159 PAZ E AMOR, SACOU?
Num mar de situações errôneas e
tensas, há sempre momentos em que uma luz renova nosso olhar e nossas emoções.
Somos catapultados pelo simples, singelo, renovador, e precisamos continuar
vivendo. Parece que anjos dizem ‘chega’! A descida aos infernos se estanca e
ganhamos força extra para começar a subida aos céus. Realmente não estamos sós
e, por isso, precisamos atender aos sinais / às mensagens que nos arrepiam o
corpo e fazem pulsar o coração, vez por outra. Sem tempo para pensar, Cris
aceitou uma pequena distração e amou. Depois de uma vida de experiências
toscas, ela se fechou e perdeu o prumo da felicidade plena. Descrente, partiu
para a vida sem amor, mas com muita força. Vida de filho; de amigos; de
trabalho; de risadas; de vinho; de escritas; de leituras; de compromissos; de
movimento; de outras liberdades e plenitudes. Ela guardou o coração e sua alma
porque, dizia, ‘precisava pensar e repensar’. Mas ela se distraiu e amou. Eros
a encontrou e achou que já era tempo de despertá-la. Nada de amor-paixão; isso
ela já tinha vivido com cegueira e dor. Agora era amor-carinho, amor-sorriso,
amor-delicadeza, amor-aprendizado, amor-poesia, amor-de-dois, amor-paz. Ela
seria combinada e como diria Malévola ‘despertaria depois de um beijo de amor
verdadeiro’. Eros e Psique aproveitariam a vida sem maldições e poucas
malícias. Eros e Psique estavam em sua primeira experiência de se ver, mesmo já
na maturidade. Sentir foi melhor do que ver. Ouvir foi melhor do que tocar. Só
que ela resistiu, se escondeu, se perdeu, recusou, mas amou. Ela amou na
distração, por encantamento e com magia. Eles não sabem o que as Moiras lhe
reservam. Essas três irmãs, donas do fio da vida, movem a roda da fortuna sem
livre arbítrio e, por isso, sabem que haverá dias bons e outros bem maus; sabem
que o fio da vida passa por baixo da roda e por isso nunca navegarão por um
‘mar de rosas’. Ela estava nas mãos da sorte e da razão, mas amava. Ele estava
nas mãos da surpresa e da distancia, e amou. Eles tinham que se experimentar,
era mais forte que tudo. O que importava era que amavam e isso preenchia seus
dias de cores e sons esquecidos no tempo. Ao abrir seu armário, de manha, um mundo
antigo fugiu, deixando no ar um cheiro forte de um mar brilhoso e cheio de
ondas espumantes. Ela percebeu que carregava em si as vestes de amor e por ele
singraria mares imprevisíveis e inesquecíveis. Não tinha opção: viver é preciso
e disso ela tinha certeza porque seguia um lema: ‘o tempo não para’. Na cama,
outro sono profundo de paz e confiança fez abrir o seu melhor sorriso. Paz e
amor, sacou? Claudia Nunes
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E outro homem...
Sempre que Lina voltava à sua cidade,
ficava angustiada. Será que a reconheceriam? Seria bem-vinda? Ela tivera uma
oportunidade, era jovem, mas sumira na poeira dos seus sonhos mais impossíveis.
Ela tivera muito medo, mas medo sempre fora seu sobrenome, para seus colegas.
Outro mundo, outra cidade, outro homem. Sim, outro homem! Após muitas
tentativas, outro homem e mais promessas. E mesmo assim, ela não teve dúvidas,
apostou e sumiu dentro da vida dele. O melhor esconderijo é viver a vida do
outro enquanto as promessas não se apresentam. O amor é assim: ele nos faz
perder o chão porque encontramos luz em tudo mais. Ela não queria a baboseira
da autonomia; ela queria o amor e do arco-íris. Afinal, até isso tinha um fim;
e, no fim, o recomeço dela. Ela tinha planos e outro homem. Tanto sofrimento e
tantos homens; menos sofrimento e outro homem: essa matemática era só dela e
dos seus sonhos. Naquele carro, vendo seu passado se perder, ela sabia: seu
tempo seria partilhado com emoções inesquecíveis e outro homem. Como dizia sua
mãe: ‘ela iria aprender a ser gente!’. Outro homem e uma ponte para outra
dimensão. Outro homem e outras visões, outras estradas, outras dores, outros
olhares: e ela crescendo, aprendendo, se acostumando e longe daquelas montanhas
com as quais acordava toda a vida. Ninguém cresce sem arriscar-se em outro qualquer
coisa. Cansaço, desejo e curiosidade eram suas melhores barganhas com a vida. A
desculpa dela era o amor: ela amava e tinha outro homem reeditando seus
prazeres e pensamentos. Ser o que se é, é bom; mas se surpreender sendo outra
coisa, é melhor ainda. Seu corpo tremia, sua alma pulava dentro e fora do
movimento ‘de ser gente’ de alguma maneira e com outro homem. No trampolim da
sua rotina de vida, ela saltara sem cinto de segurança e voara para longe dos outros
homens sem cor, fé ou promessa. Ninguém saberia o quanto ela evoluíra para ser
a melhor corista, solteira, de um cabaré de luxo, no Rio de Janeiro. Claudia Nunes
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DECISÕES
O que é tomar uma decisão? O que
sentimos ao tomarmos uma decisão? Ao tomar uma decisão cortamos vínculos com um
tempo e nos jogamos noutro tempo sem ter muito onde segurar. A realidade ganha
outros destinos e os destinos exigem outras decisões: esse é o movimento da
vida. Alicia estava naquele telhado pronta para a decisão mais difícil da sua
vida. Decidida, ela subira as escadas atônita; não tinha mais motivos para
sofrer e negar: a decisão estava tomada. Mas ao abrir a porta, vira a cidade e
sua vida inteira. Que susto! O vento, as luzes, os sons, tudo a assustara a tal
ponto que perdera o movimento. Sua respiração perdeu a harmonia e seus olhos
doíam demais. Cadê a minha decisão? Cadê minha certeza? Ela estava distante de
tudo; não tinha mais apegos afetivos ou certezas; e não sabia o que fazer sem a
consciência anterior. Quando a porta do telhado se abriu, o mundo a chocalhou e
ela se perdeu. Ventava muito lá em cima e a loucura dos seus dias voltou à sua
mente com força. Humanos são assim incertos, voláteis e fracos. Somos fracos
diante da Natureza e desacreditamos na força do Universo. Nós reagimos, somos
impulsivos e quase sempre convivemos com os arrependimentos. Ela ultrapassara
esse momento: não tinha mais o que perder; era uma mulher do mundo, totalmente
evaporada e dolorida. Sua maior responsabilidade era sua decisão e neste
momento vacilava. Será possível? Seria tão medrosa? Depois de tanto trabalho,
seria tão covarde? Ao longe, ouve o Bolero de Ravel. Alguém lhe dava 17 minutos
para se reencontrar e reagir atravessando cada etapa da sua vida. Seu corpo
tremia demais, suas mãos não sabiam o que fazer, sua alma pairava acima dela.
Um grito, uma lembrança: respire! Nas aulas de primeiros socorros, aprendera:
quando angustiada ou ansiosa, respire; respire tão profundamente que se deixe
perder nessa ação. O corpo agradecerá. Essa é a primeira opção à proatividade. As
circunstâncias são passageiras. Elas acontecem para nos fazer parar e pensar em
nossas posturas. É preciso rever sonhos e fantasias. É preciso dar autoestima
até mesmo à imaginação. Alicia, respire! Na vida sempre há meios desde que não
finquemos pés e mãos nos mesmos caminhos. Respire! Ao abrir os olhos vê alguém
lhe acenando sorridente: era sua mãe. Mudança de planos: estava atrasada para
sua defesa de mestrado. Claudia Nunes
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A Suspeita... Embora
as horas tenham passado, a suspeita era mesma: a amizade acabara. Anos antes a
vida era de encontros e papos alegres e livres: e a amizade se fortaleceu. E
hoje, um vazio de quarto e sala. Sabrina olhava o quarto e suspeitava. Por que
não tinha certeza? Ela não perguntara. Seu sentimento já tinha acertado tudo: a
amizade acabara. Na janela vizinha, uma musica atravessa portas e fechaduras.
Ela tinha que pensar direito: o que houve? A suspeita doía muito. Amizade
suspeita não é amizade, é intenção. A suspeita não tinha confirmações;
acelerava seu coração, mas encontrava terreno fértil para acreditar: o fim era
um fato. Ela sentia uma contrariedade: só tinha seu olhar e sua opinião. A
suspeita não tinha comprovação: falaram, disseram, contaram, esses eram os
verbos mais usados; e não valiam nada. A suspeita é indeterminada ainda que
cause pressentimentos negativos: insegurança e introspecção. A liberdade ganha
limites claros e os amigos se medem mais de perto e se distanciam velozmente:
Sabrina estava ressentida. O som da música lhe arrebatava para outros sentires
passados: estes eram bonitos porque emocionalmente irreais. Mas a memória do
agora era mandante de um crime quase perfeito: a dúvida. E ela não sabia o que
fazer. Algo aconteceu: hábitos foram quebrados e promessas descumpridas. Não
era um tempo de longa amizade: datas são desinteressantes nesta hora, porém
fora um tempo de forte confiança. Provação sem provas, e para que provas entre
amigos? Deitada, o som a deixava em suas memórias e a escalada à compreensão
era dolorida e confusa. Perdera uma amizade bonita! Ela chora; pensa em
respeito e chora; lembra de momentos e chora. A suspeita criou choros escondidos
e desconfiados do passado agora sem vida. Daquela janela, o vento e o som eram
desfeitos e invisíveis: ela esperava apenas a sua hora de força contra o
desanimo e a infelicidade. Como se perde uma amizade hoje em dia? Pelas
suspeitas, pelas dúvidas, pelas incertas, pelas estranhezas, pelos desgovernos,
pelos nadas, pelas inverdades. Ela se sentia impossível. Ao clarear o dia,
Sabrina toma um banho e vai para terapia: tinha que superar a morte da mãe. Claudia Nunes
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Quando
o destino nos atinge, a alma se torna especial. Nós revivemos valores e amores
com muitas pegadas nas areias do tempo. Não adianta ignorar ou resistir, o
sonho aceita outras vidas, silêncios, pensamentos, delicadezas e impaciências
do jeito que for. Num sonho de amor, os riscos são as sensações das pazes: elas
paralisam / escondem. Mas amar é lutar também pelas pazes. Pazes de paz, de
olhar, dos sorrisos, das palavras bem ajustadas aos ouvidos. Nós temos que
ficar atentos ao tempo: encontrar é idílico; permanecer é precipício constante;
afinal mudar é o ideal. Quando se olharam, o casal se desentendeu e se perdeu:
acreditaram numa existência dividida e unida, e se amedrontaram. Com sorrisos
cinza, perceberam que o sol brilhava em outras cores e desejaram nascer de
novo. Todavia como é bom amar e recompensar o futuro com tantos sonhos e planos
devagar, devagarzinho. Com os dias, as memórias tinham sangue, suor, lágrimas e
brincadeiras. Um media o outro. Outro apostava no um. Um evoluía com o outro.
Outro amava o um. Sem se dar conta, o casal se emocionava com o simples e sua
história corria amorosa entre café com bobagens, fotografias de família, comida
leve, mares, noites, bocas e mãos. Eles sabiam do risco: falar demais minava as
energias e as belezas dos sentimentos. O toque e o olhar eram seus melhores
momentos. Não eram perfeitos, apenas se ajuntavam, se ajustavam e se amavam. O
amor tem dessas imperfeições, manias e diferenças; porém sua dimensão era
divina e maravilhosa. O prazer prevalecia, permanecia e os deliciava com
temperos diversos. Sem querer, ao cair da cama, Seixas percebe: abraçava seu
‘canudo’ de formatura. Sonho realizado! Claudia
Nunes
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Anoitecer de um amor Pensando
em instinto. Será prepotência? Será orgulho? Eu não sei. Só sei que em tudo há
consequências e, às vezes, desastrosas. Mais do que status, o amor pode ser
perigoso e tudo começa pelo instinto. Há sentimentos que destronam a beleza dos
sentimentos sem dó ou piedade: ciúmes e possessividade. A intimidade às vezes
se compõe dessas nuances ilusórias de domínio e controle do outro, e o ser
humano não se dá conta de que seu corpo não guarda segredos da essência. Ao
contrário, apresenta-se como vítima das circunstâncias e se defende nos becos
dos quartos. Seres humanos assim nunca se apresentam no cara-a-cara. Campo
aberto para arrogância e a presunção, o ser humano, inseguro de si, levanta
armas cruéis: disse-me-disse; esquisitices, olhares e sorrisos fora de hora;
desconsiderações etc. Estou estupefata. Há pessoas que se percebem dominadores
do outro e constroem uma realidade que ratifica essa sensação. Perdem-se em
éticas e morais fragilizadas pelo tempo de contato, ao invés de aprender melhor
a mágica de amar de peito aberto. O ser humano está em decadência de sentidos e
de reflexão. A questão da convivência investe-se de poder e inaugura posturas
mais arrogantes e menos prudentes / humildes. Alias humildade é moeda escassa
no mercado das relações amorosas / amistosas. Difícil o silencio, a observação,
a proximidade e a flexibilidade de ação e emoção. Amar sugere poder e poder é a
fraqueza dos poderosos. Por outro lado, amar sugere receios / medos e estes são
a mágica dos compromissos e sonhos. Não há muito o que fazer. Os espaços
conquistados não podem ser perdidos, dizem, e assim formam-se guetos / modelos
/ círculos fechados. Pena. O mundo é coletivo, poroso, hipertextual, e o
compromisso com o futuro é solidário e aberto. Amor e amizade não ficam de fora.
Eles evoluem, se transformam e permanecem com um, com alguns e com todos. Nós
devemos nos concentrar em felicidades e não em dramas particulares ou que
apontem culpas inúteis e inócuas. Sinto calafrios a cada vez que sinto o
anoitecer de uma relação porque, em minha consciência, amar é fundamental e
cabe em todo mundo. Sinto calafrios, mas me esforço por espalhar ações e juntar
emoções positivas, em todos os lugares. Ser especial é natural e eu não perco
os especiais para mim. Ufa! Claudia
Nunes