domingo, 11 de novembro de 2012

Lançamento QUE CÉREBRO É ESSE QUE CHEGOU Á ESCOLA?

 NOITE DE AUTÓGRAFOS
SIMPOSIO INTELIGENCIA E AFETIVIDADE
COLEGIO PEDRO II - SÃO CRISTÓVÃO
WAK EDITORA DIA 09/11/12 às 19h
 MARTA RELVAS (organizadora) e autores.
Noite de muita emoção e calor!



domingo, 4 de novembro de 2012

LIVRO NOVO



No dia 09/11, no colegio Pedro II, em São Cristovão, haverá o lançamento do livro 

QUE CÉREBRO É ESSE QUE CHEGOU À ESCOLA?

Do qual sou uma das autoras.

Antes palestra Profa Dra Marta Pires Relvas organizadora do livro.

Evento será às 19h.

Editora WAK.

COMPAREÇAM! Será muito importante ter vcs lá.

Abraços
CIA

terça-feira, 2 de outubro de 2012

HEBE e a MEMÓRIA



Em tempos de perdas pessoais e culturais, fascinante é a memória, é pensar em nossas memórias. Da força mental aos artefatos mais comuns como o livro, o homem foi capaz de guardar muitas informações em muitos espaços e revê-las utilizando tecnologias cada vez mais sofisticadas. Em todos os espaços, quando somos obrigados a reencontrar nossa memória, experimenta-se de novo, de novo e de novo, a atmosfera dos eventos em recordações junto aos sentidos: emoção. Segundo Kandel, “recordar o passado é uma forma de viagem mental no tempo. Ela nos liberta dos limites temporais e espaciais, e permite que nos movamos livremente ao longo de dimensões completamente outras” (p.17). E esse é o ponto: quando partimos?
Hoje faleceu Hebe Camargo e é sobre memória que devemos pensar, afinal perdeu-se uma grande dama e boa parte da história artística deste país. Os próximos dias serão de pura recordação, melancolia e certo saudosismo. Quem participou, quem observou, quem sentiu e quem viu de longe a ascensão desta mulher guerreira será levado a rever o próprio passado num movimento cinematográfico de imagens (fotos e vídeos) emocionantes em todos os canais, porque viver é criar memórias muito afetivas.
A morte desta personalidade tão querida suspendeu o cotidiano, lhe deu nova plástica e nos fez parar para pensar: somos frágeis demais, podemos ser alcançados por doenças irracionais e ter interrompido o movimento de construção da memória na vida, sem tempo de recomposições, ajustamentos ou pequenas explicações.
Neste caso, a primeira sensação é certo desnorteamento do presente. E sem nenhuma autorização prévia, voltamos a um passado de pessoas vivas sorrindo e fazendo arte para nossa alegria e distração enquanto, talvez, almoçamos em família num domingo qualquer. Surge também, diante de nossos olhos, nossas pessoas ainda vivas, nossos aniversários, férias, músicas, amores, escolas, tudo ligado àquele mundo de arte e entretenimento compartilhado (e vivido) por todos.
Hoje Hebe Camargo, com suas décadas de vida artística, atravessa os canais de TV, estimulando o aparecimento de memórias afetivas prazerosas de um tempo bem guardado em nosso cérebro. Ridículo pensar que ele não volte sempre. Até as memórias encaradas como ‘esquecidas’ ou lembradas parcialmente, em determinados momentos, surgem fortes e de uma só vez. Diante de estímulos tão emocionantes, excitações tão pungentes, neurônios associativos são atraídos entre si, criando sinergias entre informações semelhantes, de forma a montar objetivamente uma imagem, um som, um cheiro extremamente conhecidos e queridos: amígdalas cerebrais em festa!
As lembranças do trabalho da Hebe se misturam às nossas lembranças infantis e juvenis. É um olhar retrospectivo que nos invade sem bloqueios. E diante da morte da apresentadora, aceitamos esta invasão como um momento de reflexão sobre a vida. Para estímulos imprevisíveis, motivações persistentes. E como gosto de pensar: ‘esquecer, jamais!’.
A memória é nossa forma de resgatar quem somos, de nos reequilibrar com a realidade, de nos recompormos diante de um revés e de nos atualizarmos a partir de experiências bem encaradas. Então é importante tanto à saúde mental, quanto à saúde física no lidar com as pessoas, a profissão, a cultura, a política etc. É importante o respeito pela memória de todos.
            Hoje a memória é o melhor espaço de visitação porque diante da morte, é a memória que se esvazia e dá força aos processos cerebrais que tornam possíveis e acalentadoras nossas lembranças. Sem querer somos capazes de reviver experiências em detalhes visuais e emocionais impressionantemente nítidos. Fora o momento triste, há uma biologia da mente que se altera quando somos quase abduzidos de nossos confortáveis cotidianos.
            Como há uma alteração biológica, há uma nova memória em ascensão: a memória da hereditariedade. Esta memória eletriza mente e corpo com seu tônus de passado, com sua carga neuroquímica revitalizante, evolutiva, proteica e identitária; e nos ajuda a entender, como diz Kandel, “... processos mentais superiores (...) como a atenção, a consciência e o livre-arbítrio...”; além de abrir-se a possibilidade de entendermos, um pouco, nosso modo de pensar, agir, sentir, aprender e lembrar.
            É uma revolução. Hebe trouxe essa revolução. E tudo isso faz parte do jogo da vida, um jogo cego como propôs Darwin (apud Kandel): “...a evolução não é nenhum propósito consciente, inteligente ou divino, mas uma processo ‘cego’ de seleção natural, um processo completamente mecânico de seleção por ensaio e erro, que atua com base nas variações hereditárias” (p.22). E é nesse processo que estamos jogados hoje. Às apalpadelas, revisitamos nossas memórias por “combinações sempre novas de bases de nucleotídeos” (p. 23) inauguradas por um fato insólito ou absurdo ou surpreendente: é o cérebro emocional a pleno vapor.
            Segundo Kandel, “... o cérebro é um órgão computacional de processamento de informações cujo extraordinário poder resulta, não do seu mistério, mas da sua complexidade – da enorme quantidade, variedade e interatividade das suas células nervosas” (p.23). Por dentro dele, a memória é “capacidade de adquirir e armazenar informações tão simples quanto os detalhes da vida cotidiana e tão complexas quanto o conhecimento abstrato da geografia ou da álgebra” (p.24). E, no meio da sociedade, personalidades como Hebe Camargo que nos possibilitam defrontar com nossos confortos, nossas coisas tão comuns, nossas certezas tão encruadas. Nesta perspectiva e em perspectiva, há a continuidade da vida de forma persistente mesmo que transformada.
            Com as perdas somos estilhaçados, nos sentimos atropelados pelo destino cuja interpretação só as moiras conhecem. Mas, mesmo com as perdas, mudamos o trecho da viagem, ponderamos com a memória nova, choramos um pouco e nos projetamos, sem pensar muito, em outras histórias pessoais. Afinal, “somos quem somos por obra daquilo que aprendemos e de que lembramos” (Kandel, p.24).
            Hebe. Memória. Necessidades. Prazeres. Humanos. Somos mesmo demasiadamente humanos e procuramos diluir impactos emocionais ou nos escondendo ou aceitando os sustos da vida (mortes) como pontos iniciais às novas evoluções mnemônicas e adaptativas.
            De geração em geração, “todas as conquistas humanas, desde a Antiguidade até os dias de hoje, são produtos de uma memória partilhada acumulada durante séculos, seja por intermédio dos registros escritos ou de uma tradição oral cuidadosamente preservada” (Kandel, p.25) ou ainda do acúmulo pessoal de experiências e vivências culturais de cada sujeito social espetacular, como eu ou Hebe Camargo.
            Hoje se perde para ganhar. Hebe se vai ao seu descanso final e recuperamos uma memória afetiva admirável por dentro de seus ‘boas noites’ cheios de ‘gracinhas’, mensagens e imagens em retrospectivas. Sem deficiências, a perda de Hebe estimula nossa memória hereditária a lembrar de quem fomos nós e nos motiva a objetivar outros passos experimentando quem desejamos / podemos ser com consciência amanha ou depois...

Profa Claudia Nunes

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

STANISLAS DEHAENE: "A neurociência deve ir à sala de aula!'


O cientista condena o construtivismo como método de alfabetização e diz como os estudos com cérebro podem ajudar disléxicos a ler

FLÁVIA YURI - Uma das tarefas comuns da ciência é desvendar a complexidade por trás de atividades aparentemente simples. O matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene dedica-se a decifrar as mudanças cerebrais causadas pelo ato de ler. Para ele, a leitura moldou o cérebro humano e preparou-o para assimilar habilidades impossíveis de ser aprendidas por iletrados. Em seu livro Os neurônios da leitura (Editora Penso, R$ 71), ele afirma que o conhecimento do impacto da leitura no cérebro pode melhorar métodos de alfabetização para crianças e dá exemplos de como esse conhecimento tem auxiliado pessoas com dislexia. E mais: Dehaene diz que a pedagogia do construtivismo, altamente disseminada no Brasil, pode ser ineficaz para o ensino da leitura.

NEURÔNIOS EM ATIVIDADE

O neurocientista Stanislas Dehaene em congresso na França. Há 20 anos, ele estuda o impacto dos números e das letras no cérebro (Foto: divulgação)

ÉPOCA – O que suas pesquisas sobre o impacto da leitura no cérebro revelaram?
Stanislas Dehaene – Constatamos que nosso cérebro aprendeu a ler a partir de uma reciclagem dos neurônios. Isso quer dizer que neurônios usados na leitura antes eram empregados em outro tipo de tarefa. Nosso cérebro de primata não teve tempo de amadurecer para aprender a ler. A leitura só foi possível porque conseguimos adaptar os símbolos a formas já conhecidas há milhares de anos. Diferentemente do que disse John Locke, nossa cabeça não é uma página em branco pronta para aprender qualquer tipo de coisa. Esse é um exemplo de como a cultura se adaptou às possibilidades de nossa mente. Concluímos que a leitura despertou em nosso cérebro a capacidade de perceber diferenças sutis e aumentou nossa capacidade de memorizar informações. É interessante observar que o cérebro mobiliza a mesma área para a leitura de qualquer idioma. O processamento da leitura do chinês ou do hebraico, da direita para a esquerda, acontece na mesma região que decodifica o inglês, o francês e o português.

ÉPOCA – O senhor disse que a leitura usou uma parte do cérebro antes destinada a outras funções. Que funções eram essas e o que aconteceu com elas?
Dehaene – Antes de aprendermos a ler, usávamos essa parte do cérebro para reconhecer formas de objetos e de rostos. Se você escanear o cérebro de pessoas que não leem e comparar com as alfabetizadas, a identificação de rostos para as iletradas mobiliza uma parte maior do cérebro que a mesma função nas alfabetizadas. Existe certa competição de competências na mesma região do cérebro. É como se ele tivesse de abrir espaço para a leitura.

ÉPOCA – Isso quer dizer, nesse exemplo, que o cérebro letrado passou a usar um número menor de neurônios para a mesma função? Isso tem impacto na qualidade da função?
Dehaene – Não temos provas científicas de que ocorra perda de competência. Um mesmo neurônio pode ter um número desconhecido de sinapses, de acordo com o estímulo do ambiente. Mas essa é uma suposição lógica. Afinal, temos de dividir um mesmo número de neurônios em várias atividades. Nosso grupo de pesquisas na Amazônia mostrou que o cérebro de pessoas que não leem tem habilidades relacionadas à noção espacial e de matemática muito avançadas. Não temos dados científicos que provem que eles sejam melhores nessas tarefas porque não leem. Mas essa é uma possibilidade.

ÉPOCA – De que forma suas descobertas podem auxiliar no processo de educação?
Dehaene – Verificamos, por meio de várias experiências, que o método mais eficaz de alfabetização é o que cha-mamos fônico. Ele parte do ensino das letras e da correspondência fonética de cada uma delas. Nossos estudos mostraram que a criança alfabetizada por esse método aprende a ler de forma mais rápida e eficiente. Os métodos de ensino que seguem o conceito de educação global, por outro lado, mostraram-se ineficazes. (No método global, a criança deve primeiro aprender o significado da palavra e, numa próxima etapa, os símbolos que a compõem.)
Jogos simples de leitura, de rimas e de troca de sons podem ajudar crianças com dislexia a ler

ÉPOCA – No Brasil, o construtivismo, que segue as premissas do método global para a alfabetização, é amplamente disseminado. Por que os sistemas que seguem o método global são ineficazes?
Dehaene – Verificamos em pesquisa com pessoas de diferentes idiomas que o aprendizado da linguagem se dá a partir da identificação da letra e do som correspondente. No português, a criança aprende primeiro a combinação de consoantes e vogais. A próxima etapa é entender a combinação entre duas consoantes e uma vogal, como o “vra” de palavra. Essa composição de formas, do menor para o maior, é feita no lado esquerdo do cérebro. Quando se usam metodologias para a alfabetização que seguem o método global, no qual a criança primeiro aprende o sentido da palavra, sem necessariamente conhecer os símbolos, o lado direito é ativado. Mas a deco-dificação dos símbolos terá de chegar ao lado esquerdo para que a leitura seja concluída. É um processo mais demorado, que segue na via contrária ao funcionamento do cérebro. Num certo sentido, podemos dizer que esse método ensina o lado errado primeiro. As crianças que aprendem a ler processando primeiro o lado esquerdo do cérebro estabelecem relações imediatas entre letras e seus sons, leem com mais facilidade e entendem mais rapidamente o significado do que estão lendo. Crianças com dislexia que começam a treinar o lado esquerdo do cérebro têm muito mais chances de superar a dificuldade no aprendizado da leitura.

ÉPOCA – É possível quantificar esse atraso de leitura que o senhor menciona?
Dehaene – Quanto mais próxima for a correspondência da letra com o som, mais fácil para um indivíduo automatizar a ação de ler. Português e italiano são idiomas muito transparentes, pois cada letra corresponde a um som. Inglês e francês são línguas em que a correspondência de sons pode variar bastante. Pesquisas mostram que, ao ter aulas regulares, todos os dias, na escola, a criança leva dois anos a mais para dominar o inglês que para dominar o italiano.

ÉPOCA – É possível identificar diferenças no cérebro de quem consegue ler palavras e frases, mas tem dificuldade na interpretação de textos (no Brasil, eles são conhecidos como analfabetos funcionais) em relação a alguém que lê e interpreta o conteúdo com fluência?
Dehaene – Não identificamos isso em pesquisa de imagens. Mas a dificuldade que algumas pessoas têm de interpre-tar o que leem ocorre basicamente porque elas ainda não automatizaram a decodificação das palavras. Decodificar pede esforço para quem não tem essa função bem desenvolvida. Isso mobiliza completamente a atenção e os es-forços de quem está lendo, a ponto de não conseguir se concentrar na mensagem. A solução para melhorar a in-terpretação de texto é automatizar a leitura. Por isso, é importante que crianças pequenas leiam de forma regular até que isso se torne uma rotina. As crianças começam a interpretar textos com eficiência depois que a leitura se torna um processo automatizado.

ÉPOCA – Aprender a ler partituras tem o mesmo efeito para o cérebro que ler palavras?
Dehaene – As áreas do cérebro usadas para ler letras não são exatamente as mesmas usadas para decodificar mú-sica. Não há muitos estudos sobre a parte cerebral usada no aprendizado de música. Mas há diversas pesquisas sobre o efeito da música na vida das crianças. Crianças que aprendem música desenvolvem habilidades escolares avançadas, especialmente no domínio da leitura. Elas têm mais facilidade para se concentrar. Aprender música aumenta os níveis de inteligência (Q.I.). Aprender música é uma forma excelente de desenvolver o cérebro, espe-cialmente o de crianças.

ÉPOCA – Pessoas com dislexia leem de forma diferente ou apenas mais devagar?
Dehaene – Pessoas com dislexia tendem a ter problemas com a conexão entre letra e som. É muito difícil para elas entender essa ligação. Em parte, porque não podem distinguir muito bem as diferenças dos sons da língua. Elas têm problemas com fonologia. Não com o som de letras como a, b, c e d. Mas com o som da linguagem, como dã, bã e pã. Há diferentes tipos de dislexia. Há pessoas que têm dificuldade em enxergar as letras em determinados lugares da palavra ou em visualizar símbolos específicos. O que os disléxicos têm em comum é a dificuldade em criar o mapa dos símbolos e dos sons.

ÉPOCA – Sua pesquisa pode ajudá-los de alguma forma?
Dehaene – Antes não era óbvio que a maioria dos disléxicos tinha problemas com os sons da linguagem. Agora que sabemos disso, começamos a trabalhar com jogos de reabilitação com ótimos resultados. É possível ajudar as crianças com dislexia com jogos de leitura, de rimas ou brincadeiras de mudar sílabas. Pode-se brincar de trocar o som de “bra” de Brasil por “dra” ou “pra”. Vimos que brincadeiras orais fáceis têm facilitado o aprendizado.

ÉPOCA – Que resultados esse tipo de exercício já produziu?
Dehaene – Constatamos com exames de imagem que partes do cérebro não usadas em pessoas com dislexia passam a ser exercitadas com esse tipo de atividade. Isso as ajuda a perceber os sons da linguagem, o que é muito importante para o aprendizado da leitura. Para surtir resultados, é importante aplicar esses jogos todos os dias, de forma intensiva.

ÉPOCA – Se o cérebro dos disléxicos é organizado de forma diferente, isso sugere que eles possam ter outras habilidades que alguém sem a dislexia não tem?
Dehaene – Essa é uma questão interessante. Assim como há a possibilidade de perdermos algumas habilidades quando aprendemos a ler, existe a possibilidade de o cérebro disléxico ter facilidade com algumas áreas. Ainda faltam pesquisas para podermos constatar isso. Mas estudos sugerem que o senso de simetria do disléxico pode ser mais desenvolvido, e isso ajuda em matemática. Sabemos que há muitos disléxicos que podem ser bons em matemática. Estudos sugerem que eles podem enxergar padrões sofisticados com mais facilidade.

ÉPOCA – Pode haver gênios em matemática que não sabem ler?
Dehaene – Isso é algo muito, muito raro. Pode haver pessoas iletradas muito boas em cálculos. Mas elas não serão gênios em matemática sem ler. Para avançar em matemática, a pessoa precisa entender diferenças sutis num nível muito sofisticado. É justamente a percepção dessas diferenças sutis que a leitura ativa no cérebro. Ler é uma habilidade extraordinária que pode transformar o cérebro e prepará-lo para outros níveis de aprendizado. Não dá para ir muito longe sem leitura.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Estudos de Neurociência aplicada à Aprendizagem Escola

"Neurociência" é um termo guarda-chuva que engloba todas as áreas da ciência: biologia, fisiologia, medicina, física, psicologia e que se interessam pelo sistema nervoso: sua estrutura, função, desenvolvimento, evolução, e disfunções.

O que somos, fazemos, pensamos e desejamos é resultado do funcionamento do sistema nervoso e sua interação com o corpo, juntamente com a história de vida de cada um, a cultura, a sociedade, e a genética fazem de nós o que somos, individualmente, como seres humanos, e como animais racionais.

"Aprender é uma questão de foco, organização e ritmo neural." - Marta Relvas

A Neurociência quando dialoga com a Educação promove caminhos para o professor tornar-se um mediador do como ensinar com qualidade através de recursos pedagógicos que estimulem o aluno a pensar sobre o pensar. Entretanto torna-se fundamental para o professor promover os estímulos corretos no momento certo para que o aluno possa integrar, associar e entender. Esses estímulos quando emoldurados e aplicados no cotidiano, podem ser transformados em uma aprendizagem significativa e prazerosa no processo escolar.

A Neurociência aplicada na Educação vem como um estudo a mais, e não como "receita de bolo" ou uma "panacéia" de todos os males da Educação para serem curados pela Neurociência. Não é uma teoria e nem tão pouco uma tendência pedagógica. É um estudo científico de como o cérebro pode aprender melhor e guardar saberes.

A função do professor é potencializar os cérebros na sala de aula. Aliás, no olhar neurocientífico, os atrasados não existem, não existem pessoas que não aprendem. O que existe são cérebros com ritmos neuronais, desejos e experiências diferentes e que recebem os mesmos estímulos/ informações / conteúdos ao mesmo tempo e coletivamente na sala de aula.

Quando mais aprendemos mais conexões neurais formamos... Quanto mais estímulos mais aprendemos? Mito: aprendizagem não está relacionada com quantidade de estímulos e sim com a qualidade desses estímulos!!! Por isso não existe "nivelamento" de aprendizagem, pois somos diferentes nos contextos biológicos, psicológicos, emocionais, afetivos e sociais.

Existem comprovações científicas que o cérebro sofre modificações ao longo de nossa existência. E isso tem a ver com a capacidade de formações de novas conexões neurais. Nascemos em média com 88 bilhões de neurônios e cada neurônio tem uma capacidade de produzir milhões de novas conexões, quando estimulados desenvolvem uma capacidade denomina-se plasticidade neural/ cerebral, ou seja, quando o funcionamento do sistema motor e perceptivo sofrem estímulos baseados em mudanças no ambiente, através da conexão e (re) conexão das sinapses nervosas.

Somos o que vivenciamos, experimentamos e pelo que lembramos - Marta Relvas

Aprende-se com o cérebro, e todas as ações perpassam como um filme na máquina fotográfica, ou comparando a um hardware, onde vários softwares são "rodados" por meio de impulsos elétricos, e pela centelha dos afetos ou desafetos existentes e recebidos ao longo de nossas vidas.

O cérebro sozinho não possui função nenhuma, ele só estabelece um funcionamento quando em conjunto com outros sistemas se interconectam, recebem e respondem aos estímulos para realizar um potencial de atividades elétricas e químicas.

A forma de aprender está relacionada ao recebimento de estímulos que são captados pelos sentidos, considerados fiéis escudeiros e selecionadores, chamados canais sensoriais. Esses estímulos conhecidos como informações (som, visão, tato, gustação, olfação) chegam ao tálamo que é uma estrutura no cérebro que tem a função de receber esses estímulos e reenviá-los para áreas específicas que são responsáveis na elaboração, decodificação e associação dessas informações. O tálamo funciona como um "aeroporto" e junto com o hipotálamo, as amígdalas cerebrais (responsável pela emoção), e o hipocampo (responsável pela memória de longo prazo), promovem as lembranças e a aprendizagem significativa.

É fundamental destacar a função da escola, pois transmite valores e idéias que servem como espelho da sociedade em que se insere, mostrando sob qual código ético se tecem as relações intersubjetivas e intrassubjetivas. Representam também a cultura no espaço e no tempo físico em que a criança permanece fora de seu lugar primordial, a família.

É importante o educador estar atento a estas questões, pois a escola necessita junto com a família preparar para os enfrentamentos dos desafios da vida profissional, pessoal e emocional.

Aprende-se com a cognição, mas sem dúvida alguma, aprende-se pela emoção, o desafio é unir conteúdos coerentes, desejos, curiosidades e afetos para uma prazerosa aprendizagem. (Marta Relvas)

O cérebro é provavelmente o órgão mais fascinante do corpo humano. Ele controla tudo, da respiração até as emoções e inclusive o aprendizado.

Se você é professor e educador, conhecimentos básicos da Neurociência são essenciais para seu trabalho, já que seu objetivo é proporcionar aprendizagem a seus estudantes e, de preferência, da forma mais otimizada possível.

Profa. Dra. Marta Relvas
Palestrante, Conferencista e Consultora na área de Neurociência Aplicada à Aprendizagem Cognitiva e Emocional no Desenvolvimento Humano. Bióloga, Neurobióloga, Psicopedagoga, Psicanalista, Pós graduada em Anatomia Humana, Especialista em Fisiologia Humana, Bioética Aplicada e Didática do Ensino Superior. Pesquisadora na área de Biologia Cognitiva e Aprendizagem e Membro Associada da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento. Mentora e Professora do Curso de Pós Graduação de Neurociência Pedagógica da Faculdade Integrada AVM-UCAM/RJ, ministrado as disciplinas de Neurociência da Anatomia e Fisiologia Cognitiva e Emocional, e Neurociência e Educação. Autora dos Livros: Fundamentos Biológicos da Educação - desenvolvendo inteligência e afetividade na aprendizagem, editora WAK. 5° edição. Neurociência e os Transtornos da Aprendizagem, editora WAK 5° edição. Neurociência e Educação: Gêneros e potencialidades na sala de aula, editora WAK.2° edição. Neurociência nas Práticas Pedagógicas, editora WAK , 2012. Co-autora dos livros: Neuropsicologia e Aprendizagem para Viver Melhor - Editora Científica; Luiza Elena Ribeiro do Valle, Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - editora Tecmedd,SP. Neuropsiquiatria Infância e Adolescência - Abordagem Multidiscpilinar de problemas na clínica, na família e na escola. Org. Eduardo L. Ribeiro, editora WAK,RJ. Como Aplicar a Psicomotricidade. Org. Fátima Alves, editora WAK, RJ. Mídia em DVD - Neurociência e Aprendizagem Escolar - editora WAK.

Olhar sobre as IDADES




quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Mosca de Aristóteles (José Pacheco)


A escola herdeira do Iluminismo, a escola da afirmação da Modernidade, já não existe - ela vegeta, agoniza. E arrasta na sua agonia milhões de jovens condenados à ignorância e à exclusão.

Entre o aparecimento da lousa de ardósia e o da lousa digital distam séculos. Nesse longo hiato, a escola pouco, ou mesmo nada, mudou. Apenas terá mudado o tipo de material utilizado na fabricação da lousa.
Oitenta por cento dos jovens internautas comunicam com outros, pedem ajuda e prestam ajuda, em chats, emails, em múltiplas plataformas online. Num tempo em que importa mais que seja o aluno a esforçar-se, para descobrir realidades, do que uma "realidade" ser comunicada por um professor, quantos desses jovens comunicarão com os professores através da Internet?
Num tempo em que a prática da escrita da letra cursiva vai sendo abandonada, muitos docentes obrigam os seus alunos a um gasto significativo do tempo escolar no exercitar da letra cursiva, para que - segundo afirmam - os seus alunos tenham "uma caligrafia perfeita". Talvez se inspirem em Steve Jobs, que, quando passou pela universidade, apenas quis aprender... caligrafia.
Jardins de infância precocemente escolarizam a infância, instituindo rotinas, nas quais todas as crianças devem começar a dormir ao mesmo tempo, ainda que não tenham sono (e, frequentemente, "embaladas por crews, sertanejos e bandas sonoras de novelas...). 
À revelia das descobertas da cronobiologia, as escolas mantêm rituais de horário fixo, como a hora de entrar e de sair, ou os cinquenta minutos de uma aula, que quase ninguém sabe explicar por que são cinquenta... E, entre dois toques de sirene, se anuncia que todos poderão ir ao recreio, ao mesmo tempo. Venho suspeitando de que existe alguma analogia entre o banho de sol dos presidiários e o recreio dos alunos... Ao mesmo tempo, todos deverão estar olhando a nuca do colega da frente. Ao mesmo tempo, todos devem merendar, todos devem fazer xixi no mesmo período de tempo.
Já alguém se prerguntou se terá sido sempre assim? Desde o século XVIII, não existe sequer uma teoria que sustente o modelo de escola, que, no nosso tempo, ainda é hegemónico.
A escola herdeira do Iluminismo, a escola da afirmação da Modernidade, já não existe - ela vegeta, agoniza. E arrasta na sua agonia milhões de jovens condenados à ignorância e à exclusão. A par da família, a escola não se adaptou aos novos tempos. Hoje, é matriz oculta do insucesso escolar e social.
Permiti que cite dois mestres. João Guimarães Rosa, que disse que mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende. E Claude Lévi-Strauss, que acertou quando escreveu que sábio não é aquele que fornece as verdadeiras respostas, é aquele que faz as verdadeiras perguntas. Aqueles que, interrogando-se, se libertam de preconceitos e soluções convencionais conseguem compreender que a escola dita tradicional deverá ser demolida, e que, com o material da demolição, se poderá construirá uma nova educação. Sem esquecer que quando se alcança um determinado objetivo de projeto, o mundo já mudou de novo, e que todos os projetos humanos estão em permanente fase instituinte.
O sistema mais antigo de classificação de seres vivos que se conhece deve-se ao filósofo grego Aristóteles, que classificou e descreveu todos os organismos vivos então conhecidos.
Conta-se que Aristóteles deixou registado ter a mosca doméstica oito patas. Ao longo de muitos séculos, os copistas reproduziram a aristotélica asserção até que alguém se atreveu a desafiar a autoridade científica de Aristóteles e verificou que a mosca tem seis patas. 
Quando chegará o tempo em que os protagonistas do absurdo modelo de escola, que ainda temos, se decidirão a contar as patas de uma mosca?

http://www.educare.pt/educare/Opiniao.Artigo.aspx?contentid=C30C0A8C85B30E77E0400A0AB80001BA&opsel=2&channelid

terça-feira, 31 de julho de 2012

E O CÉREBRO REINVENTA...


Há muito tempo desisti do ‘quadro de giz’. Língua Portuguesa e Literatura podiam ser reinventadas. Apresentá-las paulatinamente aos aprendentes tinha que acontecer em outra dimensão, de outro jeito e, principalmente, com outros objetivos. Duas palavras borbulham em minha mente tal e qual um mantra: ritmo e repetição. Depois de compreendido o contexto de onde vêm meus aprendentes, ritmo e repetição são minhas palavras de ordem.
Mas como (me) reinventar? Como ativar essa engrenagem de sentidos em práticas mais prazerosas sem perder significância em meio a cada etapa do ensino e da aprendizagem? Só tenho uma opção: fazer diferente. E fazer diferente era me articular com outras formas de ensinar, outros recursos, outros olhares sobre meu aprendente; fazer diferente era provocar mutações em mim, em minha formação e, por consequência, em minha sala de aula.
Primeiro movimento: entender a dinâmica intrínseca da minha sala de aula. Ai eu reconheci que o tempo de aprendizagem deve ser usado (e organizado) de outra maneira: eu precisava causar surpresas, sustos, estranhamentos. Então segundo movimento: por motivação, ritmo e repetição, a aula precisava se articular dentro de práticas cujos resultados fossem descobertas variadas e a produção de novas conexões cerebrais e mentais em torno dos conteúdos. Mais do que quantificar era preciso qualificar as mentes curiosas para aprender, ainda que não se percebam assim.
Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se mentes com potenciais de ação inimagináveis e que, por isso, demandam transformações nas estruturas de ensino. Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se 86 milhões de neurônios cheios de informação e totalmente interconectados esperando estímulos (excitações) que empreendam dinâmicas neocorticais (sinápticas) variadas. Estes estímulos (desafios, atividades individuais, trabalhos em grupo e/ou dinâmicas) são importantes para nutrir, tonificar e fortalecer os cérebros de maneira a prevenir, ampliar e resgatar capacidades e habilidades mentais; além disso, entram em perspectiva com as expectativas discentes porque são sentidas como mais agradáveis, reais e focadas em seus contextos pessoais ou intelectuais.
Ao rompermos com conjuntos estáticos de comportamentos com a crença de que ‘sucesso do passado deve ser reproduzido’, ou ao rompermos com a estrutura tradicional de ministrar aula, rompemos com a linearidade do pensamento, rompemos com as zonas reflexivas de conforto (exercícios descontextualizados) e rompemos com determinadas desconcentrações, desatenções e indisciplinas. É uma questão do timing perceptivo docente.
Numa turma de 2º ano, do ensino médio, à noite, eu tenho 32 alunos frequentes. Em sua maioria, rapazes. Desde o início do ano letivo, eu percebia forte indiferença com a Literatura, além de grande dificuldade com a Língua Portuguesa. Enquanto outras turmas de 2º ano iam muito bem, esta turma teve primeiras avaliações muito ruins. Ai era a minha vez de pensar: o que fazer? como promovê-los?
Passei um fim de semana pensando. Eu não tinha feito um link com esses cérebros. Minhas práticas não foram pertinentes. Eu tinha a afetividade (sistema límbico) equilibrada, mas não alcançara o patamar do neocórtex de maneira que eles aprendessem para a vida, para a vivência autônoma da própria subjetividade em outros ambientes. Era então preciso influenciar o sistema nervoso diretamente e provocar a evocação mnemônica pessoal de maneira mais contundente. Era preciso mudar o comportamento cognitivo. Mas antes, eu precisava mudar.
No domingo, sem conseguir concentração para leitura, deixei a TV no canal MTV e fiquei vendo clipes de músicas. De repente, tive um insight: todos gostam de música! Cada clipe conta uma história. A partir dessas historias posso trabalhar fundamentos da literatura e língua portuguesa. Mas como seria a dinâmica? Com a música, eu atingiria os 05 sentidos, modificaria os ritmos intrínsecos dos cérebros e atingiria emoções apropriadas, memórias e certos comportamentos. Além disso, segundo Lent, ao ser estimulado e dependendo do ambiente, o cérebro se reorganiza, se adapta e aprende. Mas como?
Bem, pensei muito e fiz o seguinte: ao final da aula, apresentei a ideia sobre os clipes e pedi que trouxessem, em DVD, clipes de HIP-HOP que contivessem uma história, ou seja, clipes cujas letras das músicas fossem representadas por histórias. Eles ficaram animados, perguntaram mil coisas e de repente eu tinha muito material para escolher. Meus cérebros estavam atentos, participativos e ansiosos pelo que eu faria. Separei aleatoriamente os clipes e levei na semana seguinte.
Interessante como a presença de material eletrônico em sala já dá um up à futura dinâmica. Eles se interessam, olham, se aproximam e se oferecem para ajudar a ligar tudo: eles mexem em tudo sem medo. Depois de um tempo percebo que não há o ‘entra-e-sai’ de sala porque a perspectiva de algo diferente e a curiosidade são tão grandes que o ‘fora-de-sala’ é esquecido. Meus cérebros estão em plasticidade total e, segundo Lent, respondendo positivamente aos estímulos do ambiente não apenas com alterações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes.
Eles montaram tudo. Eu os deixei sentar em qualquer lugar, mesmo em cima da mesa. Ações iniciais: eles viram cada clipe e anotaram (descreveram) que historias foram vistas (narradas). Eles viram 08 clipes. Depois troquei todas as anotações e pedi que completassem a história do colega com detalhes esquecidos, se fosse o caso (dissertação e argumentação). Ai ‘destroquei’ tudo e pedi, oralmente, que separassem alguns elementos a partir de seguintes perguntas: onde aconteceu, com quem aconteceu, quando aconteceu, como aconteceu (elementos da narrativa). A partir disso discutimos alguns clipes (valores, ética, perda) e pedi que refizessem os finais de dois clipes a escolher (escrita e interpretação). Ao final apresentei os elementos da narrativa e expliquei o que é texto (tipos de) e suas formas de interpretação.
Na aula seguinte, aproveitamos as escritas e trabalhamos o substantivo, o adjetivo, o artigo e alguns pronomes (classes de palavras). Menos classificação e mais compreensão sobre a participação dessas classes de palavras nos sentidos que queremos dar aos nossos pensamentos. Ao final do trabalho e até hoje escuto: “e ai professora, vamos fazer algo diferente hoje?” Ou “poxa professora, entendi muito melhor agora o que é interpretar, é difícil mesmo né?” Ou ainda ‘não perco mais suas aulas, sabe-se lá o que vai acontecer?”
Estou satisfeita, porém o movimento de transformação (e inovação) não pode mais retroceder: não posso mais me dar ao luxo de perder esses cérebros para o nada; preciso continuar ‘antenada’ e manter a motivação, o ritmo e a repetição. As mudanças geraram novas necessidades de aprender, de conhecer, de entender outros assuntos; e geraram também confiança para perguntar o que quer que fosse. Estavam motivados! E por que, de repente, essa motivação?
A dinâmica abriu espaço para que eles se apresentassem como seres pensantes reais, proporcionou abertura para criatividades cognitivas objetivas e melhoria nos relacionamentos interpessoais. O desenvolvimento da atividade gerou reflexos positivos no contexto da sala de aula e aumento das capacidades verbal, auditiva e visual da maioria dos aprendentes. Minha sala de aula estava emocionada!
Faço minha então, a questão que levanta Lent: não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas para as coletividades? SIM! Então, um bom meio para isso é fortalecer o sistema atencional do aprendente com práticas desafiantes cuja repercussão seja uma forte alteração cerebral e o uso pleno das funções cognitivas em geral.
A mudança de ritmo da sala e a repetição de atividades diferentes vão incorporando outros hábitos à cognição discente, o que gera eficiência no tratamento dos desafios seguintes. É afetar o corpo caloso no meio dos hemisférios cerebrais e energizar a mielinização das sinapses. É entender que para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.
Hoje realmente outra questão me incomoda: por que tantas reclamações sobre a superficialidade das cognições de nossos alunos? Se esta suposta superficilidade for um fato, qual é o papel do professor hoje? Só reclamar? Eu reconheço que há outros senões embutidos nessas reclamações, mas será que há disposição para mudar e assim criar um clima melhor na sala de aula, quiça na escola? Eu não sei. Isto demandaria outra análise séria. Porém acredito que seja preciso outras posturas profissionais diante do outro que se desconhece e que está ali, na escola, na expectativa de aprender ou de ser (fazer) diferente.
Mesmo hoje em tempos líquidos, mais velozes, de forte integração das novas tecnologias virtuais, continuamos recebendo aprendentes em nossas escolas. Aprendentes com características cognitivas diferentes? É, pode ser, esta é uma discussão que vai longe, mas são aprendentes, estão dentro da escola e precisam aprender a aprender para fazer, ser, conhecer e conviver em sociedade. E ai ao professor não cabe se isentar deste processo: somos muito importantes sim!!!!! Só que precisamos remodelar nossas práticas diante dos ‘novos’ alunos e seus ‘novos’ comportamentos em geral.

Profa Ms Claudia Nunes

LER ON E OFF 'LIFE'



Estou de férias. Hora de guardar as rotinas e criar outras mais leves, animadas e imperfeitas. Isso! Férias é o momento das imperfeições, de agir ao sabor de um estalo e de acordar quando os olhos se cansam de estar fechados. Sem muitas regras ou horários, temos o direito de nos desconcentrar e agir realmente nas incertezas do puro prazer, mesmo que isso signifique fazer nada. Nada é um palco de maravilhosas orgias mentais.
Estou em férias e só penso nas leituras que posso fazer. Ler é o meu descanso, meu devaneio, minha forma de limpar o cérebro. Este é o período das escolhas avulsas e despretensiosas. Não há um fim, o prazer está no meio ou nos meios. E nisso minha estante está repleta. Muitos livros sem ler. Muitos livros guardados na esperança de um toque. É bom não saber o que escolher com tantas escolhas à frente. Em férias mexo em todos os meus livros. Todos têm histórias, marcas, importância. E fico embalada por qualquer leitura que me faça feliz.
Em férias, estou com o cérebro aceso, atento e em expectativa: que mundos vai conhecer? que cenas irá vivenciar? que informações lhe encantarão e modificarão? Porque é isso: a leitura prazerosa acelera as conexões neurais e garante a contínua relação entre neurônios, pensamentos e emoções. Ou seja, a leitura é o exercício de adaptação cerebral e de transformação pessoal de qualquer sujeito. Ai sem querer, eu me pergunto: o que aconteceu com esse cérebro do impresso ao virtual? Será que há a mesma funcionalidade / plasticidade quando relacionado com as letras, cores e imagens em ambiente virtual? Eu acredito que sim.
A leitura carrega uma energia hipertextual porque conecta o cérebro em múltiplos pontos de força. Em input e/ou por output, os sistemas cerebrais são transpassados por informações gráficas, sequenciais, sonoras e textuais complexas e ininterruptas. Tudo o que sempre se fez no campo do imaginário, agora é realizado em âmbito virtual e velozmente. É outro processo de assimilação, associação e armazenamento eletroquímicos. São hipotálamos com outros tipos de controle mnemônico. São novas habilidades corticais e emocionais envolvidos na ideia de sobreviver, se integrar e colaborar com uma realidade cheia de possibilidades.
Estou de férias e penso: que cérebro é esse que chegou e se adaptou tão rapidamente às ações do ambiente virtual? É um cérebro cujos centros visuais estão em excessiva atividade. É um cérebro que exige mais occitocina, serotonina e adrenalina para realizar diferentes atividades em tempo record. E é um cérebro com infovias neurais mais densas e largas à passagem de informações e o acontecimento da aprendizagem. Mas o tempo é curto e a atitude sináptica, diante do tempo curto, é impressionante. Ler aqui é uma ação da prática, e não reflexiva. Ler aqui é uma ação de uso, e não mais uma sugestão estimulante de um potencial.
É verdade que o cérebro se adapta a quase tudo, mas, ao se adaptar, ele se desapega (descarta?) de memórias anteriores e de algumas habilidades. É a limpeza a qual mencionei antes. As experiências se sobrepujam e o mais interessante é o que as constroem hoje e não o que se pretende com as mesmas amanha. Neste sentido, com a velocidade de apreensão imprimida, muito das capacidades neuronais são consumidas e sobra pouco para outras habilidades, ou mesmo, dificulta muito o acontecimento de operações mentais muito importantes ao cotidiano como interpretar, analisar e argumentar.
Hoje, em férias, reconheço que os sujeitos sempre transitaram entre dois mundos: o online e o offline. E ambos difíceis de se linkar porque demandam do cérebro, forças neuronais associativas muito intensas em pouco tempo. Entre nativos e imigrantes digitais, esta é a diferença. Daí ler e entender o significado da leitura serem atos tão problemáticos, quanto os primeiros momentos em que se aprende a andar de bicicleta. Há desgoverno, desequilíbrio, estranhamento e várias quedas. É um processo de adaptação cerebral cuja realização gera mutações, por exemplo, nas atenções e ações dos hemisférios cerebrais. Andar de bicicleta e aprender a ler requerem ajustes profundos na natureza, no imaginário e no pensamento humano.
Começo a pegar e ler partes de livros sobre novas tecnologias e outros sobre neurociências. A informação rápida (informática) realmente modificou nossas memórias biológicas, sociais, históricas e afetivas. Estamos sob os efeitos das tecnologias digitais e virtuais em todos os espaços do cotidiano. E isso, de um lado estende nossas possibilidades de alcançar múltiplas informações, de estabelecer contatos e de ampliar nossos campos de ações profissionais; mas de outro, podem comprometer a atenção e a concentração, criar desentendimentos sobre o que é a realidade e estimular uma dependência tecnológica cujas áreas da saúde e da psicologia são constantemente acessadas.
Em alguns livros, cheguei a ler que mais do que na Era da informação estamos na Era da Ansiedade. Mas o que isso tem a ver com a leitura? Ora se os cérebros estão modificados ou estão se modificando ao sabor das escolhas on ou off ‘life’, ler é algo que a chamada ‘geração Y’ faz de outra forma, noutra dimensão e a partir de uma realidade completamente diferente, e essa relação, cérebro e realidade, será mesmo muito diferente.
Estou de férias e com o cérebro quase queimando. Que leituras podem despertar o prazer de ler? que textos podem estimular neurônios tão recheados de informações adversas sobre si mesmo? que cérebros são esses que estão comigo o ano todo na expectativa de aprender a ler e a escrever sem angústias ou baixa auto-estima? No meu caso, são cérebros em conflito, em busca de identidade e se experimentando sem regras em diversos ambientes; são cérebros usando novas tecnologias com menos afetividade e mais praticidade e lucro fácil; são cérebros imersos em mundos imaginários (e virtuais), se criando em avatares cujas ações são controladas apenas pelo próprio desejo, pelo mouse e pelo teclado do computador; são cérebros experimentando manejos emocionais diferentes porque o córtex parietal está com os sentidos disfuncionais; e são cérebros em processo de reestruturação mental em solidão.
Conclusão: ler é muito difícil porque requer operações mentais complexas e contínuas que, no processo evolutivo, não foram aprofundadas. E sem resolver este problema, viver-se-á para sempre esta Era da Ansiedade cujas emoções pessoais estão cada vez mais flutuantes e desconexas. O melhor dos mundos? O convívio com sujeitos equilibrados e com múltiplas habilidades corticais voltadas para o bem de todos e do meio ambiente. O pior dos mundos? Hoje!
Férias é um tempo conturbado e cheio de surpresas!

Profa Claudia Nunes

quarta-feira, 2 de maio de 2012

NEUROCIÊNCIA: rota alternativa


Hoje vi uma reportagem em que uma mulher passara 36 anos num hospital por causa de uma paralisia infantil e, ainda assim, escrevera um livro. Ela escrevera com a boca! Naquela cama desde bebê, ela aprendera a ler e a escrever, fizera cursos de história da arte e, agora, realizara seu maior sonho: escrevera e publicava um livro, seu livro! Eu fiquei comovida com tudo isso e pensei: isso é aprendizagem!
Em algum momento, ela se conformou com sua condição e resolveu superar suas emoções mais negativas ‘acontecendo’ em outros setores e dando sentido a vida. Lógico que percebi que havia pessoas ao redor, ninguém se mantém equilibrado, numa situação dessas, sem suportes, ajudas, paciência e colaboradores. É um cérebro especial!
O processo de aprendizagem requer multitarefas, multidisciplinas, multiatenções, muita gente (profissionais também) por perto, oferecendo ferramentas de equilíbrio, autoestima e uma crença forte em processos autônomos neurais e químicos, senão serão estímulos sem significados reais. É possível integrar (colocar no grupo) e incluir (dar atividade e criar autonomia) com respeito e cautela.
Mesmo cérebros requisitados pelas intempéries da vida, o potencial de ação neural voltado para aprendizagem, memória e atenção é inigualável e emocionante. Olhando aquela mulher pensei muito em ‘ensinagens’; pensei muito em atividades e projetos didáticos; e pensei em aprendentes com cérebros altamente capazes de captar e armazenar uma quantidade infinita de informação, nos dias de hoje. Mais do que nunca as escolas precisam estar atentas às descobertas da neurociência de acordo com o que Lent (2001, prefácio) sugere: atentas à necessidade de integrar as contribuições das diversas áreas da pesquisa científica e das ciências clínicas para a compreensão do funcionamento do sistema nervoso de forma a entender, valorizar e respeitar às diferentes maneiras de aprender. Afinal, aprende-se com o cérebro (RELVAS, 2012, p.16)
Famílias e escolas estão muito aflitas com a crescente percepção de que as dificuldades de aprendizagem estão prejudicando a inserção dos aprendentes no cotidiano escolar, social e profissional. Ainda que não haja uma receita para minimizar estas dificuldades, segundo Relvas (2012, p.16), “a neurociência quando dialoga com a educação promove caminhos para o educador tornar-se um mediador do como ensinar com qualidade por meio de recursos pedagógicos que estimulem o estudante a pensar sobre o pensar”. E o conhecimento do funcionamento do cérebro tornou-se muito importante às práticas docentes em geral e hoje em dia.
É preciso sair da forma de fôrma tradicional e realmente saber como os aprendentes aprendem. É a possibilidade da conquista da eficiência (qualidade?) pedagógica. Mas por onde começar? Eu penso na formação de professores e no oferecimento de mais formações continuadas. Ambas são necessidades previstas pela LDB nº 9.394/96 para os aprendentes com necessidades especiais. Mas será que só se pode pensar em entender o cérebro de aprendentes com necessidades especiais? E aqueles com necessidades especiais sociais, culturais, emocionais, profissionais, pessoais? E os chamados ‘normais’? Segundo Fonseca (2008, p.07), todos precisam
“aprender a refletir, a raciocinar, a utilizar estratégias de resolução de problemas (...) melhor e de forma diferente e flexível [ou seja], todo estudante tem o direito de desenvolver ao máximo o seu potencial cognitivo...”

Logo, “conhecer e entender o processo de aprendizagem e do comportamento tornou-se um grande desafio para os educadores” (RELVAS, 2012, P.17). E aquela mulher deitada por anos, aprendendo, produzindo, vivendo, sorrindo, me encheu de esperança e de questionamentos sobre o mundo dos ‘normais’ aprendentes que não estão aprendendo e que parecem se esconder das aprendizagens por múltiplos motivos conscientes ou não.
Os ditos ‘normais’ têm perfis especiais e precisam ser respeitados. São cérebros com seus sistemas nervosos, límbicos (emocionais) e endócrinos em preparo, em potencia, porosos, esperando os estímulos que os façam trabalhar em ritmo constante até alcançarem o conhecimento. Neste sentido, as diferentes áreas do saber precisam envolver estes encéfalos com mais especializações e alcançar intensas transpirações cognitivas.
“É fundamental que os educadores conheçam as estruturas cerebrais como ‘interfaces’ da aprendizagem e do comportamento para a ininterrupção do desenvolvimento e que seja sempre um campo a ser explorado” (Relvas, 2012, p.20). Ou seja, todos são (somos) aprendentes com o cérebro e seus movimentos neuroplásticos.
Para além das novas tecnologias virtuais, a chamada ‘neuropedagogia’ é a ‘nova onda do Imperador’. Ela vem se integrando com mais facilidade aos recursos teóricos possíveis de fazer professores e escola (re)sentirem as aprendizagens de seus aprendentes com mais foco e proximidade. E é uma ciência democrática porque, segundo Lent (2001), há muitas maneiras de ver o cérebro, como há muitas maneiras de ver o mundo (...); tanto o sistema nervoso quanto o cérebro em particular, “pode ser estudado de várias maneiras, todas verdadeiras e igualmente importantes” (p.03). Logo, “se nós, humanos, temos um cérebro com estruturas cognitivas evoluídas em relação aos outros animais, um neocórtex que nos dá a propriedade de pensar, por que não utilizá-lo corretamente?” (RELVAS, 2012, 21); por que não redimensionar sua utilização com práticas inovadoras focadas na criação de conexões neurais mais criativas?
Segundo Maria Irene Maluf[1] em entrevista ao site Direcional Educador,
A aprendizagem, ou seja, a aquisição de novos comportamentos, conhecimentos, competências, habilidades e atitudes está intimamente ligada ao desenvolvimento e funcionamento do cérebro, e por força das evidências irrefutáveis trazidas pelo resultado das mais atuais pesquisas científicas e pelo uso da neuroimagem funcional, essas duas áreas, a educação e a Neurociência, acabaram se aproximando”.

E entender a aprendizagem, também dos chamados ‘normais’, também passa por entender toda a funcionalidade de um corpo que está íntegro em sala de aula, ainda que mantenha certas disfunções alheias às vontades dos corpos docentes.
Olhando aquela mulher em sua noite de autógrafos num hospital de São Paulo, acredito que a neurociência pode introduzir instrumentos e estratégias às equipes pedagógicas para que haja um diálogo mais preciso ou mais esclarecedor; para que haja mais compreensão e incrementos frente aos conteúdos das diferentes áreas do saber. É estudar, observar e praticar.
Diante daquela mulher sorridente, numa cama durante 36 anos e se tornando escritora, aceito o que Maria Ines Maluf afirmou: com as neurociências na escola, nos planejamentos e nas relações de aprendizagem, se introduz novas cores
“às experiências vivenciadas [pelos aprendentes] com o meio ambiente o que provoca a formação de intrincadas redes neuronais, camadas de sinapses e profusão de neurotransmissores que modificam as estruturas e o funcionamento cerebral, o comportamento [cognitivo e social] e futuras trocas com o meio”.

É a aprendizagem alterando as taxas de conexões sinápticas, afetando as funções cerebrais em vários aspectos e revelando a importância do estímulo (e dos desafios) como disparador do processo. É dar significância às especificidades do funcionamento do cérebro bem antes de expô-los aos diferentes conteúdos. Se neuropedagogia ou neuroaprendizagem ou ainda neurociência pedagógica não importa. O que importa é apreender esse novo aspecto do olhar educacional sobre o educando (aprendente) e assim possibilitar mais afetividade nas relações ou proximidades pedagógicas.
Aquela mulher chamou minha atenção, puxou por minha memória, afetou minha linguagem, criou uma emoção forte e fiquei pensando (cognição): quais seriam os métodos pedagógicos a se desenvolver para favorecer a aquisição de informações (aprendizagem)? Difícil! Todos têm estilos ‘de aprender’ ou de ‘não-aprender’. E de novo Maria Ines Maluf se apresenta: muitos educadores “frente às [diferentes dificuldades] já procuram criar ‘dicas’, ‘links’ para vincularem fatos novos com os conhecimentos já solidificados [nos cérebros aprendentes]”. Tomara!
Eu gosto de acreditar que muitos educadores já estejam linkados com algumas das teorias neurocientíficas e estejam experimentando novas performances ou atividades aos seus aprendentes. Eu gosto de acreditar que, em muitos casos, mesmo inconscientemente, muitos educadores já estejam optando por otimizar seus trabalhos embasados em pesquisas e sugestões vindas das neurociências, como criação de jogos de memória, introdução de palavras, dramatização com emoções fortes etc.
Mesmo na era da ansiedade, faz-se necessário “estabelecer rotas alternativas para aquisição da aprendizagem, utilizando-se [além de recursos tecnológicos] de recursos sensoriais como instrumentos do pensar e do fazer” (RELVAS, 2012, p.19).
Tomara!

Referências:
FONSECA, Vitor da. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neurpsicológica e psicopedagógica. 2ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo: Editora Atheneu, 2001.
RELVAS, Marta Pires. Neurociência na prática pedagógica. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2012.

Profa Claudia Nunes


[1] Maria Ines Maluf é editora da revista Psicopedagogia da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia) e coordena, em São Paulo, os cursos de especialização em Neuroaprendizagem (parceria do Núcleo de Aperfeiçoamento Profissional e Estudos Avançados em Dificuldades de Aprendizagem, Psicopedagogia e Neuroaprendizagem e o Instituto Saber Cultura),

Nada nunca é igual

  Nada nunca é igual   Enquanto os dias passam, eu reflito: nada nunca é igual. Não existe repetição. Não precisa haver morte ou decepçã...