Para começar saúde demanda e
depende de equilíbrio nas relações, na alimentação e no sono. É um equilíbrio
sempre muito difícil, pois diferentes elementos precisam ser observados e
cuidados, como cultura, profissão, afetos e religião. Há uma aura sempre
necessitando de atenção: é saúde mental efervescente e projetada na pretensão
de uma inclusão social. Há a parceria entre a biologia cerebral e a mente
social na intenção de lidar melhor com o imprevisível, os traumas e as
impossibilidades da vida. Organismo e ambiente dinamizam, em sinergia, o
desenvolvimento humano. E, de novo: é um equilíbrio muito difícil de manter.
Então pensemos: quais são os nossos limites para manter nossa saúde? De pronto
podemos responder: a base está em nosso contexto.
Em nossos primeiros movimentos
na vida, o contexto (e todos os seus estímulos) é o fundamento de nossa
neuroplasticidade (forma de afetar o sistema nervoso; ação do sistema nervoso).
É do contexto que criamos, fortalecemos e projetamos nossa individualidade. A
partir do contexto encaramos adaptações internas e remodelamos nossas conexões
de sentir, de pensar e de agir. Ainda que venhamos a ter lesões, outras
estruturas do cérebro podem assumir a função da área afetada e, com isso
reorganizar os comportamentos, manter nossas emoções e criar espaços contínuos
de inclusão social. Mas para isso precisamos manter a saúde!
Diante disso, algumas
afirmativas iniciais: saúde nos capacita ao amor, à aprendizagem, às ações, aos
pensamentos etc.; nos capacita e habilita a tudo na/em vida; nos anima com a
possibilidade da mutabilidade e renovação; e nos coloca dentro de um ciclo mais
do que vital, ela nos coloca num ciclo vitalício. Pensando assim: quando o
assunto é neurociência, a questão do contexto torna-se uma questão de sistema
nervoso e de memória. Boa disposição física e mental é uma questão de memória.
Conceitos como qualidade de vida e bem-estar são questões de memória. Além
disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui
na definição de saúde, o bem-estar social entre os indivíduos, ou
seja, de novo, memória.
A partir do nascimento, somos
seres expostos aos mais variados estímulos e o sistema nervoso segue
trabalhando fervorosamente para sobreviver. Hábitos, ambientes, estilos, tudo
cabe na configuração do sistema nervoso e este constrói uma memória sensorial e
afetiva em larga escala, por associação e colaboração: processo de aprendizagem
por associação e justaposição (e descarte) de informações. Schvinger (apud
BIASON, 2016, p.09) afirma, então, o seguinte, “se o cérebro muda, então é possível investir na aprendizagem de novos
conhecimentos”. Em cada etapa da vida, o sistema nervoso vai modificando
suas propriedades em resposta aos tantos estímulos a que temos acessos: são as
chamadas ‘experiências’. Aprender torna-se ação natural de adquirir, armazenar,
recuperar e evocar informações de acordo com as necessidades de momento. Mas é
preciso saúde.
Desta memória, comportamentos
benéficos ou prejudiciais se apresentam, e o movimento neuroplástico não para.
Nossa memória, sempre associativa, é flexível e mutante, afinal, “neuplasticidade acontece, basicamente, em
dois casos: após lesões cerebrais ou em resposta aos estímulos externos”
(BIASON, 2016, p.09). Nesta perspectiva seguimos aprendendo a dançar, a cantar,
a tocar instrumentos, a falar outras línguas, a usar aparelhos eletrônicos etc.
É a chamada aprendizagem sináptica.
Em toda a vida somos suscetíveis aos estímulos e podemos reconfigurar nossa
mente positivamente. Ninguém é ‘velho demais para aprender’!
Contexto, memória e neurônios
espelhos, eis nossa singuralidade bem estruturada e sempre buscando entender,
se superar e sobreviver em sociedade. Para ser saudável, é preciso colocar o
cérebro para funcionar pelo desejo e com criatividade. Mesmo em idade avançada,
essa teoria é válida. Principalmente em idade avançada, essa teoria é
fundamental. Neste momento da vida, a lentidão e o esquecimento são crescentes.
E por isso, neste momento da vida, a questão inerente é a atenção aos
estímulos, às motivações, aos desejos e às experiências com criatividade.
Então, o que pode causar prejuízo para esta saúde (memória)? De novo, o
contexto / ambiente, agora, monótono, dissociativo, indiferente e/ou de emoções
tóxicas.
Alimentação balanceada, prática
regular de exercícios físicos, bem-estar emocional, estratégias para combater o
estresse, cultivo de amizades, aprender novas habilidades são aprendizagens /
ações importantes; são práticas contínuas observadas e/ou repetidas na vida
toda; são experiências e conhecimentos que fundamentam os comportamentos
saudáveis em idade avançada. Só que o mundo mudou: o contexto está recheado de
informações (estímulos) e estas estão sobrepostas em velocidade. Há a sensação
de aceleramento do tempo (dias) e, por conseguinte, há a precarização de nossas
necessidades de prazer e bem-estar já que estas, para serem reconhecidas e bem
vividas, precisam de reflexão (tempo) e experimentação. O hipocampo, gerente da
memória, segundo Izquierdo (2004) precisa de pit-stops para arejar o conjunto
de memórias que adquire cotidianamente.
Em paralelo à necessidade de
saúde, há a vivencia da ansiedade e da distração: a sensação de velocidade
causa isso. E a saúde é degradada. E as aprendizagens são superficiais. E os
afetos são ligeiros. Fora isso, a sobrevivência financeira, o saneamento
básico, a assistência médica, a alimentação, o sono, as relações pessoais
dentre outros são escassos, o que torna a vida diária ainda mais angustiante. E nossos idosos estão neste círculo
vicioso. Eles vivem a saturação de suas memórias, ou seja, segundo
Izquierdo (2004), vivem a “sensação de
naufrágio no meio de um excesso de informação, próprio da vida moderna, onde
estamos continuamente sendo bombardeados por mais informações do que
acreditamos poder processar” (p.30) então, continua Izquierdo (2004), “para evitar o naufrágio é preciso
‘racionalizar o trabalho do gerente’ (o hipocampo) e dar-lhe folgas nos
momentos necessários. Uma receita de uso geral é aprender a dizer ‘não!’”
(p.31).
Muitos idosos a partir dos 70
anos estão com a mente saudável, vivem a vida de forma equilibrada,
experimentam novidades como estudar, amar, viajar, dançar de forma livre e
libertadora em conjunto ou não; só que o organismo (e sua memória),
naturalmente, já apresenta disfunções. Então, mesmo saudáveis, é preciso oferecer
um esquecimento com arte, afinal “não
somos além daquilo que nos recordamos [e por isso] esquecemos para poder
pensar, e esquecemos para não ficar loucos; esquecemos para poder conviver e
para poder sobreviver” (IZQUIERDO, 2004, p.19 e p.22).
Se a expectativa de vida
aumentou; muitos problemas socioeconômicos e culturais tornaram-se mais graves.
Ainda assim, segundo site de Drauzio Varella (2012)[1],
são muitas as pessoas que chegaram aos 70, 80 anos em condições físicas e
mentais muito boas. Isso é bom e ruim. Bom porque estas pessoas se tornaram
consumidores ativos; ruim porque seus parentes estão levando mais tempo lidando
com eles. Como consumidores se sentem incluídos, ativos, vivos (independentes);
mas normalmente, na relação familiar, há problemas emocionais sérios. E a
memória afetiva tão importante na vida ativa dos idosos pode ser seu maior
problema:
ð eles se percebem como estorvo;
ð eles sentem que suas ações
causam irritações;
ð eles sabem que envelheceram e,
de alguma maneira, dependem;
ð eles tem dificuldade para serem
respeitados;
ð eles acabam se isolando para
não causarem problemas;
ð eles, as vezes, desenvolvem
doenças para obter carinho e atenção mínima;
ð eles se deprimem e se esquecem
de quem são.
Segundo Jacob (2012), “o envelhecimento saudável impõe não só boa
condição física e mental, como também a inclusão social que permite desempenhar
tais funções”. Devemos eliminar, portanto, a questão etária quando
analisamos a pessoa idosa. Ainda que, no Brasil, idoso seja classificado a
partir dos 60 anos, o
“envelhecimento ativo conduz ao envelhecimento
saudável. (...) Além disso, é importante manter atividade social, profissional,
afetiva e amorosa em todos os sentidos. O idoso precisa compreender que só
pertencerá à comunidade se agir como ela age. Caso contrário, será dela
excluído naturalmente”. (JACOB, 2012).
Em comum acordo com esta
leitura estão as atividades mentais e físicas, ainda que limitadas (mais
lentas), sem sobrecargas. E de acordo com Jacob (2012), “(...) a atividade física faz com que a pessoa, apesar da idade mais
avançada, consiga preservar a capacidade de adaptação funcional, seu organismo
terá respostas mais próximas das encontradas nos indivíduos de menos idade,
isto é, preserva-se a capacidade de dar resposta à demanda funcional”.
Segundo a OMS há seis domínios
a serem observados quanto à qualidade de vida: o físico, o psicológico, o do nível de independência, o das relações
sociais, o do meio ambiente e o dos aspectos religiosos. Quaisquer
atividades relacionadas ao fortalecimento da memória ou ao retardamento de
quaisquer disfunções mnemônicas precisam se estabelecer a partir do
conhecimento destes domínios, principalmente na questão do idoso. É uma
mensuração que pode criar uma teia de ações focadas no contexto (memória) do
idoso: uma teia em que seus gostos e prazeres sejam levados em consideração.
Quem tem a sorte de envelhecer
e envelhecer de forma saudável, também precisa de estímulos às atividades
proativas para que o esquecimento aconteça mais tarde. No caso do idoso, quase
toda transformação interna já ocorreu; logo é preciso que se trabalhem hábitos
e costumes; é preciso respeitar seus hábitos e costumes; mas também é preciso
oportunizar mudanças que valorizem corpo e mente.
Em todo o processo, é preciso
que o idoso comece e termine as atividades se sentindo bem e valorizado; é
preciso afetar o sistema nervoso com intensidade, afinal “toda memória é adquirida num certo estado emocional. (...) Gravamos
melhor, e temos muito menos tendência a esquecer, as memórias de alto conteúdo
emocional”. (IZQUIERDO, 2004, p.36-37).
Saúde é isso: manter equilibrados
níveis de humor, prazer, sono, alimentação e afetividade que harmonizem a
vivência do seu próprio cotidiano (família e amigos). Saúde é ‘alimentar’ o
nível de satisfação com a própria vida. Há uma engenharia de ações e atitudes
importantes para quem trabalha com idosos: escuta, educação, afeto, respeito,
compreensão, conhecimento, estudos, atividades prazerosas. É importante
entender que
“saudável é estar disponível para a vida em todas
as suas dimensões e suas implicações, seus prazeres e dores, suas alegrias e
tristezas, e ser feliz por poder experimentar sentimentos, ter sensações e se
saber maior que eles. (...) é perceber-se como agente participante e
transformador da vida. É olhar para o outro e vê-lo como parceiro nessa
caminhada. É perceber que tudo o que fazemos é parte de um enorme sistema
orgânico e que não é possível caminhar sozinho” (2013)[2].
Nesta perspectiva textual,
cheia de impressões e sugestões, alguns pensamentos podem criar um mapa de
ações realistas e efetivas junto aos idosos, a saber:
ð É preciso quebrar barreiras
emocionais e motoras;
ð É preciso conhecer táticas de
convencimento interessantes;
ð É preciso ter paciência com
erros e repetições de cada idade;
ð É preciso ter uma fala calma
ainda que assertivo;
ð É preciso privilegiar o diálogo
e a escuta sensível;
ð É preciso entender a
necessidade de independência e privacidade;
ð É preciso criar um elo de
confiabilidade sincero;
ð É preciso criar atividades
divertidas, mas apropriadas;
ð É preciso negar o isolamento e
o silêncio, vez por outra e com respeito;
ð É preciso manter rotinas
básicas e divertidas.
Profª Claudia
Nunes
Referências:
BIASON,
Augusto. Ao infinito e além. São
Paulo: Ed. Alto Astral, 2016, p. 08 e 09. Revista Mundo Secreto do Cérebro
Especial.
IZQUIERDO,
Ivan. A arte de esquecer: cérebro,
memória e esquecimento. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2004.
[1] ENVELHECIMENTO
SAUDÁVEL I – Drauzio Varella entrevista Wilson Jacob Filho. 2012. http://drauziovarella.com.br/envelhecimento/envelhecimento-saudavel-i/
[2] O
QUE É SAÚDE. 2013. http://www.portaleducacao.com.br/direito/artigos/32304/o-que-e-saude#ixzz47W5W23s0
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