quarta-feira, 11 de novembro de 2015

MICROCONTOS 131, 132, 133, 134, 135, 136, 143, 146, 157, 158

131 A festa acabou. Hora de voltar para casa. No carro, música e seus pensamentos. Helen procurava um sentido para tudo o que lhe acontecera: separada, tinha que ir embora. Antecipadamente, saudades de todos e da vida. Sonhara com uma vida tranquila, com família, com estabilidade e a conquistara realmente. Só que fantasiara demais: fora um sonho sonhado sozinha; esquecera que envolvia outras pessoas, outros sonhos. Agora a decisão: ir embora. Incertezas. Dúvidas. Inseguranças. Mas ela precisava voltar para noite das oportunidades e criar a vida nas distancias. Prazer, solidão, atitude, cabeça erguida e foi... Não há desculpas para a monotonia e para os problemas, o jeito é seguir a trilha do sol e mudar os ângulos das certezas. Depois de um breve tempo de rotina, outros ambientes, outros olhos, outras consequências. Ela pensava em David e Golias: ela fora um e outro com dilemas e dramas do feminino. Em seu carro, dirigindo pela cidade, os focos se perderam e outra dimensão surgiu: o caminho sem medo e sem clareza. Crescer com outras experiências, valores e abraços: não havia outro caminho. Ir e ir e sempre ir. Estaria preparada para os tormentos? Não! O desconhecido tem tempo de esclarecimento e de libertação. Enquanto isso a estrada ganhava luz e realeza. Ela enfim respirava bem melhor... Claudia Nunes

132 O corpo vibra e magnetiza a realidade. O corpo vibra e atrai pensamentos e energias intensas. Em seu sono profundo, o corpo vibra. O espelho é seu parceiro direto: o corpo vibra duplicado. Lá e cá, as peles emanam ideias e sonhos. Como realizá-los? Lucas não queria mais repetições: seu corpo vibra. Na cama, sua mulher dormia. Na mente, várias mulheres dançavam: e o corpo vibra. Ele não queria mudar. O sucesso de sua vibração o identificava no mundo: somos nós mesmos que criamos nossa vibração. É a personalidade. Lucas sorria, amava, vibrava atrações espetaculares à sua libido. Enfim, no fim, transmutação e mais responsabilidade: Lucas era responsável. Claudia Nunes

133 Nunca arriscara nada. Nunca reagira a nada. Nunca se impulsionara ao vento de nada e nem com ninguém. Ele nunca fora alguém. Tanta sensibilidade só serviu para embranquecer sua alma: ele não tinha cor. A vida tinha seu controle: demônios controlados e poucos avanços ou riscos. Agora, no chão frio, a respiração final esclarecia a vida: morria sem mudanças, sem amores, sem luxos, sem projetos e sem críticas. Como adoraria as críticas nesse momento... Olhos no céu, gotas de chuva, vozes nervosas... e ele se foi... ele se foi... ele se... ele... Claudia Nunes

134 – ‘Cega! Estou cega!’ – gritava Alexandra. Andava, pelo corredor do escritório, enraivecida por causa de Solange, sua chefe, quando, de repente, a cegueira lhe arrebatou. Um mundo negro repentino e ela desgovernada no corredor do 4º andar de seu trabalho. ‘- O que aconteceu? O que aconteceu?’ gritava com os braços esticados a procura do toque reconfortante de uma parede ou um colega de trabalho. De uma hora a outra, nem sabia mais o que lhe acontecera ou o porquê da raiva; apenas sentia a cegueira das cores e da vida. Estava sem tempo para se repensar. Sozinha parou e tentou se equilibrar: ‘- O que acontecera?’. Em respiração, as lembranças: Solange fora promovida. Solange, a tímida, a recém-contratada, a bonequinha, a simpática, a ‘aprendiz’... ela fora promovida e agora se tornara chefe. Difícil sustentar o olhar e parabenizar sem pensar: ‘... o cargo era meu... lutara muito por aquilo e agora tinha que sorrir para aquela idiota...’ A dor da sensação de inferioridade lhe ocupava o corpo todo: doía muito. Sem ela perceber, a outra ocupara todos os espaços, olhares e corações: ‘que vagabunda!’. Após o anúncio, ela saíra apressadamente para o corredor lateral da sala principal do escritório para respirar, incapaz de aceitar tudo aquilo: ‘ela era ainda coadjuvante!’. Raiva, desconforto, insatisfação e dor... muita dor... e a cegueira. Tateando de janela em janela, ideias muito bem amoladas de vingança: causar dor, impor dor, fazer sofrer, prejudicar, acabar com aquela cara ‘de nada’ que assolara todos os seus sonhos. ‘- Que dor!’ E, de novo, no meio disso, a cegueira. Alexandra estava dramática de tudo e sem ter para onde ir. Parou! Parada, não tinha como sustentar o sofrimento e arrebentou a voz: ‘SOLANGE!!!!!!!’ Em meio ao choro, sua melhor amiga lhe abraça, dizendo: ‘estou aqui; não tema; vamos superar juntas; preciso de você’. A cegueira dos olhos invejosos começou se iluminar. ‘Solange, não sei o que fazer comigo... me desculpe...’ Claudia Nunes

135 Depois da névoa, 30 anos de luta e corpo. Não havia possibilidade de condicionantes. Ela devia ao destino condicionamentos. E o destino cobrou: ela precisa se despir de suas capas favoritas e encarar suas fragilidades de corpo e alma. Era preciso trabalhar com o tormento da realidade e não se perder na condição do ‘SE’. Este passou. O destino gritava: ‘não adianta reclamar; o que foi feito, foi feito. Assuma!’ Saindo do consultório, um luxo básico: 50 minutos de dor e sofrimento. Enquanto descia as escadas, dor, sofrimento, lamentação, choros e o tal do ‘e SE’. Tempo! Ela não tinha mais tempo! Ao atravessar a rua, a sensação da experiência no rosto: ela era outra pessoa. Parar, arrumar o cabelo, limpar o rosto, procurar um espelho, maquiagem e... vida! Agora era sentir, definir e ser uma espontânea sorridente. Enquanto pegava seu carro, mil dúvidas: por que se lamentar? Ter remorsos? Pensar nos erros? Ou nos descasos? A vida não escolhe nada e nem ninguém: todo mundo é redefinido bem e mal. Junto com o destino, a vida sua, regenera e alerta. Com o diagnóstico negativo, sua respiração mais profunda a protegeria e a envolveria com energia além do ‘e se’. Aprendera isto na terapia. Caminhos longos, tortuosos e difíceis eram ‘sua praia’ e sempre conseguira se envolver em liberdades, certezas e atitudes de força. No banco detrás do carro, sua fantasia de FÊNIX colorida. Isso! Das cinzas para a glória! Espelho retrovisor, sorriso no rosto, pouco rouge e... hora da festa! Claudia Nunes


136 Somos protegidos pelo tempo e pelo ar. Somos envolvidos de energia e cheiros. Somos nossas invisibilidades sentimentais. Definir tudo isso entre bom e mal é um erro: tudo é fulgaz, mas precisa ser vivido intensamente. Cintia estava em outro plano: ela acreditara. Amigos a trouxeram para outras dimensões. Ela estava em equilíbrio, mesmo com tantas dúvidas. Três dias atrás, ela rompia a noite para estar com a dança, a bebida e os beijos. A noite era dourada de suor. Só que tudo permanecia negro e sem graça em seus toques, suspiros e olhares. Ela pairava num mundo de brilho sem cores. Ela não tinha guias. A beleza da vida esteve nos guias, nos protetores, nas participações especiais, e ela, ali, vagava sem roteiros ou editores de cena. Hoje, por decisão, ela experimentou outras atrações. Hoje ela fazia meditação, se integrava a um mundo mais branco, mais nítido, mais barulhento, mais dentro e mais coração. Ela se percebia pulsante. Não queria consertar os dias, apenas amá-los e agradecer. Se o ‘aqui se faz, aqui se paga’ vale, seu livre arbítrio criava ondas de alegria e tranquilidade. E seus guias enfim conversavam com ela: ‘respire... aproveite... respire... seja feliz... estamos com você!’. E a Natureza se fez dona e plena.... sem bengalas ou blefes conhecidos. Claudia Nunes

143 Por enquanto... Dia e noite, a paixão nos sacode e abrimos nossas gavetas de fantasmas, sonhos e ilusões sem dúvidas. E ai, sem medo, na luz, na sombra e de veneta, esquecemos todos os conselhos e nos jogamos em cenas nebulosas. Vamos experimentar a vida como borboletas sem casulo protetor ou a intensidade dos vermelhos brasões, porque a vida é só uma. Por enquanto... Riscamos nossas memórias com nomes, corpos, cheiros e paixões, e, sem querer, pisamos o asfalto com dores, erros e muitos espelhos. Seguimos construindo dias pequenos, cheios de petiscos e grandes senões. Não é fácil amar, mas é simples crescer: esses são os grandes conselhos. Ame e cresça! E, no poente diário, começamos uma luta em que firmamos o amor do porvir e do estar aqui sem adormecer. Por enquanto... Pernas, braços, beijos, amantes, distantes, elegantes, tal e qual noite de almirante. Será que um dia voltará a calmaria? Será que um dia a ressaca da paixão não incomodará? Será que meus ombros serão leves para outros carinhos sem ninharia? Sem notar sinto saudades e esperança... sou moda, sou Odara! Por enquanto... O vento da paixão está concentrado no vão do olhar e das cores de um passado de segredos, de cantos e de fugidas. Quero deitar, sonhar, sentir e viver o novo de novo sem dores, sem cruzes, incertezas, medos ou surpresas infindas. Cala boca ferida! Cala boca memória! Por enquanto, só quero isso: Sorrir na impressão de ser feliz. Nem que seja por um triz. Por enquanto... só por enquanto... Claudia Nunes

146 Pincéis e coragem

Na sala da casa, muitos pincéis no chão. Perderam a vida. Estão sem movimento. No silencio da sala percebe-se os vestígios frágeis da vida e das humanidades. A coragem se foi. Não há mais porque lutar ou viver. Espalhados em todos os cantos, os pincéis representam muitas dores prematuramente largadas ao léu sem função. O destino fora cruel. Tudo ali só sobrevivia por causa do tempo. Então o jeito, era sentir o tempo passando. Nada de sustos, loucuras, surpresas ou alegrias; apenas o tempo passando e o sonho esquecido. Ali a degradação das cores. Onde está a coragem? Onde estão os esquisitos? Onde estão as cores vibrantes de um mundo de aventuras? Sumiram! Apagaram-se! Desapareceram! Os pincéis no chão perderam seus lugares, seus ninhos, seus terrenos. Sem voz, na sala da casa, muitos pincéis no chão, o tempo passando, as inúmeras lembranças pairavam como sentidos ou pequenas impressões. A magia dos pincéis tornou-se apenas memória dos móveis largados naquela sala da casa de papel e sem o frescor das limpezas, dos ventos, das batidas das portas, da força de quaisquer presenças. Os pincéis respondiam pelo mundo, mas o mundo os abandonara. Claudia Nunes

157 Num beco escuro, deitado embaixo de uma escada, dormia um ser humano. Dormia obrigado pelas drogas e pela falta de tudo. Sim, há seres humanos com falta de tudo vagando pela cidade. Quando se aproximam, assustam porque perdem sua condição de invisibilidade. São os abandonados. Olhando da janela de sua casa, Lucia pensava nos abandonados. Eles eram reais; ela nem tanto. Sim, fora abandonada. Vida errante. Família complicada. Perdera a vontade. E fora abandonada. Lá fora os corpos abandonados; aqui dentro, um espírito abandonado. Eles tinham o mundo; ela estava encarcerada em quatro paredes. Lá fora não havia proteção, apenas a coragem; aqui dentro, muito conforto, mas um nada melancólico. Onde ela ficaria melhor? Ela estava solta, livre, sozinha e... abandonada. Problemas? Nenhum! Mas inútil. Era totalmente inútil para o mundo. Da janela, os movimentos eram sem eira nem beira. Da janela, a sombra de um desejo sem ponto de contato lá e cá. Lá ou aqui? Eis o seu dilema. De repente, a chuva desabou. Tudo molhado e um choro histérico. Ela não era de cá e nem de lá. Em cima da escrivaninha, diante de seus olhos embaçados, um livro de colorir. É possível? Naquela noite, ela nem dormiu colorindo a vida de outros sonhos e vôos. Claudia Nunes


158 Os ventos atravessavam a casa inteira e varriam todo o pó de anos. Não havia luz em lugar algum. Na varanda, ele olhava os carros atravessando a cidade e nem imaginava seus destinos ou emoções. Ele não sabia nada. Ele estava vazio. Dizem que isso se chama evolução, mas dói muito. Não havia movimento, só dor e muitos carros. Vida lá fora, só lá fora. Ao olhar o céu, uma estrela cadente transpassou seus sentidos e tornou dissonante seu espírito. Ele enfim respirou... e não conseguiu mais tirar os olhos do alto. Ele queria aquela estrela: um caminho de pontas luminosas. Seu coração batia forte. Seu cérebro criava outros mundos. As estrelas são exemplares porque ignoram situações negativas e brilham para sempre. Suor, lágrimas, palpitação, ele vasculhava o céu a procura de sua musa, sua salvadora. O celular toca. ‘Anderson, estou aqui embaixo, vamos para noite?’ E de novo, a esperança se renova. Claudia Nunes 

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