domingo, 26 de junho de 2016

SMARTPHONES: mundo sem música



No meio de uma praça de alimentação de um shopping de subúrbio, numa sexta-feira, chama atenção o número de pessoas com o olhar focado em seus smartphones. Apesar da musica ao vivo, um grande numero de pessoas consegue atenção plena focada em seus smartphones. O que acontece? Estão todos mesmo transtornados? Mesmo em ambientes como múltiplos estímulos basicamente sonoros e visuais, há uma necessidade constante de imergir em ambiente virtual e de acessar múltiplas informações e pessoas em outros lugares fora dali. Parece não haver nada que interrompa essa necessidade. Ideia inicial: a partir da possibilidade de acesso e imersão no mundo virtual, há instalação do vício e este causa transtorno e dependência. Há uma compulsão generalizada.
Em algumas pesquisas norte-americanas observa-se que, hoje em dia, milhares de pessoas são incapazes de permanecer sem o celular e, em muitos casos, com o tempo de imersão, estas pessoas perdem a capacidade de interagir e/ou de manter uma conversa. Cada acesso é como tomassem uma dose adrenalina e dopamina ao mesmo tempo. Euforia e alteração de humor estabelecem outros padrões comportamentais pela constância do acesso e tempo de imersão. Outras formas de acesso dos sentidos cujo resultado seria a qualificação das ferramentas mentais de/para a vida em sociedade ficam prejudicadas, quase inerte e/ou diminuídas. Como todo vício, busca-se a sensação de prazer constante, mesmo em períodos curtos: as pessoas sentem vontade de olhar o celular toda hora, principalmente depois do surgimento de diferentes redes sociais virtuais, com diferentes temáticas, como Orkut, Facebook, Twitter, Linkedin, Instagram, Pinterest etc.
Numa praça de alimentação de shopping, lotada, numa sexta-feira, com música brasileira, ao vivo, essa atitude chama muito a MINHA atenção. A ênfase no pronome possessivo sugere que, para os outros, não há estranhamentos. Parece que não percebem a contradição instalada. Se todos foram assistir e sentir a música por que tantos a ignoram, sem culpa, para estarem em outros lugares longe dali? Estranho... Eu estranho...
Hoje em dia há um nome para esse transtorno: NOMOFOBIA, uma fobia causada pela falta do celular e cuja sensação pode causar pânico, ansiedade, estresse e tantas emoções toxicas. A imersão sem limites no mundo virtual desvincula o corpo e a mente humana do movimento da vida cotidiana tão cheia de surpresas e mudanças e, que por isso, exigiriam do ser vivo humano transformações em suas funções cognitivas e executivas. Os smartphones potencializaram nossa imaginação sobre superpoderes e superherois, afinal com certo grau de invisibilidade, temos o mundo nas mãos e somos quase oniscientes: numa mesa com 04 pessoas sentadas, por exemplo, pode haver mais de 20 conversando inclusive as 04 sentadas ou mesmo nenhuma delas.
O tempo ganha outras limitações ou nenhuma limitação: sentados numa praça de alimentação, resolvemos diferentes problemas, decidimos os próximos passos de nossas vidas, dialogamos com outras pessoas além daquelas sentadas em nossa mesa (as ignoradas), enviamos atividades / respostas para futuros trabalhos ou encontros.
Numa praça de alimentação de um shopping de subúrbio, numa sexta-feira, com música ao vivo, temos dezenas de pessoas se multiplicando em outras tantas dezenas em outros tantos lugares; e/ou temos dezenas de pessoas de corpo presente, mas vazias de presença real. Ou seja, no fim, não há ninguém ali, só eu já que decidi estar, naquela hora, em uma dimensão da vida. Estranho... Eu estranho... Estamos na percepção da dobra delleuziana? Eu não sei... Não é só uma dobra, em que observamos a vivência de uma dimensão real e outra virtual; há uma desconexão profunda tão grande que desaparecemos prazerosamente.
Em outras pesquisas inglesas, observa-se o avanço de outro transtorno: o IAD (Internet Addictio Disorder) = distúrbio da dependência em internet e este é observado justamente quando os milhares de pesquisados são colocados em processo de abstinência. Todos apresentam então os mesmos sintomas dos dependentes em drogas, jogos e comida; ou seja, segundo a pesquisa, quando privados dos objetos de suas compulsões.
Na praça de alimentação de um shopping, estou diante de tudo isso: dependentes, compulsivos e/ou transtornados. A ideia da introdução dos recursos relacionados às tecnologias virtuais em nosso cotidiano era favorecer e ampliar nossas estratégias relacionais já que teríamos mais tempo livre e esta foi cooptada para uma simples troca (inversão?) de atividades (ações = trabalho = tensão): parece que o relaxamento ou o chamado ‘ócio criativo’ é uma ilusão / utopia.
O desejo de conhecer e interagir com o ‘novo’ mundo virtual reorganizou nossas emoções para um foco: o próprio mundo virtual. Resultado: sentidos profundamente embotados e com flexibilidade adaptativa frágil. Os seres vivos humanos, naquela praça de alimentação, não SE desligam para simplesmente SENTIR a musica e o ambiente, e, de repente, PENSAR em si mesmo no ambiente, entre outras pessoas, a partir da música. Há um descontrole generalizado dos comportamentos e de determinadas regras sociais e éticas: se os seres vivos humanos escolheram estar naquela praça de alimentação, naquela sexta-feira, para ouvir música, deveriam estar ali integramente: olhar os outros; atender aos outros; falar com os outros; ouvir os outros; reconhecer e cantar músicas; beber e comer com os outros; enfim, criar um mundo em que o cotidiano de trabalho e responsabilidades esteja guardado para outro momento.
Diante dos smartphones, os seres vivos humanos perderam a noção do TEMPO e da HORA de serem seres vivos humanos e aprenderem o que é serem seres vivos humanos entre outros tantos seres vivos humanos emocionantes e emocionados simplesmente sentindo como pode ser bonita e relaxante a vida de seres vivos humanos juntos na ‘vida real’.
Qual é a minha sensação?
Numa praça de alimentação de shopping, numa sexta-feira: Estou só!
Não vejo ninguém. Só ouço a música...


Profa Claudia Nunes

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