Lucio é um profissional respeitado. Depois de anos de luta, seus objetivos foram alcançados: estava estabilizado. Nada fora tranqüilo: incensos, rezas, projetos, concursos, investimentos, viagens e, enfim um lugar ao sol. Dinheiro não era mais problema ou angústia. Poucas vezes perdeu seu senso de responsabilidade. Era franco, simpático, de infância modesta e bem focado em princípios familiares sérios. Mesmo morando em Ipanema, era irreverente, solícito e extrovertido, adjetivos em alguns momentos observados como defeitos, presepadas ou abusos. Fazer o que? Ele não compactuava com as coerências impostas ou pelo social ou pelas pessoas ao seu redor. Com sua vida atual, os luxos eram seus hobbys e seu status; o despudor era sua marca e presença; e sua gargalhada era sua distração diária. Mas ele não aprendera a escutar. Ele não aprendera a ser menos. Mesmo procurado por todos os amigos, sempre pensava: ‘quem quer que alguém dê palpite na sua vida?’ Sua loucura escapava da razão seletiva que protege o ser humano das armadilhas da vida, das várias crises, das grandes mudanças. O que valia era sua emoção espalhada em todos os recantos e seu estigma de garotão. Era amadurecer e continuar não provando nada para ninguém! Sem a clareza dos caminhos racionais não percebia que a idade avançava. O mundo, nas vezes em que conseguia chateá-lo, se tornava risível. Hoje, com mais de 40 anos, Lucio optou por não chegar em casa com resíduos do dia. A idéia era criar indiferenças e, na manha seguinte, correr na frente do que planejara sem bloqueios ou repressões. Só que hoje algo estava diferente. Preso em sua poltrona, sabia que algo estava errado. A casa não tinha cor nenhuma. Ele se olhava e tudo estava negro. A respiração era entrecortada. O que acontecera? Na noite profunda, o telefone toca. Uma dor lancinante domina sua cabeça e ele se lembra: seu amor fora recusado. Aos 40 anos, essa era sua primeira experiência: o insucesso amoroso. Sem dominar o corpo, toda a sua fragilidade e insegurança estavam em cena. Homem das mil e uma amantes, como diziam, se acostumara com pessoas indo e vindo de sua cama sem durarem ou deixarem grandes marcas. Em tudo era eclético. Dentro de sua vida carnavalesca agia de acordo com um lema: ‘não termino relações, acumulo’. Sem pressa ou culpa dizia aos ventos ‘eu te amo’ várias vezes com sinceridade, mas nunca para a posteridade. O amor só era válido enquanto novidade. Para pessoas diferentes, amores diferentes, afinal tem gente que é melhor conversando, tem gente que é melhor transando e tem gente que é melhor saindo. Lucio amava amplamente as pessoas sem discriminações ou sem se desperdiçar em seleções bobas. Mas hoje alguém fugiu do seu balaio afetivo. A noite chegara forte e o encontrara sonhando acordado no meio da sala, ainda com o terno de trabalho. Como eu, um ariano nato, não realizei a expressão ‘eu quero’ como sempre? Ele era o máximo! Ele era perfeito! A noite não o abandona e as lembranças o perturbam. Espiritualizado, amigo, solidário, ele surfou pela vida ‘ralando’ muito, então como alguém o nega sem medo? Seu corpo não aceita a loucura do descarte. Sua mente não entende a volúpia da informação de uma negação sem precedentes. E ele cai vertiginosamente nas luzes da cidade. Estas são pontos abertos às suas necessidades sem pudores. É um processo sem base, sem ponto de contato e sem poder de administração. Pelas nuvens da cidade, ele busca elementos que preparem sua respiração para um renascer. De manhã, diante de um cheiro forte de gás residencial, vizinhos arrombam a porta e se deparam com Lucio, sorrindo, deitado no chão e fantasiado de Robin.
O mundo é desconhecido e estou desbravando a mim mesma para aceitar o mundo como ele é. Como professora (Estado), Tutora em cursos de EAD, Revisora de Material Didático e MESTRE em Educação (UNIRIO), estou seguindo a vida fazendo o que gosto, como gosto e com quem gosto muito. Escrevo e publico textos para me esvaziar de mim e poder aceitar o Outro como vier. De resto meu vicio é o mundo virtual, ainda que eu nao seja dissimulada. Mutante? Isso! Eu gosto de ser mutante!
sexta-feira, 22 de abril de 2011
O que faz a PERDA DE UM PAI
Hoje acordei com a noticia de que o Imperador Adriano sofreu uma contusão e ficará 05 meses sem estrear em campo. Fiquei parada olhando a TV e pensando: o que a perda de um pai não faz. Muita gente pensa que criança é uma cadeira: joga para lá, joga pra cá; falam o que querem; agem como lhes dá na veneta; e a criança vai junto. Hoje em dia a representação da família mudou, eu sei, mas estamos produzindo monstrinhos, esquizofrênicos e seres cheios de manha e soberba porque aceitamos, sem discutir, que criança não sente, não entende, não vê e não sabe se comportar.
Nesta perspectiva, estamos quase em paralelo com alienados, ignorantes e dependentes integrais. Que burrice! Criança é campo aberto aos mais variados tipos de emoções. Algumas destas emoções precisam de atenção e esclarecimento constante senão se estratificam no corpo e na mente como dificuldades, problemas, transtornos, distúrbios. E não é certo pensar que, em ambientes menos favorecidos, essa atenção não vá acontecer com inteligência e persistência. Por ser um ambiente menos favorecido, ao contrário, em cena, estão, dentre outros, a vontade de um mundo melhor, uma criação melhor, uma ânsia de desenvolver personalidade com valores certos. Isso! A palavra é essa: em ambientes menos favorecidos o que se deseja é o certo, o honesto, o caráter, a coragem, a solidariedade.
Mas ai surge a primeira perda. A vida participa desse processo cortando os passos humanos com situações assustadoras e esvaziadas de sentidos; e logo depois exige paciência e superação. Da perda de um objeto à perda de uma pessoa para sempre, constantemente somos surpreendidos pela ação de olhar um lugar sem achar nadaou ninguém. Alguns dizem que são as separações necessárias para se manter o crescimento pessoal e mental, será mesmo? É possível, mas para este momento não há preparação, há sim a atração de novas parcerias e aproximações confortáveis que determinam diferentes mudanças nas próximas respirações, agora, a partir da percepção da existência de um espaço/lugar vazio.
Adriano foi sorteado à fama dentre tantos meninos que nascem com a bola nos pés nos campinhos das favelas brasileiras, alcançou a nobreza do mundo futebolístico e voou para longe do seu habitat natural. Mudou o contexto, não o seu interior. Ainda que se aceite que o processo de adaptação é natural e básico, diante, principalmente, do conforto que o dinheiro começa a proporcionar a todos que o recebem em grandes proporções, Adriano é um peixe fora d’água. Sua auto estima é dependente. Diferente de todos da sua geração que fizeram outras e rápidas ligações com o mundo e com a liberdade da celebridade, por dinheiro, dentro do futebol, Adriano manteve seu fio de prata com seus espaços de infância e sua família, e não esqueceu onde se construiu como pessoa e como profissional.
Adriano foi para o mundo, jogou bola, sentiu saudades, mas tinha pai. Tinha família perto e longe, e tinha pai. Não interessa o tipo de pai ou como o pai foi pai, apenas um garoto que tinha pai longe, mas muito junto de suas verdades e ações. Se tudo desse errado, tinha pai. O que significa isso? Significa segurança, ‘pé no chão’, sentido, equilíbrio, distancia de confusões e contusões. Mas as Moiras, caprichosas, projetam em Adriano outro destino: seu pai morre no auge do seu futebol.
Num ambiente cercado pela força do feminino, o menino Adriano perde seu herói e se desencanta. Sua atualidade é fruto de seu desencantamento, de seu desprazer consigo mesmo e com a vida que levava. Cada um foi para o seu lado e nunca mais se encontrarão. E é essa dor silenciosa que dói demais, que transforma comportamentos e formas de ver a vida, em atitudes inúteis ou sensacionalismos baratos.
Mas e agora? O cara que bronqueia forte, o cara que conversa claro, o cara da cerveja junto, o cara dos primeiros amores e camas, o cara das presenças em folguedos infantis, o cara que trabalha sério, o cara da mesa do almoço e do jantar, o cara da bola, o cara que fala ensinando, o cara dos melhores anos de vida DESAPARECEU... Como explicar que tudo isso agora só está na fotografia, imóvel, calado e sem movimento, ou somente em sua memória? Uma pessoa, tendo a idade que for, tem dificuldade de agüentar esse tranco e sorrir ou jogar (no caso do Adriano) fantasticamente uma semana depois. Nada há o que fazer.
Depois de curtir este momento, Adriano grita por ajuda. Diante da dor, Adriano foi visitar Hefestos e sua imensa obscuridade sem prazo de volta, sem consulta prévia, e não está conseguindo voltar à tona e ser feliz de novo. A crença do pacto eterno com a vida feliz foi quebrada e suas emoções não conseguem se harmonizar depois de tudo. É um rompimento com uma presença basilar. É quase um enlouquecimento da razão entorpecida pelo desaparecimento abrupto daquele que, com rédeas curtas, ocupava as lembranças e o quarto ao lado.
E ai? O que se faz com um garoto grande que, diante da morte, bloqueou seu espírito guerreiro e feliz em campo, e deseja apenas soltar a sua pipa com seus amigos, na laje de sua casa, como antigamente? Esta é a memória que o esporte capitalista desentende e pergunta: ‘tem tanto dinheiro e quer voltar pro Juramento? Está louco?’ Engano... Adriano está solitário. Adriano está sem perspectiva. Adriano ainda não superou a saudade e se comporta como um adolescente. Difícil entender? Tudo bem. Saudade não é para ser entendida mesmo, mas precisa ser respeitada.
Agora, de novo na mídia, ele está sozinho e sem atividade. O corpo, aos poucos, apresenta a tensão da perda paterna e das perseguições midiáticas. Ele não quer ser exemplo de nada. Ele quer paz para viver outros amores e sua família. Adriano precisa ‘da’ e ‘de’ família para superar essa partida abrupta e sem despedida, o quanto antes. Então atenção ao ditado anônimo: ‘Quem quiser vencer na vida deve fazer como os seus sábios: mesmo com a alma partida, ter um sorriso nos lábios’.
Força Adriano, meu Imperador!
Profa Claudia Nunes
domingo, 10 de abril de 2011
UM DIA 'DO' CÃO
Não vou contar tudo o que aconteceu no último dia 07/04/2011 porque estou desgastada. Sem outra opção, só posso lembrar e lembrar. Ao invés de acordar para vida, acordei para conhecer a morte. Os gritos no rádio e as imagens ininterruptas da TV se chocaram com a minha sensação diária de acordar para um novo dia cheio de promessas e novidades. Era um dia de terror. Um dia assustador. Dentro de uma escola, um ex-aluno entra, saca suas armas, mata 12 crianças e fere mais 13. Como assim? Dentro da escola? Será possível?
Vários pensamentos me assomaram e nada se alinhavava. Imagens e entrevistas se sobrepuseram e jogaram adrenalina negativa ao meu despertar. Sou uma subjetividade do mundo, mas, em minha cama, sou uma professora que se projeta inutilmente ao espaço da tragédia e se pergunta: e agora? Só me pergunto isso porque é uma tragédia insuspeitada por todos, mas também anunciada há muito tempo e por muitas vozes técnicas e profissionais do ensino.
Não consigo ser outra coisa neste dia além de espectadora: eu não queria entender ‘o como’ ou ‘o que’ aconteceu, isso seria usado aos píncaros, de todas as formas positivas, iludidas, especializadas e torpes pelas diferentes mídias; eu queria entender ‘o porquê’ de haver sangue inocente por todos os lados dentro de uma escola no horário de aula. As cenas eram textos que precisavam de interpretação porque sua motivação estava nas entrelinhas deixadas debaixo de uma psicologia em distúrbio e dos tapetes governamentais anos a fio.
Antes da palavra JUSTIÇA gritada diante de um fato selvagem consumado, temos a palavra INSEGURANÇA anunciada em qualquer setor de nossa sociedade, principalmente dentro da estrutura física educacional. Mas novamente, depois da invasão, pronunciam-se os futuros remendos, tapa-buracos, velamentos ilusórios das promessas municipais e estaduais: e a população (pais) chorando convulsivamente.
Vou à Internet e procuro saber sobre as condições de segurança da escola e surpresa: a escola tem sistema de segurança, seguranças, três portões de ferro antes de sua entrada e monitoramento por câmera nos corredores! Ou seja, não é uma escola padrão e, mesmo assim, pais crentes e tranqüilos enterraram seus filhos-estudantes nos dias 08 e 09/04/2011 depois de os deixarem estudando para serem ‘alguéns’ na vida.
Sinceramente estou de saco cheio disso! Sinceramente penso que os alienados são mesmo os sujeitos mais felizes da Terra! Sinceramente penso que a debandada de professores do serviço público é cabível nesta nossa sociedade de autoridades surdas e debochadas. Sim, porque só pode ser deboche.
Em Educação há muitas teorias, tipos de formação e múltiplas práticas que tendem a transformar certas pessoas em certos pensadores (teóricos) do contexto educacional como um todo. Mas em relação à escola e ao ensino temos atores educacionais heróicos que agem dentro de estratégias de guerrilha que os façam suportar desleixos, ignorâncias, violências urbanas, transtornos, ausências e desprezos institucionais e discentes todos os dias. E mesmo assim precisam se manter em formação, dentro de gestões controladoras e longe da escuta da realidade de seus discursos e contextos. Como assim?
São 15h, eu continuo em frente à TV e as informações se avolumam em tragicidade. Ainda assim, só penso em mim: como professora, o que eu faria? Não sei. Talvez me aproximasse mais desse garoto tímido em sua época de estudante... Talvez saísse correndo ao som dos primeiros tiros... Talvez juntasse meus alunos num canto e esperaria o tempo da morte... Talvez telefonasse para minha mãe avisando do ocorrido e pedindo ajuda... Não sei. Mas daqui, da segurança da minha casa, longe de tudo isso, eu só penso na INSEGURANÇA e no precedente aberto também no Brasil. Agora é preciso ter cuidado diante da porta que se abriu à imensa comunidade de ‘transtornados’ que ajudamos a criar em nosso estado e seus cérebros emocionais em disfunção. Agora todos sabem a extensão sem discussão e sem limites da expressão ‘escola aberta à comunidade’.
Nosso Ministro da Educação Haddad vem à mídia e confirma a idéia de que a escola tem que ser aberta porque esta é a forma de a comunidade se integrar na sociedade, ou seja, entende a escola como espaço democrático de reflexão e da potencialização das aprendizagens de diferentes formas e com ampla liberdade. Muito bonito e... correto! Mas será que ele conhece os contextos sócio-econômicos violentos em que muitas escolas estão inseridas? Será que ele já foi ameaçado pelo chefe do tráfico para abrir a escola e deixar passar seus comparsas e ‘bagulhos’? Será que ele já foi obrigado a fechar ou abrir sua escola a mando dos chefes do poder paralelo porque um dele morreu?
Houve um tempo em que a escola e seus professores tinham valor. A comunidade se apresentava com respeito a essas pessoas e espaços responsáveis pelo crescimento intelectual e pessoal de seus filhos. Hoje diante de múltiplos motivos, dentro e fora da Educação e do ensino, boa parte das comunidades e escolas estão em caminhos diferentes e cada um acredita que cada um deve cumprir suas obrigações, desde que um ou outro na atrapalhem a vida de um ou de outro. O discurso da democratização vira democratismo e a escola vira extensão de casa onde tudo pode sem limites ou formalidades inerentes. É isso mesmo? Democracia não se pauta em regras para uma boa integração em sociedade? E numa visão mais cínica: os hospitais públicos estão abertos a todos? As instituições administrativas públicas estão abertas ao ir e vir de todos? Duvido! Não temos atendimento e nem acesso decente ou educado!
Num dia, à noite, descobri em minha turma, o namorado da minha aluna assistindo aula. Lógico que solicitei sua saída e, graças a Zeus, fui respeitada e o namorado saiu. Mas como ele entrou? Entrou porque em várias escolas é o próprio diretor que faz a entrada e a saída das crianças. Abre a porta para tudo, observa corredores, recoloca alunos em sala, porque literalmente ele está sozinho. Ou seja, onde está a equipe pedagógica e os profissionais administrativos? Ou são terceirizados, ou são contratados ou simplesmente não existem! Cobra-se comprometimento sem comprometimento!
Meu coração está dolorido com a insensata morte de 14 crianças. Mas minha mente está quente com a perspectiva que se abriu. Segurança pública tornou-se uma expressão mentirosa ou, se muito, prática que alcança apenas alguns setores ou alguns lugares eleitoreiros. Como ficam agora as escolas de contextos conturbados e violentos? Dentro da sala de aula ou dentro da escola, professores podem (e devem) lidar com dificuldades de aprendizagem, distúrbios biológicos e transtornos de personalidade, mas também devem ser inspetores, porteiros, faxineiros etc.? Que loucura!
Depois de horas de exposição ao fato trágico, começo a ficar indignada com o descaso. É descaso em tudo! Por exemplo: se o ex-aluno tinha tantos problemas, como fica o processo de inclusão, de atendimento, de respeito ao aluno tão decantados pela pedagogia ou no letramento de professores em geral? O ex-aluno era surtado (esquizofrênico) há muito tempo. Todo mundo sabia. Todo mundo via. E num dia de sol, chegou ao ápice de sua loucura. Não o defendo, penso até que já ‘foi’ tarde, apenas pergunto por atitudes que preveniriam o dia 07/04/2011 e começo a temer outro pensamento: numa sequência ‘imparável’, vários setores (familiar, escolar, religioso, estadual e municipal) não fizeram seu trabalho. Como podemos chamar a isto? Precarização das condições de trabalho. Desta feita, é difícil reparar, por exemplo, na presença do bullying (nerd, feio, filho adotivo etc.) no meio escolar.
Depois do dia 07/04/2011 temos um levantamento detalhado de toda a vida pessoal (psicológica), educacional e funcional deste ex-aluno transtornado. Mas de que adianta? Só agora prestaram atenção a ele? Ele se foi com mais de 12 inocentes. Acredito que estas informações, hoje, só alimentam a sana de justiça dos pais órfãos dos filhos; fazem com que a população ataque os familiares inocentes deste perturbado; e justificam o despreparo das autoridades quanto à manutenção funcional das escolas. E daí? Qual é o próximo passo? Não sei...
Por conseguinte, sem respaldo, torcemos pelo aparecimento de heróis anônimos que se disponham a ajudar/salvar quem quer que seja. De novo, outro pensamento: um país que depende de pessoas certas nos lugares certos para diminuir ou aliviar as misérias ou insólitos alheios é um país que pode se entregar a administração estrangeira sem culpa.
Pessoas que se colocam em posição de morte para salvar são importantes, mas o Estado/Município não teria que se (nos) prevenir através de uma vontade política séria? Faz-se tantos diagnósticos, estatísticas, levantamentos para, no final, estarmos à mercê apenas da solidariedade dos vizinhos, amigos e passantes? Como assim? Não há problema nisso, mas se assim é, paguemos impostos exorbitantes e juros altos aos vizinhos, aos heróis, às pessoas de bem querer que se disponibilizam a tudo por afeto e consciência cidadã. Ou não?
Enquanto na escola tudo for liberado em nome da integração sem aprofundamento e alguns profissionais de gabinete ‘pensarem’ gestões para outros realizarem, sem capturar as dezenas de realidades escolares, vamos repetir, não a cena de exceção desta tragédia, mas outras tragédias sem gritos e completamente ignoradas. Por exemplo: a chegada de muitos alunos ao 9º ano do Ensino Fundamental ou 1º ano do Ensino Médio sem saber ler e escrever... O bullying tem sua importância na discussão social e pedagógica, mas e o analfabetismo funcional?
Neste 07/04/2011, ficamos todos desarmados, desarvorados, desanimados, desamparados com a facilidade com que se ceifou da vida inocentes em processo de aprendizagem dentro de um espaço ‘seguro’. É mais uma certeza que se esvai a cada engatilhamento da arma feito por este ex-aluno com sérios problemas de personalidade; a cada vez que as autoridades nos incutem esperanças vãs quanto às melhorias em geral nas escolas; e a cada vez que a loucura humana (mesmo com tons religiosos) se apresenta em torvelinho dentro de um puro non-sense.
Na madrugada, estou com Carlos Drummond, e agora José?
Vários pensamentos me assomaram e nada se alinhavava. Imagens e entrevistas se sobrepuseram e jogaram adrenalina negativa ao meu despertar. Sou uma subjetividade do mundo, mas, em minha cama, sou uma professora que se projeta inutilmente ao espaço da tragédia e se pergunta: e agora? Só me pergunto isso porque é uma tragédia insuspeitada por todos, mas também anunciada há muito tempo e por muitas vozes técnicas e profissionais do ensino.
Não consigo ser outra coisa neste dia além de espectadora: eu não queria entender ‘o como’ ou ‘o que’ aconteceu, isso seria usado aos píncaros, de todas as formas positivas, iludidas, especializadas e torpes pelas diferentes mídias; eu queria entender ‘o porquê’ de haver sangue inocente por todos os lados dentro de uma escola no horário de aula. As cenas eram textos que precisavam de interpretação porque sua motivação estava nas entrelinhas deixadas debaixo de uma psicologia em distúrbio e dos tapetes governamentais anos a fio.
Antes da palavra JUSTIÇA gritada diante de um fato selvagem consumado, temos a palavra INSEGURANÇA anunciada em qualquer setor de nossa sociedade, principalmente dentro da estrutura física educacional. Mas novamente, depois da invasão, pronunciam-se os futuros remendos, tapa-buracos, velamentos ilusórios das promessas municipais e estaduais: e a população (pais) chorando convulsivamente.
Vou à Internet e procuro saber sobre as condições de segurança da escola e surpresa: a escola tem sistema de segurança, seguranças, três portões de ferro antes de sua entrada e monitoramento por câmera nos corredores! Ou seja, não é uma escola padrão e, mesmo assim, pais crentes e tranqüilos enterraram seus filhos-estudantes nos dias 08 e 09/04/2011 depois de os deixarem estudando para serem ‘alguéns’ na vida.
Sinceramente estou de saco cheio disso! Sinceramente penso que os alienados são mesmo os sujeitos mais felizes da Terra! Sinceramente penso que a debandada de professores do serviço público é cabível nesta nossa sociedade de autoridades surdas e debochadas. Sim, porque só pode ser deboche.
Em Educação há muitas teorias, tipos de formação e múltiplas práticas que tendem a transformar certas pessoas em certos pensadores (teóricos) do contexto educacional como um todo. Mas em relação à escola e ao ensino temos atores educacionais heróicos que agem dentro de estratégias de guerrilha que os façam suportar desleixos, ignorâncias, violências urbanas, transtornos, ausências e desprezos institucionais e discentes todos os dias. E mesmo assim precisam se manter em formação, dentro de gestões controladoras e longe da escuta da realidade de seus discursos e contextos. Como assim?
São 15h, eu continuo em frente à TV e as informações se avolumam em tragicidade. Ainda assim, só penso em mim: como professora, o que eu faria? Não sei. Talvez me aproximasse mais desse garoto tímido em sua época de estudante... Talvez saísse correndo ao som dos primeiros tiros... Talvez juntasse meus alunos num canto e esperaria o tempo da morte... Talvez telefonasse para minha mãe avisando do ocorrido e pedindo ajuda... Não sei. Mas daqui, da segurança da minha casa, longe de tudo isso, eu só penso na INSEGURANÇA e no precedente aberto também no Brasil. Agora é preciso ter cuidado diante da porta que se abriu à imensa comunidade de ‘transtornados’ que ajudamos a criar em nosso estado e seus cérebros emocionais em disfunção. Agora todos sabem a extensão sem discussão e sem limites da expressão ‘escola aberta à comunidade’.
Nosso Ministro da Educação Haddad vem à mídia e confirma a idéia de que a escola tem que ser aberta porque esta é a forma de a comunidade se integrar na sociedade, ou seja, entende a escola como espaço democrático de reflexão e da potencialização das aprendizagens de diferentes formas e com ampla liberdade. Muito bonito e... correto! Mas será que ele conhece os contextos sócio-econômicos violentos em que muitas escolas estão inseridas? Será que ele já foi ameaçado pelo chefe do tráfico para abrir a escola e deixar passar seus comparsas e ‘bagulhos’? Será que ele já foi obrigado a fechar ou abrir sua escola a mando dos chefes do poder paralelo porque um dele morreu?
Houve um tempo em que a escola e seus professores tinham valor. A comunidade se apresentava com respeito a essas pessoas e espaços responsáveis pelo crescimento intelectual e pessoal de seus filhos. Hoje diante de múltiplos motivos, dentro e fora da Educação e do ensino, boa parte das comunidades e escolas estão em caminhos diferentes e cada um acredita que cada um deve cumprir suas obrigações, desde que um ou outro na atrapalhem a vida de um ou de outro. O discurso da democratização vira democratismo e a escola vira extensão de casa onde tudo pode sem limites ou formalidades inerentes. É isso mesmo? Democracia não se pauta em regras para uma boa integração em sociedade? E numa visão mais cínica: os hospitais públicos estão abertos a todos? As instituições administrativas públicas estão abertas ao ir e vir de todos? Duvido! Não temos atendimento e nem acesso decente ou educado!
Num dia, à noite, descobri em minha turma, o namorado da minha aluna assistindo aula. Lógico que solicitei sua saída e, graças a Zeus, fui respeitada e o namorado saiu. Mas como ele entrou? Entrou porque em várias escolas é o próprio diretor que faz a entrada e a saída das crianças. Abre a porta para tudo, observa corredores, recoloca alunos em sala, porque literalmente ele está sozinho. Ou seja, onde está a equipe pedagógica e os profissionais administrativos? Ou são terceirizados, ou são contratados ou simplesmente não existem! Cobra-se comprometimento sem comprometimento!
Meu coração está dolorido com a insensata morte de 14 crianças. Mas minha mente está quente com a perspectiva que se abriu. Segurança pública tornou-se uma expressão mentirosa ou, se muito, prática que alcança apenas alguns setores ou alguns lugares eleitoreiros. Como ficam agora as escolas de contextos conturbados e violentos? Dentro da sala de aula ou dentro da escola, professores podem (e devem) lidar com dificuldades de aprendizagem, distúrbios biológicos e transtornos de personalidade, mas também devem ser inspetores, porteiros, faxineiros etc.? Que loucura!
Depois de horas de exposição ao fato trágico, começo a ficar indignada com o descaso. É descaso em tudo! Por exemplo: se o ex-aluno tinha tantos problemas, como fica o processo de inclusão, de atendimento, de respeito ao aluno tão decantados pela pedagogia ou no letramento de professores em geral? O ex-aluno era surtado (esquizofrênico) há muito tempo. Todo mundo sabia. Todo mundo via. E num dia de sol, chegou ao ápice de sua loucura. Não o defendo, penso até que já ‘foi’ tarde, apenas pergunto por atitudes que preveniriam o dia 07/04/2011 e começo a temer outro pensamento: numa sequência ‘imparável’, vários setores (familiar, escolar, religioso, estadual e municipal) não fizeram seu trabalho. Como podemos chamar a isto? Precarização das condições de trabalho. Desta feita, é difícil reparar, por exemplo, na presença do bullying (nerd, feio, filho adotivo etc.) no meio escolar.
Depois do dia 07/04/2011 temos um levantamento detalhado de toda a vida pessoal (psicológica), educacional e funcional deste ex-aluno transtornado. Mas de que adianta? Só agora prestaram atenção a ele? Ele se foi com mais de 12 inocentes. Acredito que estas informações, hoje, só alimentam a sana de justiça dos pais órfãos dos filhos; fazem com que a população ataque os familiares inocentes deste perturbado; e justificam o despreparo das autoridades quanto à manutenção funcional das escolas. E daí? Qual é o próximo passo? Não sei...
Por conseguinte, sem respaldo, torcemos pelo aparecimento de heróis anônimos que se disponham a ajudar/salvar quem quer que seja. De novo, outro pensamento: um país que depende de pessoas certas nos lugares certos para diminuir ou aliviar as misérias ou insólitos alheios é um país que pode se entregar a administração estrangeira sem culpa.
Pessoas que se colocam em posição de morte para salvar são importantes, mas o Estado/Município não teria que se (nos) prevenir através de uma vontade política séria? Faz-se tantos diagnósticos, estatísticas, levantamentos para, no final, estarmos à mercê apenas da solidariedade dos vizinhos, amigos e passantes? Como assim? Não há problema nisso, mas se assim é, paguemos impostos exorbitantes e juros altos aos vizinhos, aos heróis, às pessoas de bem querer que se disponibilizam a tudo por afeto e consciência cidadã. Ou não?
Enquanto na escola tudo for liberado em nome da integração sem aprofundamento e alguns profissionais de gabinete ‘pensarem’ gestões para outros realizarem, sem capturar as dezenas de realidades escolares, vamos repetir, não a cena de exceção desta tragédia, mas outras tragédias sem gritos e completamente ignoradas. Por exemplo: a chegada de muitos alunos ao 9º ano do Ensino Fundamental ou 1º ano do Ensino Médio sem saber ler e escrever... O bullying tem sua importância na discussão social e pedagógica, mas e o analfabetismo funcional?
Neste 07/04/2011, ficamos todos desarmados, desarvorados, desanimados, desamparados com a facilidade com que se ceifou da vida inocentes em processo de aprendizagem dentro de um espaço ‘seguro’. É mais uma certeza que se esvai a cada engatilhamento da arma feito por este ex-aluno com sérios problemas de personalidade; a cada vez que as autoridades nos incutem esperanças vãs quanto às melhorias em geral nas escolas; e a cada vez que a loucura humana (mesmo com tons religiosos) se apresenta em torvelinho dentro de um puro non-sense.
Na madrugada, estou com Carlos Drummond, e agora José?
sexta-feira, 1 de abril de 2011
TRANSFORMAÇÕES
Armando, no quintal de casa, observava a vizinhança. Que paz! Que tranqüilidade! Suas decisões de vida o tinham trazido àquele lugar familiar, silencioso e com um cheiro maravilhoso de café fresco. Como era boa a sensação do dever cumprido. Semanas antes dentro de um cassino, diante de um guardanapo e um lápis, seu pensamento só o matava. Uma avalanche de desastres acontecera em sua vida e ele não sabia o que fazer de si mesmo. Sem motivo algum entrara num processo de perdas, desânimos e irritações inimagináveis em alguém com a estima sempre elevada. Ele fora atravessado por um caminhão em alta velocidade cujo choque arrebatou todos os seus confortos, finanças e rotinas. Suas perspectivas e objetivos foram pulverizados abruptamente e ali estava ele, sozinho, com arritmias e sem dinheiro. Ele pensava em castigo dos céus, vingança de alguém ou demanda forte. Mas quem? Quando? Onde? Por quê? Vácuo... Tudo o levava a um vazio de sentido que minava respirações e sentimentos por princípio. Sem ter para onde ir ou o que fazer, foi se divertir, afinal se divertindo o corpo expurgaria toda e qualquer infecção. Ele precisava sim do suor que lava o coração, corpo e mente. Em frente ao cassino muitas cores, cheiros, mentiras, sonhos e ilusões se aglomeravam em todos os espaços na esperança de uma vida melhor e milionária. Com ou sem problemas, as pessoas e ele compunham um quadro trágico das necessidades desordenadas e exigentes de superação. O mundo do jogo é a fantasia do artista que almeja o sucesso, luta para conquistá-lo, mas quando o tem, se mascara, se esconde e se perde na intenção de voltar à cotidianidade de um café com leite na padaria da esquina de casa. São os preços e estes precisam ser pagos o tempo todo quando se investe em realizações pessoais e profissionais. Ainda assim nem todos agüentam pagá-los com dignidade. Armando e o resto das pessoas reconhecem o preço, mas tudo precisa ser rápido e por dinheiro. Os dados rolam, os olhares estão aprisionados, os corações parados e as mentes em fantasias de reviravoltas, conquistas e mudanças assim que a roleta pare. Armando e os jogadores alimentam apostas em realidades absurdas e esquecem até de si mesmos. Cartas e roletas velam o mundo e indeterminam motivações e contextos. Há uma transmutação intensa cujas estruturas dos pensamentos e dos sentidos são quebradas. Ali, ele é o cara de antes. Ali, ele vale pela imagem. Ali, as forças ocultas não se apresentam. Flanando por entre as mesas, ele apenas quer ser ele sem crises, com idéias e jovem. Sim! Ele ali readquire sua juventude e é o dono de todos. É um tipo prazeroso, sem traições, nostalgias ou contas a pagar. Ele está aberto às insensibilidades das mil e uma projeções sem a obrigação de realizá-las, de assumir seleções ou aceitar escolhas. Ele está se desconstruindo e se espalhando. Sem controle, não percebe a aproximação da vida: seu filho toca seu braço. Susto! Diante de olhinhos ávidos por carinho, ele enfrenta seu relaxamento, sua entrega, e acorda para criar sonhos capazes de, efetivamente, (se) realizar. Com o corpo do filho junto ao peito, os problemas se apequenam e, na velocidade da luz, ele se reconstrói e volta pra casa. Seu mergulho no mais profundo que existe num ser humano o fez reconhecer suas sombras, medos e incontinências emocionais, o fez submergir no que ficara oculto até então e o reposicionou no contexto dos seus problemas sem a loucura da morte. Diante da batida do coração do filho, uma certeza: é (se) encarar ou (se) encarar. E as mudanças se sucedem. E nada mais escapa por entre suas mãos. Ao deixar seu filho na cama, observa um envelope em cima da cômoda: um aviso sobre um testamento de uma tia distante. Seu rosto se ilumina, pois lembra do pai dizendo: ‘filho, ou morremos, seguindo sem novas motivações até o momento da última respiração, ou renascemos para uma nova vida e recomeçamos a sonhar’.
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Nada nunca é igual
Nada nunca é igual Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...
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Cuidados paliativos. Cada vez que eu ouço isso lembro de minha mãe. Luta por qualidade de vida e não por saúde não é fácil para os filhos...
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Um pouco desse livro FANTÁSTICO. É apenas a INTRODUÇÃO. Há o livro em PDF, mas tenham o livro físico. Muito importante. Bo noite! DAMÁSIO, A...