A questão da
conectividade não é mais novidade pra ninguém. Segundo Spyer (2007), atualmente
devemos nos perguntar: a internet é um destino ou um desafio? Então para
começar, vamos pensar: o cérebro foi preparado para isso? Ou melhor: fomos
preparados para tantas mudanças que nós mesmos construímos? Hoje estamos todos
com todos em tempo real: isso é um problema ou uma solução?
A rede
tornou-se o todo (nossa realidade) e o todo está revestido de pontos em que podemos
nos qualificar e nos quantificar (aprender) junto a e com os outros de acordo
com os interesses, sonhos e desejos. Pensa-se em grupo. Estamos todos juntos e
misturados tendo de sobreviver dia a dia. É uma sobrevivência junto às
diferenças de atitude, de linguagem e de sensibilidade; e, mesmo assim,
seguimos criando redes sociais bem
interessantes: nada poderia ser melhor. Todavia, sempre um alerta: devemos nos
conectar com moderação.
Nossa
principal tecnologia, o cérebro,
precisa das distrações, dos devaneios, dos tipos de relaxamento e/ou de
pontuais mudanças de foco; precisa aprender a curtir, compartilhar e colaborar;
precisa tanto de hábitos quanto de mudança de hábitos para se manter saudável.
Uma lembrança: nada permanece em nossa memória se não for praticado; se não
tiver funcionalidade; se não entrar na ‘vibe’ do uso contínuo (rotina). Entretanto,
é preciso mudar ou, ao menos, estimular mudanças de maneira a que se projetem
comportamentos mais ‘antenados’, criativos ou ‘safos’ no cotidiano. Sem isso, o
cérebro cansa, falha e, aí, ocorrem os estranhamentos, os esquecimentos, as
mudanças de comportamento e as tristezas inexplicáveis.
A velocidade
das tecnologias artificiais vem sensibilizando o cérebro a plasticidades
neuronais cada vez mais rápidas e menos diferentes; e são os diferentes ou as
diferenças que saúdam a formação contínua da memória de longa duração e
qualificam nosso poder de resiliência. Quando observamos nossos jovens, por
exemplo, vemos uma geração ‘touch’ em busca de outros toques e ‘times’ que
solucionem a própria vida e suas futuras decisões, com rapidez. Eles são a
geração ‘tudo ao mesmo tempo agora’.
Seu
desenvolvimento tem normalidade apenas no quesito faixa etária. As questões
cognitivas, emocionais e físicas estão em ebulição e em convergência acelerada,
alterando sua formação neurobiológica e física; e, em alguns casos,
proporcionando saltos maturacionais surpreendentes, frutos da vivência de
experiências emocionais e sociais que intensificam as ações do sistema límbico
(emoções) e antecipam as ações do córtex pré-frontal (pensamento, raciocínio):
estamos no âmbito da impulsividade e da reatividade.
O cérebro é
fiel escudeiro, como afirma a Profª. Marta Relvas, e, por isso, reflete no
corpo e na mente, quando necessita de novas performances ou quando é usado
exageradamente. Daí, eu percebi o seguinte: o problema não é a conectividade, e
sim a intensidade da conectividade. Nós perdemos a noção do tempo imersos em
outra dimensão (mundo virtual). Nós oferecemos ao cérebro o prazer necessário à
criação das necessidades, da euforia, da liberdade e, basicamente, de escapismo
social. Nas nuvens, os jovens estão sem amarras, conectados, funcionais e se
comunicando aleatoriamente e de maneira assíncrona. Para cada aplicativo
descoberto e acessado, mais curiosidade, criatividade, prazer e aprendizagem.
Então, se devemos pensar em um ‘problema’: estamos diante da real negação do
mundo em favor do prazer de viver e agir noutro mundo em que ON e OFF são
escolhas muito pessoais e simples. Poder nas mãos? Não! Poder nos dedos!
Diante da vida
conectada e nas nuvens, intensifica-se o uso do sistema de recompensa (área
tegmentar ventral e núcleo accubems). Há mudanças no sistema nervoso; alterações
nas formas de seleção e adaptação das informações; mais dopamina e serotonina
no corpo. Estes últimos, chamados de ‘neurotransmissores’, são responsáveis pela
comunicação entre neurônios e geram satisfação, bem estar e prazer em cascata,
às vezes incontrolável. E se temos reforço positivo repetidas vezes, somos
impelidos a buscá-las em grande quantidade.
Em busca de
mais prazer, a conectividade ou a permanência em conexão (imersão) constrói
dependências: nossos jovens já nascem dependentes de uma tecnologia artificial,
hipertextual e planetária. E toda dependência sugere perda da capacidade de se
equilibrar responsabilidade com fantasias: muito difícil ser adulto assim... Alias
não há equilíbrio e nem controle. É a representação do momento em que, para manter-se
conectado, provoca-se uma desconexão de pensamento e raciocínio (córtex
pré-frontal): o que se deseja é a continuidade do prazer.
Como tudo é
prazeroso, por que parar? Eis o problema, por exemplo, quando falamos de jovens
nativos digitais, do uso do celular e sua crescente análise como extensão do
corpo humano e transformação em necessidade básica. O celular tornou o nosso
prazer maior algo febril e real: o prazer da comunicação. Naturalizamos a
permanência do celular ligado em todos os nossos contextos de vida porque naturalizada
está a permanente vontade (e prazer) de se comunicar todos com todos, hoje, a
qualquer hora e em qualquer lugar.
Neste sentido,
a questão da conectividade de todos com todos é real, mas demanda mudanças nas
próprias conexões; tem tempo limitado ou limite de tempo; atravessa nossa necessidade
absurda de comunicação; ofereceu-se à construção de um mundo nas nuvens, algo
parecido com o ‘país das maravilhas’ cuja ‘alice’ somos nós mesmos e nossa
complexidade triádica: física, cognitiva e emocional; precisa ser repensada
quanto a sua instantaneidade já que as redes sociais, além da comunicação,
prescindem de reflexão, tempo, silêncios e até ignorâncias (no sentido de
ignorar, descartar); e investe, por exemplo, na disponibilidade de tempo de
‘estar com’ de todos com todos em tempos diferentes; além da afinidade de
interesses, principalmente, quando o olhar precisa pinçar a atenção do
jovem-aprendente.
Nossos jovens
e nós somos um corpo com vários hologramas corporais na palma das mãos e na
ponta dos dedos. Em favor de ‘mais prazer’, nós ultrapassamos o sentido da
cooperação, de acordo com Spyer (2007), de natureza estática, e nos firmamos no
sentido da colaboração, um processo
dinâmico cuja meta é chegar a um resultado novo a partir de competências
diferenciadas dos indivíduos ou grupos envolvidos (2007, p.23): e tudo,
sempre, por / com prazer voraz. E o jovem correndo na frente do seu prejuízo.
Essa
conectividade reorganizou a neuroplasticidade e, principalmente, a neuroquímica
da neuroplasticidade. Nós e os jovens estamos preenchendo nossa necessidade de
interação e de ‘estar com’. Nós e os jovens estamos amenizando nosso sentimento
de solidão / de complementação emocional, mental e física. Telefones caseiros,
celulares, notebooks e internet: construímos um mundo artificial, o humanizamos
e ampliamos nosso poder de ‘estar com’. Mas a que preço?
Com o cérebro
em conectividade intensiva, duas ações estão em andamento, porém ainda não
definimos se para o bem ou para o mal: SELEÇÃO e ADAPTAÇÃO. Esqueçamos os
mundos ideais, sempre conviveremos em meio a multiplicidade de mundos reais,
ainda que apenas possíveis: aqueles observados de acordo com nossas imersões
iniciais (primeira infância), e estas orquestrando a fundação de nossas crenças,
formas de agir, certezas, éticas, escrúpulos e emoções; e estas ainda
dialogando como ratificadoras ou retificadoras das crenças, formas de agir,
certezas, éticas, escrúpulos e emoções alheias.
Navegar na
realidade não pode incorrer no medo das tormentas: estas fortalecem as formas de
agir, sentir e pensar; dão consistência à bainha de mielina, à memória e à rota
das informações; e apontam para outras dimensões de ‘só-ser’ e de ‘ser-com’ tão
exigidos pela vida em sociedade.
Hoje é muito
difícil ter uma definição limite entre o mundo on-line e off-line; por isso,
atenção ao julgar os mais jovens: guardadas as devidas proporções de tempo e
tecnologias, eles ‘são’ nós ontem; eles são eles hoje; e de alguma maneira,
precisamos ser nós mesmos para um futuro melhor. Como diz um personagem do
filme ‘Caminhos da Floresta’:
- Cuidado com
o que deseja... Cuidado com as crianças... Cuidado com a imaginação das crianças...
Seu cérebro pode acreditar, gostar e depender disso para sempre.
Profª.
Claudia Nunes
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