Edméa Santos Realizada em: 11/1/2011
Atuação: Professora adjunta da Faculdade de Educação da UERJ, atua no PROPED (Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ). Obras: SANTOS, Edméa. Articulação de saberes na EAD online: por uma rede interativa de conhecimentos em ambientes virtuais de aprendizagem. In: Marco Silva. (Org.). Educação Online. 3 ed. São Paulo: Loyola, 2011, v. 1, p. 219-232; SANTOS, Edméa; RICCIO, N. C. R. Desenho didático aberto: uma experiência de educação online na formação do docente superior na UFBA. In: Daniela Melará Barros; Claudia Neves; Filipa Barreto de Seabra; José António Marques Moreira; Susana Henriques. (Org.). Educação e Tecnologias: reflexão, inovação e práticas. Lisboa: Universidade Aberta de Lisboa, 2011; SANTOS, Edméa. Desafios da cibercultura na era da mobilidade: os docentes e seus laptops. Educação e Cultura Contemporânea, v. 7, p. 27-42, 2010; SANTOS, Edméa. A Informática na Educação antes e depois da web 2.0: relatos de uma docente-pesquisadora. In: RANGEL, Mary; FREIRE, Wendel. (Org.). Ensino-Aprendizagem e Comunicação. Rio de Janero: Wak Editora, 2010, v. 1, p. 107-129; SANTOS, Edméa; Silva, Marco. Desenho didático para educação online. Em Aberto, v. 22, p. 105-120, 2009.
Cibercultura: o que muda na Educação
Salto – Em que medida é possível definir cibercultura?
Edméa – Vamos começar conceituando, porque, contemporaneamente, devemos evitar definir as coisas. Cibercultura, em poucas palavras, é a cultura contemporânea, mediada pelas tecnologias digitais em rede. Na verdade, muitos dizem que as tecnologias são protagonistas, mas há um processo híbrido entre todo o desenvolvimento científico, o próprio uso das tecnologias e seu desenvolvimento, e os usos que os praticantes, os sujeitos culturais, fazem dessas tecnologias. Em poucas palavras, é a cultura contemporânea mediada por tecnologias digitais em rede.
Salto – Há um equívoco muito comum na interpretação deste conceito de cibercultura, que diz respeito à ideia de que as tecnologias são as grandes protagonistas desse processo. Você poderia falar um pouco disso?
Edméa – O equívoco está em colocar a tecnologia na centralidade. Mas não há cibercultura, não há cultura contemporânea sem as tecnologias digitais em rede. As tecnologias digitais em rede estão na base dos processos produtivos, não só do modo de produção, mas nos modos de conhecer. (…) As tecnologias são artefatos culturais produzidos pelo próprio homem, então, a relação é híbrida, os sujeitos se constituem produzindo e na relação com essas tecnologias. Não dá para trazer as tecnologias para a centralidade sem considerar o humano, a cultura e a sociedade mais ampla.
Salto – O importante é essa relação entre os sujeitos e as diferentes tecnologias digitais?
Edméa – Exatamente. E, por outro lado, também não concordo com aquele discurso só do uso, de que os seres humanos protagonizam tudo, inclusive as próprias tecnologias. Porque sem elas não teríamos os fenômenos da cibercultura em emergência.
Salto – O que contribui para que estejamos todos inseridos nesta cibercultura?
Edméa – Tendo em vista que as tecnologias digitais em rede estão na base da sociedade, elas formam a infraestrutura, estruturam os processos de aprender, de ensinar, de pensar, de conhecer, de produzir, e não dá para pensar a sociedade contemporânea sem as tecnologias digitais, sem os seus usos e os fenômenos que emergem dessas tecnologias. Quando o assunto é educação, não é uma questão de usar as tecnologias apenas porque estão na moda e porque a escola agora tem laboratório de informática, tem computadores móveis, e sim porque está na sociedade, porque as tecnologias digitais estão na base da sociedade, formam a infraestrutura,
Salto – Quando se fala de tecnologia hoje em dia, fala-se na velocidade impressionante das mudanças: novos equipamentos, novos artefatos culturais são criados a todo instante e quase imediatamente passam a fazer parte do nosso dia a dia. Como você analisa a relação entre essas mudanças tecnológicas e as transformações nos currículos?
Edméa – A grande diferença dessas tecnologias digitais em rede, principalmente as tecnologias digitais que conectam a cidade com o ciberespaço, é que essas tecnologias não só estruturam a base material, mas também toda a base simbólica e de linguagem da sociedade. As mesmas tecnologias estruturam processos de aprendizagem, porque a tecnologia digital não só produz, como também difunde informação em rede, e ao interagir com essas informações em rede, com outros seres humanos, os sujeitos transformam essas informações em conhecimentos, que uma vez materializados digitalmente, viram novas fontes de informações para outros sujeitos. Então, as mesmas tecnologias que estão na base dos processos produtivos de conhecimento também produzem subjetividades. O mais interessante de pensar o digital em rede, para a educação, é que a educação está muito mais próxima da cena cultural e do universo cultural onde estão e atuam os praticantes, os sujeitos, de uma forma geral, que fazem uso dessas tecnologias, para além dos espaços formais de aprendizagem. Então, ninguém pode dizer hoje que não aprende ao interagir com a internet, com todas as redes sociais, com todas as comunidades de aprendizagem, não só de forma autodidata, fazendo seus próprios percursos de navegação e de interatividade, mas também interagindo com o outro, uma vez que nos aproximamos destes tantos outros que estão no ciberespaço, por identificações da nossa própria subjetividade.
Salto – Quando se fala na velocidade das mudanças no mundo da tecnologia, como fica a questão de rever o currículo por conta das mudanças tecnológicas?
Edméa – Cada vez mais nós, professores, não podemos perder de vista que o próprio conhecimento não é algo que se adquire. É algo que é construído e tecido junto, em tantas redes educativas, inclusive a cidade com todos os seus equipamentos, com todos os artefatos culturais, a própria internet, o próprio ciberespaço, e essas redes todas estão na escola, de uma forma ou de outra. Pensar o currículo escolar, contemporaneamente, está além daquela noção tradicional de currículo, como algo que vem pronto de um Ministério da Educação, ou de uma Secretaria de Educação.
Salto – E o fato de estarmos todos inseridos nesta cibercultura trouxe também pressão por mudanças no currículo escolar?
Edméa – Esta afirmativa de que estamos todos inseridos na cibercultura é problemática. Na verdade, estamos mesmo, uns mais incluídos, mais autores, mais protagonistas, com mais cidadania; outros excluídos. A exclusão, muitos falam em exclusão digital, nós preferimos falar de exclusão cibercultural, que é muito mais do que não ter acesso às tecnologias em si, mas é não ter acesso aos usos, às possibilidades de autoria, ao uso cidadão. Então, estamos todos inseridos, e a educação tem um papel fundamental que é exatamente inserir como protagonista, como praticante, fazer com que o sujeito lance mão desses usos para se autorizar, para autorizar o outro, viver efetivamente a transformação da cidade.
Salto – A cibercultura trouxe novos desafios para o currículo nas escolas?
Edméa – Totalmente. Principalmente porque o entendimento sobre a noção de currículo, para muitos educadores, para muitas escolas e até para muitos gestores, é que o currículo é o conjunto de conteúdos que precisam ser ensinados. É toda aquela listagem de conteúdos preestabelecidos, que vem dos ministérios, das secretarias, aquela noção que centra o currículo na escola, como se a escola e a universidade fossem os únicos lugares, os únicos espaços de ensinar e de aprender. Mas se entendemos currículo como essa construção cultural, social, produzida na escola, pela escola, mas em comunicação com outras redes educativas - até porque conhecimento não é aquilo que adquirimos ouvindo, ou simplesmente consumindo signos, mas é algo que é tecido com o outro, e em rede - a cibercultura traz em potência um entendimento diferente sobre currículo. Porque a cibercultura não é o movimento cultural que fica apenas no ciberespaço, a partir do que os sujeitos culturais produzem, com a mediação das tecnologias digitais em rede, mas a cibercultura é a cultura contemporânea que conecta várias redes, via mediação do digital. E isso não fica só no ciberespaço, mas afeta totalmente a cidade, todos os equipamentos culturais, inclusive a escola e a universidade.
Salto – Houve de fato grandes transformações nos modos de se pensar e de se fazer educação a distância?
Edméa – Completamente. Principalmente porque educação a distância, em poucas palavras, é uma modalidade educacional onde os sujeitos da comunicação e da aprendizagem não estão no mesmo espaço, nem sempre ao mesmo tempo, construindo o conhecimento, nessa relação espaço-temporal. E para que aconteça educação, efetivamente, é necessário a mediação, e a mediação de tecnologias, porque o conteúdo e as situações de aprendizagem são mediadas por tecnologias; nas clássicas práticas de educação a distância, essa mediação é feita por mídias de massa, mídias que separam o polo da emissão dos polos, diversos, da recepção. Temos tecnologias que não fazem mais esta dicotomia emissão e recepção, são tecnologias, inclusive, que nos ajudam a pensar, ou a ressignificar essa noção de distância. Porque com a internet, com as redes sociais, com os ambientes virtuais de aprendizagem, com as tecnologias de videoconferência, e tantas outras tecnologias em rede, estar geograficamente disperso não é estar distante. Isso muda completamente a noção de currículo e de prática pedagógica na educação a distância.
Salto – Por isso, os pesquisadores falam em educação online. Há diferenças em relação àquele modelo, àquela proposta de educação a distância?
Edméa – Completamente. A noção de educação online que eu venho desenvolvendo há 10 anos, ela é inspirada nas práticas culturais, comunicacionais - e por que não falar pedagógicas - da cibercultura. As pessoas envolvidas com a cibercultura se encontram, buscam redes, formam grupos, acessam informação, mapeiam informação e produzem outros saberes, articulando várias mídias. Não só individualmente, mas com o outro, via essa mediação. Então, uma vez que estamos geograficamente dispersos, mas que podemos nos comunicar com o outro via rede, via ambientes virtuais, e softwares de redes sociais, acho que não é mais tão interessante falar em distância. Estar geograficamente disperso não é estar distante, uma vez que as tecnologias digitais em rede nos conectam com o outro, com as suas produções culturais, com suas produções científicas, com várias mídias, vários signos diferenciados. Então, na literatura, é muito comum encontrarmos outras expressões como: e-learning, EAD via internet, só que precisamos 'separar um pouco o joio do trigo', porque simplesmente usar o digital em rede para mudar a noção de educação a distância é pouco. Porque se não mudarmos, não fizermos outra forma de comunicação, podemos continuar fazendo educação via internet, chamando de educação online, mas efetivamente esse currículo ainda está baseado na separação entre os polos da emissão e da recepção.
Salto – Dessa forma, não basta adotar um nome, um título para essa modalidade, é preciso rever posturas, é preciso rever currículo. E quando falamos em rever posturas, falamos diretamente com o professor, que é quem está nos assistindo. O que muda para o professor quando falamos de educação online e das novas demandas trazidas pela cibercultura?
Edméa – Na educação a distância convencional, mediada pelos meios de massa, a exemplo dos impressos, dos próprios audiovisuais, a autoria do professor está concentrada na autoria do material didático. Então, muitas vezes o professor produz o desenho didático de uma situação de aprendizagem, ele produz o conteúdo, e é esse conteúdo que vai fazer a mediação entre o saber científico, a instituição e o aluno, que está lá na outra ponta, recebendo, interagindo com isso tudo. Lucia Santaella nos ajuda a pensar que há mediação mesmo, porque onde há signo, há uma mediação. Ler um livro, interagir com o material impresso, ou simplesmente interagir com um meio audiovisual, essa interação traz mediação, porque o que está ali naquele material é linguagem, são signos. Mas essa interação, com a mídia de massa, ela fica restrita ao sujeito que lê, e àquele signo que está ali, provocando o sujeito. Mas uma vez que temos comunicação em redes síncronas e assíncronas, não só temos acesso aos signos...
Salto – Quando falamos de interfaces síncronas ou assíncronas, estamos falando de recursos que estão disponíveis nesses ambientes virtuais, recursos que exigem que todos os envolvidos estejam participando, ao mesmo tempo, são as interfaces síncronas. E as assíncronas são atividades que podem ser chamadas de atemporais.
Edméa – Exatamente.
Salto – Como o fórum, por exemplo. Tem uma postagem ali, o cursista acessa, pode acessar depois de uma semana, ou de um dia.
Edméa – Exatamente. E a própria internet, ela se constitui efetivamente destas interfaces. E assim que educadores, tecnólogos, pensaram que era possível simular salas de aula via internet, apareceram os ambientes virtuais de aprendizagem, que são essas interfaces que já existiam na internet, não em tanta quantidade na fase Web 1, mas agora muito mais na Web 2, Web 3. Essas interfaces hoje são reunidas numa única plataforma e, mais contemporaneamente, têm misturado as plataformas. Temos vivenciado situações de aprendizagem usando ambientes virtuais e mesclando com outras interfaces encontradas na internet, a exemplo dos softwares de redes sociais. É possível fazer educação online hoje com o Facebook, por que não? Mas quando se coloca a questão do desafio do professor, na EAD clássica ele se preocupava em produzir o conteúdo para o aluno interagir com este conteúdo, e a lógica da comunicação estava centrada no autoestudo. Com a internet, com a cibercultura, nós não lançamos mão só do autoestudo, mas sobretudo da aprendizagem colaborativa em rede. E isso muda tudo. O professor, além de produzir este conteúdo, articulando mídias, fazendo convergências, ele tem o papel fundamental, que é o papel de fazer a mediação nessa comunidade de aprendizagem, garantindo a densidade dos conteúdos, fazendo novas provocações, arquitetando novos percursos de interatividade. Então, o papel do professor, efetivamente, é um papel de mediador de todo este processo de ensinar e aprender.
Salto – Como é a atuação do GEPDOC (Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura)? E de que forma essa pesquisa tem contribuído para a busca de novos sentidos para a educação online?
Edméa – Todas as palavras têm políticas de sentido. Então, docência e cibercultura, por que docência? Porque entendemos, como Paulo Freire, que não existe docência sem discência. Estamos contemplando o ato de ensinar e de aprender como docência, considerando que ensinamos e aprendemos muito com os sujeitos e, ao formar, nós também nos formamos; e a cibercultura, porque é exatamente o nosso tempo. É a cena cultural do nosso tempo, que tem nos apresentado outras possibilidades de ensinar, de aprender, para além da formalidade, legitimada pela modernidade, para além dessas aprendizagens construídas na escola e na universidade. Até porque escola e universidade também já não são mais as mesmas, diante desta cena cultural, mediada por tantas redes. Nosso grupo de pesquisa se preocupa em investigar estes fenômenos da cibercultura, como as pessoas interagem produzindo conhecimento e, efetivamente, cultura. E como podemos nos inspirar nestas práticas de autoria e de rede, para repensar e ressignificar esse currículo escolar e o da própria universidade. Nosso grupo se preocupa especificamente com a formação de professores. Temos investido bastante na formação de professores, e nos inspirado exatamente nesse movimento da cidade, do ciberespaço, para instituir, quem sabe, outras práticas pedagógicas.
Edméa – Esse site é um ambiente virtual de aprendizagem, aberto, porque qualquer internauta pode espiar, pode reutilizar os conteúdos e se inspirar nas situações de aprendizagem. Nesse site temos nossos projetos de pesquisas, as produções de todo o grupo, e nossas práticas online – na graduação presencial, na graduação a distância, e também na pós-graduação, onde desenvolvemos juntos a linha de pesquisa "Redes Educativas, Cotidianos e Processos Culturais" no PROPED (Programa de Pós-Graduação em Educação), pesquisas que procuram articular a educação e essa cena cultural do nosso tempo.