sexta-feira, 1 de abril de 2011

TRANSFORMAÇÕES

Armando, no quintal de casa, observava a vizinhança. Que paz! Que tranqüilidade! Suas decisões de vida o tinham trazido àquele lugar familiar, silencioso e com um cheiro maravilhoso de café fresco. Como era boa a sensação do dever cumprido. Semanas antes dentro de um cassino, diante de um guardanapo e um lápis, seu pensamento só o matava. Uma avalanche de desastres acontecera em sua vida e ele não sabia o que fazer de si mesmo. Sem motivo algum entrara num processo de perdas, desânimos e irritações inimagináveis em alguém com a estima sempre elevada. Ele fora atravessado por um caminhão em alta velocidade cujo choque arrebatou todos os seus confortos, finanças e rotinas. Suas perspectivas e objetivos foram pulverizados abruptamente e ali estava ele, sozinho, com arritmias e sem dinheiro. Ele pensava em castigo dos céus, vingança de alguém ou demanda forte. Mas quem? Quando? Onde? Por quê? Vácuo... Tudo o levava a um vazio de sentido que minava respirações e sentimentos por princípio. Sem ter para onde ir ou o que fazer, foi se divertir, afinal se divertindo o corpo expurgaria toda e qualquer infecção. Ele precisava sim do suor que lava o coração, corpo e mente. Em frente ao cassino muitas cores, cheiros, mentiras, sonhos e ilusões se aglomeravam em todos os espaços na esperança de uma vida melhor e milionária. Com ou sem problemas, as pessoas e ele compunham um quadro trágico das necessidades desordenadas e exigentes de superação. O mundo do jogo é a fantasia do artista que almeja o sucesso, luta para conquistá-lo, mas quando o tem, se mascara, se esconde e se perde na intenção de voltar à cotidianidade de um café com leite na padaria da esquina de casa. São os preços e estes precisam ser pagos o tempo todo quando se investe em realizações pessoais e profissionais. Ainda assim nem todos agüentam pagá-los com dignidade. Armando e o resto das pessoas reconhecem o preço, mas tudo precisa ser rápido e por dinheiro. Os dados rolam, os olhares estão aprisionados, os corações parados e as mentes em fantasias de reviravoltas, conquistas e mudanças assim que a roleta pare. Armando e os jogadores alimentam apostas em realidades absurdas e esquecem até de si mesmos. Cartas e roletas velam o mundo e indeterminam motivações e contextos. Há uma transmutação intensa cujas estruturas dos pensamentos e dos sentidos são quebradas. Ali, ele é o cara de antes. Ali, ele vale pela imagem. Ali, as forças ocultas não se apresentam. Flanando por entre as mesas, ele apenas quer ser ele sem crises, com idéias e jovem. Sim! Ele ali readquire sua juventude e é o dono de todos. É um tipo prazeroso, sem traições, nostalgias ou contas a pagar. Ele está aberto às insensibilidades das mil e uma projeções sem a obrigação de realizá-las, de assumir seleções ou aceitar escolhas. Ele está se desconstruindo e se espalhando. Sem controle, não percebe a aproximação da vida: seu filho toca seu braço. Susto! Diante de olhinhos ávidos por carinho, ele enfrenta seu relaxamento, sua entrega, e acorda para criar sonhos capazes de, efetivamente, (se) realizar. Com o corpo do filho junto ao peito, os problemas se apequenam e, na velocidade da luz, ele se reconstrói e volta pra casa. Seu mergulho no mais profundo que existe num ser humano o fez reconhecer suas sombras, medos e incontinências emocionais, o fez submergir no que ficara oculto até então e o reposicionou no contexto dos seus problemas sem a loucura da morte. Diante da batida do coração do filho, uma certeza: é (se) encarar ou (se) encarar. E as mudanças se sucedem. E nada mais escapa por entre suas mãos. Ao deixar seu filho na cama, observa um envelope em cima da cômoda: um aviso sobre um testamento de uma tia distante. Seu rosto se ilumina, pois lembra do pai dizendo: ‘filho, ou morremos, seguindo sem novas motivações até o momento da última respiração, ou renascemos para uma nova vida e recomeçamos a sonhar’.

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