131 A festa acabou. Hora de voltar
para casa. No carro, música e seus pensamentos. Helen procurava um sentido para
tudo o que lhe acontecera: separada, tinha que ir embora. Antecipadamente,
saudades de todos e da vida. Sonhara com uma vida tranquila, com família, com
estabilidade e a conquistara realmente. Só que fantasiara demais: fora um sonho
sonhado sozinha; esquecera que envolvia outras pessoas, outros sonhos. Agora a
decisão: ir embora. Incertezas. Dúvidas. Inseguranças. Mas ela precisava voltar
para noite das oportunidades e criar a vida nas distancias. Prazer, solidão,
atitude, cabeça erguida e foi... Não há desculpas para a monotonia e para os
problemas, o jeito é seguir a trilha do sol e mudar os ângulos das certezas.
Depois de um breve tempo de rotina, outros ambientes, outros olhos, outras
consequências. Ela pensava em David e Golias: ela fora um e outro com dilemas e
dramas do feminino. Em seu carro, dirigindo pela cidade, os focos se perderam e
outra dimensão surgiu: o caminho sem medo e sem clareza. Crescer com outras experiências,
valores e abraços: não havia outro caminho. Ir e ir e sempre ir. Estaria
preparada para os tormentos? Não! O desconhecido tem tempo de esclarecimento e
de libertação. Enquanto isso a estrada ganhava luz e realeza. Ela enfim
respirava bem melhor... Claudia Nunes
132 O corpo vibra e magnetiza a
realidade. O corpo vibra e atrai pensamentos e energias intensas. Em seu sono
profundo, o corpo vibra. O espelho é seu parceiro direto: o corpo vibra
duplicado. Lá e cá, as peles emanam ideias e sonhos. Como realizá-los? Lucas
não queria mais repetições: seu corpo vibra. Na cama, sua mulher dormia. Na
mente, várias mulheres dançavam: e o corpo vibra. Ele não queria mudar. O
sucesso de sua vibração o identificava no mundo: somos nós mesmos que criamos
nossa vibração. É a personalidade. Lucas sorria, amava, vibrava atrações
espetaculares à sua libido. Enfim, no fim, transmutação e mais
responsabilidade: Lucas era responsável. Claudia
Nunes
133 Nunca arriscara nada. Nunca
reagira a nada. Nunca se impulsionara ao vento de nada e nem com ninguém. Ele
nunca fora alguém. Tanta sensibilidade só serviu para embranquecer sua alma:
ele não tinha cor. A vida tinha seu controle: demônios controlados e poucos
avanços ou riscos. Agora, no chão frio, a respiração final esclarecia a vida:
morria sem mudanças, sem amores, sem luxos, sem projetos e sem críticas. Como
adoraria as críticas nesse momento... Olhos no céu, gotas de chuva, vozes
nervosas... e ele se foi... ele se foi... ele se... ele... Claudia Nunes
134 – ‘Cega! Estou cega!’ – gritava
Alexandra. Andava, pelo corredor do escritório, enraivecida por causa de
Solange, sua chefe, quando, de repente, a cegueira lhe arrebatou. Um mundo
negro repentino e ela desgovernada no corredor do 4º andar de seu trabalho. ‘-
O que aconteceu? O que aconteceu?’ gritava com os braços esticados a procura do
toque reconfortante de uma parede ou um colega de trabalho. De uma hora a
outra, nem sabia mais o que lhe acontecera ou o porquê da raiva; apenas sentia
a cegueira das cores e da vida. Estava sem tempo para se repensar. Sozinha
parou e tentou se equilibrar: ‘- O que acontecera?’. Em respiração, as
lembranças: Solange fora promovida. Solange, a tímida, a recém-contratada, a
bonequinha, a simpática, a ‘aprendiz’... ela fora promovida e agora se tornara
chefe. Difícil sustentar o olhar e parabenizar sem pensar: ‘... o cargo era
meu... lutara muito por aquilo e agora tinha que sorrir para aquela idiota...’
A dor da sensação de inferioridade lhe ocupava o corpo todo: doía muito. Sem
ela perceber, a outra ocupara todos os espaços, olhares e corações: ‘que
vagabunda!’. Após o anúncio, ela saíra apressadamente para o corredor lateral
da sala principal do escritório para respirar, incapaz de aceitar tudo aquilo:
‘ela era ainda coadjuvante!’. Raiva, desconforto, insatisfação e dor... muita
dor... e a cegueira. Tateando de janela em janela, ideias muito bem amoladas de
vingança: causar dor, impor dor, fazer sofrer, prejudicar, acabar com aquela
cara ‘de nada’ que assolara todos os seus sonhos. ‘- Que dor!’ E, de novo, no
meio disso, a cegueira. Alexandra estava dramática de tudo e sem ter para onde
ir. Parou! Parada, não tinha como sustentar o sofrimento e arrebentou a voz:
‘SOLANGE!!!!!!!’ Em meio ao choro, sua melhor amiga lhe abraça, dizendo: ‘estou
aqui; não tema; vamos superar juntas; preciso de você’. A cegueira dos olhos
invejosos começou se iluminar. ‘Solange, não sei o que fazer comigo... me
desculpe...’ Claudia Nunes
135
Depois da névoa, 30 anos de luta e corpo. Não havia possibilidade de condicionantes.
Ela devia ao destino condicionamentos. E o destino cobrou: ela precisa se
despir de suas capas favoritas e encarar suas fragilidades de corpo e alma. Era
preciso trabalhar com o tormento da realidade e não se perder na condição do
‘SE’. Este passou. O destino gritava: ‘não adianta reclamar; o que foi feito,
foi feito. Assuma!’ Saindo do consultório, um luxo básico: 50 minutos de dor e
sofrimento. Enquanto descia as escadas, dor,
sofrimento, lamentação, choros e o tal do ‘e SE’. Tempo! Ela não tinha mais
tempo! Ao atravessar a rua, a sensação da experiência no rosto: ela era outra
pessoa. Parar, arrumar o cabelo, limpar o rosto, procurar um espelho, maquiagem
e... vida! Agora era sentir, definir e ser uma espontânea sorridente. Enquanto
pegava seu carro, mil dúvidas: por que se lamentar? Ter remorsos? Pensar nos
erros? Ou nos descasos? A vida não escolhe nada e nem ninguém: todo mundo é
redefinido bem e mal. Junto com o destino, a vida sua, regenera e alerta. Com o
diagnóstico negativo, sua respiração mais profunda a protegeria e a envolveria
com energia além do ‘e se’. Aprendera isto na terapia. Caminhos longos,
tortuosos e difíceis eram ‘sua praia’ e sempre conseguira se envolver em
liberdades, certezas e atitudes de força. No banco detrás do carro, sua
fantasia de FÊNIX colorida. Isso! Das cinzas para a glória! Espelho retrovisor,
sorriso no rosto, pouco rouge e... hora da festa! Claudia Nunes
136 Somos protegidos pelo tempo e pelo
ar. Somos envolvidos de energia e cheiros. Somos nossas invisibilidades
sentimentais. Definir tudo isso entre bom e mal é um erro: tudo é fulgaz, mas
precisa ser vivido intensamente. Cintia estava em outro plano: ela acreditara.
Amigos a trouxeram para outras dimensões. Ela estava em equilíbrio, mesmo com
tantas dúvidas. Três dias atrás, ela rompia a noite para estar com a dança, a
bebida e os beijos. A noite era dourada de suor. Só que tudo permanecia negro e
sem graça em seus toques, suspiros e olhares. Ela pairava num mundo de brilho
sem cores. Ela não tinha guias. A beleza da vida esteve nos guias, nos
protetores, nas participações especiais, e ela, ali, vagava sem roteiros ou
editores de cena. Hoje, por decisão, ela experimentou outras atrações. Hoje ela
fazia meditação, se integrava a um mundo mais branco, mais nítido, mais
barulhento, mais dentro e mais coração. Ela se percebia pulsante. Não queria
consertar os dias, apenas amá-los e agradecer. Se o ‘aqui se faz, aqui se paga’
vale, seu livre arbítrio criava ondas de alegria e tranquilidade. E seus guias
enfim conversavam com ela: ‘respire... aproveite... respire... seja feliz...
estamos com você!’. E a Natureza se fez dona e plena.... sem bengalas ou blefes
conhecidos. Claudia Nunes
143 Por
enquanto... Dia
e noite, a paixão nos sacode e abrimos nossas gavetas de fantasmas, sonhos e
ilusões sem dúvidas. E ai, sem medo, na luz, na sombra e de veneta, esquecemos
todos os conselhos e nos jogamos em cenas nebulosas. Vamos experimentar a vida
como borboletas sem casulo protetor ou a intensidade dos vermelhos brasões,
porque a vida é só uma. Por enquanto... Riscamos
nossas memórias com nomes, corpos, cheiros e paixões, e, sem querer, pisamos o
asfalto com dores, erros e muitos espelhos. Seguimos construindo dias pequenos,
cheios de petiscos e grandes senões. Não é fácil amar, mas é simples crescer: esses
são os grandes conselhos. Ame e cresça! E, no poente diário, começamos uma luta
em que firmamos o amor do porvir e do estar aqui sem adormecer. Por enquanto... Pernas, braços,
beijos, amantes, distantes, elegantes, tal e qual noite de almirante. Será que
um dia voltará a calmaria? Será que um dia a ressaca da paixão não incomodará? Será
que meus ombros serão leves para outros carinhos sem ninharia? Sem notar sinto
saudades e esperança... sou moda, sou Odara! Por enquanto... O vento da paixão está concentrado no vão do olhar
e das cores de um passado de segredos, de cantos e de fugidas. Quero deitar,
sonhar, sentir e viver o novo de novo sem dores, sem cruzes, incertezas, medos
ou surpresas infindas. Cala boca ferida! Cala boca memória! Por enquanto, só quero isso: Sorrir na impressão de ser feliz. Nem que seja por um triz. Por enquanto... só por enquanto... Claudia Nunes
146 Pincéis e coragem
Na sala da casa, muitos pincéis no
chão. Perderam a vida. Estão sem movimento. No silencio da sala percebe-se os
vestígios frágeis da vida e das humanidades. A coragem se foi. Não há mais
porque lutar ou viver. Espalhados em todos os cantos, os pincéis representam
muitas dores prematuramente largadas ao léu sem função. O destino fora cruel. Tudo
ali só sobrevivia por causa do tempo. Então o jeito, era sentir o tempo
passando. Nada de sustos, loucuras, surpresas ou alegrias; apenas o tempo
passando e o sonho esquecido. Ali a degradação das cores. Onde está a coragem?
Onde estão os esquisitos? Onde estão as cores vibrantes de um mundo de
aventuras? Sumiram! Apagaram-se! Desapareceram! Os pincéis no chão perderam
seus lugares, seus ninhos, seus terrenos. Sem voz, na sala da casa, muitos pincéis
no chão, o tempo passando, as inúmeras lembranças pairavam como sentidos ou
pequenas impressões. A magia dos pincéis tornou-se apenas memória dos móveis
largados naquela sala da casa de papel e sem o frescor das limpezas, dos
ventos, das batidas das portas, da força de quaisquer presenças. Os pincéis
respondiam pelo mundo, mas o mundo os abandonara. Claudia
Nunes
157 Num beco escuro, deitado embaixo
de uma escada, dormia um ser humano. Dormia obrigado pelas drogas e pela falta
de tudo. Sim, há seres humanos com falta de tudo vagando pela cidade. Quando se
aproximam, assustam porque perdem sua condição de invisibilidade. São os
abandonados. Olhando da janela de sua casa, Lucia pensava nos abandonados. Eles
eram reais; ela nem tanto. Sim, fora abandonada. Vida errante. Família
complicada. Perdera a vontade. E fora abandonada. Lá fora os corpos
abandonados; aqui dentro, um espírito abandonado. Eles tinham o mundo; ela
estava encarcerada em quatro paredes. Lá fora não havia proteção, apenas a
coragem; aqui dentro, muito conforto, mas um nada melancólico. Onde ela ficaria
melhor? Ela estava solta, livre, sozinha e... abandonada. Problemas? Nenhum!
Mas inútil. Era totalmente inútil para o mundo. Da janela, os movimentos eram
sem eira nem beira. Da janela, a sombra de um desejo sem ponto de contato lá e
cá. Lá ou aqui? Eis o seu dilema. De repente, a chuva desabou. Tudo molhado e
um choro histérico. Ela não era de cá e nem de lá. Em cima da escrivaninha,
diante de seus olhos embaçados, um livro de colorir. É possível? Naquela noite,
ela nem dormiu colorindo a vida de outros sonhos e vôos. Claudia Nunes
158 Os ventos atravessavam a casa
inteira e varriam todo o pó de anos. Não havia luz em lugar algum. Na varanda,
ele olhava os carros atravessando a cidade e nem imaginava seus destinos ou
emoções. Ele não sabia nada. Ele estava vazio. Dizem que isso se chama
evolução, mas dói muito. Não havia movimento, só dor e muitos carros. Vida lá
fora, só lá fora. Ao olhar o céu, uma estrela cadente transpassou seus sentidos
e tornou dissonante seu espírito. Ele enfim respirou... e não conseguiu mais
tirar os olhos do alto. Ele queria aquela estrela: um caminho de pontas
luminosas. Seu coração batia forte. Seu cérebro criava outros mundos. As
estrelas são exemplares porque ignoram situações negativas e brilham para
sempre. Suor, lágrimas, palpitação, ele vasculhava o céu a procura de sua musa,
sua salvadora. O celular toca. ‘Anderson, estou aqui embaixo, vamos para
noite?’ E de novo, a esperança se renova. Claudia
Nunes
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