sábado, 9 de julho de 2016

SAÚDE, MEMÓRIA e IDOSO: impressões

Para começar saúde demanda e depende de equilíbrio nas relações, na alimentação e no sono. É um equilíbrio sempre muito difícil, pois diferentes elementos precisam ser observados e cuidados, como cultura, profissão, afetos e religião. Há uma aura sempre necessitando de atenção: é saúde mental efervescente e projetada na pretensão de uma inclusão social. Há a parceria entre a biologia cerebral e a mente social na intenção de lidar melhor com o imprevisível, os traumas e as impossibilidades da vida. Organismo e ambiente dinamizam, em sinergia, o desenvolvimento humano. E, de novo: é um equilíbrio muito difícil de manter. Então pensemos: quais são os nossos limites para manter nossa saúde? De pronto podemos responder: a base está em nosso contexto.
Em nossos primeiros movimentos na vida, o contexto (e todos os seus estímulos) é o fundamento de nossa neuroplasticidade (forma de afetar o sistema nervoso; ação do sistema nervoso). É do contexto que criamos, fortalecemos e projetamos nossa individualidade. A partir do contexto encaramos adaptações internas e remodelamos nossas conexões de sentir, de pensar e de agir. Ainda que venhamos a ter lesões, outras estruturas do cérebro podem assumir a função da área afetada e, com isso reorganizar os comportamentos, manter nossas emoções e criar espaços contínuos de inclusão social. Mas para isso precisamos manter a saúde!
Diante disso, algumas afirmativas iniciais: saúde nos capacita ao amor, à aprendizagem, às ações, aos pensamentos etc.; nos capacita e habilita a tudo na/em vida; nos anima com a possibilidade da mutabilidade e renovação; e nos coloca dentro de um ciclo mais do que vital, ela nos coloca num ciclo vitalício. Pensando assim: quando o assunto é neurociência, a questão do contexto torna-se uma questão de sistema nervoso e de memória. Boa disposição física e mental é uma questão de memória. Conceitos como qualidade de vida e bem-estar são questões de memória. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui na definição de saúde, o bem-estar social entre os indivíduos, ou seja, de novo, memória.
A partir do nascimento, somos seres expostos aos mais variados estímulos e o sistema nervoso segue trabalhando fervorosamente para sobreviver. Hábitos, ambientes, estilos, tudo cabe na configuração do sistema nervoso e este constrói uma memória sensorial e afetiva em larga escala, por associação e colaboração: processo de aprendizagem por associação e justaposição (e descarte) de informações. Schvinger (apud BIASON, 2016, p.09) afirma, então, o seguinte, “se o cérebro muda, então é possível investir na aprendizagem de novos conhecimentos”. Em cada etapa da vida, o sistema nervoso vai modificando suas propriedades em resposta aos tantos estímulos a que temos acessos: são as chamadas ‘experiências’. Aprender torna-se ação natural de adquirir, armazenar, recuperar e evocar informações de acordo com as necessidades de momento. Mas é preciso saúde.
Desta memória, comportamentos benéficos ou prejudiciais se apresentam, e o movimento neuroplástico não para. Nossa memória, sempre associativa, é flexível e mutante, afinal, “neuplasticidade acontece, basicamente, em dois casos: após lesões cerebrais ou em resposta aos estímulos externos” (BIASON, 2016, p.09). Nesta perspectiva seguimos aprendendo a dançar, a cantar, a tocar instrumentos, a falar outras línguas, a usar aparelhos eletrônicos etc. É a chamada aprendizagem sináptica. Em toda a vida somos suscetíveis aos estímulos e podemos reconfigurar nossa mente positivamente. Ninguém é ‘velho demais para aprender’!
Contexto, memória e neurônios espelhos, eis nossa singuralidade bem estruturada e sempre buscando entender, se superar e sobreviver em sociedade. Para ser saudável, é preciso colocar o cérebro para funcionar pelo desejo e com criatividade. Mesmo em idade avançada, essa teoria é válida. Principalmente em idade avançada, essa teoria é fundamental. Neste momento da vida, a lentidão e o esquecimento são crescentes. E por isso, neste momento da vida, a questão inerente é a atenção aos estímulos, às motivações, aos desejos e às experiências com criatividade. Então, o que pode causar prejuízo para esta saúde (memória)? De novo, o contexto / ambiente, agora, monótono, dissociativo, indiferente e/ou de emoções tóxicas.
Alimentação balanceada, prática regular de exercícios físicos, bem-estar emocional, estratégias para combater o estresse, cultivo de amizades, aprender novas habilidades são aprendizagens / ações importantes; são práticas contínuas observadas e/ou repetidas na vida toda; são experiências e conhecimentos que fundamentam os comportamentos saudáveis em idade avançada. Só que o mundo mudou: o contexto está recheado de informações (estímulos) e estas estão sobrepostas em velocidade. Há a sensação de aceleramento do tempo (dias) e, por conseguinte, há a precarização de nossas necessidades de prazer e bem-estar já que estas, para serem reconhecidas e bem vividas, precisam de reflexão (tempo) e experimentação. O hipocampo, gerente da memória, segundo Izquierdo (2004) precisa de pit-stops para arejar o conjunto de memórias que adquire cotidianamente.
Em paralelo à necessidade de saúde, há a vivencia da ansiedade e da distração: a sensação de velocidade causa isso. E a saúde é degradada. E as aprendizagens são superficiais. E os afetos são ligeiros. Fora isso, a sobrevivência financeira, o saneamento básico, a assistência médica, a alimentação, o sono, as relações pessoais dentre outros são escassos, o que torna a vida diária ainda mais angustiante. E nossos idosos estão neste círculo vicioso. Eles vivem a saturação de suas memórias, ou seja, segundo Izquierdo (2004), vivem a “sensação de naufrágio no meio de um excesso de informação, próprio da vida moderna, onde estamos continuamente sendo bombardeados por mais informações do que acreditamos poder processar” (p.30) então, continua Izquierdo (2004), “para evitar o naufrágio é preciso ‘racionalizar o trabalho do gerente’ (o hipocampo) e dar-lhe folgas nos momentos necessários. Uma receita de uso geral é aprender a dizer ‘não!’” (p.31).
Muitos idosos a partir dos 70 anos estão com a mente saudável, vivem a vida de forma equilibrada, experimentam novidades como estudar, amar, viajar, dançar de forma livre e libertadora em conjunto ou não; só que o organismo (e sua memória), naturalmente, já apresenta disfunções. Então, mesmo saudáveis, é preciso oferecer um esquecimento com arte, afinal “não somos além daquilo que nos recordamos [e por isso] esquecemos para poder pensar, e esquecemos para não ficar loucos; esquecemos para poder conviver e para poder sobreviver” (IZQUIERDO, 2004, p.19 e p.22).
Se a expectativa de vida aumentou; muitos problemas socioeconômicos e culturais tornaram-se mais graves. Ainda assim, segundo site de Drauzio Varella (2012)[1], são muitas as pessoas que chegaram aos 70, 80 anos em condições físicas e mentais muito boas. Isso é bom e ruim. Bom porque estas pessoas se tornaram consumidores ativos; ruim porque seus parentes estão levando mais tempo lidando com eles. Como consumidores se sentem incluídos, ativos, vivos (independentes); mas normalmente, na relação familiar, há problemas emocionais sérios. E a memória afetiva tão importante na vida ativa dos idosos pode ser seu maior problema:
ð  eles se percebem como estorvo;
ð  eles sentem que suas ações causam irritações;
ð  eles sabem que envelheceram e, de alguma maneira, dependem;
ð  eles tem dificuldade para serem respeitados;
ð  eles acabam se isolando para não causarem problemas;
ð  eles, as vezes, desenvolvem doenças para obter carinho e atenção mínima;
ð  eles se deprimem e se esquecem de quem são.

Segundo Jacob (2012), “o envelhecimento saudável impõe não só boa condição física e mental, como também a inclusão social que permite desempenhar tais funções”. Devemos eliminar, portanto, a questão etária quando analisamos a pessoa idosa. Ainda que, no Brasil, idoso seja classificado a partir dos 60 anos, o
“envelhecimento ativo conduz ao envelhecimento saudável. (...) Além disso, é importante manter atividade social, profissional, afetiva e amorosa em todos os sentidos. O idoso precisa compreender que só pertencerá à comunidade se agir como ela age. Caso contrário, será dela excluído naturalmente”. (JACOB, 2012).

Em comum acordo com esta leitura estão as atividades mentais e físicas, ainda que limitadas (mais lentas), sem sobrecargas. E de acordo com Jacob (2012), “(...) a atividade física faz com que a pessoa, apesar da idade mais avançada, consiga preservar a capacidade de adaptação funcional, seu organismo terá respostas mais próximas das encontradas nos indivíduos de menos idade, isto é, preserva-se a capacidade de dar resposta à demanda funcional”.
Segundo a OMS há seis domínios a serem observados quanto à qualidade de vida: o físico, o psicológico, o do nível de independência, o das relações sociais, o do meio ambiente e o dos aspectos religiosos. Quaisquer atividades relacionadas ao fortalecimento da memória ou ao retardamento de quaisquer disfunções mnemônicas precisam se estabelecer a partir do conhecimento destes domínios, principalmente na questão do idoso. É uma mensuração que pode criar uma teia de ações focadas no contexto (memória) do idoso: uma teia em que seus gostos e prazeres sejam levados em consideração.
Quem tem a sorte de envelhecer e envelhecer de forma saudável, também precisa de estímulos às atividades proativas para que o esquecimento aconteça mais tarde. No caso do idoso, quase toda transformação interna já ocorreu; logo é preciso que se trabalhem hábitos e costumes; é preciso respeitar seus hábitos e costumes; mas também é preciso oportunizar mudanças que valorizem corpo e mente.
Em todo o processo, é preciso que o idoso comece e termine as atividades se sentindo bem e valorizado; é preciso afetar o sistema nervoso com intensidade, afinal “toda memória é adquirida num certo estado emocional. (...) Gravamos melhor, e temos muito menos tendência a esquecer, as memórias de alto conteúdo emocional”. (IZQUIERDO, 2004, p.36-37).
Saúde é isso: manter equilibrados níveis de humor, prazer, sono, alimentação e afetividade que harmonizem a vivência do seu próprio cotidiano (família e amigos). Saúde é ‘alimentar’ o nível de satisfação com a própria vida. Há uma engenharia de ações e atitudes importantes para quem trabalha com idosos: escuta, educação, afeto, respeito, compreensão, conhecimento, estudos, atividades prazerosas. É importante entender que
“saudável é estar disponível para a vida em todas as suas dimensões e suas implicações, seus prazeres e dores, suas alegrias e tristezas, e ser feliz por poder experimentar sentimentos, ter sensações e se saber maior que eles. (...) é perceber-se como agente participante e transformador da vida. É olhar para o outro e vê-lo como parceiro nessa caminhada. É perceber que tudo o que fazemos é parte de um enorme sistema orgânico e que não é possível caminhar sozinho” (2013)[2].

Nesta perspectiva textual, cheia de impressões e sugestões, alguns pensamentos podem criar um mapa de ações realistas e efetivas junto aos idosos, a saber:
ð  É preciso quebrar barreiras emocionais e motoras;
ð  É preciso conhecer táticas de convencimento interessantes;
ð  É preciso ter paciência com erros e repetições de cada idade;
ð  É preciso ter uma fala calma ainda que assertivo;
ð  É preciso privilegiar o diálogo e a escuta sensível;
ð  É preciso entender a necessidade de independência e privacidade;
ð  É preciso criar um elo de confiabilidade sincero;
ð  É preciso criar atividades divertidas, mas apropriadas;
ð  É preciso negar o isolamento e o silêncio, vez por outra e com respeito;
ð  É preciso manter rotinas básicas e divertidas.

Profª Claudia Nunes

Referências:

BIASON, Augusto. Ao infinito e além. São Paulo: Ed. Alto Astral, 2016, p. 08 e 09. Revista Mundo Secreto do Cérebro Especial.
IZQUIERDO, Ivan. A arte de esquecer: cérebro, memória e esquecimento. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2004.




[1] ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL I – Drauzio Varella entrevista Wilson Jacob Filho. 2012. http://drauziovarella.com.br/envelhecimento/envelhecimento-saudavel-i/

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