No meio de uma
praça de alimentação de um shopping de subúrbio, numa sexta-feira, chama
atenção o número de pessoas com o olhar focado em seus smartphones. Apesar da
musica ao vivo, um grande numero de pessoas consegue atenção plena focada em
seus smartphones. O que acontece? Estão todos mesmo transtornados? Mesmo em
ambientes como múltiplos estímulos basicamente sonoros e visuais, há uma
necessidade constante de imergir em ambiente virtual e de acessar múltiplas
informações e pessoas em outros lugares fora dali. Parece não haver nada que interrompa
essa necessidade. Ideia inicial: a partir da possibilidade de acesso e imersão
no mundo virtual, há instalação do vício e este causa transtorno e dependência.
Há uma compulsão generalizada.
Em algumas
pesquisas norte-americanas observa-se que, hoje em dia, milhares de pessoas são
incapazes de permanecer sem o celular e, em muitos casos, com o tempo de
imersão, estas pessoas perdem a capacidade de interagir e/ou de manter uma
conversa. Cada acesso é como tomassem uma dose adrenalina e dopamina ao mesmo
tempo. Euforia e alteração de humor estabelecem outros padrões comportamentais
pela constância do acesso e tempo de imersão. Outras formas de acesso dos
sentidos cujo resultado seria a qualificação das ferramentas mentais de/para a
vida em sociedade ficam prejudicadas, quase inerte e/ou diminuídas. Como todo
vício, busca-se a sensação de prazer constante, mesmo em períodos curtos: as
pessoas sentem vontade de olhar o celular toda hora, principalmente depois do
surgimento de diferentes redes sociais virtuais, com diferentes temáticas, como
Orkut, Facebook, Twitter, Linkedin, Instagram, Pinterest etc.
Numa praça de
alimentação de shopping, lotada, numa sexta-feira, com música brasileira, ao
vivo, essa atitude chama muito a MINHA atenção. A ênfase no pronome possessivo
sugere que, para os outros, não há estranhamentos. Parece que não percebem a
contradição instalada. Se todos foram assistir e sentir a música por que tantos
a ignoram, sem culpa, para estarem em outros lugares longe dali? Estranho... Eu
estranho...
Hoje em dia há
um nome para esse transtorno: NOMOFOBIA, uma fobia causada pela falta do
celular e cuja sensação pode causar pânico, ansiedade, estresse e tantas
emoções toxicas. A imersão sem limites no mundo virtual desvincula o corpo e a
mente humana do movimento da vida cotidiana tão cheia de surpresas e mudanças
e, que por isso, exigiriam do ser vivo humano transformações em suas funções
cognitivas e executivas. Os smartphones potencializaram nossa imaginação sobre
superpoderes e superherois, afinal com certo grau de invisibilidade, temos o
mundo nas mãos e somos quase oniscientes: numa mesa com 04 pessoas sentadas,
por exemplo, pode haver mais de 20 conversando inclusive as 04 sentadas ou
mesmo nenhuma delas.
O tempo ganha
outras limitações ou nenhuma limitação: sentados numa praça de alimentação,
resolvemos diferentes problemas, decidimos os próximos passos de nossas vidas,
dialogamos com outras pessoas além daquelas sentadas em nossa mesa (as
ignoradas), enviamos atividades / respostas para futuros trabalhos ou
encontros.
Numa praça de
alimentação de um shopping de subúrbio, numa sexta-feira, com música ao vivo,
temos dezenas de pessoas se multiplicando em outras tantas dezenas em outros
tantos lugares; e/ou temos dezenas de pessoas de corpo presente, mas vazias de
presença real. Ou seja, no fim, não há ninguém ali, só eu já que decidi estar,
naquela hora, em uma dimensão da vida. Estranho... Eu estranho... Estamos na
percepção da dobra delleuziana? Eu não sei... Não é só uma dobra, em que
observamos a vivência de uma dimensão real e outra virtual; há uma desconexão
profunda tão grande que desaparecemos prazerosamente.
Em outras
pesquisas inglesas, observa-se o avanço de outro transtorno: o IAD (Internet
Addictio Disorder) = distúrbio da dependência em internet e este é observado
justamente quando os milhares de pesquisados são colocados em processo de
abstinência. Todos apresentam então os mesmos sintomas dos dependentes em
drogas, jogos e comida; ou seja, segundo a pesquisa, quando privados dos
objetos de suas compulsões.
Na praça de
alimentação de um shopping, estou diante de tudo isso: dependentes, compulsivos
e/ou transtornados. A ideia da introdução dos recursos relacionados às
tecnologias virtuais em nosso cotidiano era favorecer e ampliar nossas
estratégias relacionais já que teríamos mais tempo livre e esta foi cooptada
para uma simples troca (inversão?) de atividades (ações = trabalho = tensão):
parece que o relaxamento ou o chamado ‘ócio criativo’ é uma ilusão / utopia.
O desejo de
conhecer e interagir com o ‘novo’ mundo virtual reorganizou nossas emoções para
um foco: o próprio mundo virtual. Resultado: sentidos profundamente embotados e
com flexibilidade adaptativa frágil. Os seres vivos humanos, naquela praça de
alimentação, não SE desligam para simplesmente SENTIR a musica e o ambiente, e,
de repente, PENSAR em si mesmo no ambiente, entre outras pessoas, a partir da
música. Há um descontrole generalizado dos comportamentos e de determinadas
regras sociais e éticas: se os seres vivos humanos escolheram estar naquela
praça de alimentação, naquela sexta-feira, para ouvir música, deveriam estar
ali integramente: olhar os outros; atender aos outros; falar com os outros;
ouvir os outros; reconhecer e cantar músicas; beber e comer com os outros;
enfim, criar um mundo em que o cotidiano de trabalho e responsabilidades esteja
guardado para outro momento.
Diante dos
smartphones, os seres vivos humanos perderam a noção do TEMPO e da HORA de
serem seres vivos humanos e aprenderem o que é serem seres vivos humanos entre
outros tantos seres vivos humanos emocionantes e emocionados simplesmente
sentindo como pode ser bonita e relaxante a vida de seres vivos humanos juntos
na ‘vida real’.
Qual é a minha
sensação?
Numa praça de
alimentação de shopping, numa sexta-feira: Estou só!
Não vejo
ninguém. Só ouço a música...
Profa
Claudia Nunes
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