleiras das certezas, da confiança, das doações, dos silêncios adquiridas numa relação?

Prateleiras... Quais são os sentidos das prateleiras na vida de alguém? Arrumação? Organização? Limpeza? Investimento? Dentro de um armário, ou nas paredes ou mesmo nas memórias, as prateleiras sugerem cenários cujos objetos, pessoas e informações estão bem ordenadas e fáceis ‘de pegar’. Eu chamo de 'coerência de atitudes' ou 'consciência dos comportamentos'. Mas e as emoções? Como otimizar e organizar as emoções? É possível? Ou pelo menos, é possível por muito tempo? Sei lá... Esta semana foram veiculadas várias notícias sobre ataques e mortes por amor ou porque o amor de UM acabou. Em sua grande maioria, homens surtaram, sequestraram, espancaram e assassinaram suas cônjuges por não aceitarem a decisão de 'fim de caso'. O que isso quer dizer? Parece que, mesmo no amor, existem espaços (prateleiras) cheios de sentimentos inenarráveis ou disfarçados cuja representação só se pronuncia reativamente com a decisão do Outro de ir embora ou de terminar a relação. Até onde posso observar, hoje em dia, os casais são formados pela loucura da mentira de si mesmo em detrimento da conquista do Outro e na esperança de que isto inaugure prateleiras emocionais fortes e, pasmem, 'para sempre'.

E as crises? Não há vida 'limpinha' ou 'cor de rosa'. Pelo jeito, diante de determinadas crises, ansiedades ou ‘xeques-mate’, em defesa de si mesmo, nos acercamos das prateleiras cheias de pó e teias de aranha escondidas em nosso interior. Em contrapartida, energizamos nossos imaginários, comportamentos e atitudes perante o social ou em nossos relacionamentos para ‘parecermos’ bem, articulados e abnegados diante da situação. É muita confusão!

Diante do confronto, o disfarce! Diante do conflito, a agressão! Para que? Por quê? Impulso? Exposição do inconsciente? Transtorno? Amor próprio ferido? Não há explicações, apenas tínhamos os dados desequilibrantes dentro de nós e quando interceptados pelo disturbio da negação, afloraram como impulsos radicais e sem (pre)visão racional. Neste momento, o que se quer é eliminar o problema para, de novo, nos sentirmos bem e continuarmos a vida. Interessante como as diversas formas de agressividade são nossas primeiras armas de acesso tal e qual um grande trunfo 'na manga' num jogo de pôquer. É ganhar ou ganhar!

Mas somos compostos apenas disto? Devemos ser analisados apenas por isto? Não! Nós temos de tudo um pouco, porém forçamos o crescimento (e a repetição) de ações equilibradas (mas performáticas) e claras de forma a evitar conflitos o tempo todo. Sem perceber criamos feridas em nossas personalidades. Em nome da ‘paz de espírito’, assumimos as rédeas da construção do nosso temperamento e de nossa personalidade, e com isso supomos angariar o respeito e/ou o amor do Outro. Discutir? Contrariar? Conversar? Nunca! Disfarce... Nossos sentimentos ganham menos burocratização e mais vícios. Cada escolha e/ou decisão, neste sentido, monta uma nova prateleira em nossas mentes capaz de facilitar o acesso aos pensamentos e sensibilidades mais coerentes e estas são adivinhadas em nossos olhares e em nossos passos, mesmo envoltos em diversidades (ou gritos), como elemento importante no conjunto de nosso ‘organismo psicológico’. Pelo menos, tentamos...

No mundo, em nossa relação com o mundo, pessoas, objetos e sentidos são assimilados aos borbotões, e cada um, se absorvido como importante, tem seu lugar em nosso coração e mente, daí serem necessárias novas prateleiras para que, internamente, não possamos respirar com confusão ou dificuldade. Cada homem e cada mulher têm sua pele e sua prateleira bem protegidas pelos conceitos e valores aprendidos porque não dá para construir felicidade empilhando aleatoriamente emoções e informações sem vivê-las ou sem pensá-las. Porém diante da recusa do Outro, diante de um feedback muito crítico, essa abnegação pode se romper, essa armadura de idéias e ações perdem seus véus. E, além de certas fragilidades ou inseguranças inerentes, expômos nosso tanto de agressividade. Aí retornamos às prateleiras do orgulho e da soberba! Ai, talvez, só talvez, matemos...

O descarte é possível e é provocado pelos desenganos, desvelamentos e descobertas pequenas ou grandes no decorrer da convivência. Mas, ao invés de entrarmos numa relação depressiva conosco mesmo, projetamos renovações egoisticamente agradáveis, ou seja, independente do Outro. As prateleiras dos sonhos, do passado são revistas e reacomodadas de acordo com a intensidade dos nossos investimentos e muito relacionadas ao nosso ‘bel-prazer’, mais para atingir ferozmente o Outro, do que para aprender e, aos poucos superar o desgosto. Esta ação aumenta a ação reflexiva sobre o mundo exterior e sobre as pessoas. a sensação de abandono ou de solidão lidera a vontade de nos embutir mais prateleiras internas. é a tentativa de controle das emoções e, de novo, conter espaços compreensíveis, confortáveis e seguros, a revelia do Outro. E ai, talvez, e só talvez, matemos... Triste, muito triste...

Prateleiras emocionais dão a sensação de que temos variadas opções de ocupação; interiorizam a certeza de que nossos corpos estão abertos às múltiplas oportunidades cognitivas, motoras e sensoriais que envolvem tanto o crescimento biopsicossocial, quanto educacional. Mas, de outro lado, prateleiras emocionais também demonstram as dependências que criamos quando confrontados com determinadas ações e situações. Neste momento invocamos nossa consciência, pinçamos diferentes informações e agimos por defesas para sobreviver, e não entendemos o que quer que nos tenha alijado de nossas zonas de conforto. Por conseguinte, nossas memórias afetivas mais atrapalham do que nos ajudam em nossos futuros passos na vida. Por quê? Porque, nas prateleiras, temos de tudo um pouco e, no processo de escolha, não reconhecemos possíveis conseqüências ou estamos desinformados sobre o futuro, o que precisamos é nos defender a qualquer preço!

Humanos, humanos, é preciso ter cuidado, criar prateleiras com informações versáteis e flexíveis ao contexto exterior e/ou sobre o que se tem, o que se pode ou o que se quer ter, fazer ou desejar, evitando grandes confusões e retrocessos ‘sangrentos’ à liberdade de ser, no coletivo e/ou no par afetivo, um indivíduo de idéias autônomas e sensíveis. Hoje em dia, não há mais espaço para pilhagens aleatórias de informações ou emoções, é preciso reconduzir os cérebros a mutações constantes, sem perder a sagacidade do entendimento de quem somos ótimos no coletivo e na relação, mas, em princípio, precisamos ser maravilhosos em nossas individualidades e por elas lutar quase sem tréguas sentimentais.

Quando aceitamos que sempre haverá faltas visíveis ou sensíveis em nossas prateleiras, mais valor podemos dar ao conjunto de papéis emocionais (ou não) que se deve expor em nossos desempenhos (ou performances) afetivas. Evita-se, assim, um contínuo abastecimento de indignidades, falsidades ou malediscências no coração e na mente.

Quer prateleiras?
Assuma posições pessoais com sabor de humanidade sem remorsos!

Profa. Ms. Claudia Nunes

terça-feira, 16 de março de 2010

"Eletrônicos duram 10 anos... livros 05 séculos!!' (Umberto Eco)

Ubiratan Brasil - O Estadao de S.Paulo

O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. "Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade" - é a sua preferida. "Não li nenhum", começa a segunda. "Se não, por que os guardaria?"

Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros ("muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques", informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril.

A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento - naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada - encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. "Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes", comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.

Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros - que, no momento, lideram sua preferência - como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos - caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações.

Aos 78 anos, Eco - que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) - exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco - envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) - conversou com a reportagem do Sabático.

O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?

O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.

Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?

A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar - muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa - é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.

Não é possível prever o futuro da internet?

Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.

Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?

O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias - de Paris a Nova York, por exemplo - sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?

É possível existir contracultura na internet?

Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.

Em um determinado trecho de Não Contem Com o Fim do Livro, o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória - que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.

De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos - até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?

No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.

Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.

Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?

Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto - o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.

Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?

Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil - o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.

Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?

Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).

Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.

E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas - por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia O Pêndulo de Foucault, fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.

Por falar em O Pêndulo de Foucault, comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código de Da Vinci, de Dan Brown.

Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: "O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros." Respondi: Não é que eu não goste de você - afinal, eu criei você (risos).

Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?

De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.

Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?

Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. "Por quê?", perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances - até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.

O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?

Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro A Estrutura Ausente. Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em O Pêndulo de Foucault.

UMBERTO ECO

segunda-feira, 8 de março de 2010

OSCAR 2010: um resultado sem história

Desde pequena, algumas coisas fazem parte da minha vida: escutar Elis Regina, Eliseth Cardoso e Jamelão; cômodos cheios de livros para consulta; escutar minha avó contar histórias da família; vinho com grossos ‘nacos’ de queijo branco à tarde; carnaval e compras em Madureira; e cinema, muito cinema. Férias na casa da minha avó tinha que ter cinema ou se falar sobre cinema. Aprendi a ler, saber, colecionar, ter e ver tudo relacionado ao cinema. Cinema e suas trilhas sonoras são até hoje meu descanso, meu alívio e meu hobby. Preferência pelas décadas de 30, 40 e 50. Um ícone para mim? Greta Garbo! Ouvia minha mãe e avó falarem sobre atores, atrizes e filmes, e ficava deslumbrada e criava preferências. Seus nomes e filmes vinham com a seguinte expressão 'você tem que ver!' Beth Davis, Joan Crawford, Julie Andrews, Cary Grant, Dóris Day, Vivien Leight dentre outras ficam nos meus sonhos. Em casa, meu pai me encaminhava aos westerns (faroeste ou ‘bang-bang): John Wayne, Gary Cooper, James Stewart, Gregory Peck e Henry Fonda; aos filmes de guerra normalmente passados em porta-aviões; e aos filmes policiais com Chucky Norris e Charles Bronson. À noite, depois do Fantástico, todos os 'Desejo de Matar' sempre! Grandes filmes! Grandes performances! Grandes imagens e falas!

Neste processo, acompanhar a entrega do Oscar se tornou um evento familiar. Havia disputa, discussão e apostas. Anotávamos e víamos todos os indicados com grande interesse. A estatueta do Oscar criava um glamour também em nossa casa. Nós nos arrumávamos para ver o evento. Anos depois, do ‘the winner is...’ ao ‘the Oscar goes to...’, estamos em 2010. Novamente o show da entrega do Oscar. Família muito diferente, muitos membros longe uns dos outros, mas o cinema continua me excitando demais. Quem ganhará? Quem perderá?

Com o tempo (e muita leitura e filmes), é possível entender os trâmites e até acertar os futuros premiados. Por quê? Porque Hollywood muda muito pouco. Um dos pensamentos mais alardeado é que ‘filme que ganha Oscar, dificilmente é do gosto popular’. Segundo o blog http://multiplot.wordpress.com, eis alguns perdedores: Cidadão Kane, o Grande Ditador, Crepúsculo dos Deuses, Felicidade não se compra, Taxi Driver, As Vinhas da Ira, Dr. Jivago, ET o extraterrestre e por ai vai. Outro fato são as grandes injustiças com relação a vários produtores, diretores, atores e atrizes. Quando e como Hitchcock, Spielberg, Chaplin ganharam o Oscar, por exemplo? Conjunto da obra. Barbra Streisand já ganhou, apesar de Yentl? Tom Cruise já ganhou, apesar de Nascido em 4 de julho? Greta Garbo já ganhou, apesar de “Anna Karerina’? Stanley Kubrick já ganhou, apesar de ‘2001 uma odisséia no espaço’? Não! Não vou continuar com isso por hora porque no quesito trilha sonora as injustiças são bem piores. E em 2010 nada foi diferente.

Com uma politicagem explícita, ‘Guerra ao Terror’ desbanca ‘Avatar’. Não que Avatar tenho um enredo muito criativo, mas Guerra ao Terror também não. Diferente de Apocalipse Now, Resgate do Soldado Ryan ou Direito de Matar, Guerra ao Terror apresenta apenas a vida dos soldados que desarmam bombas no Iraque. E se desarmam bombas, o espectador já sabe que vai ver muitas mortes trágicas e chocantes. Nada mais óbvio! O filme não é um alerta, uma análise, uma crítica ou uma denúncia sobre a guerra, ou sobre o envio dos soldados ou sobre a forma como os Estados unidos entraram em luta. É um simples retrato sobre um grupo específico do contingente militar americano baseado no Iraque que desarma bombas.

As performances dos atores são esplendorosas e cativantes, mas nada que os Na’vi também não sejam, ou mesmo que a garota maltratada de Preciosa não seja. A questão é política mesmo. A questão é de lobby intenso (feroz) sobre um ex-marido e sua ex-esposa discutindo assuntos sérios, mas diferentes, utilizando meios semelhantes. O produto do homem envolve uma tecnologia inovadora. O produto da mulher incorpora o sentimentalismo americano quanto aqueles que estão longe de casa. Tocar o sentimentalismo sempre é ‘xeque-mate’.

Já deu para perceber que não gostei do resultado. Não gostei mais por perceber toda a politicagem que envolvia a premiação da primeira mulher diretora, do que efetivamente por pensar que um seja ‘melhor’ do que outro, fato que é falso. Assim que ‘Miss Simpatia’ ganhou seu Oscar, eu suspeitei que Cameron estava no precipício. Mas quando Barbra Streisand, mulher altamente politizada e poderosa nos meios políticos americanos (lembram do caso Clinton?), adentrou o palco para anunciar o prêmio, eu sabia, Kathyn Bigelow era a escolhida. Tom Hanks então nada mais tinha a fazer senão aproveitar e anunciar, sem preâmbulos, ‘Guerra ao Terror’ como melhor filme e sair de fininho.

Louis B. Mayer e seu grupo de 36 diretores e atores, num dia 11 de janeiro de 1927, se remexeram nos túmulos de novo. Da idéia de incentivar a produção de obras de qualidade técnica e artística, hoje temos um jogo poderoso (e ininterrupto) de combinações que possam gerar discussões e mais dinheiro aos cofres da indústria cinematográfica. Quem perde? Neste caso, ninguém! Tanto os filmes ganhadores quanto os perdedores têm (e terão) repercussão, mais dinheiro e novos investimentos.

‘Entre mortos e feridos, todos quase sobreviveram’.
Lamento Cameron...

Profa. Ms. Claudia Nunes

domingo, 7 de março de 2010

O Amante de Lady Chatterley: um olhar pessoal

D. H. Lawrence constroi um perfil de mulher fora dos padrões da época. Constance é uma personagem complexa porque vive a liberdade da vivência dos sentidos, vive e convive com as regras sociais / conjugais muito rígidas, e vive a dinâmica do desequilíbrio de sua realidade quando diante da prática do amor sensual desreprimido. Desde jovem assume o gerenciamento do seu corpo e mente. Sua família é liberal e esclarecida. Entremeando estas 'vivências', há amores com nuances decepcionantes, repressoras, indignantes, trágicas, mágicas e altamente sensuais. Constante não aceita constâncias e está sempre analisando seu corpo, suas sensações e as posturas alheias diante da sexualidade. Seu psiquismo acalenta o encontro com a felicidade e a tranquilidade da liberdade de amar, de 'dar' o corpo sem cortes exteriores, a alguém que ame, independente da sua condição social. Dona de uma renda volumosa, Constance quer o gozo intenso no corpo e do sexo. Suas relações são intensas, inteligentes e críticas. Talvez encontrasse todo o ardor do amor carnal com Clifford, seu marido, mas este, atingido pela guerra na flor da idade, é impedido de procriar, fato que transforma o casamento num jogo de idéias e intenções. E diante apenas da idéia, do imaginário, ambos se afastam gradualmente e reconhecem este movimnto em diferentes incidentes. Idéias, intenções, companheirismo, bem-estar não são amarras suficientes para diminuir a excitação de Constance diante a volúpia da paixão. Ainda assim Constante aceita sua anulação, por um tempo. O leitor acompanha todos os percalços de sua tentativa de se entender como mulher para enfim poder, realmente, se olhar como esposa de alguém. No meio disso tudo, uma grande crítica à industrilização e à crescente desvalorização do homem diante do desenvolvimento (e forte uso) da máquina. Também é possível observar críticas às diferenças sociais em completa decadência (perda dos status) e um alerta às mudanças de comportamentos entre as classes 'dominantes' e 'dominada'. Mas o que mais chamou/chama a atenção ontem e hoje, é a preocupação pelo desejo físico e a descrição desinibidora do ato sexual. O ato sexual apresentado de diferentes formas é uma forma de catarse, e não apenas uma consumação previsível APENAS entre um 'casal-casado'. Medo, timidez, inibição, repressão são depuradas pelo autor. Mellors traz o esclarecimento do espírito desejante de Constance. Ambos vivem momentos cuja palavra 'VERGONHA' não se sustenta como possibilidade, nem para a construção da personagem, nem como alinhavo do enredo. Após cada encontro carnal, mudanças nas relações familiares. É o conflito entre a imperiosa exigência do sexo e a serenidade do amor. É um desfraldar de véus internos para que emerja um SER quase purificado. Cada ato sexual entre Constance e Mellors (seu guarda-caça) atinge subjetiva e diretamente os personagens e suas reações dependerão de seus status social ou familiar. Por ser considerado obsceno para época, o livro não pôde ser chamado de 'TERNURA' como desejava o autor. Diante da negativa de diversos autores de publicá-lo, Lawrence assumiu o risco e a bancou do próprio bolso. Foi atacado, censurado, proibido e condenado. O livro apresenta TEMAS bem interessantes também para os dias de hoje como os efeitos da debilidade física, da impotência psíquica, da desigualdade social, da moralidade hipócrita, da eloquencia vazia e inibidora, das emoções reprimidades, do casamento sem virilidade etc. Lawrence demonstra no psiquismo mutante dos personagens e em cada ato sexual realizado, a realidade de um tempo cujas descrições suprimiam o prazer como fonte de beleza, transformação e liberdade.

Profa. Ms. Claudia Nunes

quinta-feira, 4 de março de 2010

Suas CRENÇAS determinam suas ATITUDES

Rio - O Carnaval passou e o ano começou de fato. Como está sua vida, seus projetos? Faço votos que tudo esteja bem e o otimismo dinamize seu dia a dia.

Mas se isso não estiver acontecendo, se a falta de motivação, o tédio, a insegurança estão tirando seu bem estar, está na hora de rever suas crenças e descobrir como chegou a esse desagradável resultado.

Espero que você já tenha entendido que culpar os outros não vai resolver seus problemas e só concorre para aumentar sua depressão.

Meu filho Luiz Antonio( psicólogo, professor) depois de pesquisar durante anos, afirma que: você está onde se põe e é o único responsável por tudo quanto lhe acontece.

Ele está certo. Nós fazemos escolhas e colhemos os resultados. Se eles não nos favorecem, o melhor será investigar como estão nossas crenças.

Elas são responsáveis pela nossa forma de olhar a vida.

Estamos habituados a dar mais importância ao mundo exterior e aceitar o que os líderes ou pessoas famosas falam, sem questionar, esquecidos de que mesmo tendo qualidades que os fizeram brilhar, são seres humanos, capazes de se enganar.

A inteligência nem sempre vem acompanhada de sabedoria e muitas vezes é utilizada para estabelecer falsas crenças, aceitas em nossa cultura como verdadeiras.

São suas crenças que determinam suas atitudes. Uma crença falsa é contrária às leis espirituais que regem a vida e trará um resultado negativo, mesmo que utilizada com boa intenção.

É claro que você quer fazer o melhor. Mas se partir de uma premissa equivocada, não obterá o que pretende.

Por esse motivo é importante rever suas crenças, questionar, testar se são verdadeiras antes de adotá-las.

Esse é o primeiro passo. Em seguida é preciso ir mais fundo nos seus sentimentos para saber quais as aspirações de sua alma, o que a faria feliz.

Não existem duas pessoas iguais. A diversidade é lei que estabelece o equilíbrio do universo. Cada um é um, com potencial perfeito para cuidar da própria evolução e da vocação específica para atuar em determinado setor do progresso coletivo, que é de sua responsabilidade desenvolver.

Você é um espírito eterno, sua essência é espiritual. Olhar a vida sob essa ótica é sua verdadeira função. Exercê-la abre sua intuição e torna mais fácil fazer sua parte. Quando você faz a sua parte, a vida lhe dará todo o bem que deseja e merece.

Esse é o único caminho para o progresso. Experimente, teste, observe, abra os olhos para aquilo que é. É verdade que um dia você vai chegar lá, mas se começar agora chegará mais depressa. Esses são os meus votos.

ZIBIA GASPARETTO

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...